terça-feira, 15 de novembro de 2011

Guiné 63/74 – P9045: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (39): O 1º Cabo Cond Auto/ Rádio VELEZ

1. O nosso Camarada José Eduardo Oliveira - JERO -, (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), enviou-nos a seguinte mensagem:


1.º Cabo Cond auto/Rádio VELEZ - A modéstia em pessoa



A CCaç 675 continua a honrar os seus mortos.

Mais uma vez acompanhei o ex-Alferes Belmiro Tavares na honrosa e digna missão de recordar os nossos mortos, com a colocação de uma lápide na sua última morada.

Já são quarenta os nossos mortos!... Na Guiné tivemos 3 baixas. Regressámos em Maio de 1966 e desde então até aos nossos dias já nos deixaram mais 37 camaradas.

Na missa que mandamos celebrar nos dias dos nossos convívios, que têm lugar habitualmente no 2º domingo,  de Maio desde 1967 até aos dias de hoje, recordamos sempre os nossos mortos. Quando a já longa lista é lida em voz alta pelo Belmiro Tavares cada nome é saudado com o grito de “presente”.

Francisco Diogo Velez, que faleceu em 23 de Março de 2010, foi um dos nomes referido em passado recente.

Acompanhado de um seu familiar – José Godinho, seu sobrinho por afinidade - fomos visitar a sua campa no cemitério Municipal Vale Flores, em Feijó.

 “Presente”. Velez. 1º Cabo Cond/Auto/ 2458/63 da CCaç 675.

... Dr. Francisco Diogo Velez, da Central de Cervejas, completou seu sobrinho José Godinho.

O Belmiro olhou para mim e eu olhei para o Belmiro. No Outono deste 2011 estava-nos reservada uma surpresa. Das grandes. 

Dos nossos tempos da Guiné recordava o Velez como um militar disciplinado, cumpridor, bom no que fazia mas sem dar especialmente nas vistas. Era um bom militar como era apanágio da maioria dos militares da Companhia do Capitão Tomé Pinto. O Velez só se transfigurava e dava nas vistas quando jogava futebol. Era o nosso melhor jogador. Simplesmente o melhor.


Em termos pessoais recordava-o como parceiro de uma cena meia caricata, de que não me orgulhava particularmente mas que tinha efectivamente acontecido. Constava até do nosso “Diário”.

«…na noite de 13 de Setembro de 1964 tivemos a surpresa de um ataque ao quartel, em Binta. Estávamos – vários furriéis e sargentos - numa sala que tinha duas saídas. Uma para o lado donde vinham os tiros e outra pró outro lado. O lado bom… dava para a sala dos telegrafistas. Arrombámos a porta e passámos pelos telegrafistas como uma manada de búfalos a fugir de leões. Eu fui um dos “heróis” que atropelou o Velez na minha corrida desenfreada “pró lado bom”.Nunca mais esqueci a sua cara de espanto…».

Saímos do cemitério do Feijó e visitámos a casa do [sobrinho] do Velez. E soubemos tantos anos depois o que tinha sido a vida pessoal e profissional do nosso Velez, da Guiné.

Já na casa de José Godinho vimos uma sala preenchida com troféus e fotografias do “Chico” Velez, como os seus familiares mais próximos o tratavam.

Nasceu em 1942 em Benavila, concelho de Aviz, distrito de Portalegre. Alentejano de um meio rural, filho de uma família de camponeses, muito humilde, teve a companhia de mais 4 irmãos. Fez a 4ª Classe, jogava a bola e foi aprendiz de sapateiro, com um seu tio. Viveu na sua terra natal até aos 20 anos. Chegou o tempo da vida militar, e foi mobilizado para a Guiné, onde o viemos a conhecer.

Depois do regresso em Maio de 1966 – soubemos pelo seu sobrinho José Godinho – que ingressou pouco tempo depois na Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, em Vialonga, onde veio a trabalhar toda a vida.

Foi servente e depois ajudante de motorista. Tirou a carta de condução profissional e foi promovido a condutor. Por volta dos 40 anos resolveu estudar. Estudou à noite e em dois anos fez o liceu. Ingressou depois na Faculdade de Economia, em Lisboa, e em 5 anos conseguiu terminar o seu curso. Na sua empresa reconheceram-lhe os méritos e o seu esforço para se valorizar e quando já andava no 2º ou 3º  ano da Universidade ingressou nos escritórios da Empresa, como tesoureiro. Quando terminou a sua licenciatura passou ao Departamento de Finanças e nos últimos anos da sua vida foi Director Financeiro da Central de Cervejas.

Nos convívios da CCaç 675 o Dr. Velez nunca contou nada da sua vida e sempre se manteve discreto e sem alardes ou jactâncias da sua meteórica subida na vida profissional. Sabíamos que trabalhava da Central de Cervejas mas pouco mais.

Manteve-se solteiro e sempre próximo dos seus familiares. Comprou uma casa com 9 assoalhadas, onde viveu grande parte da sua vida. Essa casa de 9 assoalhadas é em Lisboa, na Avenida Miguel Bombarda, nº 139.

 Na fase da sua doença, que lhe veio a causar a morte, esteve nos últimos meses de vida em casa do José Godinho e da sua sobrinha favorita, a Cita, em Fernão Ferro, na margem Sul. Já muito doente fez questão em fazer testamento e deixou as poupanças da sua vida aos seus familiares mais próximos.

O seu funeral foi uma sentida manifestação de pesar. De gente do futebol – jogou nas reservas do Benfica e do Sporting Clube de Portugal nos tempos em que Juca foi treinador do clube – e de gente do ténis de mesa. Nesta modalidade o “Chico” Velez foi durante alguns anos campeão nacional de veteranos pelo Clube Desportivo do Millennium BCP. Sem nunca ter sido bancário.

Nunca contou aos seus camaradas da “675” os problemas de saúde que marcaram duramente um ano da sua vida. O último. E só mais tarde soubemos que já não estava entre nós.


A surpresa estava para acontecer quase um ano e meio depois da sua morte. O 1º Cabo Velez da “675” morreu “Dr”. Doutor em economia mas principalmente em simplicidade. Sem ostentação de títulos nem vaidades.

Francisco Diogo Velez foi a modéstia em pessoa. Cultivou em vida valores que vão para além da morte. Merece o nosso apreço. A nossa homenagem póstuma.

Em termos pessoais começo hoje a pagar-lhe uma dívida de gratidão.Com a expressão da minha saudade. Da nossa saudade.

Um Alfa-Bravo dos teus camaradas da Guiné.
JERO
____________

Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

9 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8653: Histórias do Jero (38): O Sétima Dia (José Eduardo Oliveira)


8 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Abraço-te, José Eduardo e, esse abraço, estendo-o a toda a "675".

Felizmente há Homens assim e curvo-me á sua Memória.
T.

Luís Graça disse...

Meu caro Jero:

Em semana de delícias celestiais, lá no teu Mosteiro, devo dizer que adorei, mais uma vez, a tua saborosa história, ou a história (de vida), surpreendente, de um 1º condutor auto rádio... que, graças à mobilidade social, acabou por chegar a diretor financeiro de uma grande empresa... Mas quantos "Chico" e quantos "Velez" não ficaram pelo caminho, por falta de efetiva igualdade de oportunidades ?


Não me levas entretanto a mal se te pedir para me explicares o que era esse posto e essa especialidade de 1º cabo condutor auto rádio...

Com açúcar e com afeto... Luis Graça

Anónimo disse...

Caro Luís
Como vou responder ao teu comentário começo por cumprimentar o nosso Torcato Mendonça, um dos Homens Grandes da nossa Tabanca Grande.Para esclarecer a especialidade do "1º.Cabo condutor auto rádio" telefonei ao meu General Tomé Pinto, que tem sempre tempo e disponibilidade para falar com os seus homens.Disse-me o meu General que o Velez foi condutor e rádio telegrafista.Tão só.E 1º. cabo, acrescento eu(três em um). E um homem de grande valor, que merece ser apontado como exemplo. E graças ao nosso blog é agora conhecido e reconhecido como tal,
Um grande abraço conventual de Alcobaça. Hoje ainda "sem açúcar" porque a mostra dos ditos só começa na 5º:feira, dia 17.JERO

Joaquim Mexia Alves disse...

Oh Jero, que história, homem!

Não só a delicadeza e a ternura com que tratas os teus camardas de armas, mas o testemunho de alguém, que tendo lutado pela vida sempre se manteve na humildade dos homens com H grande, sem alardes, nem jactâncias.

Que lição, para mim e para tantos.

Já ganhei o dia, pois obrigaste-me a reflectir nos meus pobres orgulhos.

Um grande abraço

Luís Graça disse...

Explicação do nosso camarada
José Colaço

josebcolaco@gmail.com
18:59



Caro Luís na mensagem do Jero só falta a palavra telegrafista ou transmissões. Exemplo: O nosso poeta popular Francisco dos Santos, a especialidade dele era 1º cabo condutor auto, rádio telegrafista.

Um abraço

Anónimo disse...

Camaradas

Um Homem com H grande.
Simples e cheio de qualidades.
Um exemplo.
Mais Palavras para quê?
Que descanse em PAZ...

Luís Borrega

Anónimo disse...

Grande Jero

Ainda vou a tempo para te "dizer", que adorei este teu testemunho.

Que a memória destes nossos camaradas, ajude o pessoal a reflectir...

Um abraço,

Jorge Rosales

Unknown disse...

Continua a ser lembrado e a fazer parte da nossa vida, porque ele vive sempre nos nossos corações !!!
Sou filha da Cita e do Godinho e orgulhosamente sobrinha do Tio Xico !!!
Obriga pelo vosso imenso carinho ....