Caros amigos
Aqui vai uma pequenina história.
Abraços
AMM
Aterragem em grande estilo
A manhã tinha sido calma, apenas uma missão de bombardeamento, 2 bombas de 200 e 4 de 50 quilos algures na Guiné, alguém devia ter ficado com dores de cabeça. Seguiu-se o almoço, já não me lembro onde, se na messe da FAP (comia-se mal), se nos Pára-quedistas, a comida era melhor mas não era a nossa casa, a derradeira solução era no bar dos pilotos, umas francesinhas, duas rodelas de pêssego em calda e uma bica.
Depois do almoço passei a estar de alerta ao DO-27, para alguma eventual evacuação. De referir que à chegada à Guiné tinha zero horas em tais aeronaves ou, por outras palavras, nunca tinha posto o cu em tais máquinas. Que tal situação não tinha sido problema, o Tio Brito tinha-me explicado como aquilo funcionava, não havia TO nem Checklist mas também não era importante, primeiro tinha aprendido a pôr em marcha e descolar, depois a aterrar na pista de Bissau, logo tínhamos ido fazer o circuito operacional, Bula (pista média), Binar (curta) e Biambe (rasca a valer),... já está, em 5 voos tinha passado a operacional de DO-27.
O pedido de evacuação acabou por chegar já ao fim da tarde, através do intercomunicador alguém gritou... “ALERTA AO DO-27”. De imediato fui às Operações, a fim de saber o que me esperava, uma evacuação ( Y) de um militar, em Bissorã, pediam igualmente médico para acompanhar o ferido, em termos práticos significava enfermeira a bordo, já que os médicos... nicles. Os DO-27 vulgarmente conhecidos no meio do pessoal terrestre como as “avionetas”, apesar de parecerem todos iguais não o eram, havia 2 modelos, o A-3 e o A-4, independentemente de outras diferenças que agora não vêm ao caso, o A-4 tinha rodas maiores, travavam melhor mas, por serem mais altos, eram mais instáveis nas aterragens.
Passei junto do pessoal da Linha dos DO-27, lá me indicaram o avião de alerta, um A-4. Com a chegada da enfermeira à placa logo partimos para Bissorã, igualmente acompanhados de mecânico, não era necessário mas neste voos curtos eles gostavam de voar connosco e sempre davam uma ajuda, nomeadamente na manipulação das macas.
O António Martins de Matos, então jovem Tenente Pilav (BA12, Bissalanca, 1972/74), junto a um DO 27.
Foto do blogue do nosso camarada Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74. Com a devida vénia.
Voo sem história, 15 minutos depois estava aterrado na pista do quartel. Trouxeram o ferido, um jovem soldado acidentado, uma das pernas apresentava uma fractura exposta digna de realce. Lá o pusemos na maca e posteriormente na aeronave, com todos os cuidados já que o rapazito gritava que se fartava. Voo de regresso foi igualmente sem história, a enfermeira vinha lá atrás junto ao paciente, devia ter-lhe dado algo para as dores que o evacuado vinha calado, o cabo mecânico ao meu lado a admirar este piloto bem esgalhado.
À chegada a Bissau e a pensar na fractura exposta do doente disse para o cabo: “Vais ver como aterram os pilotos dos jactos, isto vai ser com a maior suavidade, tipo ziiiiiip, nem vais dar por tocar no asfalto,... vais ter que ligar prá Torre a pedir confirmação que aterrámos”. Apontei à pista e tudo correu bem até ao momento de fazer o tal ZIP, só que.... esqueci-me que este DO-27 tinha rodas maiores, dei uma trancada na pista, a que se seguiu outra, e outra,... a pior aterragem da minha vida.
Logo naquele avião se formou um coro a três vozes, o doente lá atrás aos gritos, a enfermeira calada mas com ar assustado, o mecânico a amaldiçoar a hora em que tinha solicitado a boleia e o piloto a rir da situação caricata a que tínhamos chegado. “Ao doente de Bissorã, estimo as melhoras da perna e desculpa lá o mau jeito”.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 3 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9991: (Ex)citações (183): Comparandos os dois G, Guidaje e Guileje... (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)
Vd. último poste da série de 15 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9906: FAP (68): O Óscar e os meus relógios (Miguel Pessoa)
5 comentários:
Deliciosa a história, António. Quem disse que os pilav eram uns gajos mal humorados ? Comecei o dia bem disposto, ao ler-te, e pronto para a "aterrar" na base da montanha de trabalhos de alunos que tenho para ler por estes dias, com a canícula lá fora a apertar e a convidar para um fin(íssim)o...
Obrigado, António. Nem tudo são maus "recuerdos" daquela terra verde e vermelha... Mas imagino que passar de Fiat G-91 para o DO 267 era como passar de cavalo para burro... Na verdade, éramos todos polivalentes... LG
Ainda em tempo... Sei que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca.. é Grande, mas adoraria juntar aqui um dia o teu ferido, a enfermeira pára e o mecânico... Para cada um deles contar a sua versão desta "aterragem em grande estilo"... LG
Esta"manobra" na giria aeronautica,
não é apelidada de um valente"cavalo
de pau"
Carlos Nabeiro.
Oh...Ohh..meu caro General
Na messe da FAP...comia-se mal !!!
Na minha modesta opinião..estava em 2.º lugar logo a seguir à da Marinha.
Imagino o "desgraçado" com uma fractura exposta e a DO a aterrar aos saltinhos.
Uma vez assisti a uma aterragem dessas em Cacine..a pista era de asfalto..o pilav saiu todo sorridente..perante o olhar incrédulo dos presentes..justificou-se.. foi do vento..do vento ?..mas não estava vento nenhum..o que é certo é que caminhava ligeiramente aos esses..era do vento..e era um "bacano".
Atenção que nada tinha a ver com "BACO".
C.Martins
A proposito de se "comer bem na Marinha", na Guine diziam que a Forca Aerea tinha o cinema, o Exercito a piscina e a Marinha a messe.
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