Olá Camarada e Amigo Carlos Vinhal!
Afinal isto das estórias são como as cerejas. Começa-se a puxar por uma e lá vem mais outra atrás...
Foi precisamente o que me aconteceu com mais esta que agora te envio, e que me veio à memória ao passar ontem pelo Rossio em Lisboa, onde habitualmente se encontra muito pessoal das ex-colónias, nomeadamente da Guiné-Bissau, e à venda alguns produtos oriundos daquela terra vermelha e verde, como costuma dizer o Luís Graça.
Desta forma, não foi difícil passar para o papel mais este relato que agora te envio juntamente com algumas fotos, para possível publicação, se assim o entenderes.
Com votos de muita saúde, recebe um grande e forte abraço.
Augusto Silva Santos
ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (10)
O Tarzan do Jol
Foi já no final do ano de 1971 que cheguei a Bissau. Quase por milagre (como se costuma dizer) ainda consegui passar o Natal em Lisboa, pois nessa altura deixaram de haver voos, mas eis-me a embarcar a 28 de Dezembro no Aeroporto de Figo Maduro em rendição individual para a então província da Guiné, se não me falha a memória num velhinho quadrimotor DC-6. Não foi uma viagem fácil, pois demorou muitas horas, com uma inevitável escala na Ilha do Sal em Cabo Verde, dado que a determinada altura (sensivelmente a meio da viagem), um dos motores começou a falhar (víamos da janela o hélice parado), mas muito provavelmente também por uma questão de reabastecimento de combustível.
Tive a sorte de ter amigos à minha espera em Bissau, que logo me encaminharam para ficar alojado em Brá, mais propriamente no Combis, onde fiquei a aguardar transporte para Piche, visto ter guia de marcha com destino à CCav 2749, para render o infeliz Furriel Mil. Armindo André, cuja morte trágica já foi motivo de relato neste blogue por outros camaradas. Tal não viria no entanto a acontecer, pois por influência do meu irmão que se encontrava no Pelundo na CCaç 3307, junto do Comandante do BCaç 3833, acabei por ser “desviado” para a CCaç 3306 sita em Jolmete. Recordo que os meus primeiros dias de Guiné como militar (já havia estado várias vezes em Bissau como civil), foram demasiado horríveis para mim, mesmo considerando a óptima recepção por parte dos outros camaradas, pois apesar da medicação que nos era ministrada para evitar o paludismo, apanhei uma “carga” tal que, passados todos estes anos, ainda sinto arrepios só de me lembrar o que então passei. Quase não me aguentava de pé e, o na altura que me “safou”, obviamente para além da medicação anti-palúdica que me foi ministrada, foi a muita água gaseificada Perrier e água tónica Shweppes que, além do gás, também tinha hidrocloreto de quinino.
Toda esta introdução para explicar que, infelizmente, esta situação relacionada com a malária foi algo que me atormentou ainda durante alguns anos, com maior incidência durante o período em que permaneci na Guiné, nomeadamente no mato. Aqui em Portugal foram muitas as injecções de Ricolon + Conmel que levei, para minimizar os chamados acessos palustres que me assaltavam aquando duma gripe mais forte.
Foi o que me aconteceu algumas vezes enquanto estive na CCaç 3306, embora sempre controlado e sem grandes problemas, mas lembro-me que numa ocasião, já algo debilitado, mas com esperança de melhorar e para não sobrecarregar nenhum colega, resolvi mesmo assim alinhar em mais uma das habituais operações, mas em má hora o fiz, pois dessa feita as coisas não correram da melhor forma e, apesar dos cuidados do enfermeiro que nos acompanhava, estive prestes a ter de ser evacuado em pleno mato. A febre alta, o frio, e as dores musculares já eram tantas, que estava quase a entrar num estado de prostração.
Foi então que algo de inesperado se passou, ou seja, um dos Soldados do Pelotão de Caçadores Nativos chegou-se junto a mim e, quase em sussurro disse-me qualquer coisa mais ou menos nestes termos:
- O Furriel quer ser mesmo evacuado, ou quer ter forças para chegar ao quartel?
Por já não estarmos muito longe, obviamente respondi que preferia ir para o quartel. Deu-me então algo para mascar, garantindo ele que iria resultar.
Que “coisa” era não sei e também não me quis posteriormente dizer, mas o certo é que passado algum tempo, muito provavelmente associada também às injecções que entretanto me foram ministradas, me deu uma tal “pica” que cheguei ao quartel numa situação fora do normal. De repente quase me senti o Tarzan do Jol (na altura ainda não havia o Rambo).
Não sei ao certo que “produto” foi aquele que me foi arranjar forças onde parecia já não as ter. Conseguir, consegui, só que depois fiquei quase uma semana de cama para conseguir recuperar. “Aquilo” deu-me realmente forças, mas rebentou comigo. Só mais tarde me foi explicado que o mais certo foi esse Soldado Nativo me ter dado noz de cola com algo mais misturado. Agora percebo por que é que quase todo o pessoal nativo andava sempre a mascar aquela semente, e porque é que nos dias de hoje ainda se encontra a vender em Lisboa, em pleno Rossio e Martim Moniz.
Curiosidade:
A noz de cola é um forte estimulante. Como o café, a noz de cola estimula e mantém-te acordado. O efeito psicoactivo é no entanto diferente. Aumenta o poder de resistência e diminui o apetite. Melhora a concentração, aclara o cérebro, tem um efeito ligeiramente afrodisíaco e pode dar "pedra". Impulsiona as tuas capacidades normais como por exemplo o trabalho, desporto, dança e sexo. Devido à descarga de energia que provoca no corpo de várias maneiras, também é usada como elemento dietético.
A Cola tem um efeito marcadamente estimulante na consciência humana. A curto prazo, pode ser usada na debilidade nervosa e nos estados de fraqueza. Para além disso, pode actuar especificamente na diarreia nervosa. Também ajuda em estados de depressão e pode, em algumas pessoas, causar estados eufóricos. Devido ao seu conteúdo de cafeína, a noz de cola pode aliviar algumas enxaquecas. Os compostos fenólicos e as antocianinas podem ter uma actividade antioxidante. Os usos históricos da noz de cola incluem o aumento da capacidade de esforço físico e a resistência à fadiga sem comer; o estímulo do coração fraco; e o tratamento de debilidade nervosa, fraqueza, apatia, diarreia nervosa, depressão, desânimo, ressentimento, ansiedade, e enjoos marítimos.
Nome científico: Cola nitida;
Família: Sterculiaceae
(Enciclopédia – Azarius).
**********
Bissau, Dezembro de 1971 > Com o meu irmão e dois amigos
Brá, Janeiro de 1972 > Ostras para o petisco
Jolmete, Maio de 1972 > Junto ao Posto de Rádio
Jolmete, Maio de 1972 > Vista parcial do quartel e da tabanca
Jolmete, Junho de 1972 > Entrada do quartel
Jolmete, Junho de 1972 > Junto à viatura da água
Jolmete, Outubro de 1972 > Últimos tempos no Jol
Jolmete, Outubro de 1972 > Vista parcial da nova tabanca
____________Nota de CV:
Vd. último poste da série de 12 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10254: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (9): Operação Tábuas
8 comentários:
Caro camarada Santos
Ao este teu relato lebrei-me também do violento ataque de paludismo que sofri, das dolorosas Ricolon+Conmel e das recaidas que tive daí para a frente.
Da primeira vez o paludismo só cedeu quando eu já estava quase a ser evacuado, mas o episódio no mato fez-me lembrar o meu camarada Ivo.
O Ivo era uma torre de força mas já no fim da comissão um dia também foi apanhado no mato pelo paludismo. O maqueiro "Russo" também lhe deu qualquer coisa que o encheu de força e assim chegar perto do quartel. Depois um Unimog foi buscá-lo pois quando passou o efeito não dava passada.
Esteve algum tempo na enfermaria mas aquela força natural dele nunca mais voltou a cem por cento.
Um abraço
Caro amigo Augusto
Mais uma estória tua que me diz qualquer coisa. Um dia depois do almoço estava eu e outros a dormir a sesta e somos acordados pelo cap. aos berros para irmos intercetar um grupo do PAIGC que estaria a passar junto ao rio Cacheu e foi avistado por uma DO ao passar.Aquilo era calçar as botas, apanhar a arma e cartucheiras e começar a correr na direção do rio, ora cá o rapaz a bater uma sorna e ao mesmo tempo a digerir a bianda e vem uma trovoada daquelas, comecei a sentir que ia cair por sorte estava o enfermeiro perto e deu-me um comprimido para chupar (vim a saber que era coramina)passados uns minutos eu era dos que corria mais. Afinal para nada o pessoal do PAIGC já tinha passado. Mas sabes que depois dormi a noite toda o dia seguinte e fui acordado para jantar e não foi fácil, senão continuava a dormir não sei até quando.Como estas a ver nos tinha-mos o nosso mesinho e eles tinham o deles.Vi muitas pessoas de idade a mascar cola.
Um grande abraço
Manuel Carvalho
Caro camarigo
Tenho acompanhado os teus relatos, as tuas memórias e acho-as interessantes, embora às vezes contenham conteúdos que possam ser considerados 'perigosos'.
O que me fez agora deixar comentário foi a tua referência às injecções combinadas de "Ricolon + Conmel".
Acontece que na semana seguinte a ter chegado cá 'de vez' (isso 'de vez' pensava eu, porque como se tem comprovado ainda 'vamos lá' muitas vezes) tive necessidade de levar uma dose dessas mas a verdade é que ia 'patinando', comecei a ver tudo castanho, a sentir um gosto a tintura de iodo e com sensação de desmaio, já nem me lembro agora com as coisas evoluíram mas sei que estava lá na enfermaria e mais tarde fiquei bom (digo eu!). Pelo meio não me lembro.
Abraço
Hélder S.
De: Augusto Silva Santos
Para: Juvenal Amado
Olá Juvenal Amado,
Pois é amigo, o maldito paludismo dava mesmo cabo de nós. Os momentos que passei daquela vez no mato e que vos relatei, foi algo que me marcou para sempre. Tal como aconteceu ao teu camarada, também eu nunca mais me senti o mesmo. Dali para a frente de vez enquanto lá me ia mesmo abaixo. Naquela altura eu atribuí aquela estranha força à tal coisa que o Soldado Nativo me deu a mascar (que era cola com algo mais), mas de certeza que o tratamento que o enfermeiro me deu, tipo dose de cavalo (como se costuma dizer) também contribuiu para que eu tenha chegado ao quartel. Durante algum tempo anos cá, de vez enquanto o "maldito" ainda fazia das suas (chegava a estar dois e três dias de cama), mas felizmente há já alguns anos que nunca mais senti nada. Obrigado pelo teu comentário. Um Grande e Forte Abraço.
De: Augusto Silva Santos
Para: Manuel Carvalho
Olá amigo Manuel Carvalho,
Coraminas, ainda cheguei a "provar". Aquilo também dava alguma "pica". O curioso é que o pessoal usava mais isso, quando havia os famosos jogos de futebol entre grupos. Como deves imaginar, ninguém queria perder, então toca de "emborcar" as famosas coraminas. Ás tantas eram mais batalhas campais do que propriamente jogos de futebol. Era um bocado perigoso, pois sendo a coramina um estimulante cardíaco, às vezes havia pessoal que abusava e depois não se sentiam muito bem (vinham as recaídas). Este teu comentário fez-me lembrar mais uma estória, que muito provavelmente ainda me vou atrever a contar. Obrigado. Um Grande e Forte Abraço.
De: Augusto Silva Santos
Para: Hélder Valério
Olá Hélder Valério,
Tanto quanto me é possível, tento ser o mais fidedigno possível nos meus relatos, obviamente sem intenção de os mesmos, por qualquer motivo, se tornarem "perigosos" (?). Se tal aconteceu alguma vez, só tenho que me penitenciar. Relativamente ao caso que referes das injecções combinadas de Ricolon + Conmel, era mesmo assim. Depois do meu regresso, infelizmente ainda tive de levar algumas, o que me safou de processos de recuperação mais dolorosos. Lamento o que te aconteceu com esta combinação, muito provavelmente por na sua composição estar algum elemento a que eras (és) alérgico. A mim aconteceu-me algo semelhante (por duas vezes) com injecções à base de penicilina, a que mais tarde vim a saber ser alérgico. Numa das ocasiões estive mesmo quase a "patinar". Inchou-me de tal maneira o corpo (nomeadamente a garganta), que quase já não conseguia respirar. Depois do segundo episódio, que me aconteceu precisamente no CISMI em Tavira, passei a andar com uma pulseira com o meu grupo sanguíneo e a avisar ser alérgico à penicilina, não fosse o diabo tecê-las. Obrigado pelo teu comentário. Um Grande e Forte Abraço.
Caro Augusto
Uma delicia ler estas tuas histórias reias e recordar o tempo que estive em Jolmete (Agosto de 1971 a Junho de 1973). Pertenci ao Pelotão de Caçadores Nativos 59. Panhei 2 Companhias de Caçadores distintas. Estava agregado ao 1º pelotão do Alferes Garrido. Mas algumas vezes saía com o meu pelotão de nativos mais a milícia. Para me identicares eu estou na foto " Jolmete, Outubro de 1972 > Últimos tempos no Jol" de t-shirt negra, de bigode que ainda conservo desse tempo e com o braço esquerdo em cima do teu ombro. Recebe um forte abraço
Amigo Augusto
Para complemento do meu comentário anterior eu era o Furriel Miliciano Guilherme Almeida e fui render o Furriel Mário Filipe. Com a evacuação do Alferes Victor Coelho fiquei à frente do Pelotão de Caçadores Nativos 59 durante bastantes meses. Forte Abraço
Enviar um comentário