1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Maio de 2013:
Queridos amigos,
Aqui se põe termo ao relato que o investigador Piero Gleijeses fez à presença cubana na Guiné-Bissau.
Cabral foi o único político africano que pareceu importante a Che Guevara.
A ajuda cubana materializou-se a nível de bolsa de estudo, abastecimentos básicos, formação militar e assistência médica, sobretudo quando Fidel Castro visita Conacri em 1972 move-o a necessidade de apoiar quem apoia o PAIGC, é hoje matéria inequívoca. A maior parte destes voluntários cubanos guardou as melhores recordações em ter combatido ao lado das formações do PAIGC.
É impossível estimar-se a importância do apoio cubano, mas sabe-se que foi determinante no campo da saúde e nas tarefas indispensáveis em termos da regulação de tiro em artilharia.
Um abraço do
Mário
Os cubanos na Guiné (2)
Beja Santos
“Misiones en Conflicto”, por Piero Gleijeses, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2007, é o livro que estamos presentemente a analisar e onde se carateriza a presença cubana na luta armada, a partir de 1966.
Acerca da assistência médica feita por cubanos, Luís Cabral escreveu na “Crónica da Libertação”: “Os cuidados médicos aos nossos combatentes e às populações das zonas libertadas alcançaram um nível inteiramente novo com a chegada dos primeiros médicos cubanos em 1966”. Não havia médicos guineenses, com a exceção do Dr. Baticã Ferreira, natural de Canchungo. Alguns enfermeiros guineenses aderiram à luta armada, mas em número insuficiente. Os médicos cubanos chegaram a acompanhar os combatentes, mas regra geral permaneciam nos hospitais improvisados, a população estimava-os muito. Mário Moutinho Pádua, médico português, trabalhava em Ziguinchor. Havia também um médico panamiano, Hugo Spadafora que trabalhou no interior da Guiné cerca de 9 meses, e mais outro, o jugoslavo Ivan Mihajlovic; e um outro mais, o doutor Binh, um professor vietnamita da Universidade de Hanoi.
Entre 1966 e 1974, houve, em média, 15 a 20 médicos enfermeiros cubanos que serviram no interior da Guiné e em Boké, na República da Guiné Conacri. A importância da sua contribuição é relevante, recorde-se que durante toda a guerra não excedeu o número de 12 os médicos não cubanos que prestaram serviço médico durante a guerra. É claro que se foram formando guineenses no decurso da guerra, como foi o caso de Paulo Medina, que se graduou em 1969 na Universidade Patrice Lumumba, de Moscovo. Foi Paulo Medina que informou Piero Gleijeses que durante a guerra se tinham formado oito médicos guineenses, todos eles em Moscovo. O PAIGC só passou a ter médicos guineenses a partir de 1968.
Tanto os médicos como os militares eram voluntários, de pele escura, como especificamente pedira Cabral. O que os motivava? Era a mística da guerra de guerrilhas, como um deles contou ao autor: “Sonhávamos com a revolução, desejávamos fazer parte dela. Eramos jovens e filhos de uma revolução”. Altruístas e aventureiros, quiseram ir para o estrangeiro defender a sua própria revolução. Não podiam receber elogios públicos em Cuba. Partiam sabendo que a sua história iria permanecer em segredo. Não ganharam medalhas nem recompensas materiais. Uma vez regressados, não podiam contar as suas façanhas, era este o pacto que tinham subscrito, diziam sempre que tinham estado a estudar na União Soviética. Houve uma cubana que esteve na Guiné-Bissau, Concepción Dumois, que ali passou 4 ou 5 meses, em 1967. Foi a primeira mulher cubana que combateu em África.
A vida destes voluntários era muito austera. Tinha acesso a comida enlatada, arroz, açúcar, feijão, óleo e azeite e até recebiam algum dinheiro para comprar alimentos frescos. Mas quando a comida chegava, era sempre repartida com outros guineenses. Um deles tentou fazer batota com guerrilheiros muçulmanos, disse-lhes que as conservas eram de carne de porco, mas eles replicaram que não havia problema, Alá não podia ver dentro da mata tão fechada… A média de permanência destes voluntários rondava os 18 meses. O local de descanso era Boké, uma pequena povoação de 2 a 3 mil habitantes.
A Guiné-Bissau era o único lugar do mundo em que combatiam os cubanos, em Maio de 1972, quando Fidel Castro visitou pela primeira vez África. Era também o único lugar do continente em que um movimento guerrilheiro desafiava com sucesso um regime colonial. Nesse tempo, a CIA escrevia que num futuro relativamente próximo o PAIGC poderia ser o primeiro movimento de libertação subsariano a ganhar uma guerra contra um regime branco. Castro esteve na Guiné-Conacri e Argélia, a caminho da Europa Oriental e da URSS. A Argélia era importante para restabelecer vínculos estreitos após a saída do poder de Ben Bella, a Guiné-Conacri era a retaguarda indispensável do PAIGC. Castro garantiu apoio a Sékou Touré, em Agosto desse ano partiram para Havana 133 estudantes, no ano seguinte mais 100.
Ao tempo em que Castro visita Conacri o PAIGC ganhava internacionalmente mais terreno, basta pensar na visita da missão especial do Comité de Descolonização das Nações Unidas. Em 14 de Novembro desse ano, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu o PAIGC como único representante legítimo. A situação tornara-se irreversível quando em 2 de Novembro de 1973 a mesma Assembleia aprovou uma resolução condenando a “ocupação ilegal pelas foças militares portuguesas de alguns setores da República da Guiné-Bissau e os atos de agressão cometidos contra o povo da República”. Um militar cubano escreveu no início de 1974: “Prevemos que os portugueses não estão em condições de resistir a uma ofensiva do PAIGC por mais de um ano”.
Refletindo sobre o PAIGC vitorioso, o autor refere o rigor de apreciação que Cabral fazia sobre os apoios que recebia. Uma visita que ele fez em 1972 à RDA disse sem papas na língua: “A Suécia ajuda-nos mais que um bom número de países socialistas juntos”. No entanto, foi o bloco soviético que lhe ofereceu a ajuda decisiva: armas e munições, bolsas de estudo, apoio material e político. Cuba foi igualmente um fornecedor de treino militar, abastecimentos e bolsas de estudo. E deu-lhes combatentes e médicos, como o jornal do PAIGC sempre referiu: “Nos momentos mais difíceis da nossa guerra de libertação, alguns dos melhores filhos da nação cubana estiveram junto dos nossos guerrilheiros, não se pouparam a sacrifícios para que a liberdade e a independência chegasse ao nosso país”. Como observa o autor, o PAIGC não era um movimento marxista e os seus líderes decidiram que a Guiné-Bissau iria figurar entre os países não-alinhados.
A União Soviética começou a ajudar o PAIGC em 1962. A presença militar cubana, a partir de 1966, complementou e ampliou o aporte soviético, os cubanos estiveram na preparação das armas de tecnologia que cada vez mais complexa que eram enviadas pela URSS. Mas na Guiné-Bissau, Cuba seguia a sua própria política. As origens da relação de Cuba com o PAIGC nada tiveram a ver com a União Soviética, eram o resultado da viagem de Guevara ao continente africano, foram intensificadas pela presença de Cabral na Conferência Trilateral. Guevara ficara desiludido com o que vira no Zaire e mesmo com o MPLA. Cuba via na luta contra as colónias portuguesas um caminho para enfraquecer o Ocidente e trazer-lhe novos amigos. Morreram 9 cubanos na guerra da Guiné e 1 foi capturado (capitão Rodríguez Peralta). Do mesmo modo que Havana não obedecia à pressão soviética enquanto ajudava o PAIGC, também os voluntários cubanos viveram a guerrilha pela sua própria determinação. O autor regista depoimentos de antigos combatentes cubanos que se diziam enamorados pelas gentes e o território.
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Nota do editor
Vd. poste de 23 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11969: Notas de leitura (513): "Misiones en Conflicto, La Habana, Washington y África, 1959-1976", por Piero Gleijeses (1) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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7 comentários:
Refletindo sobre o PAIGC vitorioso.
Pois se até a Cia concordava!...
Aquilo era como limpar o cu a meninos,meninos crescidos, portugueses e guinéus, mas, graças ao génio militar de Amílcar Cabral,
confinados aos seus aquartelamentos, de onde não saíam, não é meu caro Mário Beja Santos?!...
Ai, propaganda, propaganda...
Abraço,
António Graça de Abreu
Sobre o médico Hugo Spadafora, temos pelo menos 2 postes no nosso blogue:
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2011/11/guine-6374-p9070-se-bem-me-lembro-o-bau.html
Sobre ele escrevi na altura (21/11/2011):
Spadafora não tem a ver com os primeiros médicos cubanos que se juntaram ao PAIGC, em 1966. Faziam parte de um primeiro grupo de "voluntários", enviados por Fidel Castro. Eram todos cubanos, num total de 24. O grupo era composto sobretudo por instrutores. Os médicos eram três. Vd. depoimento do dr. Domingo Diaz Delgado, cirurgião, que chefiava a equipa médica (1966/67): Tinha 29 anos - nascera em 1936 - quando parte de Cuba... Mais velho, portanto, e com mais experiência clínica, decerto, do que o jovem italopanamiano Hugo Safadora, que parte para a Guiné, com 24 anos, acabado de se formar em medicina, em Bolonha... Seria interessante saber o que fez (medicina ? guerrilha ? ) e por onde andou este homem na Guiné, entre 1965 e 1967...
É a primeira vez que oiço falar do seu nome... Teve um destino trágico às mãos dos torcionários de Noriega, em setembro de 1985.
Luís Graça
A fama dos médicos cubanos, entre o povo Bissau, no Hospital Simão Mendes, após a independência, era tão má que se aconselhava popularmente ninguem se deixar internar com um pequeno ferimento num braço ou perna, porque com certeza que esse membro era imediatamente amputado.
Essa fama viria provavelmente do tempo da luta onde as dificuldades médicas seriam imensas.
Mas não há dúvidas que Amílcar conseguiu "embrulhar" tudo e todos, (Fidel, Guevara, Spínola...)o mesmo acontecendo em Angola com os geniais dirigentes do MPLA.
Embora muitos desses dirigentes como Amilcar não tenham sobrevivido, foram eles que conseguiram, para o pior e o melhor, levar a água ao "seu moínho".
Em cuba ninguém chumba...em medicina.
Fazem-se especialistas em três meses..sim..sim.
A alta tecnologia cubana permite que se extraia da casca da banana um medicamento que dá para quase tudo..colesterol..hta..diabetes..etc.
Todos os hotéis têm um médico e um enfermeiro para turista..claro.
Em varadero o centro clínico..para turista..até tem hemodiálise..bem é só a placa..mas o que é que isso interessa...
Os doentes enviados a cuba por um autarca de uma câmara alentejana para extracção de cataratas..deram uma grande "barraca" com infecções secundárias e rejeições das lentes de substituição..made in rússia..mas o que é isso interessa..
Exportam-se médicos para a Venezuela a troco de petróleo..
Os médicos vindos para Portugal vieram a troco de vencimentos indignos mas que para eles é muito bom ..mas a família fica em cuba..ah.. dizem que são muito simpáticos...
Toda a gente sabe que a medicina cubana é a melhor do mundo...basta ler a literatura médica e é "só artigos de investigação científica médica produzida por médicos cubanos" e prémios Nobel são cem ou mais..
Certamente haverá bons profissionais mas estes estão serviço de la "revolucion"..digo dirigentes e membros do partido..
Por agora chega..se quiserem continuo..
C.Martins
Vou transcrever um extrato do manual destinado a intrutores e monitores do BC8 Elvas em 1971 e escrito pelo SR,Ten.Coronel Romão Loureiro.
A preparação de Comandos do PAIGC é feita no estrangeiro (Rússia,China,Argélia,Checoslováquia,Alemanha Ocidental,Cuba e na vizinha República da Guiné).
São os Rússos e Cubanos que ministram a instrução de especialidades de (Canhão s/recuo,morteiro 82,"Bazucas" RPG2 e RPG7)e de outras armas pesadas e transmissões respetivamente.
Esses mesmos instrutores em especial os Cubanos por veses comandam e participam nas operações e acções de combate,na região de JOLE em que é abatidoum militar cubano,em Novembro de 1969 com a captura do Capitão Rodrigues Peralta,oficial do Exército Cubano.
Há tambem senhoras (médicas e enfermeiras)Cubanas e de outras nacionalidades destinadas à instrução de enfermagem e até dirigir Hospitais de Campanha.O apoio Sanitário inimigo é precários os medicamentos de que dispõe são enviados da China e de outros países comunistas e outros provêm de ajudas da ONU e ainda outros adquiridos clandestinamente em Bissau e outras localidades mais importantes e que escapam á vigilância das Autoridades Civis e Militares.
Palavras escritas pelo Sr. Ten.Coronel Romão Loureiro em 1971 no seu livro manual distribuído no BC8 em Elvas quando eu era pela primeira vês Cabo Miliciano numa companhia de instrução.
Abraços.
Henrique Cerqueira
Os melhores médicos do mundo são sul-africanos.
Foi lá que se fez o primeiro transplante de coração humano e Nelson Mandela faz desesperar os jornalistas de plantão à espera do seu falecimento.
Muitas vezes o futuro político do mundo está nas mãos dos médicos.
Caro camarada "colon" Rosinha
Não é preciso exagerar...
É verdade que a medicina praticada na áfrica do Sul é das melhores...mas dizer que os médicos sul-africanos são os melhores...bons e maus profissionais existem em todo o lado.
O transplante cardíaco feito pelo Professor Bernard não foi o primeiro foi isso sim o mais mediático..
Nessa altura o principal problema não era a técnica cirúrgica mas sim a histocompatibilidade..
A escola de cirurgia cardio-toráxica sul-africana é de referência mundial..foi aliás aí que o Prof. Manuel Antunes se especializou...
Um alfa bravo
C.Martins
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