Carlos Schwarz, Ppeito (1949-2014) |
Já não são os nossos avós: são os pais. Depois do pai da Xana, um cinquentão saudável e charmoso, ter morrido no balneário do seu ginásio, da mãe da Rosa aos 51 anos ter sucumbido a um AVC, desta feita foi o pai da Catarina,
Morreu para muitos um homem importante. Um ícone da Guiné-Bissau.
Acho que não conheço muita gente que tenha conhecido heróis. Talvez, a Calinhas, avó da Catarina, que conheceu Fernando Pessoa e tem um livro autografado por ele. Fico sem fólego de cada vez que me lembro disto. Mas eu falo de heróis vivos, pessoas reais, que vestem calças de ganga e usam cachecóis do Sporting quando assistem aos jogos directamente do sofá. Eu conheci.
Conhecer o Pepito, era conhecer um herói.
Casou-se à revelia dos pais e, assim que nasceu a primeira filha, a família aterrou numa Bissau recém-independente, de onde era natural e onde queria mudar o (seu) mundo. Foi o pai da reforma agrária na Guiné, um político social por vocação e o maior impulsionador do desenvolvimento comunitário daquele país. Não queria dar peixe às pessoas mas ensiná-las a pescar. Não queria substituí-las, queria dar-lhes ferramentas. De Norte a Sul da Guiné, tabanca a tabanca, toda a gente sabia quem era o Pepito, o branco mais preto de que há memória. Viu-lhe ser pilhada a casa e a vida mil vezes e voltou a erguer tijolos, mobílias e a dignidade mil e uma. Dizia que "desistir é perder, recomeçar é vencer". Recusava ser comparado com o Che Guevara afirmando que "Morrer pela revolução é fácil, viver pela revolução é que é difícil". Ele viveu.
Morreu para muitos um homem importante. Um ícone da Guiné-Bissau.
Para nós, morreu o Sr. Carlos, o Pepito, o filho da Calinhas, o marido da Isabel, o pai da Pepas, do Ivan e, especialmente, o pai da Catarina. O pai de um de nós.
Sentiremos a falta do seu sorriso franco de cada vez que nos recebia em Oeiras ou em São Martinho, das histórias da Guiné e do ar embevecido quando ficava criança outra vez só por brincar com a neta com quem dançava música africana e embalava em crioulo. Sentiremos falta do tom propositadamente sério para nos intimidar, do porte de gigante e dos olhos vivos de cada vez que se falava do Sporting. Sentiremos falta da sua presença no quintal com vista para a baía em almoçaradas cheias de gentes vindas de todos os lados do Mundo com quem acabávamos por confraternizar porque a sua casa era como o seu coração: aberta a quem viesse por bem.
Hoje não chove lá fora mas chove em nós. Morreu para muitos um homem importante.Para nós morreu o único herói que conhecemos e, mais importante que tudo, morreu um pai. O pai de um de nós.
(Um beijo, Catarina. Gostamos tanto, mas tanto de ti!)
_____________
Nota do editor:
9 comentários:
Catarina é a filha mais nova do Pepito. A sua codé.
Um abraço a todos
Liliana, és uma miúda extraordinária, sei que fizeste o ISCTE como eu, sou dos primeiros a passar por aquela escola, de boa memória para mim...
Quis ser politicamente correto ao acrescentar ao teu nickname "amigo/a da Catarina"... Não tínha dúvidas que ela uma amiga, pelo "estilo" literário... Há uma sensibilidade feminina e uma sensibilidade masculina... Só uma mulher, como tu, viria revelar em público que a avó da Catarina era a "avó da Calinhas", a decana da nossa Tabanca Grande, de quem temos muito orugulho e de quem queremos celebrar o centenário...
Polo Norte, aliás, Liliana, tive agora o privilégio de te conhecer pessoalmente, no velório do nosso comum amigo Pepito, que tu tratas com a reverência que é devida à distância geracional...
Com as pressas, cometi uma "calin(h)ada", troquei as manas, a Catarina e a Cristina... Não é a primeira vez... Sempre as troquei, aqui no blogue...Ambas começam por C... e o nosso convívio é diminuto. Mas, quando foi preciso pus a voz do blogue a reclamar por elas... e defendê-las dos energúmenos, portugueses e guineenses...
O bom gigante do Pepito ficava "piurso", agigantava-se ainda mais quando alguém "tocava" nas suas meninas... Aconteceu por duas ou três vezes... A Catarina sabe do que falo:; o episódio de Quinhamel, por ex. A Cristina não sei se já se lembra quando há uns anos foi maltratada por um senhor embaixador que se dizia representante de Portugal...
Peço desculpa a vocês três pela troca de nomes, ou melhor de posições das manas na escala de antiguidade.
Já corrigi. E entretanto já fui á Lourinhã, a 70 km de Lisboa, e já vim, depois de assistir à missa do 7º dia da minha querida mãe que se também despediu, aos 91 anos, da "terra da alegria" neste mês de fevereiro de má memória...
Um alfabravo (ABraço), como dizemos aqui, entre os grã-tabanqueiros que tinham no Pepito um amigo do peito e uma referência de esperança para a Guiné...
Querido Luis,
Também a si me dirijo com reverência geracional e intelectual que se topa a léguas pela escrita e pela presença.
Agradeço as suas palavras e agradeço a amizade que dedica a toda a família que "amigos dos meus amigos meus amgos serão".
Lamento a morte da sua mãe, matrioshka de si porque quando nos morre um pai amputam-nos a alma, sei que hoje ao ver a Catarina, esta cumplicidade na dor, não obstante a questão geracional, foi por si tão bem sentida.
Obrigada pela companhia nesta despedida e desculpe as parcas palavras mas a comoção silenciou-me.
Espero que aceitem esta branquela como visitante frequente aqui na tabanca.
Forte abraço,
Liliana
E sim, choveu em nós.
ESTOU SIDERADO!
PAZ À SUA ALMA!
Errata importante (...Liliana, na melhor nódoa cai o pano..):
(...) Quis ser politicamente correto ao acrescentar ao teu nickname amigo/a da Catarina"...
"amigo/a da Catarina"... Não tínha dúvidas que ERA uma amiga, pelo "estilo" literário... Há uma sensibilidade feminina e uma sensibilidade masculina... Só uma mulher, como tu, viria revelar em público que a avó da Catarina era a "avó CALINHAAS", a decana da nossa Tabanca Grande, de quem temos muito orugulho e de quem queremos celebrar o PRÓXIMO centenário"...
Tens uma escrita criativa, os teus dois blogues uma delícia!...
A imagem da matriosca russa (conjunto de bonecas semelhantes, de vários tamanhos, que se vão encaixando umas dentro das outras) é muito feliz e apropriada a nós e às nossas mães e pais... Quando um de nós morre, há algo que é amputado, como0 bem dizes, ao conjunto (o ADN, o fenótipo, a alma, a matriz sociocultural, a personalidade, a idiossincrasia, o que tu quiseres).
"Chove em nós" é um metáfora, lindíssiam, para dar conta da perda, do luto, da saudade...
Quanto ao teu pedido de permissão para nos visitar, com maior ou menor frequência, estás à vontade... Não fazemos discriminação com base na cor ou no tom da pele, as "branquelas" também têm direito a sentar-se à sombra do nosso mágico, secular, fraterno e protetor poilão da Tabanca Grande.
A partir de agora temos mais um bom irã a velar por nós todos, lá no alto do nosso poilão... O bom irã do Pepito que se despediu da "terra da alegria", como diria o poeta Ruy Belo... Tive pena de tu, e eu e outros amigos não lhe terem podido dar, em voz alta, na antecâmara do forno crematório uma palavra de despedida... Mas entendo e respeito a decisão da família...
Por mim, de resto, o "Pepito ca mori" (em crioulo, o "Pepito não morre").
Deu "murros em ponta de faca", até morrer.
Como é que os guineenses irão imortalizar este concidadão?
Portugal, atravez da embaixada(?) pelo menos, devia promover algum tipo de homenagem.
Existe a pátria de Cabral, mas também existe a pátria de Pepito, que não é a mesma coisa.
Embora...!
Anabela Pires
20 feve 2014 09:20
No Jornal Público, ontem
http://www.publico.pt/mundo/noticia/morreu-carlos-schwarz-da-silva-1624315
O Pepito foi a prova viva de que vale a pena sermos "idealistas" a vida toda. Ele conseguiu concretizar muitos dos seus ideais. Vale a pena sonhar, sempre, não só quando somos jovens, mas sempre!
Houve quem me dissesse que aos 40 anos eu mudaria. Quase aos 60 creio que não mudei, apesar dos muitos momentos de desanimo. E não quero mudar, quero continuar a sonhar, quero continuar a acreditar, continuar a ter ideais.
E desperdiçaram um homem destes, logo num país tão parco de recursos humanos qualificados, quando lhe deveriam entregar o ministério da agricultura ou outro. Como é possível!
É possível porque houve que dar lugar aos da luta.
Um abraço
carvalho de Mampatá
Enviar um comentário