segunda-feira, 1 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17303: FAP (101): Agora num expositor... Aventuras de um capacete... E não só... (Miguel Pessoa)



O Tenente Pilav Miguel Pessoa iria ser recuperado um dia depois de se ter ejectado do seu Fiat G-91 atingido por um míssil Strela


Com a devida vénia ao Blogue da Tabanca do Centro e ao nosso camarada Miguel Pessoa, Coronel Pilav Ref (ex-Tenente Pilav da BA 12, Guiné, 1972/74), reproduzimos o Poste 906 daquele Blogue:

AGORA NUM EXPOSITOR... AVENTURAS DE UM CAPACETE… 
E NÃO SÓ…

Miguel Pessoa

Há tempos foi publicado neste blogue um Poste (P866) da autoria do meu camarada Alberto Roxo da Cruz, em que ele relatava as peripécias que envolveram a sua ejecção e recuperação nas matas da Guiné. Dessa história - que naturalmente conhecia, pois eu também estava lá… - fixei uma frase ali escrita: “Aí, apercebi-me que tinha perdido o capacete, que estava com o francalete bem justo, assim como a máscara e a viseira colocadas. Quem quiser, que experimente retirar o capacete da cabeça, nestas circunstâncias. Nós tentámos essa experiência e ninguém conseguiu!”

A cena da perda do seu capacete na ejecção, essa desconhecia-a. Mas é em tudo igual ao que me tinha acontecido meses antes no Sul da Guiné, quando também tive que me apear dum Fiat G-91 em andamento… No meu caso não dá para relatar a minha descida em paraquedas pois não me lembro de nada entre o disparo da cadeira de ejecção e a recuperação da consciência uns minutos (?) depois da queda.

Esses pormenores já os relatei anteriormente no blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné" (podem ver aqui) .

Sobre o capacete, posso assegurar que também eu tinha a máscara de oxigénio colocada, o francalete devidamente ajustado e a viseira em baixo. Mesmo assim, o facto é que o capacete se foi embora durante a ejecção, o que mostra a brutalidade desta medida de emergência…

O que não contei então é que, mais tarde, em conversas tidas com o Gen. Paraquedista Norberto Bernardes (meu camarada e amigo desde os tempos da Academia Militar em 1965) me foram relatadas as peripécias da recuperação desse meu capacete, encontrado no mato pelo grupo que ele comandava (então como Capitão), inclusive com recurso a um ramo para ver se o IN o teria armadilhado…

Bom, como quem procura tem prioridade, no fim desse dia o meu amigo Bernardes estava na posse do meu capacete… e do meu paraquedas, os dois em razoável estado de conservação.

Magnânimo, o Norberto Bernardes propôs-me decidir qual a peça que eu gostaria de recuperar, ficando ele com a outra. Optei por ficar com o paraquedas, que achava ser uma boa recordação; afinal, iria ter um capacete novo quando voltasse a voar. E assim se fez: Eu guardei o paraquedas e o Norberto Bernardes levou o capacete para a sua casa.

Passados uns bons anos, parece que tivemos ambos um rebate de consciência – Afinal, lá em casa as peças não tinham grande préstimo, seria mais interessante se estivessem expostas num local em que pudessem ser apreciadas por outras pessoas.

Foi assim que em determinada altura o Norberto Bernardes me informou que tinha oferecido o meu capacete para ser exposto no Museu da Base Escola de Tropas Paraquedistas, em Tancos.


Achei a ideia interessante e resolvi oferecer o meu paraquedas ao Museu do Ar, da Força Aérea, oferta essa que acabou por não se concretizar por “falta de espaço para exposição do material” (palavras do responsável, que me escuso de comentar…).

Desde há muitos anos, principalmente desde a data da minha recuperação, os Paraquedistas têm sido uma família para mim, com quem gosto de me dar e que sempre me recebem bem.

Foi por isso que em 2006 naturalmente resolvi oferecer o meu paraquedas ao Museu da Base Escola de Tropas Paraquedistas, onde hoje repousa na companhia do meu capacete, após uma longa separação de 33 anos, iniciada no longínquo ano de 1973…


Com um abraço especial ao Norberto Bernardes, um camarada por quem tenho grande amizade e consideração, lembrando também com saudade outro camarada que foi essencial na minha recuperação, o Cap. João Cordeiro, falecido num trágico acidente num salto de paraquedas, poucos meses mais tarde.

Miguel Pessoa
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17183: FAP (100): Um DO no charco do Como, história inserta no livro "Nos, Enfermeiras Paraquedistas" (Miguel Pessoa / Giselda Pessoa)

6 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Miguel, é para isso que os museus servem... Alguma coisa de nós há-de sobreviver à nossa morte física, os escritos, as fotos, quiçá os objetos pessoais, as ferramentas de trabalho, em suma, o nosso "espólio"...

Hoje há cada vez mais consciência da importância que tem para a História as pequenas coisas que rodearam os grandes homens... No teu caso, que foste um bravo piloto aos comandos de uma aeronave da FAP, a primeira a ser abatida por um míssil terra-ar Strela, o teu capacete e o teu paraquedas têm um valor museológico altíssimo... Daqui a 50 anos, pode-se começar a contar a história da guerra na Guiné (1961/74) a partir de uma peça como o teu capacete... E os nossos bisnetos irão estar "colados" á história que alguém (provavelmente um robô) lhes vai contando... Era um vez um bravo piloto da nossa Força Aérea....".

Parabéns a ti e ao teu camarada Norberto Bernardes pela acertada e louvável decisão de doação de duas peças do teu equipamento de piloto, o paraquedas e o capacete, a um museu militar. Lamentável ter sido, sem dúvida, a atitude do responsável do Museu do Ar, da FAP.Só pode ser a de alguém, burocrata, sem paixão nem competência para dirigir um museu.

É bom que exemplos como estes sejam divulgados através dos nossos blogues, neste caso, no blogue da Tabanca do Centro e no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Já há muito temos vindo a alertar para o risco do nosso "espólio", mesmo que seja pobrezinho, ir parar miseravelmente ao contentor do lixo da nossa rua ou à feira da Ladra (em Lisboa) ou feira da Vandoma (no Porto) ou a qualquer outra das muitas dezenas de feiras de antiguidades e velharias que se realizam por esse país fora, de norte a sul...

JOSE CASIMIRO CARVALHO disse...

Estas coisas sempre mexem comigo. Parabéns a ambos

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada
É lamentável aquela cena do para-quedas do Museu do Ar e incompreensível e desculpa que te deram. Não entendo este pudor que, "às vezes" assalta a FAP que se tem, a si mesma como uma entidade, aberta e dinâmica.
Sabes que tentei fazer uma pequena investigação de um acidente ou abate(?) de um F-84 na Serra da Canda, em 1961.
Nunca me deixaram consultar o relatório do "acidente".
E estamos a falar de uma situação que aconteceu há mais de 50 anos e com um avião que é uma relíquia, material de museu.
Esses aviões já não voavam quando vieste para a tropa e nem com um requerimento ao CEMFA me deixaram ter acesso à documentação, evocando o SGMIL 1, ou seja fazendo pouco de mim, enquanto profissional...
Enfim, também eu não comento...

Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Meu Caro Miguel

É lamentável a situação que descreves quanto à recusa da tua “casa” Museu da Força Aérea – Sintra que conheço e que tem amplas instalações com o fundamento de ali não caber o teu páraquedas… é para rir … .
Mas quanto a mim na “casa” onde tu ofereceste o páraquedas,este repousa muito bem, penso que melhor ainda, pois fica a repousar ao lado do seu irmão capacete.

Já agora aproveito para salientar que na foto em destaque se encontra o malogrado Cap Páraquedista Cordeiro, açoriano, natural de S Miguel falecido na Guiné, zona de Guileje, 26 de Março de 1973, segundo um poste que vi hoje, publicado na página do Facebook dos “Antigos Combatentes Açorianos” da qual sou amigo e do qual consta também o testemunho do Miguel relativamente à intervenção do então Cap Cordeiro como ele refere e passo a citar:

Testemunho (publicado com autorização) do hoje coronel Miguel Pessoa:
"Quanto ao capitão Cordeiro, também me incluo na lista dos que têm por ele grande consideração. Não me posso esquecer que foi o grupo de pára-quedistas que ele comandava quem primeiro chegou ao pé de mim, conjuntamente com o grupo do Marcelino [da Mata] quando me recuperaram do corredor de Guileje".

Esta situação, deveras relevante, pelo menos para mim, creio que está omissa no nosso Blogue, o que é lamentável, pois merecia um post não só para esclarecer os nossos camaradas, mas também a opinião pública e nunca será demais dizer, fazer justiça a este nosso camarada e outros, pois fica-se com a ideia errada que foi só o Grupo Especial do Marcelino da Mata que recuperou o Miguel.

Acresce dizer, que o Cap Pára Cordeiro é irmão do nosso amigo e tertuliano Carlos Cordeiro
Um abraço

Anónimo disse...

Amigos

No comentário acima, esqueci-me de colocar o meu nome
Carlos Silva

Anónimo disse...

Obrigado, meu caro amigo Carlos. Só uma rectificação. O acidente de meu irmão que lhe causou a morte foi em 22 de Maio de 1974.
Um abraço aos camaradas e amigos.
Carlos Cordeiro