terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25103: Blogoterapia (313): Irmãos de armas (Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Especiais)

Dire Straits - Brothers In Arms - Frame do Youtube, com a devida vénia


1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Especiais da CART 3492/BART 3873, Xitole/Ponte dos Fulas; Pel Caç Nat 52, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão e CCAÇ 15, Mansoa, 1971/73) com data de 21 de Janeiro de 2024:

IRMÃOS DE ARMAS

E de repente extinguiu-se-lhe nos olhos o olhar!

Um daqueles que estava sentado à mesa, bastante mais novo do que todos os outros, ficou admirado e perguntou a quem estava ao seu lado o que se passava com aquele cujo o olhar se tinha alheado.

Respondeu-lhe o que era mais velho e tinha por lá passado:

- Não te preocupes, porque ele foi viajar ao equador, passear nas bolanhas do calor, visitar as matas do horror, caminhar nas picadas da dor e enfrentar a guerra do desamor.
Agora não está cá, está mais longe, está por lá! 
Mas não te preocupes que ele vai voltar, assim que a recordação o deixar.

Já ninguém olhava para ele, porque todos percebiam aquilo que com ele se passava.

Iam conversando, comendo, bebendo, as vozes elevavam-se por cima de tudo o resto e ele continuava com o seu olhar absorto, passeando por onde ninguém já se encontrava. Passado um pouco de tempo o seu olhar ausente, regressou ao presente. 
Havia nos seus olhos uma espécie de lágrimas, uma espécie de dor, uma espécie de torpor, que ele com um abanar de cabeça, quis afastar daquele momento, mas de tal modo, que um daqueles que estava a seu lado lhe perguntou:

- Estiveste por lá agora. não foi?

Ele respondeu com um tom decidido e afirmativo:

- Sim, andei a passear por aquelas picadas, aquelas bolanhas, aquelas matas, onde tantos de nós ficaram, mas onde se construiu a amizade entre nós, que eu ainda não sei explicar.

Olharam-se nos olhos e aqueles que estavam na mesma mesa perceberam o que se passava. Pois, porque os outros que não tinham vivido aquela guerra, não conseguiam perceber o que se tinha passado naqueles breves e profundos momentos.

Olharam-se, sorriram, os olhos marejaram-se de lágrimas e disseram uns aos outros:

- Que aqueles que lá ficaram, estejam connosco agora, enquanto nós aqui estamos celebrando o que passámos.

Todos perceberam que o coração os oprimia, os levava a viver aquilo que já não queriam viver, mas que tinham vivido um dia. Olharam-se nos olhos mais uma vez, pensaram nos que não percebem aquilo que por eles passaram, e num breve momento de silêncio, perceberam que todos eles falavam afinal a mesma língua.

Raios parta a guerra, disseram uns, e os outros anuíram dizendo:

- Raios parta a guerra, que nos mói por dentro, sem sabermos quanto e quando.

Aquele que tinha começado aquele momento, estava ainda meio afastado de tudo o que se passava, porque não sabia o que havia de dizer, não sabia o que tinha sentido, não sabia como se exprimir.

Então um deles, cheio de coragem, levantou a voz e disse:

- Nós somos muito mais do que nós próprios, somos muito mais do que a opinião dos que pensam mal de nós, somos muito mais do que aquilo somos, porque com estas mãos, com este sentido que temos, com este viver que vivemos, somos tudo aquilo que fomos, mais do que ainda somos, mais do que podemos sentir, porque no fundo, meus caros camaradas, nós somos tão só e apenas, verdadeiramente, Irmãos de Armas!

Marinha Grande, 21 de Janeiro de 2024

8 comentários:

Morais Silva disse...

Sinto que, à medida que o tempo passa, o sentimento de irmandade é que mais sossega os que não esqueceram mato, picadas, bolanha, medo, angústia e camaradagem. Irmãos de Armas, tão só.
Abraço ao Mexia Alves

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Belíssimo texto, Joaquim. Tocante, intimista, sem nada a mais nem a menos... Tem tudo, vai à raiz,à origem profunda da palavra "camarada", o verdadeiro "irmão de armas"...

Há muito que não aparecias por aqui. Fico muito sensibilizado pela tua partilha.

E a escolha que o Carlos Vinhal fez da canção, "Brothers in Arms" (1985), dos "Dire Straits" com o poema do líder e poeta do grupo, o Mark Knofler, não podia ser mais feliz...

Vou reproduzir a letra e tentar melhorar a tradução (automática) que aparece no vídeo...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mark Knopfler, 'Brothers In Arms' (1985)

Brothers In Arms

These mist-covered mountains are a home now for me,
But my home is the lowlands and always will be.
Some day you'll return to your valleys and your farms,
And you'll no longer burn to be brothers in arms.

Through these fields of destruction, baptism of fire,
I've watched all your suffering as the battles raged higher.
And though they did hurt me so bad in the fear and alarm,
You did not desert me, my brothers in arms.

There's so many different worlds, So many different suns,
And we have just one world but we live in different ones.

Now the sun's gone to hell, and the moon's riding high.
Let me bid you farewell. Every man has to die,
But it's written in the starlight and every line on your palm:
"We're fools to make war on our brothers in arms."

https://war-poetry.livejournal.com/113008.html
_________

Mark Knopfler, do álbum ‘Irmãos de Armas’ (1985)

Irmãos de armas

Estas montanhas cobertas de névoa são agora o meu teto
Mas a minha casa são as terras baixas e sê-lo-ão sempre.
Um dia destes vocês irão voltar aos vales vales e quintas,
E não mais irão querer ser irmãos de armas.

Através destes campos de destruição, neste batismo de fogo,
Eu testemunhei todo o vosso sofrimento enquanto as batalhas recrudesciam.
E, embora me tenham feito mal com tanto medo e pânico,
Sei que vocês não me abandonaram, meus irmãos de armas.

Há tantos mundos diferentes,
Tantos sóis diferentes,
E temos justamente apenas um só mundo, mas vivemos em mundos diferentes.

Agora que o sol foi para o inferno e a lua está lá no alto,
Deixem-me despedir-me de vocês.
Todo homem tem de morrer,
Mas está escrito na luz das estrelas e em cada linha da palma da vossa mão:
"Somos tolos em fazer guerra aos nossos irmãos de armas."
____________

Uma tentativa de tradução em cima do joelho... LG

Valdemar Silva disse...

Como um poema
"....ele foi viajar ao equador, passear nas bolanhas do calor, visitar as matas do horror, caminhar nas picadas da dor e enfrentar a guerra do desamor."

"...... está por lá..."

Além de na guerra nas colónias, nas províncias ultramarinas, em África, quando lhes perguntavam, muitas mães, sem saber explicar, diziam: o meu filho está lá fora.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

joaquim disse...

Obrigado camarigos todos.

Caro Carlos

Acertaste em cheio, porque o texto foi-me inspirado ao ouvir essa música!!!

O título tocou-me profundamente "Irmãos em Armas", ou melhor, "Irmãos de Armas", e foi apenas o título e a melodia, claro.

São momentos que me atravessam e julgo que a todos nós de quando em vez.

Esta sexta feira já vamos para o 92º convívio/almoço da Tabanca do Centro.

Abraços para todos do
Joaquim

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Um texto bem conseguido, um tema musical mais que apropriado.
Que mais se poderá dizer quando, ao lermos e ouvirmos, tudo "mexe" connosco?
Só para reforçar que o texto é bem "a cara" do Joaquim e que tudo isto é, sem dúvida, uma mais-valia para o nosso Blogue.
Obrigado.

Hélder Sousa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Nunca fui fã (e sobretudo consumidor) da música rock anglo-saxónica, mas estes "Dire Straits" ficaram-me no ouvido, eram uma das bandas preferidas do meu filho adolescente... nos anos 90 e tal...

Joaquim Luis Fernandes disse...

Em minha opinião, pior que a guerra, só aqueles que a provocam e decretam, injustamente!
Os soldados que nela sofrem ou morrem, mais do que heróis, são suas vítimas.

Na minha vida militar não escolhi ser guerreiro, pese embora ter procurado cumprir as minhas missões com desvelo e honra. Por preconceitos de base, levei tempo a descobrir, que entre aqueles que se afirmavam guerreiros, por opção, que demonstravam por palavras e atitudes,(que reprovava) também havia bons e talentosos rapazes, que albergavam bons sentimentos.

Joaquim Mexia Alves, na tropa foi Ranger e mostra hoje que não renega tê-lo sido, antes se exulta.
Pela sua conduta, no que faz, no que diz e escreve, revela ser um Homem Bom,um homem de Fé, fazendo render os dons que recebeu.
Tenho lido alguns dos seus Artigos, publicados na Agência Ecclesia, que despertam a minha admiração, e tenho comigo um dos seus livros de poemas, com o título, Orando em verso.
Pela nossa proximidade geográfica e pelos valores da fé que comungamos, muito mais poderia conhecer, receber e partilhar.

Neste seu Artigo, em apreciação, faz-me sentir o quão importante são os sentimentos de camaradagem, forjados na luta, no sacrifício e abnegação. São estes sentimentos, que o tempo não apaga, mesmo quando parecem adormecidos, que fazem de nós Homens, com a capacidade de nos descobrirmos como Irmãos.

Abraços fraternos
JLFernandes