MEMÓRIAS
Eram mais ou menos 9 horas da manhã. Dois grupos de combate (ou três?) já não me lembro bem, tinham saído de Cuntima para interditarem os carreiros de infiltração do corredor de Sitató, que o PAIGC utilizava para reabastecer as suas forças no interior da Guiné. Naquela zona operacional estavam permanentemente no mato, por períodos de 48 horas, 2 ou mais grupos de combate. Na cabeça da coluna seguia um camarada do pelotão de milícias de Cuntima. Após o atravessamento do rio de Camjambari e ligeiramente a norte/noroeste da tabanca abandonada de Cabele Uale foram detectadas 8 minas anti pessoal.
O António Carvalho, que comigo completava os Fur Mils do 3.º grupo da CCaç 14, começou a executar o levantamento das malditas. Levantou 4 e quando se preparava para a 5.ª, calcou a puta da mina que não tinha sido detectada. Eram 9.
Um pandemónio, pedido de evacuação à força aérea e um jovem mutilado numa merda duma guerra feita em nome da pátria e em defesa de interesses que extravasam o respeito que a mesma nos merece.
Ainda hoje nos atormenta a questão da mina não detectada.
Posição relativa Cuntima-Tabanca de Cabele Uale
©Infogravura LG&CG - Carta Colina Norte 1:50.000
Passaram 55 anos após esse maldito 2 de março de 1970. O António Carvalho tem uma história que já me contou, de em Cuba ter sido abordado numa praia por um indivíduo que lhe confessou ter sido combatente na Guiné e ter estado nessa altura na nossa zona de Intervenção. Gostaria que ele próprio a contasse aqui no blogue mas sei que talvez seja difícil já que o Carvalho tem receio de ferir susceptibilidades com coisas que possa vir a mencionar, deste e doutros casos. Este deveria ser o local da verdade e do politicamente incorrecto mas... há resistências que prevalecem.
Para o camarada António Manuel Gaspar de Carvalho o meu abraço fraterno e que continue a ser protegido pelos bons irans.
Eduardo Estrela
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Nota do editor
Último post da série de 6 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26467: Efemérides (450): 6 de fevereiro de 1969, o desastre do Cheche: quando os relatos de futebol eram dados em direto, e efusivamente, e a guerra em diferido, resumida a telegráficas notas oficiosas
1 comentário:
Boa-tarde.
E porque diabo é que, passados todos estes anos e já nem as próprias existirem, continuamos a usar a linguagem de caserna, até para recordar tragédias?
Um abraço!
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