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sábado, 8 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27401: A nossa guerra... a Petromax (3): Ponate, mais um sítio desgraçado: ficava a 13 km, a noroeste de Bula (Armando Teixeira da Silva, 1944-2018)



Foto nº1 > Guiné > Zona Oeste > Região de Cacheu > Sector O1 > Bula > Ponate >  CCAÇ 1498 (Ponate e Bula, 1966/67) > Um destacamento a que a malta do 2º Pelotão (+) da CCAÇ 1498 chamou, com graça, "Hotel Bandido de Ponate"


Foto  n º 2 >  Guiné > Zona Oeste > Região de Cacheu > Sector O1 > Bula > Ponate > CCAÇ 1498 (Ponate e Bula, 1966/67)>  Uma magnífica foto > Abrindo um abrigo subterrâneo para ase protegere:  Armando Teixeira da Silva está ao meio com a pá: de óculos, ao meio, em terceiro plano, o alf mil José Jorge Melo, açoriano de São Miguel.


 
Foto  n º 3 >  Guiné > Zona Oeste > Região de Cacheu > Sector O1 > Bula > Ponate > CCAÇ 1498 (Ponate e Bula, 1966/67)>  Panorama geral do destacamento. Ou um acampamento do Faroeste ? Se


Fig n º 4 >  Guiné > Zona Oeste > Região de Cacheu > Sector O1 > Bula > Ponate > CCAÇ 1498 (Ponate e Bula, 1966/67) > O Armando Teixeira da Silva num  monento de lazeer. Mobiliário feito com as aduelas dos barris de vinho.


Fig n º 5 >  Guiné > Zona Oeste > Região de Cacheu > Sector O1 > Bula > Ponate > CCAÇ 1498 (Ponate e Bula, 1966/67)>  Um Armando Teixeira da Silcva, "arranjando uns petiscos. "Tudo que vinha á rede era peixe"...

Fotos (e legendas): © Armando Teixeira da Silva  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 


Guiné > Zona Oeste > Região de Cacheu > Carta de Bula (1953) (Escala de 1/50 mil) > Posição relativa de Bula e Ponate, na margem esquerda do rio Cacheu

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1. Havia imensos sítios desgraçados na Guiné... Ponate, a noroeste de Bula, era um deles... Pouco ou nada se ouve falar deste topónimo... Temos meia dúzia de referências. As NT chegaram a ter lá um destacamento. Até 6/12/1966. Tosco. Improvisado. Miserável. Teve uma vida breve na nossa guerra... Foi retirado e armadilhado 

 Reveja-se aqui o texto, de 2015 (*),  do nosso camarada Armando Teixeira da Silva (1944-2018), que morreria três anos depois:  ex-sold at inf,  CCAÇ 1498/BCAÇ 1876 (Có, Jolmete, Bula, Binar e Ponate, 1965/67); era natural de Oliveira de Azeméis mas vivia na Feira:


 Ponate, mais um sítio desgraçado: ficava a 13 km, a noroeste de Bula 

por Armando Teixeira da Silva (1944-2018)


Armando Teixeira da Silva
(1944-2018)
Quis o destino que um conjunto de 48 atónitos periquitos, um pelotão reforçado, da CCAÇ 1498, acabadinha de desembarcar, comparecesse em Ponate a fim de render tropas do BCAV 790 que estavam em mudança para o quartel de Pelundo. 

A CCAÇ 1498  (-) ficou em Có, com o 2º pelotão (+) em Ponate e o 3º pelotão (+) em Jolmete
e uma secção em Pelundo.

Assim, após um dia inteiro de marcha, em que as surpresas se sucediam a cada instante, surgiu, imperceptível, numa área desmatada, um lastimável aquartelamento nunca antes imaginado.

Passado o cavalo-de-frisa, depararam com a mais humilhante miséria:
  • um casebre construído em adobes de argamassa, coberto a chapa zincada, para alojamento de pessoal, sem distinção de postos ou classes;
  • duas barracas, em colmo, a servirem de cozinha e refeitório;
  • três atalaias, a cinco a seis metros acima do solo, com sentinelas cercadas por bidões de gasolina;
  • quatro paliçadas em cibes carcomidos sitiavam toda a desgraça.

– Aonde é que nos viemos meter?

Se estavam atónitos à chegada, estarrecidos ficaram quando o sol se escondeu!

A iluminação era a petróleo: candeeiros Petromax em redor do arame farpado e mechas de gaze de em gargalos de garrafas, na caserna, cozinha e refeitório. No resto, a escuridão era absoluta.

Equipamentos destinados a cuidados de higiene? Nenhuns!...Nada que pudesse garantir saúde, bem-estar físico e mental, de modo a evitar doenças. Em vez de latrinas abriam-se valas, fora do arame farpado, e em vez de duches existiam selhas feitas de barris de vinho, serrados ao meio.

O estado das coisas motivou um lamento:

 – Tratam-nos como bandoleiros. 

A frase inspirou a criação de uma tabuleta para colocar, logo nesse dia, à entrada do principal cavalo-de-frisa: “HOTEL BANDIDO DE PONATE”.

Mas o pior ainda era a falta de água. A privação deste precioso líquido sujeitava o pessoal a riscos diários, em deslocações a Bula, percorrendo 13 Km, em cada sentido, com uma cisterna de 1000 litros atrelada.

Ocupando uma área com cerca de 3000 m2 e sem população à vista, o quartel situava-se nas proximidades da mata de Jol, não muito distante da assombrosa bolanha de Nhaga.

A missão do seu reduzido efectivo consistia em assegurar liberdade de acção entre Bula e o Cais de São Vicente, na margem Sul do rio Cacheu, mantendo-se ao corrente de todos os acontecimentos e em total ligação com o comando do sector.

A segurança das instalações era inquietante: Refúgios ou abrigos, praticamente nem existiam e as paliçadas dificilmente aguentariam um simples ataque. Daí elaborarem um plano de obras a executar em duas fases:

(i) construção de 3 refúgios subterrâneos, bem como um conjunto de chuveiros e latrina, sem dispensar a reconstrução de todas as paliçadas;

(ii) edificação de uma “casinhota”, em blocos de cimento, para instalação de um gerador eléctrico (nada serviu esta edificação, porquanto, embora prometido, o gerador jamais ali apareceu).

Estas obras realizavam-se sem prejuízo das atividades a desenvolver além do arame farpado, ou seja: 
  • escoltas diárias à cisterna da água, 
  • patrulhamentos diurnos e/ou nocturnos, 
  • inspecções às tabancas e consequentes controlos da população indígena, 
  • reconhecimento de trilhos e caminhos, e de quando em vez, 
  • montagem de emboscadas.

E como se já não bastasse, ainda ajudavam companhias de intervenção, em operações na confinante e arriscada mata do Jol. Isto é: em Ponate, a missão, além de perigosa, era árdua e difícil.

Até dentro do arame farpado a situação era delicada, sobretudo, pela indigência das instalações e das privações de toda a espécie, no mesmo alimentares. Apesar de tudo lá iam sobrevivendo.

Até que, inesperadamente, uma mensagem, recebida no ANGRC 9, melhora-lhes as expetativas. Bula comunicava-lhes o fim da sua presença em Ponate. O primeiro a saltar, de contentamento, foi o radiotelegrafista. Outra coisa, porém, ainda estava para vir.

Continuando a tradução da mensagem concluíra-se que o próprio quartel, simultaneamente, desapareceria do mapa. Jamais uma mensagem fora tão marcante. Acontecimento para comemorarem de modo muito especial - emborcando cerveja até o stock se esgotar.

Assim, abruptamente, extinguiu-se o quartel de Ponate. Decisão que os maiorais tomaram quando perceberam, a meu ver tardiamente, a evidência dos perigos a que as tropas estavam sujeitas e as condições deploráveis (porventura infra-humanas) em que se encontravam. A mensagem surgiu-lhes ao cair da noite, todavia, a vontade de mudarem de ares era tanta que se dispensaram de dormir. Puseram mãos à obra e foi até ser dia.

Entretanto, já o sol raiava, vêem chegar camaradas especialistas em minas e armadilhas, transportando engenhos explosivos para armadilhar os pontos mais susceptíveis, na expectativa de o IN os virem a despoletar.

Por fim, com as viaturas a abarrotar a seu lado, percorreram, a pé, os 13 Km que os distanciava de Bula, em cujo quartel já tinham missão determinada.

A história da guerra considerá-los-á os derradeiros sobreviventes de Ponate. O calendário assinalava, então, 4 de dezembro/1966. Entretanto a guerra duraria mais sete anos e meio.

Ao que sabemos, jamais outro qualquer quartel ali foi edificado. Naquele espaço de tempo – superior a 10 meses – houve:

  • minas que os feriram,
  •  emboscadas que os massacraram, 
  • bolanhas que os inundaram,
  •  picadas que muito os agastaram, 
  • trilhos e caminhos que os emaranharam,
  • tempestades que os atemorizaram. 
Todavia, também houve, em abono da verdade, momentos aprazíveis, de amizade e júbilo, que muito os distraíram e estimularam. (...)

Armando Teixeira da Silva
ex-Soldado Atirador
CCAÇ 1498/BCAÇ 1876
(Ponate e Bula, 1966/67)

(Revisão / fixação de texto, título: LG)
____________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 24 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14518: Memória dos lugares (290): Os derradeiros sobreviventes de Ponate (Armando Teixeira da Silva)

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Esta guerra foi um tosco jogo de xadrez com gente tosca, de um lado e o outro, a manipular peões, cavalos, torres, bispos, rainhas, reis... Um jogo em que nem sequer houve empate técnico: todos perderam.