Já agora ficam com o contacto da empresa: José Luís Sousa - Mediação de Seguros, Lda, R. Bispo 36, 1º - B, Funchal, Madeira 9000-073, Tel: 291200410... Ele mudou de mail, mas eu registei o endereço numa folha de jornal... que foi parar ao cesto dos papéis... O José Luís é um profissional competentíssimo na área dos seguros. Tive o prazer de conhecer o filho, com quem trabalha. É, além disso, um homem de muitas contactos: num ápice arranjou-me um transitário e um sucateiro de automóveis, dois contactos precisosos para o meu sobrinho, médico, que estava a mudar-se para o Porto, depois de um ano de trabalho no Serviço Regional de Saúde.
O Sousa foi meu duplo camarada, além de ter sido e continuar a ser um querido amigo: formámos companhia em Santa Margarida (CCAÇ 2590/CCAÇ 12), fizémos a guerra juntos, dormimos no mesmo quarto (eu, ele, o Tony Levezinho, o Humberto Reis, o Marques, o Joaquim Fernandes) em Bambadinca, de Julho de 1969 a Março de 1971...
Ele era o mais educado, o mais afável, o mais calmo, o mais polido, o mais correcto, de todos nós: um verdadeiro gentleman funchalense... possivelmente com costela britânica... A preocupação em afirmar-se como funchalense, levava-o a falar sem dizer os lhês... para evitar a armadilha do cerrado sotaque madeirense... Daí ter ficado conhecido como Zé da Ila... Era além disso um dos nossos tocadores de viola e baladeiros, ajudando a tornar menos penosas as nossas noites entre duas saídas para o mato (**).
Pertencia a uma numerosa e simpática família que morava na Rua do... Comboio. Uma família encantadora e prendada onde, rapazes e raparigas, tocavam e cantavam... É essa imagem que eu ainda guardo, da primeira vez que pisei a terra madeirense, no regresso da Guiné. O Uíge, em Março de 1971, parou umas horas no porto do Funchal, o que nos permitiu participar na festa de recepção que a família e os amigos do José Luís de Sousa lhe quiseram oferecer, a ele e aos demais camaradas metropolitanos da CCAÇ 12 que regressavam a casa, em rendição individual...
Nunca mais esqueci o insólito nome da rua... que me pareceu mais íngreme e mais estreita na altura do que agora... (e seguramente com menos casas). Do comboio já não havia vestígios... Tratava-se de um elevador que ligava a baixa do Funchal ao Monte, começando na Rua das Dificuldades e escalando a Rua do Comboio... A linha foi extinta em 1943, se não me engano.
Recordei esta história na visita ao valiosíssimo e belíssimo Photografia - Museu 'Vicentes', instalado no antigo estúdio fotográfico de Vicente Gomes da Silva (1827 – 1906)...
Foto tirada, com zoom, do meu apartamento dce férias, sito numa transversal à Rua da Levada de Santa Luzia, com uma vista fabulosa sobre a cidade e a baía do Funchal... É uma imagem com grande simbolismo e nela deixo transparecer os meus melhores votos para os meus amigos madeirenses, para o povo madeirense e para os seus representantes...
No passado, e nomeadamente durante a guerra colonial, Lisboa usou e abusou da pobreza, da dependência, da insularidade, da estigmatização e da idiossincrasia do homem madeirense... Aqui se formaram muitas companhias madeirenses (sic), enquadradas por oficiais e furriéis milicianos do Continente, algumas das quais foram mobilizadas para o pior cenário da guerra do ultramar, a Guiné... Simples coincidência ?
Por outro lado, o porto do Funchal terá servido, tal como no passado da exploração marítima da costa ocidental africana, como um ponto intermédio, tanto na ida como na vinda, de apoio aos navios de transporte de tropas de e para a Guiné... O Funchal era quase de paragem obrigatória... Não sei se por razões técnicas, se por outras razões... Como se recordam, ensinavam-nos, na escola primária, que a Madeira (tal como os Açores) fazia parte das ilhas adjacentes (sic). Este conceitoi de adjacência (em relação ao território continental, mas distinto dos outros territórios ultramarinos, em África e na Ásia) re,omnta à Constituição de 1822 e esteve em vigor até 1975 (vd. artigo da Wikipédia sobre as Ilhas Adjacentes). 500 anos de dupla insularidade têm hoje, naturalmente, um preço político...
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2009). Direitos reservados.
_________
Notas de L.G.:
(*) Vd. último poste desta série > 30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3545: Memória dos lugares (14): Bambadinca, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, 1969/71 (Gabriel Gonçalves)
(**) Refiro-o num dos meus poemas:
(...)
Mais prosaicamente,
na Guiné
o dia dos teus anos é
uma rodada
de uísque ou de cerveja
pr’os teus camaradas
no bar de sargentos.
No fundo,
o teu dia é um pretexto
para a autocomiseração,
para um voo até
às galáxias da metafísica,
que é sempre melhor, chiça!,
que ouvir
o silvo de uma granada,
em teu redor,
que é coisa bem mais real
e mortífera,
é a quilha
do barco da morte.
Com sorte,
talvez o amável Zé da Ila,
de nós todos o menos reguila,
pegue na viola
e te cante
a Pedra Filosofal…
Talvez cantemos todos juntos,
às tantas da noite,
africana,
pestífera,
mortal,
e suficientemente alto,
com as nossas vozes guturais,
para que Eles, os gajos,
nos oiçam, mesmo ali ao lado,
no bar dos oficiais…
Eles não sabem nem sonham
Que o sonho comanda a vida
E sempre que um homem sonha,
A vida pula e avança
Como bola colorida
Entre as mãos de uma criança…
Vd. poste de 5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1047: Alá não passou por aqui (Luís Graça)
Vd também poste de 8 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P945: 'Gente feliz com lágrimas': o Zé da Ilha, o furriel Sousa, madeirense, da CCAÇ 12
(...) Recordo-me de, no regresso a casa, em Março de 1971, o Uíge ter parado no Funchal o tempo suficiente para nós irmos, em grupo (em bando!), cantar e dançar o bailinho da Madeira na famosa Rua do Comboio, em casa do Sousa, a mesa farta, e à volta uma alegre e numerosa família madeirense, jovial, simpatiquíssima, alegre, de que guardei para sempre a melhor memória...
A família do Sousa, o nosso Zé da Ila - era assim que o tratavamos, afectuosamente - , os seus numerosos manos e manas, ainda hoje os associo, a todos, por um qualquer automatismo da memória, ao filme Música no Coração...
Foi um momento único e mágico na viagem do nosso regresso a Lisboa...Vocês, amigos e camaradas da Guiné, não imaginam a alegria que foi, naquela casa, o regresso do mano Sousa, vivinho da costa, devolvido aos pais e irmãos, rodeado por todos os cacimbados dos seus camaradas, os furriéis e alferes da CCAÇ 12...
Voltei a encontrar o Sousa em 1994, em Fão, Esposende, e logo a seguir na sua terra natal... Fui depois várias vezes ao Funchal, por motivos profissionais, e nomeadamente nos últimos meses, mas confesso que não tive o mínimo de tempo para o procurar... Até pela simples razão de ter perdido o seu contacto telefónico... Vejo que o Sousa continua a trabalhar nos seguros...
Mais assíduo e mais amigo tem sido o Humberto Reis que nunca deixa de procurar o Zé Luís quando vai à Madeira (...).