sábado, 3 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3694: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (6): Objectivo: Choquemone, 17NOV70


1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 29 de Dezembro de 2008:

Carlos Vinhal
Por causas técnicas não pude enviar a estória na data prevista assim como os votos de Bom Natal para vós e para a Tertúlia, nem agradecer as diversas mensagens recebidas.
Faço-o agora, acrescentando os votos sinceros de que o 2009 seja melhor em Saúde, concretização de Desejos e Objectivos.
Que a coesão Familiar seja uma Dádiva, que a Amizade se reforce. Que os mais Jovens se aproximem dos Idosos e troquem afectos e vivências. Que o apoio aos mais Desfavorecidos e Desprotegidos seja uma realidade.

Um abraço a Todos
Luis Faria

Bula - Objectivo: Choquemone 17 de Novembro de 1970

Como referi no capítulo anterior, os primeiros dias de Novembro de 1970 foram de adaptação à zona e ao meio: protecção de colunas, patrulhamentos seguidos de emboscadas nocturnas que duravam 36/48 horas na estrada Bula –S. Vicente com finalidade de eventual intercepção do IN, serviram também para um melhor conhecimento e adaptação à realidade do meio hostil, especialmente durante a noite, para o controlo de mantimentos (especialmente água) e mais.

Pelos meados do mês chega à 2791 o Alf Mil Ruas Gaspar que vai comandar o 4.º GComb, substituindo-me. Era a 2.ª vez que acontecia (* cap 1.º) e fiquei um bocado quilhado por ter de abandonar o Grupo que tinha ajudado a preparar e comandava… mas ordens são ordens… e fui colocado no 2.º GComb que passou a ser o meu, sob o comando do Alf Barros (Guineense) e onde estavam os Furriéis Castro e Marques. A integração fez-se sem problemas.

Ao dia 17 do mês, numa Operação às matas do Choquemone, tive o meu Baptismo de Fogo, assim como a Companhia.

Pela 2/3 horas da manhã, a 2791 a 4 GComb sob o comando de um Alf do Bigrupo veterano que nos incorporava, arrancou em bicha de pirilau dando início à Operação Doninha Parda, dirigida à região de Choquemone. Tinha a informação que esta mata não era pêra doce e toda a atenção era necessária, já que seria uma base permanente com patrulhamentos IN e a detecção na entrada relativamente fácil.

Não era uma noite muito escura e quase à saída da povoação, antes da bifurcação S. Vicente - Binar fiquei surpreendido e apreensivo por àquela hora ver aqui e ali pessoas às portas das moranças. Porra, os gajos estão a manjar para onde é a ida, pensei!

Continuámos a caminho do objectivo e na picada para Binar, um rebentamento forte, isolado, fez-me pensar que tinham pisado uma mina . A bicha de pirilau parou defensivamente, o silêncio foi cortado por gemidos de dor e logo de seguida constatou-se o desastre: uma granada da bazooka de que o Nunes era apontador, sabe-se lá por quê, caiu ao chão e detonou, decepando-lhe um pé e ferindo menos gravemente creio que mais 2 militares. O Nunes era do 4.º GCOMB, que eu deixara e lá estava o Fur Fontinha e o Enf Silva (julgo) a acompanhar a situação.

Feitas as evacuações, retomou-se a progressão para o objectivo em marcha atenta . Já na mata e ao pensar que podíamos ter sido detectados, o acidente com o Nunes começou a esbater-se no meu pensamento dando lugar a uma maior atenção ao meio envolvente e ao pessoal. Chegada a manhã comecei a ouvir umas rajadas curtas à distância que me puseram os sentidos no limite, mas a velhice não pareceu muito preocupada pois aqueles tiros, no entender deles seriam chamariz. Realmente nada aconteceu e continuamos a progressão com as devidas cautelas. Chegada a hora do almoço, há que estacionar .

Estávamos numa mata não muito densa e os velhinhos, conhecedores da zona (?), dão instruções para dispor o pessoal em perímetro de segurança alargado o que foi feito. Os oficiais abanquetaram-se no interior do perímetro e há que começar a dar ao serrote. O Alf Quintas chamou-me para o pé dele e lá fui com a minha G3 e ração. Comecei a comer e de repente rebenta um fogachal daqueles! Um grupo IN estaria a tentar envolver-nos, mas foi detectado, gerando-se o primeiro confronto a sério da 2791 .

Aos primeiros tiros o Quintas, que não tinha a G3 com ele, quis abarbatar a minha o que claro, não deixei (esta é minha… pegue na sua…!!) e corri para o perímetro, de onde não deveria ter saído. Ouvi pela 1.ª vez o vai no Puto ! E sem ver ninguém, dei uns tiraços na direcção de onde me pareceu ter vindo a voz, mas sem nenhum efeito prático, julgo! As Kalach não se calavam e as roquetadas ferviam, tendo os RPG passado a ser a arma que mais temi, durante toda a comissão.

Acabado o confronto e debaixo de toda aquela tensão, há que ver se havia baixas e havia : dois feridos com gravidade e uma dezena de outros rapazes com ferimentos ligeiros. Quanto ao IN teve 1 morto confirmado e vários feridos mais que prováveis dados os indícios detectados no reconhecimento de zona. De volta à picada para as evacuações serem feitas em ambulância e regressarmos ao quartel, ia ouvindo de novo rajadas, o que me deu ideia de o IN teria ficado desnorteado, nos procurava a pensar que ainda lá nos encontrávamos.

A CCaç 2791 começou a honrar cedo a sua divisa Força ,o que a meu ver foi positivo já que o pessoal tomou consciência logo no início de que naquele teatro operacional, se alguém facilitasse, podia ter consequências graves para si e para os companheiros. Quanto a mim, surpreendeu-me o facto de ter passado de tenso a sereno no meio de tudo aquilo e confirmei que aquela guerra não era para brincar. Faz hoje 38 anos e 1 mês.

Luís S Faria



CCaç 2791 – 2.º GrComb > Em cima: Fur Marques; Fur Castro; Alf Barros e Fur Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3602: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (5): Bula - Gratidão

1 comentário:

Anónimo disse...

Esta foi a 1ª de muitas, que me marcaram.A história da perna do NUNES, foi aliás, o tema da minha primeira estória, O MEU BATISMO DE FOGO, meste mesmo blogue.É sempre muito penoso recordar, porque foi atrás de mim e a minha moral ficou muito em baixo.Foi efectivamente o enf. Silva que prestou os primeiros socorros.Eu limitei-me a controlar e a serenar, primeiro a mim mesmo e acto contínuo, todo o grupo.
Um Bom Ano para ti e para toda a Tertúlia.

JORGE FONTINHA