segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3680: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (15): Uma história real.


A história que vai junta é real e aconteceu em Bafatá no ano de 1967. Só os nomes foram alterados.



Pretende ser um pequeno complemento à matéria do POST 3662 da autoria do Virgínio Briote – "As nossas mulheres, companheiras, amantes e casadas com a Guiné".
Para todos, um BOM 2009.


Alberto Branquinho



NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (15)


SURPRESAS



Aconteceu em Bafatá, no regresso de uma operação de quatro dias.
A acção fora concertada com pára-quedistas e comandos e apoio permanente da Força Aérea.
O sucesso militar que se pretendia terá sido alcançado.
Houve muitas baixas, mortos e feridos, muitas vezes evacuados só no dia seguinte, porque as sessões de fogo mais violentas foram ao anoitecer.
No final, a Companhia foi recolhida pelas viaturas próximo do local que fora, quatro dias antes, o ponto de partida.
Rolavam em zona de relativa segurança, em direcção a Bafatá. Muitos soldados iam deitados nas caixas das viaturas, em extremo cansaço. Alguns adormeceram. Acordaram quando as viaturas pararam. Olharam em volta e preparavam-se para saltar, pensando em emboscada ou outro problema. Espantados, olharam as casas, algumas com segundo andar. Imediatamente e em todas as cabeças surgiu uma ideia – ÁGUA.


O capitão saltou da viatura, chamou os alferes e, depois, berrou para as viaturas:
- Pessoal! São só dez minutos. Vou ali ao Comando e volto já, para regressarmos ao quartel.
Mal se afastou, os militares desapareceram nas esquinas mais próximas, tentando conseguir água.
O Furriel Jerónimo, cansado e sedento, saiu da viatura e foi sentar-se à sombra, na pedra da porta de uma casa, no outro lado da rua. A bandoleira da G-3 escorregou-lhe do ombro e a coronha bateu com violência contra a porta. Esta abriu-se quase imediatamente e surgiu um homem fardado, que se lhe ia dirigir de forma pouco amistosa, quando o Furriel Jerónimo o fez calar, exclamando:
- Fonseca! Carlos Fonseca!


O outro ficou com a fala presa atrás da garganta e, engasgado:


- Oh! Oh! … Que fazes aqui?
- Estou a regressar de uma guerra.
- Estavas na operação "Bate Forte"?
- Sei lá como se chamava…
- Eu estou nos Comandos. Estive lá também até ontem à tarde. Manga de porrada, hein?
- É verdade. Mas que estás tu a fazer aqui, numa casa civil? Putas?
- Não, pá. Lembras-te da Eduarda Costa, que andava um ano atrás do nosso? O pai dela era o gerente da firma Costa & Lopes, mesmo ao lado do Liceu?
- Sim… sim.
- Casámos antes do embarque. Teimou em ir para Bissau, quando nós lá estávamos. Ficou lá quando saímos e depois veio para aqui. Só a malta do meu Grupo de Combate é que sabe. Já lhe disse e repeti que ela não pode estar aqui. É uma chatice quando eu tenho que sair para o mato. Mas ela falou com as freiras e fica lá. Quando estou cá, desenfio-me.
Então, voltou-se para dentro de casa:
- Dáda! Dáda! Vem aqui. Tenho uma surpresa para ti.
E, dirigindo-se ao Furriel Jerónimo:
- E para ti, também.


Eduarda aproximou-se da porta, olhou, receosa, para o exterior, tendo a figura do Jerónimo em contraluz. Não o reconheceu. Trazia, ao colo, um bebé adormecido, vestido só com uma fralda.


- É um rapaz. Nasceu em Bissau há três meses.
__________

Notas de vb:

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3 comentários:

Anónimo disse...

Caro Branquinho,

Continua... continua os teus maravilhosos escritos, sem o teu umbigo. São estas de facto a verdade da História de um povo, que passados quarenta anos, continua ignorante do que foi a passagem de seus jovens de antanho por uma guerra.

Parabéns!

Um abraço do tamanho de um AIRBUSE

Mário Fitas

Anónimo disse...

Mário Fitas
Para ficar a saber da grandeza do abraço, preciso saber se o mesmo é do tamanho de um AIRBUS 310, 320, 330,340 ou 380...
Pode ser utilizada a bitola do Rio Cumbijã, que conheci, por mais que uma vez, porque, quando a CART 1689 esteve em Catió, navegámos no Cumbijã entre IMPUNGUEDA e BEDANDA para operar a Norte, na zona de NHAI, à beira do Cumbijã, sofrendo os lodos dos braços do mesmo e seus afluentes.
Um abraço e um obrigado do
Alberto Branquinho

Anónimo disse...

Caro Branquinho,

Tens absoluta razão!
Tudo tem o seu grau de grandeza.
Em termos de aeronaves vai o A340, pois o A380 nunca viagei. Mas vai o E no fim para acrescentar o tamanho, já que na minha planície "é logo ali".
Quanto ao Cumbijã? Porra! Porra!
Do ilhéu do Melo até lá para cima com tanta curva e contracurva!
É verdade percorremos alguns dos mesmos caminhos.
Felizmente, cá vamos andando ainda, mesmo sem o umbigo (Teu).

Do tamanho do Cumbijã desde o ilhéu do melo até lá quase para o Dolumbi. Aquele abraço,

Mário Fitas