Caros Camaradas
A dois dias de fazer 38 anos sobre o sucedido, envio umas notas sobre um facto que testemunhei, na ùnica vez em que falei e militarmente apresentei forças militares ao Sr Governador e Comandante Chefe na Guiné.
Se julgarem de interesse, publiquem.
Abraços para TODOS.
Jorge Picado
Como já foi referido por diversas vezes no Blogue, a quadra natalícia, pelo seu significado, era usada por toda a Sociedade para exprimir aos combatentes "a sua gratidão" pelo sacrifício que prestavam à Pátria.
Eram as prendas do MNF, das quais nunca vislumbrei alguma talvez devido ao facto do pessoal sob meu comando já ter passado um Natal anterior (?), eram as celebérrimas mensagens enviadas através da TV, de que também me livrei e havia ainda as visitas relâmpago, durante este período, ao maior número de aquartelamentos possível realizadas por SEXA o Comandante Chefe.
Evidentemente que não sendo possível apresentar pessoalmente os seus Votos de Bom Natal e Felicidades para o Novo Ano a todos quantos se encontravam no TO, privilegiava ao máximo os locais mais castigados e isolados do mato, manifestando a "sua" solidariedade, o "seu" agradecimento e demonstrando que estava com as tropas, mesmo nos sítios mais inóspitos.
Só tive um ComChefe, o Marechal (então General) Spínola (o famoso "Caco Baldé"). Não sei se, os anteriores e o posterior, usavam esta política de reconhecimento para com os subordinados de escalão mais baixo, mas, não sendo seu admirador (por conhecer o seu passado na II Guerra Mundial), a sua forma de tratar um caso que lhe chegou ao conhecimento, indirectamente por mim, marcou-me, pela positiva.
Destacamento de Cutia, situado na estrada Mansoa/Mansabá
VISITA DE NATAL DO COMCHEFE A CUTIA
Na época natalícia de 1970, na área do BCaç 2885, o Destacamento de CUTIA foi um dos contemplados pela visita de SEXA e, como me encontrava lá colocado, coube-me recebê-lo, no dia e hora marcado e fazer "as honras da casa" durante o tempo dispensado, já que a paragem se inseria num percurso que o levaria a outros locais e a almoçar num outro local com melhores infra estruturas.
Ora isto aconteceu no dia 29DEZ70, segundo a indicação que tenho na Agenda para este dia [Visita de Sexa].
Evidentemente que a visita em si foi igual a tantas outras que muitos dos camaradas tiveram, com toda a certeza, mas há um acontecimento que julgo ser de dar a conhecer, até para se adicionar aos muitos outros que servirão para avaliar o perfil deste militar.
Dos soldados que tinha comigo naquela terra, havia um não originário do BCaç, mas que tinha ido ali parar por transferência disciplinar – pouco tempo antes de me ter deslocado com um Grupo de Combate da CCaç 15 para aquele Destacamento – face ao seu currículo cadastral.
Natural dum dos típicos bairros lisboetas – logo dotado duma certa lábia e duma experiência de vida mais libertina e menos dado a obediências – mais uma vez, creio, tinha sido transferido de unidade, por razões disciplinares. Ao longo da sua comissão, que já ultrapassava em muito os 25 meses quando apareceu em MANSOA – em OUT70 – já tinha passado por várias unidades, no seu périplo pelas matas da Guiné – intercalando por "estadias de descanso forçado" em BISSAU, sempre a acumular castigos, qual candidato a eterno "residente" por aquelas paragens, desde que as contingências da guerra o não levassem desta para melhor.
Pouco tempo depois de permanecer em MANSOA foi mais uma vez "premiado" pelo Cmdt do BCaç que lhe aplicou mais 20 dias de Prisão Disciplinar – precisamente uma semana antes do tal meu deslocamento – de forma que quando saí da sede do BCaç, o Cmdt determinou que logo que cumprisse a pena, tinha de o levar para CUTIA, já que como era um lugar pequenino não poderia causar tantos disparates…e eu que o controlasse não lhe atribuindo muitas responsabilidades para não fazer tantas asneiras.
Bem, o rapaz teve sorte ao encontrar "um paisano" que, "falando-lhe ao coração", perguntando-lhe o "que gostava de fazer" antes de o "mandar fazer", estabeleceu com ele um compromisso.
Tínhamos um gerador que passava mais dias em descanso do que aqueles em que funcionava…e ele, afirmando que tinha alguns conhecimentos de mecânica, prontificou-se a cuidar do gerador e a mantê-lo em funcionamento.
Detectou a razão das frequentes avarias, indicou-me as peças necessárias que, uma vez recebidas da Engenharia, substituiu com a ajuda dum camarada, tornando o gerador mais funcional.
Quando mandei dar conhecimento a todo o pessoal da visita do ComChefe, este soldado veio pedir-me para solicitar ao "Homem Grande" que o deixasse expor directamente o seu caso. Instruí-o para que se fardasse convenientemente e transmiti a um dos Furriéis para que "lhe desse uma ensaboadela dos procedimentos da apresentação a um superior".
Perante as forças que não foram destacadas para a devida segurança, devidamente formadas na improvisada parada, recebi com as honras militares correspondentes e falei pela primeira e única vez directamente com o Gen Spínola. Confesso que estava um tanto nervoso, com receio de cometer alguma "gaffe" e ser logo ali recriminado por falta de profissionalismo militar. Tal não aconteceu e, chegando aos "finalmentes", ou seja, quando ele fez a pergunta sacramental se havia alguém que desejasse expor-lhe qualquer assunto, apresentei-lhe o pedido do tal soldado.
Ordenou-me logo para o mandar avançar. Ouviu-o. Questionou-me sobre o seu actual comportamento. Informei-o sobre o bom desempenho da tarefa de que fora incumbido e da sua actual correcção dos deveres militares, após o que, como era habitual, virou-se para o ajudante de campo, que naquela época já não era o Capitão de Cavalaria Almeida Bruno – estava como Cmdt de uma CCom Africana – mas outro Cap mais baixo, de bigodinho, que imitava o General usando igualmente uma bengala e ordenou-lhe para tomar nota dos elementos identificativos do soldado e apresentar-lhe posteriormente o processo.
Resultado
Antes do final de Janeiro de 1971, o soldado embarcou no Aeroporto de Bissalanca com destino à Metrópole e com a comissão terminada.
Este facto, que como é evidente me marcou de tal modo que é daqueles que não esqueci, deu-me a conhecer outra faceta deste Comandante.
Ao mesmo tempo como era firme e severo nos seus castigos, também sabia ser humano quando necessário.
O Gen António de Spínola numa das suas habituais visitas a aquartelamentos da Guiné.
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Notas de CV:
(*) Vd. último trabalho de 11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3597: O meu Natal no mato (13): De Cutia (1970) ao CAOP1, em Teixeira Pinto (1971) (Jorge Picado, ex-Cap Mil)
Vd. último poste da série de 24 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3666: O meu Natal no mato (19): Spínola, as meninas do MNF, o bispo de Madarsuma e um jornalista, em Gandembel, 1968 (Idálio Reis)
O Gen António de Spínola numa das suas habituais visitas a aquartelamentos da Guiné.
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Notas de CV:
(*) Vd. último trabalho de 11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3597: O meu Natal no mato (13): De Cutia (1970) ao CAOP1, em Teixeira Pinto (1971) (Jorge Picado, ex-Cap Mil)
Vd. último poste da série de 24 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3666: O meu Natal no mato (19): Spínola, as meninas do MNF, o bispo de Madarsuma e um jornalista, em Gandembel, 1968 (Idálio Reis)
1 comentário:
Caro amigo Jorge
Este teu post fez-me lembrar doutra personagem muito semelhante. Trata-se do Mafra, um soldado cigano, que já por lá andava quando chegámos e penso que por lá ficou com a familia. Anti-militarista de gema , os seus castigos sucediam-se uns aos outros, não me engano muito se disser que a sua permanencia na Guiné ultrapassou os trinta meses. Sempre que havia barulho com necessidade de saídas rápidas, lá aparecia ele na porta de armas, (pois vivia com a familia na vila), em calção e camisa, tairocas de enfiar no dedo, cartucheira e G3.
Vou enviar-te uma foto onde ele está, pode ser que te lembres do cromo.
Um abraço
César
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