1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Janeiro de 2011:
Queridos amigos,
Naquela altura, o Tangomau sofria a valer, era uma corrida contra o tempo, tinham falhado vários itinerários, todos eles de valor precioso: o Cuor, na região de Finete junto ao Geba, até Aldeia e Gã Gémeos; a região de Fá; as tabancas beafadas perto de Amedalai; Samba Silate e os Nhabijões.
Esta foi uma manhã inesquecível. Mas a tarde, passada na Ponta do Inglês, não foi menos. E amanhã, domingo, vamos ter festa, os velhos combatentes vão conviver e recordar os seus mortos.
Um abraço do
Mário
Operação Tangomau (12)
Beja Santos
A partir de Maná até Madina de Gambiel. A seguir, a Ponta do Inglês
1. O Tangomau está inquieto, sem retórica até se sente um pouco angustiado. Dormiu agitado e sente culpas no cartório, veio à Guiné por razões muito precisas ou lineares, sobressaltou pessoas e instituições para ter chegado a um programa lisonjeiro com alguma estadia na região de Bambadinca. Mas agora tudo lhe sabe a pouco, vai para a casa de banho refrescar-se com o duche de caneco e faz perguntas sem resposta: é justo regressar a Bissau sem ver a malta das tabancas beafadas, até Moricanhe? Andaste por aí a perguntar por gente que mora a escassas dezenas de quilómetros e não ousas pôr-te ao caminho, tens tanta soberba que até pensas que lhes compete serem eles a fazerem esta longa marcha de candonga ou bicicleta? Eras tu que querias fazer Finete a Missirá junto ao Geba e afinal rendeste-te ao argumento que está tudo alagado? És negligente, tens a mania das facilidades, perdeste o gosto pelo risco, és um merdas, disfarçado de caminheiro, só queres a vida facilitada.
Com os alvores do dia, passou do estado melancólico para a excitação, hoje vai começar por se despedir do Cuor, visitando Maná, Sansão e Madina de Gambiel, poderá dizer por quase todo o Cuor está conhecido, sem remissão. O que na prática não é verdade. Andou ali a discutir com o Fodé Dabaha que tinham ido a Madina de Biassa. Tinham sido quilómetros a mais, tinham chegado ali perto de Sancorlã, tabanca que visitara várias vezes no passado, em patrulhamento. Pedira para visitar Salá e Quebá Jilã, rendera-se ao argumento das bolanhas alagadas e estradas intransitáveis. Lânsana Sori devia ter entrado mais cedo na expedição, paciência. Agora, impunha-se usar o dia, intensamente. Lânsana chegou, pontualmente, fizeram-se as compras no mercado do Bambadincazinho, ei-los à desfilada do Bairro Joli à Bantanjã, daqui para Finete e depois Canturé. Começa a ritual das toranjas, aqueles citrinos que matavam fome e sede nas idas e vindas diárias a Mato de Cão. São árvores miraculosas, quase irãs, merecem uma imagem para a posteridade.
2. Apresentam-se mais cumprimentos a Malã Mané, o chefe de tabanca de Canturé, acena-se à população e ruma-se para a velha estrada que ligava no passado o Enxalé a Geba. Esta estrada exerce um estranho fascínio sobre o Tangomau, e logo desde Agosto de 1968. Vale a pena, resumidamente, explicar porquê. Dentro dos 16 itinerários alternativos entre Missirá e Mato de Cão (bem divulgados no mercado de Bambadinca de modo a que a informação chegasse a Madina, e os inibisse nas iniciativas de emboscadas e minas) atravessar aquela estrada era uma obrigação. Mas uma obrigação com fascínio, e não se exagera, basta tê-la percorrido. Era alcantilada em muitos pontos. Numa das margens, à direita, de quem ia de Missirá para Gambaná, muito densa, não foi por acaso que o PAIGC escolheu esses pontos em emboscadas passadas, na outra berma era tudo aberto e luxuriante, basta pensar em Canturé e Maná. Chegava a ter rectas de um quilómetro, era uma vista desafogada, de um lado, uma inquietação permanente de outro, mas tudo numa atmosfera de beleza selvagem, expectante. E um silêncio só interrompido pelas viagens dos pássaros e o restolhar da fauna de pequeno porte. No passeio de hoje, o Tangomau delicia-se com essa estrada perdida, quase sem préstimo, para chegar a Maná nem vai ser difícil, Lânsana Sori inflecte para a direita, muito antes de se passar de Cancumba para Missirá. É um renovado prazer, agora Maná tem vida, a tabanca começou a ser reconstruída logo em 1975, não tomem o Tangomau por pedante ou excessivo, agora que se entrou pelo trilho e se avista Maná, ele referencia o ambiente como um todo. É bem recebido por Silá Sani, o chefe de tabanca. Aqui vivem 175 pessoas, o Tangomau mostra os livros, pela enésima vez pedem-lhe que os deixe ali, lamentavelmente não é possível, mas eles estão à disposição em Missirá. Tiraram-se fotografias, por azar do destino tudo se perdeu e é por isso que se mostra a fonte de Cancumba, um dos lugares míticos do Tangomau. Só quem ali viveu é que pode compartilhar da alegria em saber que aquela fonte dá vida a Cancumba e mesmo a Missirá, pode recordar o pesadelo do abastecimento quando as duas viaturas estavam empanadas.
3. Em alvoroço, o Tangomau retoma à velha estrada que ligava Bissau a Geba. Agora quer ir a Sansão, terreno emblemático dos guerreiros do Cuor. Aqui, foi Sambel Nhantá, aqui combateu Infali Soncó, foi obrigado a recuar perante as tropas portuguesas, em Abril de 1908. A motocicleta passa por Missirá, novos abraços efusivos, o Tangomau obtempera a todos os pedidos, possíveis e impossíveis, desde equipamento de futebol a material escolar. Bantan Aiderá e Nhali Cassamá, esta última viúva de Quebá Soncó e que há poucas horas visitaram o Tangomau em Bambadinca, olham-no atónitas, parece que a motocicleta transporta uma alma do outro mundo. Até Lamine Suane, o filho de Cherno Suane, o guarda-costas do Tangomau pede fotografia para o pai ver em Lisboa. Aparece a correr Braima Sani, que veio de Maná, Nhali Cassamá indica o caminho para Sansão. O Tangomau leva o coração em festa, ali há vida, quase todos os dias se percorria Sansão então tabanca morta, com as suas hortas ao abandono. É recebido por Aladje Lamine Cassamá, há abraços, perguntas, mostram-se os livros. É nisto que começam os prodígios da manhã, dois amigos se apresentam, felizmente que a máquina fotográfica não traiu o evento. Eles são Dauda Mané, aquele menino que ficara surdo no ataque a Missirá no Natal de 1966, Dauda fora enviado ao hospital, regressou sem diagnóstico; a seu lado, temos Aladje, que o Tangomau tão bem conhece, naquele tempo era inimaginável supô-lo chefe de tabanca em Maná. O admirável diz tudo é conversa com Dauda, ele olha para os lábios do interlocutor, percebe e sente tudo. Sim, sente, aqueles abraços vêm cheios de meiguice, estão muito para além da falta de compreensão dos sons. Quanto o Tangomau agradece este afago, este olhar maravilhado de Dauda Seidi!
4. De regresso a Missirá, multiplicam-se os conselhos para chegar a Madina de Gambiel. São talvez dez quilómetros até chegar à fronteira do regulado do Cuor; uma fronteira com paraíso, é esta a recordação que guarda o Tangomau, uma atmosfera edénica, com palmares soberbos, as palmeiras de Samatra que Armando Cortesão, mais tarde um dos maiores cartógrafos do mundo, para ali levou. São bolanhas úberes, uma fertilidade espantosa, tudo o Tangomau conheceu ao abandono, como terra de ninguém, embora as populações na órbita do PAIGC as cultivassem do lado de Mansomine. É uma viagem extasiante, umas vezes dentro de um carreiro com a frescura das copas dos cajueiros praticamente entrançados, outras sentindo as hortas cultivadas, e depois o desfrute das águas e do arvoredo combinados. Caminhava-se para o paraíso de Gambiel.
5. A tabanca de Madina de Gambiel é modesta mas está cheia de vida. O Tangomau pede para falar com o chefe da tabanca, alguém parte à procura da individualidade, entregue as fainas agrícolas. Outra pessoa levanta-se de um banco de madeira e olha directa e mansamente e exclama: “Reconheci-te pela voz e pelo andar. O teu nome é… Eu sou o Ieró Baldé, fui teu soldado milícia em Missirá, até Novembro de 1969”. O Tangomau é quase derrubado pela emoção, tal coisa nunca lhe acontecera, se sentir a fome e quisera comer fruta e bolacha Maria e beberricar água, tal precisão partiu instantaneamente. Agarra na mão de Ieró e vão a conversar, como em Novembro de 1969, falam de famílias, sobretudo dos filhos, o Tangomau pergunta-lhe por camaradas como Gibrilo Embaló ou Tomani Sanhá ou Sila Sabali, Ieró não tem notícia de nenhum deles. E assim chegam à bolanha de Madina de Gambiel, dois quilómetros à frente, fazem o percurso a pé, vão acompanhados por curiosos, cenas destas não se vêem todos os dias.
6. O Tangomau está decepcionado com o que vê à volta. Afinal, para construir a tabanca, a estrada sobre o rio Gambiel, arrasaram o palmar, continua a haver beleza mas o magnetismo, o feitiço dos palmares a beijar a água em abundância desapareceu. O Tangomau explica que esteve em Madina de Biassa que afinal fica para lá de Sancorlã e que ali insistem que é Madina de Gambiel, foi assim que Djlimamadu Camará, exímio caçador e que sempre andara nas florestas com Cibo Indjai, sempre a designou. Os de Madina de Gambiel andam furiosos com esta confusão, nem chega a ser uma rivalidade como Nazaré e Peniche, é um abuso de confiança, uma usurpação de quem vive no Gambiel não gosta e recalcitra. A grande emoção, afinal, foi rever Ieró Baldé. Não deve haver ninguém no mundo que não aprecie ser reconhecido imediatamente depois de mais de 40 anos de separação. Mais palavras, para quê?
7. A manhã vai alta, urge regressar, Lânsana Sori quer comer e repousar em Bambadinca. De Madina de Gambiel parte-se para Missirá, quando o Tangomau acena para todos na tabanca sente o coração contrito, há sempre presságios, pensamentos negros do género: terá sido a última vez que visitei Missirá, lugar eleito? A motocicleta prossegue veloz em terreno alcantilado, sempre a fintar pequenos abismos e charcos esverdeados. A excitação apazigua-se vendo Maná ao longe, atravessando Canturé, isto com uma enorme falta de coragem de ter pedido a Lânsana Sori para descerem até Gambaná, é aqui que começa uma recta espectacular com Malandim à esquerda e Chicri à direita, não fosse aquele cansaço brutal, a roçar o desumano, e todos os dias valia a pena vir aqui, palmilhar mais de duas dezenas de quilómetros. Mas não, houve prudência, seguiu-se até perto de Finete e inflectiu-se para a Bantajã Mandinga e daqui para Bambadinca. Aliás há imensos pormenores a tratar com Calilo Dahaba, o homem grande Fodé decidiu que a festa amanhã não é cabrito é foleré bem especial. Para quem está esquecido, o foleré mete batata, candja, alho, calda de tomate, óleo, orégãos, djacatu, sal, cebola e caldo de carne. A proteína é à escolha, e o homem grande Fodé decidiu que vai ser carne de vaca com osso, da costela. Assim seja, o Tangomau quer é regozijo neste reencontro, passar o dia na festividade com todos aqueles que foi possível encontrar. Por insólito que pareça, mesmo junto ao Geba, quando os viajantes deixaram Finete, o Tangomau pediu para captar a última imagem, a despedida do Cuor, tem consciência de que não há grande beleza naqueles eriçados com a mata ao fundo. Mas foi o lugar em que viveu e de que se vai separar, não sabe se pela última vez. E agora vamos descansar. Lânsana larga o Tangomau num espaço fresco onde fica à frente de uma cerveja, com a sua bolacha Maria, goiabas e algumas bananas-maçã. Um rádio batuca uma melopeia pouco estridente. Ali ao pé, as vozes no mercado são cada vez mais sussurrantes, com a onda de calor todos procuram sombra, descansar o corpo. Com um frémito de prazer, o Tangomau prevê uma tarde apaixonante. Daqui a um bocado partem para a Ponta do Inglês, um dos roteiros mais cobiçados para esta viagem. Estonteado pelo calor, ainda com remorsos pelas viagens que não fará e que tanto gostaria de fazer, o Tangomau deslizou para a escuridão. Na vaga do calor, adormeceu.
(Continua)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 8 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P7571: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (11): Regresso de Madina e Belel, com paragem em Canturé
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Guiné 63/74 - P7582: Parabéns a você (200): Bernardino Rodrigues Parreira, ex-Fur Mil da CCAV 3365/BCAV 3846 e CCAÇ 16 (Guiné, 1971/73) (Tertúlia / Editores)
10 DE JANEIRO DE 2011
BERNARDINO PARREIRA*
Caro Bernardino, a Tabanca Grande solidariza-se contigo nesta data festiva. Assim, vêm os Editores em nome de todos os teus camaradas e amigos desejar-te um feliz dia de aniversário junto dos teus familiares.
Que esta data se festeje e prolongue por muitos anos, repletos de saúde, tendo sempre junto de ti quem mais amas.
Na hora do brinde não esqueças os teus camaradas e amigos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, que irão erguer também uma taça em tua honra.
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Notas de CV:
(*) Bernardino Rodrigues Parreira foi Fur Mil na CCAV 3365/BCAV 3846 e na CCAÇ 16, S. Domingos e Bachile, 1971/73
Vd. poste de 20 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6875: Tabanca Grande (236): Bernardino Rodrigues Parreira, ex-Fur Mil da CCAV 3365/BCAV 3846 e CCAÇ 16 (S. Domingos e Bachile, 1971/73)
Vd. último poste da série de 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7570: Parabéns a você (199): Agradecimento de Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53
Guiné 63/74 - P7583: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (37): Na Kontra Ka Contra: 1.º episódio
1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 7 de Janeiro de 2011:
Caro Carlos:
Embora me esteja a dirigir a ti, o que tenho para dizer é mais para todos os outros camaradas, pois tu já conheces os antecedentes da possível publicação da estória NA KONTRA KA KONTRA.
Conforme o combinado, a saga que em princípio irá ser publicada por episódios, diariamente de segunda a sexta-feira, resultou da minha recente visita à Guiné-Bissau em Março de 2010. Logo no primeiro dia, quando se estava a almoçar em Bissau, tive conhecimento, por intermédio do nosso camarada António Pimentel, que um empresário guineense e antigo combatente, estava interessado em produzir a primeira telenovela guineense. Precisava pois de um argumento.
Passados uns dias, depois de amadurecer a ideia, noutro encontro com esse empresário tive a oportunidade de lhe dizer que já tinha congeminado uma estória, baseada em casos reais, que poderia muito bem, em meu entender, servir como argumento para uma telenovela.
Acrescentei, que independentemente da sua aceitação, logo que chegasse a Portugal começaria a escrever esse argumento. Foi o que aconteceu.
Dada a finalidade em questão, o enredo é dividido em episódios começando sempre cada um com a última parte do anterior. Pela mesma razão, por vezes há repetições de partes já descritas.
Embora se refira num preâmbulo, no 1.º Episódio, que por mais rocambolescos que pareçam os factos descritos, efectivamente foram vividos por personagens reais, salvaguardando duas passagens ficcionadas, que foram necessárias para “compor” o enredo.
Inicialmente a intenção da estória era servir de base a uma telenovela pelo que estive à espera da possível aprovação do produtor. No entanto, depois de a reler, tomei plena consciência que “NA KONTRA KA KONTRA” não seria uma novela adequada para passar na Guiné-Bissau. É neste contexto que, para já, avanço com a sua publicação no blogue.
Tem-se publicado muita coisa no blogue: Histórias da guerra e outras que nada têm a ver com ela e muito menos com a Guiné. Apesar de esta estória ter muito a ver com a guerra e com a Guiné, todos os camaradas podem, através de comentários, manifestar o seu agrado ou desagrado. É pois uma nova abordagem no Blogue Luís Graça, em moldes que considero diferentes.
A terminar direi que o final da estória não será da minha autoria mas será de acordo com cada leitor…
Um abraço a todos.
Fernando Gouveia
1.º EPISÓDIO:
1969, princípios de Agosto, em plena guerra colonial. Um forte rebentamento faz estremecer toda a picada bem como os corpos dos homens de uma coluna apeada, de tropas portuguesas, comandada pelo Alferes Miliciano Magalhães Faria. Uma nuvem em cogumelo, de fumo e pó avermelhado, eleva-se nos ares, e é vista também da tabanca de Madina Xaquili onde o Alferes Magalhães está sediado. Da mesma forma faz estremecer os corações de todos os habitantes da tabanca, em especial das mulheres dos milícias que integram a coluna.
INTRÓITO:
Por mais rocambolescos que pareçam os factos que fazem parte do seriado que agora tem início e que em grande parte é passado na actual Guiné-Bissau, foram realmente vividos pelas personagens, só que, para não haver quaisquer constrangimentos por parte de qualquer interveniente, se optou por ficcionar um pouco a saga, passando-se o mesmo com as fotografias. Se se trocarem devidamente alguns nomes de pessoas, de locais e fotografias a estória passa a ser 98% verdadeira. Embora nos primeiros episódios, pareça tratar-se de uma estória da guerra colonial, com o seu desenvolvimento vai tornar-se numa sucessão de encontros e desencontros (NA KONTRA KA KONTRA) amorosos, e não só. A abordagem do tema guerra tornava-se inevitável, por motivos óbvios.
PRINCIPAIS INTERVENIENTES:
Alferes Magalhães Faria … principal personagem e que vive a estória de princípio ao fim.
Asmau … personagem feminina que vive a estória desde o seu nascimento até ao fim, com eclipses temporais.
Dionildo … “ordenança” do Alferes Magalhães que vai aparecendo e desaparecendo esporadicamente ao longo da estória.
Adramane ... chefe da tabanca de Madina Xaquili e pai da Asmau.
Binta … mãe de Asmau.
Ibraim … porteiro do Cinema de Bafata que protagoniza, no final e a título póstumo, um episódio surpreendente.
João Sanhá … Alferes Comandante da Milícia da tabanca de Madina Xaquili.
Bobo … mulher do Milícia Sadjuma.
Sadjuma … Milícia que se ofereceu para ajudante de padeiro.
Braima … Milícia tocador de kora.
Kadidja … primeira mulher do Chefe da milícia João Sanhá.
Na noite anterior ao rebentamento da mina, o Alferes Magalhães de acordo com ordens superiores, tinha combinado com o comandante do pelotão de milícia, João Sanhá, a ida no dia seguinte a Cantacunda, tabanca em auto-defesa, em operação de reabastecimento de munições.
Como sempre, esta conversa teve lugar no local habitual, com ambos sentados no “bentem”, grande estrado de entrançado de bambus, debaixo de um mangueiro bem no centro da tabanca. Não fossem as combinações guerreiras, o local de onde se vê o relampejar ao longe e se ouvem os pios de som metálico dos morcegos frutívoros nos mangueiros, pareceria o centro do paraíso.
Neste dia, bem cedo, porque se pretendia regressar a Madina Xaquili para o almoço, segue a coluna. Os cerca de oito quilómetros até Cantacunda são percorridos sem percalços. O itinerário é considerado seguro pois os guerrilheiros do PAIGC só tinham mostrado actividade para Sul, ou seja, para os lados da tabanca abandonada de Padada, do rio Corubal e de Madina do Boé, entretanto abandonada pelas tropas portuguesas e agora “santuário” do PAIGC.
Está-se em plena época das chuvas. Embora manhã cedo, o calor húmido já se faz sentir. O que vale é a picada desenvolver-se em zona arborizada, ensombrando quase todo o percurso. Vêem-se os morros de baga-baga com os acrescentos que as formigas tinham construído durante a noite, de cor mais escura como que molhados. Grupos de pequenos macacos, em altas árvores, fazem um enorme alarido. Rolas e pássaros azuis esvoaçam à passagem da coluna. Um ambiente bem contrastante com o que se está a viver em Madina Xaquili.
Há cerca de dois meses ainda era uma tabanca, embora pequena, idêntica a tantas outras do Cossé. Tinha cerca de vinte e cinco moranças, com os seus “quartos de banho” exteriores delineados em “querintim”, esteiras de bambus entrançados. Como as coberturas dos abrigos se estavam a esboroar com as chuvas diárias, resolveu-se cobri-los com as coberturas de capim de muitas moranças, até porque já pouca população civil havia em Madina Xaquili. A tabanca apresentava-se agora esventrada e nada idílica.
Em Cantacunda entregam-se os cunhetes de munições, tiram-se as fotografias da praxe com o chefe da tabanca, iniciando-se de seguida o regresso a Madina Xaquili.
Sensivelmente a meio do percurso, já com a descontracção do regresso, um elemento da coluna acciona um engenho explosivo, ficando com o corpo todo dilacerado. Nunca se chegou a saber se o engenho já lá estava na passagem anterior. Provoca ainda pequenos ferimentos nos que iam mais perto. Não produziu mais danos pois o Alferes Magalhães tinha sido muito preciso nas instruções dadas, no sentido de irem afastados uns dos outros seis ou sete metros. Um dos feridos ligeiros é o Dionildo, que soltando meia dúzia de c… e f… depressa se recompõe.
Como autómatos, os homens tinham-se atirado para o chão e os mais nervosos, contrariamente às instruções recebidas, fizeram alguns disparos sem qualquer objectivo. Seguiu-se o silêncio, quer dos homens, quer dos animais da floresta. É então que o Alferes Magalhães, com a garganta cheia do pó vermelho da picada, num grito rouco, pergunta ao João Sanhá:
- Quem foi atingido?
Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7091: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (36): Desastre de viação de um T6
Caro Carlos:
Embora me esteja a dirigir a ti, o que tenho para dizer é mais para todos os outros camaradas, pois tu já conheces os antecedentes da possível publicação da estória NA KONTRA KA KONTRA.
Conforme o combinado, a saga que em princípio irá ser publicada por episódios, diariamente de segunda a sexta-feira, resultou da minha recente visita à Guiné-Bissau em Março de 2010. Logo no primeiro dia, quando se estava a almoçar em Bissau, tive conhecimento, por intermédio do nosso camarada António Pimentel, que um empresário guineense e antigo combatente, estava interessado em produzir a primeira telenovela guineense. Precisava pois de um argumento.
Passados uns dias, depois de amadurecer a ideia, noutro encontro com esse empresário tive a oportunidade de lhe dizer que já tinha congeminado uma estória, baseada em casos reais, que poderia muito bem, em meu entender, servir como argumento para uma telenovela.
Acrescentei, que independentemente da sua aceitação, logo que chegasse a Portugal começaria a escrever esse argumento. Foi o que aconteceu.
Dada a finalidade em questão, o enredo é dividido em episódios começando sempre cada um com a última parte do anterior. Pela mesma razão, por vezes há repetições de partes já descritas.
Embora se refira num preâmbulo, no 1.º Episódio, que por mais rocambolescos que pareçam os factos descritos, efectivamente foram vividos por personagens reais, salvaguardando duas passagens ficcionadas, que foram necessárias para “compor” o enredo.
Inicialmente a intenção da estória era servir de base a uma telenovela pelo que estive à espera da possível aprovação do produtor. No entanto, depois de a reler, tomei plena consciência que “NA KONTRA KA KONTRA” não seria uma novela adequada para passar na Guiné-Bissau. É neste contexto que, para já, avanço com a sua publicação no blogue.
Tem-se publicado muita coisa no blogue: Histórias da guerra e outras que nada têm a ver com ela e muito menos com a Guiné. Apesar de esta estória ter muito a ver com a guerra e com a Guiné, todos os camaradas podem, através de comentários, manifestar o seu agrado ou desagrado. É pois uma nova abordagem no Blogue Luís Graça, em moldes que considero diferentes.
A terminar direi que o final da estória não será da minha autoria mas será de acordo com cada leitor…
Um abraço a todos.
Fernando Gouveia
NA KONTRA
KA KONTRA
1.º EPISÓDIO:
1969, princípios de Agosto, em plena guerra colonial. Um forte rebentamento faz estremecer toda a picada bem como os corpos dos homens de uma coluna apeada, de tropas portuguesas, comandada pelo Alferes Miliciano Magalhães Faria. Uma nuvem em cogumelo, de fumo e pó avermelhado, eleva-se nos ares, e é vista também da tabanca de Madina Xaquili onde o Alferes Magalhães está sediado. Da mesma forma faz estremecer os corações de todos os habitantes da tabanca, em especial das mulheres dos milícias que integram a coluna.
Visão aterradora a partir de Madina Xaquili, especialmente para as mulheres dos milícias que integram a coluna.
INTRÓITO:
Por mais rocambolescos que pareçam os factos que fazem parte do seriado que agora tem início e que em grande parte é passado na actual Guiné-Bissau, foram realmente vividos pelas personagens, só que, para não haver quaisquer constrangimentos por parte de qualquer interveniente, se optou por ficcionar um pouco a saga, passando-se o mesmo com as fotografias. Se se trocarem devidamente alguns nomes de pessoas, de locais e fotografias a estória passa a ser 98% verdadeira. Embora nos primeiros episódios, pareça tratar-se de uma estória da guerra colonial, com o seu desenvolvimento vai tornar-se numa sucessão de encontros e desencontros (NA KONTRA KA KONTRA) amorosos, e não só. A abordagem do tema guerra tornava-se inevitável, por motivos óbvios.
PRINCIPAIS INTERVENIENTES:
Alferes Magalhães Faria … principal personagem e que vive a estória de princípio ao fim.
Asmau … personagem feminina que vive a estória desde o seu nascimento até ao fim, com eclipses temporais.
Dionildo … “ordenança” do Alferes Magalhães que vai aparecendo e desaparecendo esporadicamente ao longo da estória.
Adramane ... chefe da tabanca de Madina Xaquili e pai da Asmau.
Binta … mãe de Asmau.
Ibraim … porteiro do Cinema de Bafata que protagoniza, no final e a título póstumo, um episódio surpreendente.
João Sanhá … Alferes Comandante da Milícia da tabanca de Madina Xaquili.
Bobo … mulher do Milícia Sadjuma.
Sadjuma … Milícia que se ofereceu para ajudante de padeiro.
Braima … Milícia tocador de kora.
Kadidja … primeira mulher do Chefe da milícia João Sanhá.
Na noite anterior ao rebentamento da mina, o Alferes Magalhães de acordo com ordens superiores, tinha combinado com o comandante do pelotão de milícia, João Sanhá, a ida no dia seguinte a Cantacunda, tabanca em auto-defesa, em operação de reabastecimento de munições.
Como sempre, esta conversa teve lugar no local habitual, com ambos sentados no “bentem”, grande estrado de entrançado de bambus, debaixo de um mangueiro bem no centro da tabanca. Não fossem as combinações guerreiras, o local de onde se vê o relampejar ao longe e se ouvem os pios de som metálico dos morcegos frutívoros nos mangueiros, pareceria o centro do paraíso.
Neste dia, bem cedo, porque se pretendia regressar a Madina Xaquili para o almoço, segue a coluna. Os cerca de oito quilómetros até Cantacunda são percorridos sem percalços. O itinerário é considerado seguro pois os guerrilheiros do PAIGC só tinham mostrado actividade para Sul, ou seja, para os lados da tabanca abandonada de Padada, do rio Corubal e de Madina do Boé, entretanto abandonada pelas tropas portuguesas e agora “santuário” do PAIGC.
A coluna de reabastecimento à tabanca em auto defesa de Cantacunda.
Está-se em plena época das chuvas. Embora manhã cedo, o calor húmido já se faz sentir. O que vale é a picada desenvolver-se em zona arborizada, ensombrando quase todo o percurso. Vêem-se os morros de baga-baga com os acrescentos que as formigas tinham construído durante a noite, de cor mais escura como que molhados. Grupos de pequenos macacos, em altas árvores, fazem um enorme alarido. Rolas e pássaros azuis esvoaçam à passagem da coluna. Um ambiente bem contrastante com o que se está a viver em Madina Xaquili.
Há cerca de dois meses ainda era uma tabanca, embora pequena, idêntica a tantas outras do Cossé. Tinha cerca de vinte e cinco moranças, com os seus “quartos de banho” exteriores delineados em “querintim”, esteiras de bambus entrançados. Como as coberturas dos abrigos se estavam a esboroar com as chuvas diárias, resolveu-se cobri-los com as coberturas de capim de muitas moranças, até porque já pouca população civil havia em Madina Xaquili. A tabanca apresentava-se agora esventrada e nada idílica.
Em Cantacunda entregam-se os cunhetes de munições, tiram-se as fotografias da praxe com o chefe da tabanca, iniciando-se de seguida o regresso a Madina Xaquili.
Na tabanca de Cantacunda a entregar os cunhetes de munições. O Alferes Magalhães sentado no “bentem” entre o Comandante da Milícia João Sanhá e o Chefe da tabanca.
Sensivelmente a meio do percurso, já com a descontracção do regresso, um elemento da coluna acciona um engenho explosivo, ficando com o corpo todo dilacerado. Nunca se chegou a saber se o engenho já lá estava na passagem anterior. Provoca ainda pequenos ferimentos nos que iam mais perto. Não produziu mais danos pois o Alferes Magalhães tinha sido muito preciso nas instruções dadas, no sentido de irem afastados uns dos outros seis ou sete metros. Um dos feridos ligeiros é o Dionildo, que soltando meia dúzia de c… e f… depressa se recompõe.
Como autómatos, os homens tinham-se atirado para o chão e os mais nervosos, contrariamente às instruções recebidas, fizeram alguns disparos sem qualquer objectivo. Seguiu-se o silêncio, quer dos homens, quer dos animais da floresta. É então que o Alferes Magalhães, com a garganta cheia do pó vermelho da picada, num grito rouco, pergunta ao João Sanhá:
- Quem foi atingido?
Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7091: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (36): Desastre de viação de um T6
Guiné 63/74 - P7581: Tabanca Grande (259): Jorge Lobo, ex-1.º Cabo At Art da CART 1660 (Mansoa, 1967/68)
1. Hoje apresenta-se nesta nossa Tabanca Grande mais um Camarada – o Jorge Lobo -, que foi 1º Cabo Atirador de Artilharia da CART 1660 e também esteve adido nos BCAÇ 1857, e BCAÇ 1912, Mansoa, 1967/1968.
Guiné, o ex-Vietname africano
(Companhia de Artilharia 1660)
(Companhia de Artilharia 1660)
Depois de fazer a recruta em Vila real, a especialidade de artilharia em Penafiel e o IAO no Guincho (Cascais), embarcamos a 7 de Fevereiro de 1967 para a Guiné onde a minha CART 1660 desembarcou a 11 desse mesmo mês.
Ao chegarmos a Bissau o pessoal da minha companhia sentiu pela 1ª vez o cheiro típico a terra queimada, aquela terra vermelha típica de terras Africanas.
Logo após o desembarque recebemos a notícia de que íamos ficar destacados em Mansoa e de seguida alguém nos confidenciou de que ali era, nem mais nem menos, que um local de extremo movimento bélico...
Subimos para as viaturas e logo à chegada a essa vila de Mansoa, sentimo-nos tristes e desmoralizados ao ver a alegria do pessoal a quem íamos render, que era da CCAÇ 816 (Lobos do OIO). Os seus elementos encontravam -se sorridentes e aos pulos em cima das suas viaturas, tirando as fotos de despedida. Momentos depois, seguirem para Bissau a fim de embarcarem para a metrópole no navio de que nós tínhamos desembarcado pouco tempo antes.
Ficamos adidos ao BCAÇ 1857 que actuava nas temíveis zonas de Sarauol, Locher, Changalana, Cobonje e por vezes também no Morés.
Não foi preciso muito tempo para que o meu pelotão tivesse o seu baptismo de fogo.
Uma semana após, quando fomos em viaturas buscar uma companhia que vinha da mata do Locher, fomos emboscados a cerca de 6 km do Jugudul na estrada que liga às localidades de Mansoa e Portogol.
Aqui, tivemos a oportunidade de conhecer finalmente o amargo sabor da guerra, ao ver um ferido pertencente á CCAÇ 1420 ou 1421 (salvo erro) que tínhamos ido escoltar.
Ao ouvir os primeiros tiros, pensamos que ainda estávamos nos treinos do IAO no Guincho, só passados momentos verificamos que ali, as balas não eram de madeira mas sim de chumbo envolvido em latão...
Um mês passado, nova emboscada na zona do Alto Namedão, onde um elemento da nossa milícia que ia à frente da coluna, foi atingido por uma roquetada que lhe arrancou o cinto e cartucheiras indo rebentar atrás de si sem lhe causar qualquer ferimento.
Numa coluna, 3 semanas depois, rebentou uma mina na segunda viatura, quando íamos a caminho de Portogol, de que resultou vários feridos e um furriel miliciano morto, que ia ao lado do nosso motorista.
Um mês depois estávamos no quartel, quando ouvimos um grande estrondo na estrada Mansoa-Portugol. Arrancamos de imediato para ver o que se passava e deparamos com um Unimog destruído, à sua volta viam-se vários mortos e feridos e diversos pedaços de pernas humanas espalhadas pelo terreno, num raio de 100 metros, um dos quais ainda com a bota calçada. O efeito devia-se a mais uma mina anti-carro que tinha rebentado sob a viatura que era da companhia do batalhão onde estávamos agregados.
Uma semana depois, num patrulhamento ao Sarauol, pelo lado oposto da bolanha, entre Cutiá e Sarauol, o soldado Aradas reparou num fio de aço esticado ao lado da picada, fio este que estava ligado a uma granada defensiva (armadilhada), que foi desmontada pelo nosso Fur Mil Farromba.
Recordo que, para essa operação, tinha sido chamado à última hora um soldado, de nome João, que não estava previsto sair nesse dia. Curiosamente, esse mesmo soldado, que tanto se lamentou por ter sido nomeado para essa operação e que, a caminho do objectivo ia a rezar com um terço na mão, para que nada de mau lhe acontecesse... foi o único morto em combate quando a companhia, que se encontrava estacionada em círculo dentro da mata do Sarauol, foi atacada. O infeliz João estava a meu lado deitado no chão, atrás do tronco da árvore, e a sua morte foi provocada por um estilhaço de morteiro 82 mm, que passou por baixo do tronco atingindo-o na cabeça.
Passados mais 15 dias, fomos até perto da temível mata do Locher numa coluna motorizada, a fim de proteger e trazer uma companhia que vinha de uma operação no local. No momento em que chegávamos ao local onde nos devíamos encontrar com a CCAÇ 1420, estava ainda essa companhia a fazer fogo sobre o acampamento IN.
Minutos depois, pouco antes da 1420 se encontrar com a nossa companhia, sofreu uma nova emboscada já muito perto do local onde nos iria encontrar.
Casualmente e sem se aperceber disso, o inimigo montou a emboscada à 1420 numa zona em que a minha companhia (1660) estava precisamente emboscada à espera da CCAÇ 1420.
Assim, o IN ao fazer fogo para a 1420, que vinha da sua casa de mato, acabou por ser fustigado pela retaguarda e pela frente através da resposta imediata da companhia 1420 e da minha CART 1660, tendo-me permitido alvejar com sucesso um guerrilheiro do PAIGC que se encontrava a disparar, empoleirado no cimo de uma árvore com uma PPSH (costureirinha), contra a companhia que vinha do objectivo.
Fica para a história esta cena em que disparei mortalmente sobre o IN, pois a G3 com que o matei não era a minha arma, que de tanto fazer fogo tinha o cano em brasa e quase a não conseguir disparar, além de que eu também já tinha poucas munições.
A mortífera G3 era de um cabo do meu pelotão, que viu a sua arma encravar-se e ficou em pânico tendo sido eu a desencravar-lha com a minha faca de mato.
Mal acabei de a desencravar vi o tal elemento IN e disparei instintivamente, matando-o.
Não chegamos a capturar a PPSH dele porque entretanto a companhia 1686 já se nos tinha juntado.
No regresso a Mansoa, fizemos uma paragem no caminho para descansar e eis que o Aradas (qual Rambo à portuguesa), olhou em frente e viu na picada um grupo IN a cerca de 200 metros saindo da estrada e infiltrando-se na mata.
Levantamos todos simulando que continuávamos a marcha na direcção de Mansoa.
O Aradas ia sozinho à frente da coluna e, a cerca de uns 100 metros atrás, seguia-o o segundo militar da coluna. Ao aproximar-se do local onde os guerrilheiros se tinham emboscado, ao lado da estrada, começou a disparar sobre o IN provocando de imediato um arraial de fogo dos dois lados.
Conseguiu assim o destemido Aradas minimizar os danos que podíamos ter sofrido, já que, desta forma, não fomos apanhados de surpresa pelo inimigo, mas, mesmo assim, tivemos um morto pertencente a uma companhia do BCAÇ 1912.
Completados uns seis meses de comissão, calhou ao meu pelotão ir para o destacamento do Jugudul, o qual não possuía abrigos porque se supunha que o inimigo nunca o atacaria por ser uma ex-escola.
Mais tarde depois da nossa substituição no Jugudul, o destacamento que ali se encontrava haveria de ser atacado sofrendo vários feridos e provocando um morto do lado do PAIGC, do qual falarei mais adiante.
Do Jugudul fomos destacados para a ponte de Braia, por um período de 2 meses, e daí voltamos para Mansoa para continuar a parte operacional.
Estávamos praticamente a meio da comissão.
De novo em Mansoa, numa certa madrugada o Jugudul voltou a ser atacado. Na manhã seguinte o meu pelotão foi lá fazer o reconhecimento e encontramos o municiador de uma metralhadora IN morto, caído no chão, de costas, atrás de um monte de baga-baga e enrolado num pente de balas de alto calibre.
Pouco tempo depois, a CCAÇ 1686 (pertencente ao BCAÇ 1912), que entretanto tinha substituído o BCAÇ 1657, fez um golpe de mão na mata de Tenha-Locher e no regresso sofreu uma forte emboscada, em plena bolanha junto do acampamento, de que resultaram vários mortos e feridos, tendo lá ficado abandonado um soldado milícia morto que era o melhor guerreiro que tinha esse batalhão.
Mais uma semana se passou e fomos acordados por volta da meia-noite, tendo o nosso capitão dito na formatura que se seguiu, que teríamos de ir destruir por completo um acampamento turra onde uns dias antes tinham acontecido todos aqueles mortos e feridos, no Locher.
Foi um problema para a nossa saída do quartel. Competia ao meu pelotão ir à frente da coluna que partiria para o objectivo, mas o nosso alferes (comandante de pelotão) e mais um cabo da minha secção entraram em pânico, o que originou que o CMDT de companhia pedisse voluntários entre os restantes homens, para tomarem o lugar deles sempre que houvesse operações de assalto a casas de mato. Acabei por me incluir nesse voluntariado.
Chegamos ao Locher, entramos na mata por volta das 04h30 da madrugada e seguimos por fora da picada, cortando ramos de árvore, para passarmos de forma a evitar a sentinela IN. Finalmente entramos no acampamento e verificamos que estava abandonado, de forma que apenas nos restou destruir (queimar) as casas de mato ali existentes, após o que regressamos ao quartel sem qualquer contacto com o IN.
Uma semana depois, mais um patrulhamento na zona de Ga Fará, já perto de Morés, na operação “Estrela do Norte”. Eu ia em 2º lugar à frente da coluna juntamente com a milícia. Encontramos uma casa de mato e deparamo-nos com vários guerrilheiros a fugir, disparei de imediato atingindo um deles e tendo-lhe capturado a sua arma (Kalasnikov).
Recordo a sorte que tivemos a caminho de Ga Fará, pois encontramos uma armadilha no caminho que obviamente não seria detectada se acaso a minha companhia tivesse saído de noite (como estava previsto). Tal não veio a acontecer porque o pessoal se atrasou, o que deu direito a um raspanete do nosso capitão, mas que nos permitiu ter chegado já de dia ao local onde se encontrava a armadilha, que, assim, acabou por ser detectada e desmontada.
Pouco tempo depois fomos passar cerca de um mês ao Olossato, nos arredores de Morés. Aí num dos patrulhamentos sofremos uma emboscada, onde conseguimos ferir num joelho um elemento IN e capturar-lhe a arma. Esse elemento foi transferido para Bissau, onde foi tratado e ficou por lá como guia das nossas companhias de comandos.
Regressados do Olossato a Mansoa, fizemos um golpe de mão perto de Uaque (local onde se acoitava um grupo IN), que na altura montava minas anti-carro na estrada Mansoa-Bissau.
O acampamento estava desabitado, pois antes de lá chegarmos o IN já tinha fugido, excepto o seu enfermeiro que não tinha tido tempo de fugir com os seus companheiros e se encontrava a dormir, tendo-lhe eu e um soldado milícia capturado a arma e a bolsa de enfermagem.
Ainda fizemos mais uma saída à zona do Sará para montar uma emboscada e tentar apanhar na fuga o inimigo, que tinha sido surpreendido num golpe de mão por parte da do Batalhão estacionado em Mansabá.
Finalmente o meu pelotão foi destacado para Cutiá.
Numa ida, em viaturas, a Mansoa, fomos emboscados em Sansanto, tendo o Aradas e eu feito o reconhecimento à mata após a emboscada. Aí estivemos perto de capturar um elemento IN ferido, que acabou por escapar por minha culpa, ao pedir ajuda ao Aradas, para me ajudar a localizá-lo. Eu tinha ouvido perfeitamente os seus gemidos ali por perto. Pela vida fora, arrependi-me de ter chamado o Aradas pois penso que sozinho teria capturado não só o ferido como também a sua arma.
Este, acabou por deixar de gemer e não o conseguimos encontrar no capim porque tínhamos pressa de continuar a viagem nas viaturas, para seguir para Mansoa.
Na semana seguinte tudo nos correu pior, pois quando íamos de novo a Mansoa, abastecer (seguíamos em 2 viaturas uma delas rebocando a outra por avaria), mais ou menos a 20 km/h e éramos alvos fáceis, no preciso local onde uma semana antes fôramos emboscados, voltamos a sê-lo de novo, e na viatura onde eu seguia houveram vários feridos e um morto (pertencente ao pelotão de morteiros que como nós se encontrava estacionado em Cutiá).
Por fim, fomos passar os últimos 3 meses a Bissau de onde embarcamos finalmente para Portugal, ao fim de 22 meses de Guerra acesa e encarniçada em terras da Guiné.
Numa opinião final, o que mais me custou por lá, não foi propriamente a guerra em si mas sim a sede que lá passei (água de péssima qualidade que tinha de ser desinfectada e filtrada) e um pré (ordenado) pequeno - quando comparado com o que ganhavam na altura em Angola ou Moçambique. Só mais tarde o Gen. Spínola conseguiria que os militares da Guiné ganhassem o equivalente aos companheiros de Angola e Moçambique. Nessa altura já tínhamos regressado.
As condições de ontem (há 40 anos...) não têm nada a ver com as de hoje (em que os nossos militares no estrangeiro, no nâmbito de missões NATO ou da ONU, têm a possibilidade, por exemplo, de falarem gratuitamente com os seus familiares por telefone, internet e vídeo) (...). É bom que eles também saibam que seu progenitores, a geração dos seus pais, passaram na guerra do Ultramar, onde a guerra foi longa e dura, a morte espreitava a cada momento, em cada esquina, atrás de qualquer árvore, arbusto ou monte de baga-baga, naquelas temíveis e assustadoras matas tropicais.
Um abraço a todos os camaradas de Guerra.
Jorge Lobo,
1º Cabo At Art da CART 1660
Ao chegarmos a Bissau o pessoal da minha companhia sentiu pela 1ª vez o cheiro típico a terra queimada, aquela terra vermelha típica de terras Africanas.
Logo após o desembarque recebemos a notícia de que íamos ficar destacados em Mansoa e de seguida alguém nos confidenciou de que ali era, nem mais nem menos, que um local de extremo movimento bélico...
Subimos para as viaturas e logo à chegada a essa vila de Mansoa, sentimo-nos tristes e desmoralizados ao ver a alegria do pessoal a quem íamos render, que era da CCAÇ 816 (Lobos do OIO). Os seus elementos encontravam -se sorridentes e aos pulos em cima das suas viaturas, tirando as fotos de despedida. Momentos depois, seguirem para Bissau a fim de embarcarem para a metrópole no navio de que nós tínhamos desembarcado pouco tempo antes.
Ficamos adidos ao BCAÇ 1857 que actuava nas temíveis zonas de Sarauol, Locher, Changalana, Cobonje e por vezes também no Morés.
Não foi preciso muito tempo para que o meu pelotão tivesse o seu baptismo de fogo.
Uma semana após, quando fomos em viaturas buscar uma companhia que vinha da mata do Locher, fomos emboscados a cerca de 6 km do Jugudul na estrada que liga às localidades de Mansoa e Portogol.
Aqui, tivemos a oportunidade de conhecer finalmente o amargo sabor da guerra, ao ver um ferido pertencente á CCAÇ 1420 ou 1421 (salvo erro) que tínhamos ido escoltar.
Ao ouvir os primeiros tiros, pensamos que ainda estávamos nos treinos do IAO no Guincho, só passados momentos verificamos que ali, as balas não eram de madeira mas sim de chumbo envolvido em latão...
Um mês passado, nova emboscada na zona do Alto Namedão, onde um elemento da nossa milícia que ia à frente da coluna, foi atingido por uma roquetada que lhe arrancou o cinto e cartucheiras indo rebentar atrás de si sem lhe causar qualquer ferimento.
Numa coluna, 3 semanas depois, rebentou uma mina na segunda viatura, quando íamos a caminho de Portogol, de que resultou vários feridos e um furriel miliciano morto, que ia ao lado do nosso motorista.
Um mês depois estávamos no quartel, quando ouvimos um grande estrondo na estrada Mansoa-Portugol. Arrancamos de imediato para ver o que se passava e deparamos com um Unimog destruído, à sua volta viam-se vários mortos e feridos e diversos pedaços de pernas humanas espalhadas pelo terreno, num raio de 100 metros, um dos quais ainda com a bota calçada. O efeito devia-se a mais uma mina anti-carro que tinha rebentado sob a viatura que era da companhia do batalhão onde estávamos agregados.
Uma semana depois, num patrulhamento ao Sarauol, pelo lado oposto da bolanha, entre Cutiá e Sarauol, o soldado Aradas reparou num fio de aço esticado ao lado da picada, fio este que estava ligado a uma granada defensiva (armadilhada), que foi desmontada pelo nosso Fur Mil Farromba.
Recordo que, para essa operação, tinha sido chamado à última hora um soldado, de nome João, que não estava previsto sair nesse dia. Curiosamente, esse mesmo soldado, que tanto se lamentou por ter sido nomeado para essa operação e que, a caminho do objectivo ia a rezar com um terço na mão, para que nada de mau lhe acontecesse... foi o único morto em combate quando a companhia, que se encontrava estacionada em círculo dentro da mata do Sarauol, foi atacada. O infeliz João estava a meu lado deitado no chão, atrás do tronco da árvore, e a sua morte foi provocada por um estilhaço de morteiro 82 mm, que passou por baixo do tronco atingindo-o na cabeça.
Passados mais 15 dias, fomos até perto da temível mata do Locher numa coluna motorizada, a fim de proteger e trazer uma companhia que vinha de uma operação no local. No momento em que chegávamos ao local onde nos devíamos encontrar com a CCAÇ 1420, estava ainda essa companhia a fazer fogo sobre o acampamento IN.
Minutos depois, pouco antes da 1420 se encontrar com a nossa companhia, sofreu uma nova emboscada já muito perto do local onde nos iria encontrar.
Casualmente e sem se aperceber disso, o inimigo montou a emboscada à 1420 numa zona em que a minha companhia (1660) estava precisamente emboscada à espera da CCAÇ 1420.
Assim, o IN ao fazer fogo para a 1420, que vinha da sua casa de mato, acabou por ser fustigado pela retaguarda e pela frente através da resposta imediata da companhia 1420 e da minha CART 1660, tendo-me permitido alvejar com sucesso um guerrilheiro do PAIGC que se encontrava a disparar, empoleirado no cimo de uma árvore com uma PPSH (costureirinha), contra a companhia que vinha do objectivo.
Fica para a história esta cena em que disparei mortalmente sobre o IN, pois a G3 com que o matei não era a minha arma, que de tanto fazer fogo tinha o cano em brasa e quase a não conseguir disparar, além de que eu também já tinha poucas munições.
A mortífera G3 era de um cabo do meu pelotão, que viu a sua arma encravar-se e ficou em pânico tendo sido eu a desencravar-lha com a minha faca de mato.
Mal acabei de a desencravar vi o tal elemento IN e disparei instintivamente, matando-o.
Não chegamos a capturar a PPSH dele porque entretanto a companhia 1686 já se nos tinha juntado.
No regresso a Mansoa, fizemos uma paragem no caminho para descansar e eis que o Aradas (qual Rambo à portuguesa), olhou em frente e viu na picada um grupo IN a cerca de 200 metros saindo da estrada e infiltrando-se na mata.
Levantamos todos simulando que continuávamos a marcha na direcção de Mansoa.
O Aradas ia sozinho à frente da coluna e, a cerca de uns 100 metros atrás, seguia-o o segundo militar da coluna. Ao aproximar-se do local onde os guerrilheiros se tinham emboscado, ao lado da estrada, começou a disparar sobre o IN provocando de imediato um arraial de fogo dos dois lados.
Conseguiu assim o destemido Aradas minimizar os danos que podíamos ter sofrido, já que, desta forma, não fomos apanhados de surpresa pelo inimigo, mas, mesmo assim, tivemos um morto pertencente a uma companhia do BCAÇ 1912.
Completados uns seis meses de comissão, calhou ao meu pelotão ir para o destacamento do Jugudul, o qual não possuía abrigos porque se supunha que o inimigo nunca o atacaria por ser uma ex-escola.
Mais tarde depois da nossa substituição no Jugudul, o destacamento que ali se encontrava haveria de ser atacado sofrendo vários feridos e provocando um morto do lado do PAIGC, do qual falarei mais adiante.
Do Jugudul fomos destacados para a ponte de Braia, por um período de 2 meses, e daí voltamos para Mansoa para continuar a parte operacional.
Estávamos praticamente a meio da comissão.
De novo em Mansoa, numa certa madrugada o Jugudul voltou a ser atacado. Na manhã seguinte o meu pelotão foi lá fazer o reconhecimento e encontramos o municiador de uma metralhadora IN morto, caído no chão, de costas, atrás de um monte de baga-baga e enrolado num pente de balas de alto calibre.
Pouco tempo depois, a CCAÇ 1686 (pertencente ao BCAÇ 1912), que entretanto tinha substituído o BCAÇ 1657, fez um golpe de mão na mata de Tenha-Locher e no regresso sofreu uma forte emboscada, em plena bolanha junto do acampamento, de que resultaram vários mortos e feridos, tendo lá ficado abandonado um soldado milícia morto que era o melhor guerreiro que tinha esse batalhão.
Mais uma semana se passou e fomos acordados por volta da meia-noite, tendo o nosso capitão dito na formatura que se seguiu, que teríamos de ir destruir por completo um acampamento turra onde uns dias antes tinham acontecido todos aqueles mortos e feridos, no Locher.
Foi um problema para a nossa saída do quartel. Competia ao meu pelotão ir à frente da coluna que partiria para o objectivo, mas o nosso alferes (comandante de pelotão) e mais um cabo da minha secção entraram em pânico, o que originou que o CMDT de companhia pedisse voluntários entre os restantes homens, para tomarem o lugar deles sempre que houvesse operações de assalto a casas de mato. Acabei por me incluir nesse voluntariado.
Chegamos ao Locher, entramos na mata por volta das 04h30 da madrugada e seguimos por fora da picada, cortando ramos de árvore, para passarmos de forma a evitar a sentinela IN. Finalmente entramos no acampamento e verificamos que estava abandonado, de forma que apenas nos restou destruir (queimar) as casas de mato ali existentes, após o que regressamos ao quartel sem qualquer contacto com o IN.
Uma semana depois, mais um patrulhamento na zona de Ga Fará, já perto de Morés, na operação “Estrela do Norte”. Eu ia em 2º lugar à frente da coluna juntamente com a milícia. Encontramos uma casa de mato e deparamo-nos com vários guerrilheiros a fugir, disparei de imediato atingindo um deles e tendo-lhe capturado a sua arma (Kalasnikov).
Recordo a sorte que tivemos a caminho de Ga Fará, pois encontramos uma armadilha no caminho que obviamente não seria detectada se acaso a minha companhia tivesse saído de noite (como estava previsto). Tal não veio a acontecer porque o pessoal se atrasou, o que deu direito a um raspanete do nosso capitão, mas que nos permitiu ter chegado já de dia ao local onde se encontrava a armadilha, que, assim, acabou por ser detectada e desmontada.
Pouco tempo depois fomos passar cerca de um mês ao Olossato, nos arredores de Morés. Aí num dos patrulhamentos sofremos uma emboscada, onde conseguimos ferir num joelho um elemento IN e capturar-lhe a arma. Esse elemento foi transferido para Bissau, onde foi tratado e ficou por lá como guia das nossas companhias de comandos.
Regressados do Olossato a Mansoa, fizemos um golpe de mão perto de Uaque (local onde se acoitava um grupo IN), que na altura montava minas anti-carro na estrada Mansoa-Bissau.
O acampamento estava desabitado, pois antes de lá chegarmos o IN já tinha fugido, excepto o seu enfermeiro que não tinha tido tempo de fugir com os seus companheiros e se encontrava a dormir, tendo-lhe eu e um soldado milícia capturado a arma e a bolsa de enfermagem.
Ainda fizemos mais uma saída à zona do Sará para montar uma emboscada e tentar apanhar na fuga o inimigo, que tinha sido surpreendido num golpe de mão por parte da do Batalhão estacionado em Mansabá.
Finalmente o meu pelotão foi destacado para Cutiá.
Numa ida, em viaturas, a Mansoa, fomos emboscados em Sansanto, tendo o Aradas e eu feito o reconhecimento à mata após a emboscada. Aí estivemos perto de capturar um elemento IN ferido, que acabou por escapar por minha culpa, ao pedir ajuda ao Aradas, para me ajudar a localizá-lo. Eu tinha ouvido perfeitamente os seus gemidos ali por perto. Pela vida fora, arrependi-me de ter chamado o Aradas pois penso que sozinho teria capturado não só o ferido como também a sua arma.
Este, acabou por deixar de gemer e não o conseguimos encontrar no capim porque tínhamos pressa de continuar a viagem nas viaturas, para seguir para Mansoa.
Na semana seguinte tudo nos correu pior, pois quando íamos de novo a Mansoa, abastecer (seguíamos em 2 viaturas uma delas rebocando a outra por avaria), mais ou menos a 20 km/h e éramos alvos fáceis, no preciso local onde uma semana antes fôramos emboscados, voltamos a sê-lo de novo, e na viatura onde eu seguia houveram vários feridos e um morto (pertencente ao pelotão de morteiros que como nós se encontrava estacionado em Cutiá).
Por fim, fomos passar os últimos 3 meses a Bissau de onde embarcamos finalmente para Portugal, ao fim de 22 meses de Guerra acesa e encarniçada em terras da Guiné.
Numa opinião final, o que mais me custou por lá, não foi propriamente a guerra em si mas sim a sede que lá passei (água de péssima qualidade que tinha de ser desinfectada e filtrada) e um pré (ordenado) pequeno - quando comparado com o que ganhavam na altura em Angola ou Moçambique. Só mais tarde o Gen. Spínola conseguiria que os militares da Guiné ganhassem o equivalente aos companheiros de Angola e Moçambique. Nessa altura já tínhamos regressado.
As condições de ontem (há 40 anos...) não têm nada a ver com as de hoje (em que os nossos militares no estrangeiro, no nâmbito de missões NATO ou da ONU, têm a possibilidade, por exemplo, de falarem gratuitamente com os seus familiares por telefone, internet e vídeo) (...). É bom que eles também saibam que seu progenitores, a geração dos seus pais, passaram na guerra do Ultramar, onde a guerra foi longa e dura, a morte espreitava a cada momento, em cada esquina, atrás de qualquer árvore, arbusto ou monte de baga-baga, naquelas temíveis e assustadoras matas tropicais.
Um abraço a todos os camaradas de Guerra.
Jorge Lobo,
1º Cabo At Art da CART 1660
2. Amigo e Camarada Jorge Lobo, cumprindo a praxe, em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e demais tertulianos deste blogue, é sempre com alegria que recebemos notícias de mais um Camarada-de-armas, especialmente, se o mesmo andou fardado por terras da Guiné, entre 1962 e 1974, tenha ele estado no malfadado “ar condicionado” de Bissau, ou no mais recôndito e “confortável” bura… ko de uma bolanha.
Fotos: © Jorge Lobo (2010). Direitos reservados.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
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Tal como o Luís Graça já referiu inúmeras vezes, em anteriores textos colocados ao longo de perto de sete mil postes no blogue, que todos aqueles que constituíram a geração dos “Últimos Guerreiros do Império”, têm alguma coisa a contar da sua passagem da Guerra do Ultramar, que permaneça para memória futura e colectiva, deste violento e sangrento período da História de Portugal, de que nós fomos protagonistas no terreno, em alguns casos só Deus sabe em que condições o fomos. Foram 12 anos de manutenção de um legado histórico que muitos ignoram e, ou, ostracizam por motivos diversos (cerca de 500 anos de permanência), à custa de muito sacrifício, privação de toda a ordem, dor, sangue, sofrimento, morte… que envolveu a movimentação de mais de meio milhão de portugueses em armas.
Como se não tivesse bastado, muitos de nós continuam a sofrer, física e psicologicamente, nos últimos 36 anos, com o modo ostracista e laxista como os políticos portugueses nos têm tratado.
Nós que, nos nossos 21/22/23 anos, demos o nosso melhor, como podíamos e sabíamos, muitas vezes mal treinados e armados, sabe Deus como alimentados e, por vezes, enfiados em autênticos buracos, construídos no lodo, embebidos em pó, lama, suor, mosquitos, etc., completamente hostis e perigosíssimos, sob vários aspectos, onde, além dos combates com o IN, enfrentávamos as traiçoeiras minas e armadilhas, as doenças a apoquentar-nos (paludismos, disenterias, micoses, etc.) e as nossas naturais angústias e temores, próprios das nossas tenras idades.
Nós até nem temos pedido muito, além de respeito e dignidade, que todos nós merecemos pelo que demos a esta Pátria, queríamos, e continuamos a querer, no mínimo, que os nossos doentes, física e psicologicamente, sejam tratados condigna e adequadamente, e o tratamento e acompanhamento dos mais carenciados e abandonados pela desgraçada “sorte” da vida.
Oferecendo-te então aqui as nossas melhores boas-vindas e ficamos a aguardar que nos contes episódios da tua estadia na Guiné, que ainda recordes (dos locais, das pessoas, seus hábitos e costumes, dos combates, dos convívios, etc.) e, se tiveres mais fotografias daquele tempo, que nos as envies, para as publicarmos.
Recebe pois, para já, o nosso virtual abraço colectivo de boas vindas.
Fotos: © Jorge Lobo (2010). Direitos reservados.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
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Tal como o Luís Graça já referiu inúmeras vezes, em anteriores textos colocados ao longo de perto de sete mil postes no blogue, que todos aqueles que constituíram a geração dos “Últimos Guerreiros do Império”, têm alguma coisa a contar da sua passagem da Guerra do Ultramar, que permaneça para memória futura e colectiva, deste violento e sangrento período da História de Portugal, de que nós fomos protagonistas no terreno, em alguns casos só Deus sabe em que condições o fomos. Foram 12 anos de manutenção de um legado histórico que muitos ignoram e, ou, ostracizam por motivos diversos (cerca de 500 anos de permanência), à custa de muito sacrifício, privação de toda a ordem, dor, sangue, sofrimento, morte… que envolveu a movimentação de mais de meio milhão de portugueses em armas.
Como se não tivesse bastado, muitos de nós continuam a sofrer, física e psicologicamente, nos últimos 36 anos, com o modo ostracista e laxista como os políticos portugueses nos têm tratado.
Nós que, nos nossos 21/22/23 anos, demos o nosso melhor, como podíamos e sabíamos, muitas vezes mal treinados e armados, sabe Deus como alimentados e, por vezes, enfiados em autênticos buracos, construídos no lodo, embebidos em pó, lama, suor, mosquitos, etc., completamente hostis e perigosíssimos, sob vários aspectos, onde, além dos combates com o IN, enfrentávamos as traiçoeiras minas e armadilhas, as doenças a apoquentar-nos (paludismos, disenterias, micoses, etc.) e as nossas naturais angústias e temores, próprios das nossas tenras idades.
Nós até nem temos pedido muito, além de respeito e dignidade, que todos nós merecemos pelo que demos a esta Pátria, queríamos, e continuamos a querer, no mínimo, que os nossos doentes, física e psicologicamente, sejam tratados condigna e adequadamente, e o tratamento e acompanhamento dos mais carenciados e abandonados pela desgraçada “sorte” da vida.
Oferecendo-te então aqui as nossas melhores boas-vindas e ficamos a aguardar que nos contes episódios da tua estadia na Guiné, que ainda recordes (dos locais, das pessoas, seus hábitos e costumes, dos combates, dos convívios, etc.) e, se tiveres mais fotografias daquele tempo, que nos as envies, para as publicarmos.
Recebe pois, para já, o nosso virtual abraço colectivo de boas vindas.
_________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
6 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7559: Tabanca Grande (258): Agradecimento à tertúlia (Dina Vinhal)
domingo, 9 de janeiro de 2011
Guiné 63/74 - P7580: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (20): Coluna auto de Aldeia Formosa ao Saltinho
1. Mensagem de Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381,Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 8 de Janeiro de 2011:
Camarigo Carlos Vinhal, cordiais saudações guinéuas.
Comentando “estórias” da sorte e das vicissitudes do Soldado Alzira que fez parte dos efectivos da CCaç 2381, Guiné 1968/70, e que teve
presença efémera no Teatro Operacional.
Com um forte abraço do tamanho do Rio Corubal.
Arménio Estorninho
Ex-1º Cabo Mec. Auto, C.Caç.2381 “Os Maiorais”
AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUERRA (20)
Coluna auto de Aldeia Formosa ao Saltinho
Situações passadas durante uma coluna, efectuada no segundo semestre do ano de 1968 no troço Aldeia Formosa – Contabane – Saltinho - Aldeia Formosa. Com a valia de imagens de parte do que eu vi, em que o seu uso foi devidamente autorizado, pelo ex-Capitão Carlos Nery, Cmdt da CCaç 2382 e pelo ex-Fur Mil Mec José Luís Reis, CCaç 2701, Saltinho 70/72, que foi meu colega de Curso na Escola I. C. de Silves.
Sendo o dispositivo das forças de 01 GRCOMB da CCaç1792, 01 GRCOMB da CCaç 2381, 01 Esq do Pel Mort 1242, 01 Sec Fox 2022 e 02 Sec do Pel Caç Nat.
A deslocação ao Aquartelamento do Saltinho tinha o fim da entrega de uma viatura, de um motor e de equipamento diverso.
A operação deu-se num dos primeiros dias do mês de Agosto, quando eram cerca das 07h e 30m, saindo de Aldeia Formosa pela estrada que tinha inicio na pista de aviação e na coluna seguiam 06 viaturas. A escolta militar dispunha-se de forma em que na frente seguiam 02 Secções a picar, 02 Secções nos flancos conjuntamente com guias Caç Nat e os restantes distribuíam-se na protecção às viaturas.
A progressão decorria cadenciadamente com as viaturas a trilharem a picada, que desde o abandono de Contabane pelas NT e população, a mesma não era usada. Assim, havia forte suspeição da existência de engenhos explosivos.
Foto 1 - Guiné> Região de Tombali> Contabane> 1968 > Parte da Tabanca de Contabane, verificando-se a estrada que passa de permeio e em direcção ao Saltinho.
Com a devida vénia para a Enfª Pára-quedista Ivone, por ter obtido este recorte fotográfico e assim como ao Camarigo ex - Cap. Carlos Nery, Comandante da CCaç 2382, por autorizar a extrair a foto do P6489 e facilitando o seu uso.
Deu-se a passagem por Contabane, que apresentava um estado de destruição das instalações militares e da Tabanca, após o ataque IN, em 22/06/68. Tendem ficado quase reduzidos a escombros, ainda se viam de pé a Mesquita e algumas moranças. Ao tempo, a defesa era composta pela CCaç 2382 e por Caçadores Nativos, que após os acontecimentos efectuaram a total evacuação para Aldeia Formosa.
Foto 2 – Guiné> Região de Tombali> Contabane> 1968 > Como eu vi as moranças incendiadas e reconhecendo-se a Mesquita.
Com a devida vénia, para a Enfª Pára-quedista Ivone e para o ex - Cap. Carlos Nery, pela autorização de extrair a foto do P6479 e facilitando o seu uso.
Antes de chegarmos ao Saltinho, ao prosseguirmos por uma clareira deu-se um estrondo seguido de um matraquear de batidas e com imenso fumo na frente de uma viatura. Fica no ar uma suspeição, que a viatura teria accionado uma mina AP. A coluna fez alto.
Foram tomadas as providências, seguindo próximo da viatura imobilizada fui dos primeiros a chegar junto e verificando que o Soldado Alzira era quem a conduzia.
Logo, chega o Cabo Enfermeiro, não havia feridos mas dois militares estavam todos sarapintados de negro. Os picadores que seguiam na frente de imediato compareceram, para tornarem precauções e confirmaram não haver necessidade.
Foto 3 – Guiné> Região de Bafatá> Saltinho> 1970 > Vista para a margem oposta ao Quartel, Ponte Craveiro Lopes sobre o Rio Corubal.
Foto gentilmente cedida pelo o ex-Fur Mil Mec José Luís Reis, CCaç 2701.
Como estávamos próximo do Saltinho, parte do dispositivo da coluna estacionara enquanto a outra parte seguira para o objectivo e feita a entrega, suponho, que à CCaç 2406. Iniciando-se o retorno com o reagrupamento, chegamos a Aldeia Formosa. A coluna realizou-se sem outro qualquer outro incidente, não sendo detectado engenho explosivo e nem havendo contacto com o IN.
Foto 4 – Guiné> Região de Bafatá> Saltinho> 1970 > Belo recorte que eu apreciara do Rio Corubal, tende pela dirt. a Ponte submersível, pela esq. a Ponte Craveiro Lopes e na margem direita o Aquartelamento do Saltinho.
Foto gentilmente cedida pelo ex-Fur Mil José Luís Reis, CCaç 2701.
A causa da avaria foi, ter-se desapertado os parafusos da chumaceira da cabeça de uma biela do motor obrigando esta a desprender-se da cambota. No movimento de rotação, a cambota levou a biela ao impacto no bloco, partindo-o. Da fenda emanava óleo que em contacto com as peças mecânicas da zona do motor que estavam a alta temperatura, dai adviera uma fumarada e que exalava imenso cheiro a óleo queimado.
A viatura estava distribuída a um Soldado, que no momento não a conduzia, devido a que o Soldado Alzira tinha-lhe solicitado para o substituir na condução e aquele não se fazendo rogado cedeu-lhe o lugar (tendo-me apercebido da situação).
Lembrando, que numa coluna auto o lugar do condutor era deveras dos mais perigosos, dadas entre outras situações as minas AC e/ou os fornilhos.
Foto 5 – Guiné> Região de Bafatá> Mampatá – Saltinho> 1970 > Sentado na cabine o Fur Mil Mec José Luís dos Reis, de pé o Fur Mil Pires e a clicar para recordar, ambos são da CCaç 2701.
E agora a moral da “estória". Pela situação de avaria da viatura, teria de haver relatório e quem a conduzia não estava habilitado para o efeito. A fazer-se participação da ocorrência, seriam levantados processos disciplinares a ambos os militares por indisciplina e uso com prejuízo da fazenda militar.
Tendo eu feito ver a ambos o acontecimento, que o mesmo iria proporcionar uma situação gravosa, por isso teríamos de dar a volta ao texto. Assim, fazíamos um pacto em que eu nada vi e o relatório da avaria era feito de forma de quem tinha a viatura distribuída era quem a conduzia. Tudo acertado e ficamos mais amigos.
Da minha parte o segredo ficara até hoje, ao Comandante da CCaç 2381 ao tempo, Capitão Jacinto Aidos (hoje Coronel na Reserva) que desculpe o seu subordinado pelas “trocas e baldrocas” e dado que aquela avaria se daria em qualquer momento.
O Soldado Alzira ficou feliz, como gostava de cantar o fado e então era o ex-1.º Cabo Franklin (paz à sua alma) dando os seus belos acordos de guitarra portuguesa e havendo festa rija. Eu, com a minha guitarra dava uns toques e só atrapalhava o andamento da música.
Foto 6 – Guiné> Região de Bafatá> Saltinho> 1970 > Ponte Craveiro Lopes sobre o Rio Corubal, zona balnear do Saltinho em que o ex-Fur Mil Mec José Luís dos Reis, CCaç 2701, está a saltar para a fotografia.
27 de Agosto/68:
Durante uma coluna Aldeia Formosa – Nhala - Buba, foi accionada uma mina AC por uma viatura que ficou destruída, provocando ainda um ferido às NT.
Quando se procedia à reparação do pontão de Uane, foi deflagrada uma mina AP por um elemento das nossas forças, que o feriu gravemente. Tratou-se do Soldado Alzira, que pisara e accionara a dita mina, tendo-lhe causado a perda de um pé.
Solicitada a evacuação por meios aéreos (Helicóptero Alouette III), chegado, o piloto disse que não havia condições (tecto) naquele local para a evacuação dos feridos (TEVS) e que a mesma só seria possível em Nhala. Dado que se estava em época das chuvas, nas bolanhas as viaturas ficavam em atoleiro diversas vezes o que retardava a progressão da coluna.
Era premente a evacuação do ferido devido à perda de sangue, tendo por isso 01 GRCOMB da CCaç 2382, que dava apoio logístico, vindo de Nhala ao encontro da frente da coluna e imediatamente regressara levando os feridos.
E assim, se salvou o Soldado Alzira, que posteriormente foi evacuado para a Metrópole. Ficou grato à Companhia irmã, a CCaç 2382 e à Força Aérea por assim ter saído daquele inferno.
É do conhecimento, que o Alzira continua alegremente a cantar o Fado pelas Casas de Lisboa.
Com um forte abraço do tamanho do Rio Corubal.
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto,
CCaç 2381 “Os Maiorais”
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 2 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7369: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (19): Factos mais importantes da CCAÇ 2381 no Subsector de Aldeia Formosa
Camarigo Carlos Vinhal, cordiais saudações guinéuas.
Comentando “estórias” da sorte e das vicissitudes do Soldado Alzira que fez parte dos efectivos da CCaç 2381, Guiné 1968/70, e que teve
presença efémera no Teatro Operacional.
Com um forte abraço do tamanho do Rio Corubal.
Arménio Estorninho
Ex-1º Cabo Mec. Auto, C.Caç.2381 “Os Maiorais”
AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUERRA (20)
Coluna auto de Aldeia Formosa ao Saltinho
Situações passadas durante uma coluna, efectuada no segundo semestre do ano de 1968 no troço Aldeia Formosa – Contabane – Saltinho - Aldeia Formosa. Com a valia de imagens de parte do que eu vi, em que o seu uso foi devidamente autorizado, pelo ex-Capitão Carlos Nery, Cmdt da CCaç 2382 e pelo ex-Fur Mil Mec José Luís Reis, CCaç 2701, Saltinho 70/72, que foi meu colega de Curso na Escola I. C. de Silves.
Sendo o dispositivo das forças de 01 GRCOMB da CCaç1792, 01 GRCOMB da CCaç 2381, 01 Esq do Pel Mort 1242, 01 Sec Fox 2022 e 02 Sec do Pel Caç Nat.
A deslocação ao Aquartelamento do Saltinho tinha o fim da entrega de uma viatura, de um motor e de equipamento diverso.
A operação deu-se num dos primeiros dias do mês de Agosto, quando eram cerca das 07h e 30m, saindo de Aldeia Formosa pela estrada que tinha inicio na pista de aviação e na coluna seguiam 06 viaturas. A escolta militar dispunha-se de forma em que na frente seguiam 02 Secções a picar, 02 Secções nos flancos conjuntamente com guias Caç Nat e os restantes distribuíam-se na protecção às viaturas.
A progressão decorria cadenciadamente com as viaturas a trilharem a picada, que desde o abandono de Contabane pelas NT e população, a mesma não era usada. Assim, havia forte suspeição da existência de engenhos explosivos.
Foto 1 - Guiné> Região de Tombali> Contabane> 1968 > Parte da Tabanca de Contabane, verificando-se a estrada que passa de permeio e em direcção ao Saltinho.
Com a devida vénia para a Enfª Pára-quedista Ivone, por ter obtido este recorte fotográfico e assim como ao Camarigo ex - Cap. Carlos Nery, Comandante da CCaç 2382, por autorizar a extrair a foto do P6489 e facilitando o seu uso.
Deu-se a passagem por Contabane, que apresentava um estado de destruição das instalações militares e da Tabanca, após o ataque IN, em 22/06/68. Tendem ficado quase reduzidos a escombros, ainda se viam de pé a Mesquita e algumas moranças. Ao tempo, a defesa era composta pela CCaç 2382 e por Caçadores Nativos, que após os acontecimentos efectuaram a total evacuação para Aldeia Formosa.
Foto 2 – Guiné> Região de Tombali> Contabane> 1968 > Como eu vi as moranças incendiadas e reconhecendo-se a Mesquita.
Com a devida vénia, para a Enfª Pára-quedista Ivone e para o ex - Cap. Carlos Nery, pela autorização de extrair a foto do P6479 e facilitando o seu uso.
Antes de chegarmos ao Saltinho, ao prosseguirmos por uma clareira deu-se um estrondo seguido de um matraquear de batidas e com imenso fumo na frente de uma viatura. Fica no ar uma suspeição, que a viatura teria accionado uma mina AP. A coluna fez alto.
Foram tomadas as providências, seguindo próximo da viatura imobilizada fui dos primeiros a chegar junto e verificando que o Soldado Alzira era quem a conduzia.
Logo, chega o Cabo Enfermeiro, não havia feridos mas dois militares estavam todos sarapintados de negro. Os picadores que seguiam na frente de imediato compareceram, para tornarem precauções e confirmaram não haver necessidade.
Foto 3 – Guiné> Região de Bafatá> Saltinho> 1970 > Vista para a margem oposta ao Quartel, Ponte Craveiro Lopes sobre o Rio Corubal.
Foto gentilmente cedida pelo o ex-Fur Mil Mec José Luís Reis, CCaç 2701.
Como estávamos próximo do Saltinho, parte do dispositivo da coluna estacionara enquanto a outra parte seguira para o objectivo e feita a entrega, suponho, que à CCaç 2406. Iniciando-se o retorno com o reagrupamento, chegamos a Aldeia Formosa. A coluna realizou-se sem outro qualquer outro incidente, não sendo detectado engenho explosivo e nem havendo contacto com o IN.
Foto 4 – Guiné> Região de Bafatá> Saltinho> 1970 > Belo recorte que eu apreciara do Rio Corubal, tende pela dirt. a Ponte submersível, pela esq. a Ponte Craveiro Lopes e na margem direita o Aquartelamento do Saltinho.
Foto gentilmente cedida pelo ex-Fur Mil José Luís Reis, CCaç 2701.
A causa da avaria foi, ter-se desapertado os parafusos da chumaceira da cabeça de uma biela do motor obrigando esta a desprender-se da cambota. No movimento de rotação, a cambota levou a biela ao impacto no bloco, partindo-o. Da fenda emanava óleo que em contacto com as peças mecânicas da zona do motor que estavam a alta temperatura, dai adviera uma fumarada e que exalava imenso cheiro a óleo queimado.
A viatura estava distribuída a um Soldado, que no momento não a conduzia, devido a que o Soldado Alzira tinha-lhe solicitado para o substituir na condução e aquele não se fazendo rogado cedeu-lhe o lugar (tendo-me apercebido da situação).
Lembrando, que numa coluna auto o lugar do condutor era deveras dos mais perigosos, dadas entre outras situações as minas AC e/ou os fornilhos.
Foto 5 – Guiné> Região de Bafatá> Mampatá – Saltinho> 1970 > Sentado na cabine o Fur Mil Mec José Luís dos Reis, de pé o Fur Mil Pires e a clicar para recordar, ambos são da CCaç 2701.
E agora a moral da “estória". Pela situação de avaria da viatura, teria de haver relatório e quem a conduzia não estava habilitado para o efeito. A fazer-se participação da ocorrência, seriam levantados processos disciplinares a ambos os militares por indisciplina e uso com prejuízo da fazenda militar.
Tendo eu feito ver a ambos o acontecimento, que o mesmo iria proporcionar uma situação gravosa, por isso teríamos de dar a volta ao texto. Assim, fazíamos um pacto em que eu nada vi e o relatório da avaria era feito de forma de quem tinha a viatura distribuída era quem a conduzia. Tudo acertado e ficamos mais amigos.
Da minha parte o segredo ficara até hoje, ao Comandante da CCaç 2381 ao tempo, Capitão Jacinto Aidos (hoje Coronel na Reserva) que desculpe o seu subordinado pelas “trocas e baldrocas” e dado que aquela avaria se daria em qualquer momento.
O Soldado Alzira ficou feliz, como gostava de cantar o fado e então era o ex-1.º Cabo Franklin (paz à sua alma) dando os seus belos acordos de guitarra portuguesa e havendo festa rija. Eu, com a minha guitarra dava uns toques e só atrapalhava o andamento da música.
Foto 6 – Guiné> Região de Bafatá> Saltinho> 1970 > Ponte Craveiro Lopes sobre o Rio Corubal, zona balnear do Saltinho em que o ex-Fur Mil Mec José Luís dos Reis, CCaç 2701, está a saltar para a fotografia.
27 de Agosto/68:
Durante uma coluna Aldeia Formosa – Nhala - Buba, foi accionada uma mina AC por uma viatura que ficou destruída, provocando ainda um ferido às NT.
Quando se procedia à reparação do pontão de Uane, foi deflagrada uma mina AP por um elemento das nossas forças, que o feriu gravemente. Tratou-se do Soldado Alzira, que pisara e accionara a dita mina, tendo-lhe causado a perda de um pé.
Solicitada a evacuação por meios aéreos (Helicóptero Alouette III), chegado, o piloto disse que não havia condições (tecto) naquele local para a evacuação dos feridos (TEVS) e que a mesma só seria possível em Nhala. Dado que se estava em época das chuvas, nas bolanhas as viaturas ficavam em atoleiro diversas vezes o que retardava a progressão da coluna.
Era premente a evacuação do ferido devido à perda de sangue, tendo por isso 01 GRCOMB da CCaç 2382, que dava apoio logístico, vindo de Nhala ao encontro da frente da coluna e imediatamente regressara levando os feridos.
E assim, se salvou o Soldado Alzira, que posteriormente foi evacuado para a Metrópole. Ficou grato à Companhia irmã, a CCaç 2382 e à Força Aérea por assim ter saído daquele inferno.
É do conhecimento, que o Alzira continua alegremente a cantar o Fado pelas Casas de Lisboa.
Com um forte abraço do tamanho do Rio Corubal.
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto,
CCaç 2381 “Os Maiorais”
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 2 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7369: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (19): Factos mais importantes da CCAÇ 2381 no Subsector de Aldeia Formosa
Guiné 63/74 - P7579: Álbum fotográfico de Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, 1972/74 (6): Evocando a G3...., em dia de aniversário da nossa amiga Cristina ! (Luís Graça)
Fotos: © Jacinto Cristina (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
Continuação da publicação do álbum fotográfico de Jacinto Cristina (Sold At Inf, CCAÇ 3546, 1972/74) [, foto à esquerda] (*).
Recorde-se a história de vida (civil e militar) do nosso Jacinto Cristina:
(i) Natural de Ferreira do Alentejo, hoje com 61 anos, é industrial de panificação em Figueira de Cavaleiros;
(ii) Fez a recruta no RI 14, em Viseu, e a especialidade no RI 2, Abrantes;
(iii) Casado (com a Goretti) e já com uma filha (a Cristina), foi mobilizado para a Guiné, como Sold At Inf, da CCAÇ 3546 / BCAÇ 3883 (Piche);
(iv) O comandante da CCAÇ 3546 era o Cap QEO José Carlos Duarte Ferreira;
(v) As outras companhias do BCAÇ 3883 era a CCAÇ 3544 (Buruntuma e Piche) e a CCAÇ 3545 (Canquelifá e Piche);
(vi) O Cristina esteve na Guiné entre Março de 1972 e Junho de 1974;
(vii) Esteve no destacamento de Ponte de Caium, na estrada entre Piche e Buruntuma, cerca de 14 meses (Fevereiro de 1973 / Abril de 1974), onde foi municiador do morteiro 10,7 e padeiro.
As fotos que acima publicamos, de verdadeira declaração de amor à G3 e demais acessórios de qualquer atirador de infantaria (cinturão com 4 cartucheiras, com 20 munições cada, de calibre 7,62; baioneta; cantil; faca de mato; granada ofensiva e defensiva...) devem constar em milhares de álbuns de camaradas nossos que passaram pelo TO da Guiné e que tratavam religiosamente o seu álbum fotográfico... Devem-se ter vendido milhares de fotos destas. Nunca tive álbum fotográfico, nem mandei, para a metrópole, nenhuma foto destas... Nem sei se a malta mandava fotos destas, pelo correio, às namoradas, madrinhas de guerra, irmãs, mães, amigas... Aqui a G3 aparece como um verdadeiro fétiche, um talismã, um escudo protector, uma companheira inseparável: andámos juntos, fomos unha com carne na Guiné, amei-te muito, devo-te a vida, jamais te esquecerei... Em termos físicos, simbólicos, psicológicos e até culturais, a G3 é, antes de mais uma figura feminina, uma arma de defesa; é uma amante, mas também uma mãe: não sei se a interpretação... algo freudiana, é abusiva; para outros combatentes, poderia ser vista também sob uma perspectiva mais falocrática: uma extensão do nosso corpo, a nossa "canhota", o nosso pénis mortífero...
Não sei se o Jacinto fez muito uso dela, da G3, no destacamento da ponte Caium; deve ter lançado, sobretudo, granadas de morteiro em resposta aos ataques e flagelações a que o destacamento foi sujeito (terão sido apenas dois ou três no tempo em que lá esteve, segundo me confessou)...
Prefiro, em qualquer dos casos, inclinar-me para a analogia da G3 com a mulher... A razão é simples: ele dormia com o retrato das duas mulheres da sua vida, a esposa Goretti e a filhota Cristina...
A minha amiga Cristina, hoje engenheira e empresária, vive na Madeira, é casada com o meu amigo Rui Silva... E hoie faz anos... Já tinha dois aninhos quando o pai foi parar a Piche e à ponte Caium...
Querida Cristina, que estas fotos "roubadas" ao álbum fotográfico do teu pai (que tu representas aqui no nosso blogue, já que ele não tem computador nem e-mail nem essas modernices...), te ajudem a matar as saudades da terra (e da casa paterna), a encurtar as distâncias, a abrilhantar a tua festa... Daqui te envio muitos beijinhos de parabéns, em meu nome pessoal, mas também de todos os amigos e camaradas do teu pai Jacinto, representados na nossa Tabanca Grande. Como costumamos dizer, os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são... Um beijo filial do editor-em-chefe... LG
PS - Pessoal: Um xicoração para o Rui, e muitos beijinhos para a nossa "princesa", a tua filhota... (Cá em casa já cantámos hoje, em conjunto os "parabéns a você", em tua honra, nós, os quatro, que temos o privilégio de sermos amigos teus e do Rui: eu, a Alice, o João e a Joana; o espumante fica para se abrir num próximo encontro, certamente breve, em Alfragide, em Figueira de Cavaleiros ou até no Funchal).
_____________
Nota de L.G.:
(*) Último poste da série > 15 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7438: Álbum fotográfico de Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, 1972/74 (5): Canquelifá, a ferro e fogo, 18 de Março de 1974
Guiné 63/74 - P7578: Blogpoesia (103): Em ti meu amor (Felismina Costa)
1. Mensagem da nossa amiga tertuliana Felismina Costa* com data de 8 de Janeiro de 2011:
Em ti meu Amor
Em ti, meu amor, encontro a vida!
A vida inteira que persigo necessitada.
As tuas mãos, que seguro apaixonada
Retribuem-me o carinho que te dou!
E é precisamente aí, no carinho retribuído,
que eu vivo, que eu existo.
Jamais outras mãos senti assim!
O teu corpo que adoro é um jardim
Donde se desprendem finos fios que acaricio.
A tua voz melodiosa, diz-me coisas!..
Tantas coisas, que eu guardo só para mim.
E os teus olhos meu Amor, são o meu mundo.
Um mundo novo, descoberto, a um preço que pago a toda a hora!
o preço da ausência, presente no tempo que é agora…
Um preço demasiado alto para quem está apaixonado!
Para quem respira preso a momentos fugidios,
que se acabam, que escasseiam, que demoram…
O tempo, este tempo onde se insere
este meu amor já sem tamanho
é o tempo onde a esperança mora.
E só o amor, um amor assim,
de que não conheço principio
e não quero ver o fim, é capaz de esperar esta demora!
Não sabemos meu amor, em que data,
em que espaço do tempo existe a hora, em que livres possamos caminhar!
Entretanto, deixamos que viva a nossa dor,
Alimentamo-la mesmo neste calor, de sonhos, de alegrias e de esperanças.
Acreditamos até… nalgum milagre, que resolva a permanência da saudade,
que enche a nossa vida a cada hora…
Acreditamos na força deste amor!
Na nossa força Amor, onde o Amor, é um grito… que reprimimos obrigados.
Em liberdade, meu Amor, o grito… sairia estridente, enchendo espaços!
Livres… meu Amor!..
Havia alegria, onde há a dor.
E havia para mim, o espaço restrito… mas permanente dos teus braços.
Felismina Costa
Agualva, 12 de Setembro de 2010
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 16 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7448: O Mural do Pai Natal da Tabanca Grande (2010) (2): Mensagem de Natal (Felismina Costa)
Vd. último poste da série de 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7568: Blogpoesia (102): Sociedade lusa (Manuel Maia)
Em ti meu Amor
Em ti, meu amor, encontro a vida!
A vida inteira que persigo necessitada.
As tuas mãos, que seguro apaixonada
Retribuem-me o carinho que te dou!
E é precisamente aí, no carinho retribuído,
que eu vivo, que eu existo.
Jamais outras mãos senti assim!
O teu corpo que adoro é um jardim
Donde se desprendem finos fios que acaricio.
A tua voz melodiosa, diz-me coisas!..
Tantas coisas, que eu guardo só para mim.
E os teus olhos meu Amor, são o meu mundo.
Um mundo novo, descoberto, a um preço que pago a toda a hora!
o preço da ausência, presente no tempo que é agora…
Um preço demasiado alto para quem está apaixonado!
Para quem respira preso a momentos fugidios,
que se acabam, que escasseiam, que demoram…
O tempo, este tempo onde se insere
este meu amor já sem tamanho
é o tempo onde a esperança mora.
E só o amor, um amor assim,
de que não conheço principio
e não quero ver o fim, é capaz de esperar esta demora!
Não sabemos meu amor, em que data,
em que espaço do tempo existe a hora, em que livres possamos caminhar!
Entretanto, deixamos que viva a nossa dor,
Alimentamo-la mesmo neste calor, de sonhos, de alegrias e de esperanças.
Acreditamos até… nalgum milagre, que resolva a permanência da saudade,
que enche a nossa vida a cada hora…
Acreditamos na força deste amor!
Na nossa força Amor, onde o Amor, é um grito… que reprimimos obrigados.
Em liberdade, meu Amor, o grito… sairia estridente, enchendo espaços!
Livres… meu Amor!..
Havia alegria, onde há a dor.
E havia para mim, o espaço restrito… mas permanente dos teus braços.
Felismina Costa
Agualva, 12 de Setembro de 2010
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 16 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7448: O Mural do Pai Natal da Tabanca Grande (2010) (2): Mensagem de Natal (Felismina Costa)
Vd. último poste da série de 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7568: Blogpoesia (102): Sociedade lusa (Manuel Maia)
Guiné 63/74 - P7577: Panfletos de Ação Psicológica (1) (Ernesto Duarte)
1. Este é o primeiro poste, de dois, com panfletos de APSICO, que eram largados pelas NT no mato, para tentar cativar a tropa do PAIGC e a população que estava do seu lado.
Estes importantes documentos foram-nos enviados pelo nosso, recentemente entrado, tertuliano Ernesto Duarte*, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, em mensagem do dia 8 de Janeiro de 2011.
Dizia ele na sua mensagem:
Caro Carlos
Se te interessar para alguma coisa tudo bem, se tiveres resmas nos teus arquivos, paciência.
Eu fiquei acordado, vieram umas morteiradas do lado de Mansodé**, estamos a ver o que isto vai dar.
Boa Noite
Ernesto Duarte
(**) Mansodé, tabanca a Sudoeste (SW) de Mansabá de que fala Ernesto Duarte. Cheia de vida, como era perceptível no nosso dia-a-dia, embora que quando lá íamos nunca encontrávamos ninguém.
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 3 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7549: Tabanca Grande (257): Ernesto Pacheco Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 (Mansabá, 1965/67)
Estes importantes documentos foram-nos enviados pelo nosso, recentemente entrado, tertuliano Ernesto Duarte*, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, em mensagem do dia 8 de Janeiro de 2011.
Dizia ele na sua mensagem:
Caro Carlos
Se te interessar para alguma coisa tudo bem, se tiveres resmas nos teus arquivos, paciência.
Eu fiquei acordado, vieram umas morteiradas do lado de Mansodé**, estamos a ver o que isto vai dar.
Boa Noite
Ernesto Duarte
(**) Mansodé, tabanca a Sudoeste (SW) de Mansabá de que fala Ernesto Duarte. Cheia de vida, como era perceptível no nosso dia-a-dia, embora que quando lá íamos nunca encontrávamos ninguém.
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 3 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7549: Tabanca Grande (257): Ernesto Pacheco Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 (Mansabá, 1965/67)
Guiné 63/74 – P7576: FAP (59): A propósito da “Ultima Missão” de José de Moura Calheiro (António Martins de Matos)
1. O nosso Camarada António Martins de Matos (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74, hoje Ten Gen Pilav Res), enviou-nos a seguinte mensagem:
Caros amigos,
Fim de semana de chuva, lá vai mais um texto, este a propósito do livro do José de Moura Calheiros.A foto do cockpit do G-91 é tirada da internet, seu autor "SCDBob", a outra é minha.
A propósito da “Ultima Missão” de José de Moura Calheiros
A época do Natal e Ano Novo é sempre um período de grande estafa e agitação, planos a cumprir, compras, planos a alterar, compras, tentativas de juntar os familiares, uns que podem, outros que podem mas não querem, outros que não podem, viagens para cima e para baixo, compras...
Felizmente que tudo tem um fim, depois da grande azáfama, finalmente a calma a regressar.
E com o regresso à normalidade e o colesterol em alerta entre o vermelho e o roxo, acabamos por ter um tempo para esticar as pernas e finalmente... “descansar”.
Aproveitando a acalmia da ocasião acabei de ler o livro do “meu Major” José de Moura Calheiros, “A Ultima Missão”.
Já lhe tinha dado umas bicadas, algumas partes que me interessavam mais que outras, mas agora foi como deve ser, do princípio ao fim.
Gostei.
Não obstante ter lido muitos dos livros que falam sobre a Guiné, foi a sua escrita que me fez obrigar a recordar os locais por onde andei, o calor, os cheiros, a terra vermelha, a descrição de Bissau e seus encantos e desencantos, o mercado, a rua das lojas, o largo do liceu, o Solar do Dez e o Pelicano, a humidade e as pragas, de grilos, morcegos ou sapos.
Como ele recordei a minha sensação de insegurança ao andar pelas ruas e estradas na área de Bissau, logo desmentida pelos mais experientes “estás aqui mais seguro que no Rossio”, alguém terá dito.
E era verdade.
O livro fez-me voltar à guerra, ao Cantanhês, a Guidage e Gadamael, aos PCVs em DO‑27, aos apoios de fogo às tropas pára-quedistas, aos contactos com a tropa no rádio dos 49.0 ou 51.0, à largada de armamento, umas vezes sem problemas de proximidade, outras vezes mesmo ali nas barbas dos nossos homens.
Tenho de o dizer, a maior angústia que os pilotos sofriam não eram os problemas dos mísseis Strela ou as antiaéreas com que nos iam tentando acertar, a maior angústia era não saber no meio daquele tapete verde onde se situariam “os nossos”, ou sabendo-o, tentar satisfazer o seu pedido de apoio, de bombardear o inimigo logo ali a uns metros de distância.
Que o inimigo sabia defender-se, ao sentir a aproximação dos aviões, tentavam encostar‑se o mais possível às nossas tropas.
Se houve missões em que a segurança dos “nossos” esteve mais em risco elas foram seguramente as do Cufeu e meses mais tarde em Canquelifá e Copá, o alívio só nos chegava quando se ouvia a tropa depois do bombardeamento dizendo que estavam todos bem.
E, caros amigos, deixem-me confessar algo, uma ou outra vez foram largadas bombas demasiado perto da nossa tropa, bem dentro do perímetro de segurança.
Só o pedido feito no rádio em momentos de desespero, entrecortado pelo som de disparos, nossos e deles, nos faziam quebrar as regras de segurança a que estávamos obrigados.
Trinta e sete anos passados ainda oiço nos meus ouvidos o pedido de alguém que, na bolanha do Cufeu dizia, “estamos no pontão, bombardeia o pontão”.
Pontão bombardeado, devo ter envelhecido alguns anos, sem conseguir restabelecer as comunicações com quem me pedira o apoio.
Cinco minutos passados, contacto finalmente restabelecido, voltei a ser um jovem.
Eu sei que nem sempre é fácil dizer “onde estamos” ou “para onde vamos”, ou “o que queremos”, é preciso algum treino, todos nós já tivemos aquela experiência de ter que indicar um caminho a alguém, voltas ali, e mais acolá, estás a ver o sinal, não é esse, é logo a seguir...
Estamos perfeitamente a ver o caminho e assumimos que o interlocutor também o está a “ver”, quando grande parte das vezes isso nem é verdade.
Ainda há uns dias disso tivemos a prova, quando o José Brás nos quis facilitar a vida, indicando-nos o melhor caminho para irmos ter à Biblioteca de Loures, parece que ainda hoje anda gente perdida entre Odivelas e a Póvoa do Varzim.
Só que no caso das aviações, a coisa era bem mais complicada, levávamos nas asas o poder de salvar ou destruir um grupo de combate.
Essa compreensão era o fruto das inúmeras missões que fazíamos em conjunto, talvez por sermos ambos parte da Força Aérea, ou talvez pelo facto de convivermos em quartéis lado a lado.
Enquanto vivi na Base o meu quarto ficava encostado à área do quartel dos Páras onde estes limpavam as suas armas, às vezes entretinha-me à conversa com eles.
Muitas vezes e por causa do rancho na Base ser entre o mau e o péssimo, resolvia convidar-me para ir almoçar à messe dos boinas verdes, apesar da evidente sobrecarga na panela e nas suas verbas, era sempre recebido com um sorriso.
Nessas alturas e para além das conversas próprias de homens, aproveitávamos para trocar ideias sobre missões passadas, o que correu bem e mal, num debriefing informal.
Era esta rapidez em dizer onde estavam, o que pretendiam e quais as condicionantes envolventes, que diferenciava os paras da restante tropa, ali não havia ”palha” era só a informação necessária e suficiente para se levar a cabo a missão.
Já os “verdes” tinham “oradores” de todo o tipo, uns bons, outros bem trapalhões (espero que não me ataquem desta vez, não falei naqueles que vocês estão a pensar).
Que até havia alguns “verdes” de primeira água, Fulacunda e Canquelifá no top.
Os mais difíceis de entender eram os fusos, nunca se sabia bem onde estavam e muito menos o que queriam.
Mas deixemo-nos de lamúrias e vejamos algo de mais concreto.
Diz o autor a páginas 480 que os pilotos tinham sempre uma voz calma e pausada, do tipo “funcionário público a atender o cliente”.
Fogo!!!
Com os meus 65 anos até já me têm chamado muitas coisas, agora funcionário público é que não, é a primeira vez.
Não tenho nada contra os funcionários públicos, só não estava à espera de tal piropo, a nossa voz ao rádio talvez andasse por esse estilo, só não sei se os funcionários públicos são calmos e pausados.
Pensando melhor, várias razões podiam concorrer para tal maneira de estar.
Em primeiro lugar o grande número de missões que fazíamos, o que acabava por nos dar algum traquejo.
Em segundo lugar porque se não falássemos em voz calma e pausada já sabíamos que tínhamos que repetir tudo outra vez.
Que a frase típica do tipo do rádio e que nos dava vontade de lhe dar uma fogachada era “totalmente recebido, nada compreendido, terminado”.
Em terceiro lugar porque sendo o G-91 um avião monolugar tínhamos de fazer o papel de piloto, navegador, telegrafista, atirador, a nossa atenção andava dispersa no meio daquele cockpit, com botões, luzes indicadoras, alavancas e outras coisas mais.
Para os mais leigos em termos de aviação, também não fiquem com a ideia que os pilotos são da linhagem do Super-Homem ou que têm 74 olhos, não passávamos cartão a muitos daqueles mostradores.
Havia no entanto um deles que nos preocupava mais que todos os outros, que não tendo a ver directamente com o motor, (esse era um Rolls Royce, nunca falhava), nos indicava quanto tempo podíamos estar ali pela zona das operações.
Era tão só o indicador da quantidade de combustível. (mostrador1)
Calibrado em Libras (lbs), cada libra vale cerca de meio quilo, a sua escala ia do 0 aos 3600, consumindo-se todo o combustível em cerca de 50 minutos.
Cabe aqui um parêntesis para esclarecer que nos aviões com maior performance, a quantidade de combustível é normalmente referida em peso (Libras, Quilos) em vez de volume (Litros, Galões).
Na prática podíamos resumir o indicador do seguinte modo:
Entre as 3600 e as 3000 lbs era o combustível necessário para descolar e subir, entre as 3000 e 2000 lbs para chegar ao objectivo, permanência sobre o local entre as 2000 e 1000 lbs, a partir das 1000 lbs iniciava-se o regresso de modo a chegar a Bissau com um mínimo de 380 lbs.
Quando chegava às 380 libras entrava-se na chamada reserva, cinco minutos de voo, aparecendo um outro ponteiro mais pequenino, preciso e assustador, a leitura passava a ser feita na escala interior.
Chegando ao zero, deixávamos de pilotar um avião, passávamos a estar sentados numa pedra.
A monitorização deste mostrador tinha que ser permanente, até porque podia acontecer um tampão do depósito mal fechado ou um disparo do IN furar um depósito, lá ficávamos mal vistos e a falar sozinhos.
Esta era a razão pela qual os pilotos por vezes poderiam dar a impressão de “apressados”, querendo abandonar a zona, nada mais falso, a quantidade de combustível a bordo é que sempre ditava o tempo de permanência sobre o objectivo.
Lembro-me de ter ido largar umas bombitas ao estrangeiro lá para os lados de Burumtuma, neste caso o tempo autorizado sobre o objectivo era... negativo.
Foi chegar, largar e andar, lá regressámos a Bissau à maior altitude possível, cerca de 10.000 metros, à vertical do Enxalé reduzimos o motor e iniciámos uma descida em rota como costumávamos dizer, “na cagadinha”.
Só tornámos a mexer na manete do motor quando, já sobre Bissau, a aterragem nos pareceu assegurada.
Só que estas missões de tanto se repetirem, iam-nos dando uma falsa sensação de segurança, voo após voo íamos forçando mais um pouco, mais um pouco... tal como por vezes fazemos com as nossas viaturas, quando damos um passeio entre Cascais e a Malveira.
Que me lembre nenhum piloto acabou por ficar sem combustível em pleno voo.
Pela minha parte e no regresso de uma missão, acabei por ter um aviso divino:
Após estacionar o avião e quando o mecânico me fez sinal para cortar o motor, apenas pensei em fazê-lo... ele apagou-se sozinho.
Serviu-me de emenda!
Um abraço,
António Martins de Matos
Ten Pilav da BA12
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
16 de Dezembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7575: Notas de leitura (186): Uma História de Regressos, de Margarida Calafate Ribeiro (Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Janeiro de 2011:
Queridos amigos,
O livro da Margarida Calafate Ribeiro é de leitura obrigatória para quem alinhe a questão de identidade nacional com a evolução do conceito de Império e as suas implicações políticas sociais, económicas e socioculturais, daí transferindo a reflexão para tudo quanto aconteceu com as atitudes das gerações dos combatentes em África.
Um abraço do
Mário
Uma história de regressos:
Império, guerra colonial e pós colonialismo
Beja Santos
A construção simbólica da identidade nacional é uma permanente equação, nas discussões que se iniciaram com as viagens dos descobrimentos: basta pensar no Velho do Restelo, no Quinto Império, no Ultimato, pela Geração de 70. A equação é posta em problema nas fases de expansão e contracção, em todas as circunstâncias em que há litígios na “casa portuguesa”. O Império é esse poderoso imaginário do país semiperiférico que é questionado pelas grandes potências até aos movimentos de libertação que conduziram ao seu desaparecimento. Foi sempre à sombra do Império que se procurou alavancar o orgulho português. Todo este imaginário necessariamente desaguou em literatura, em filosofia, em sistema político. É uma construção de que logo Luís de Camões se apoderou, de que os intelectuais fizeram uso com a independência do Brasil e quando o Império Africano foi cobiçado, no século XIX. Um Império que nos deixa centrífugos à Europa, sempre associado à decadência, sempre presente na obra do Padre António Vieira e de Fernando Pessoa.
“Uma História de Regressos” é um importante ensaio baseado na tese de doutoramento de Margarida Calafate Ribeiro (Edições Afrontamento, 2004). Temos aqui uma leitura da relação simbólica de Portugal com o Império Africano, a partir de uma análise detalhada de textos literários e políticos dos séculos XIX e XX, explorando os conceitos de identidade, a nostalgia pelo Império e o longo epitáfio por uma nação imperial na literatura escrita no período do Estado Novo e a ruptura e transformação da ideia de Império nas narrativas portuguesas da guerra colonial.
A identidade imperial africana emerge do Portugal esvaziado pela perda do Brasil. É um país que vai mergulhar na guerra civil e numa monarquia constitucional que desperta para um projecto centrado na abertura de condições de um novo Brasil em África. A investigadora documenta todo este projecto de alteração de rota citando alguns dos mais importantes escritores do século XIX. Depois do brasileiro enriquecido, temos em A Ilustre Casa de Ramires o exemplo acabado do novo projecto colonial, a aventura africana reacende as tentações da prosperidade, vai resolver a decadência portuguesa, como escreve Eça de Queirós: “A África é como essas quintarolas, meio a monte, que a gente herda de uma tia velha, numa terra muito bruta, muito distante, onde não se conhece ninguém, onde não se encontra sequer um estanco (…) Boa para vender.”. O Portugal Pós-Ultimato também se movimenta nesse projecto de recuperação da decadência, surge uma literatura de conquista, exploração e colonização com títulos sugestivos, por exemplo: Sertões de África, de Alfredo Sarmento, A Campanha de África Contada por um Sargento, de Caetano Alberto, Epopeia Maldita: O Drama da Guerra de África, de António de Cértima, Tropa d’África: Jornal de Campanha de um voluntário no Niassa, de Carlos Selvagem, Nova Largada: Romance de África, de Augusto Casimiro. Estamos a falar de títulos publicados entre 1880 e 1930. Fernando Pessoa não iludiu a decadência do Império e reinventa-o no domínio poético, dizendo coisas como estas: “As colónias portuguesas são uma tradição inútil. Nós não temos o direito de ter colónias. Na nossa mão, elas não nos servem, não servem aos outros, e pesam sobre nós, alimentando uma tradição funesta que foi bela enquanto foi glória inútil, porque foi glória; mas tendo deixado de ser glória, ficou sendo inutilidade apenas”. Competiu ao Estado Novo relevar a noção imperial no projecto da identidade nacionalista. “A quarta potência colonial do mundo” assentava que nem uma luva ao modelo de Salazar. Mas visto de fora, homens como o embaixador alemão Oswald von Honyningen-Huene, que chegou até aos tempos de Hitler, falava desta metrópole “pequena, pobre, atrasada e quase incapaz de se defender” mas com um Império “espalhado por três partes do mundo”. O diplomata observava que este anacronismo colonial só era possível graças à aliança com a Grã-Bretanha. Bem interessante (mas este não é o espaço adequado” seria a referência ao que foi a Exposição do Mundo Português e a literatura contemporânea. E de repente, surge uma geração a questionar a aventura desaguada do Tejo para África: a “Poesia 61” (Fiama Hasse Pais Brandão, Luísa Neto Jorge, Maria Teresa Horta, Casimiro de Brito e Gastão Cruz). Em linguagem codificada, outros vultos como Mário Cesariny ou Alexandre O’Neill ironizavam a mítica glória das caravelas. A década de 60 gera dois fenómenos literários: os que da Europa questionam a aventura imperial e os que de África põem em causa a irredutibilidade do Império, afrontando-o ou anotomizando. Os do lado de lá do mar chamam-se Fernando Assis Pacheco, Manuel Alegre, Álvaro Guerra, João Bação Leal ou Modesto Navarro. É desta literatura que nasce o poema mais importante na língua portuguesa referente à guerra colonial, Nambuangongo, meu Amor, que assim começa:
Em Nambuangongo tu não viste nada
não viste nada nesse dia longo longo
a cabela cortada
e a flor bombardeada
não tu não viste nada em Nambuangongo.
Margarida Calafate Ribeiro passa em revista esta literatura escrita por combatentes e, com o 25 de Abril, questiona o que restou do mar e da aventura imperial, quais os termos da crise de identidade e aprecia, com grande comentação algumas dessas obras mais importantes, a saber: Os Cus de Judas, de António Lobo Antunes, Autópsia de um Mar de Ruínas, de João de Melo, Jornada de África, de Manuel Alegre e A Costa dos Murmúrios, de Lídia Jorge. Deixa um registo expressivo da literatura da guerra colonial, chamando a atenção para as obras de Álvaro Guerra, José Martins Garcia, Álamo Oliveira e José Brás, na fila mais representativa. Não deixa de chamar a atenção para a especificidade dos teatros de operações que acarretam vibrações próprias na visão simbólica de Portugal. E não deixa de ser igualmente curioso observar que nem a adesão de Portugal às Comunidades Europeias reduziu os testemunhos. Pelo contrário, parece que o envelhecimento desses combatentes lhes trouxe uma maior disponibilidade para referirem as suas experiências no violento crepúsculo imperial português. Recorde-se que Margarida Calafate Ribeiro é também co-organizadora do livro Fantasmas e Fantasias Imperiais no Imaginário Português Contemporâneo (Campo das Letras, 2003).
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7567: Notas de leitura (185): Guiné-Bissau, Aspectos da Vida de um Povo, de Eva Kipp (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
O livro da Margarida Calafate Ribeiro é de leitura obrigatória para quem alinhe a questão de identidade nacional com a evolução do conceito de Império e as suas implicações políticas sociais, económicas e socioculturais, daí transferindo a reflexão para tudo quanto aconteceu com as atitudes das gerações dos combatentes em África.
Um abraço do
Mário
Uma história de regressos:
Império, guerra colonial e pós colonialismo
Beja Santos
A construção simbólica da identidade nacional é uma permanente equação, nas discussões que se iniciaram com as viagens dos descobrimentos: basta pensar no Velho do Restelo, no Quinto Império, no Ultimato, pela Geração de 70. A equação é posta em problema nas fases de expansão e contracção, em todas as circunstâncias em que há litígios na “casa portuguesa”. O Império é esse poderoso imaginário do país semiperiférico que é questionado pelas grandes potências até aos movimentos de libertação que conduziram ao seu desaparecimento. Foi sempre à sombra do Império que se procurou alavancar o orgulho português. Todo este imaginário necessariamente desaguou em literatura, em filosofia, em sistema político. É uma construção de que logo Luís de Camões se apoderou, de que os intelectuais fizeram uso com a independência do Brasil e quando o Império Africano foi cobiçado, no século XIX. Um Império que nos deixa centrífugos à Europa, sempre associado à decadência, sempre presente na obra do Padre António Vieira e de Fernando Pessoa.
“Uma História de Regressos” é um importante ensaio baseado na tese de doutoramento de Margarida Calafate Ribeiro (Edições Afrontamento, 2004). Temos aqui uma leitura da relação simbólica de Portugal com o Império Africano, a partir de uma análise detalhada de textos literários e políticos dos séculos XIX e XX, explorando os conceitos de identidade, a nostalgia pelo Império e o longo epitáfio por uma nação imperial na literatura escrita no período do Estado Novo e a ruptura e transformação da ideia de Império nas narrativas portuguesas da guerra colonial.
A identidade imperial africana emerge do Portugal esvaziado pela perda do Brasil. É um país que vai mergulhar na guerra civil e numa monarquia constitucional que desperta para um projecto centrado na abertura de condições de um novo Brasil em África. A investigadora documenta todo este projecto de alteração de rota citando alguns dos mais importantes escritores do século XIX. Depois do brasileiro enriquecido, temos em A Ilustre Casa de Ramires o exemplo acabado do novo projecto colonial, a aventura africana reacende as tentações da prosperidade, vai resolver a decadência portuguesa, como escreve Eça de Queirós: “A África é como essas quintarolas, meio a monte, que a gente herda de uma tia velha, numa terra muito bruta, muito distante, onde não se conhece ninguém, onde não se encontra sequer um estanco (…) Boa para vender.”. O Portugal Pós-Ultimato também se movimenta nesse projecto de recuperação da decadência, surge uma literatura de conquista, exploração e colonização com títulos sugestivos, por exemplo: Sertões de África, de Alfredo Sarmento, A Campanha de África Contada por um Sargento, de Caetano Alberto, Epopeia Maldita: O Drama da Guerra de África, de António de Cértima, Tropa d’África: Jornal de Campanha de um voluntário no Niassa, de Carlos Selvagem, Nova Largada: Romance de África, de Augusto Casimiro. Estamos a falar de títulos publicados entre 1880 e 1930. Fernando Pessoa não iludiu a decadência do Império e reinventa-o no domínio poético, dizendo coisas como estas: “As colónias portuguesas são uma tradição inútil. Nós não temos o direito de ter colónias. Na nossa mão, elas não nos servem, não servem aos outros, e pesam sobre nós, alimentando uma tradição funesta que foi bela enquanto foi glória inútil, porque foi glória; mas tendo deixado de ser glória, ficou sendo inutilidade apenas”. Competiu ao Estado Novo relevar a noção imperial no projecto da identidade nacionalista. “A quarta potência colonial do mundo” assentava que nem uma luva ao modelo de Salazar. Mas visto de fora, homens como o embaixador alemão Oswald von Honyningen-Huene, que chegou até aos tempos de Hitler, falava desta metrópole “pequena, pobre, atrasada e quase incapaz de se defender” mas com um Império “espalhado por três partes do mundo”. O diplomata observava que este anacronismo colonial só era possível graças à aliança com a Grã-Bretanha. Bem interessante (mas este não é o espaço adequado” seria a referência ao que foi a Exposição do Mundo Português e a literatura contemporânea. E de repente, surge uma geração a questionar a aventura desaguada do Tejo para África: a “Poesia 61” (Fiama Hasse Pais Brandão, Luísa Neto Jorge, Maria Teresa Horta, Casimiro de Brito e Gastão Cruz). Em linguagem codificada, outros vultos como Mário Cesariny ou Alexandre O’Neill ironizavam a mítica glória das caravelas. A década de 60 gera dois fenómenos literários: os que da Europa questionam a aventura imperial e os que de África põem em causa a irredutibilidade do Império, afrontando-o ou anotomizando. Os do lado de lá do mar chamam-se Fernando Assis Pacheco, Manuel Alegre, Álvaro Guerra, João Bação Leal ou Modesto Navarro. É desta literatura que nasce o poema mais importante na língua portuguesa referente à guerra colonial, Nambuangongo, meu Amor, que assim começa:
Em Nambuangongo tu não viste nada
não viste nada nesse dia longo longo
a cabela cortada
e a flor bombardeada
não tu não viste nada em Nambuangongo.
Margarida Calafate Ribeiro passa em revista esta literatura escrita por combatentes e, com o 25 de Abril, questiona o que restou do mar e da aventura imperial, quais os termos da crise de identidade e aprecia, com grande comentação algumas dessas obras mais importantes, a saber: Os Cus de Judas, de António Lobo Antunes, Autópsia de um Mar de Ruínas, de João de Melo, Jornada de África, de Manuel Alegre e A Costa dos Murmúrios, de Lídia Jorge. Deixa um registo expressivo da literatura da guerra colonial, chamando a atenção para as obras de Álvaro Guerra, José Martins Garcia, Álamo Oliveira e José Brás, na fila mais representativa. Não deixa de chamar a atenção para a especificidade dos teatros de operações que acarretam vibrações próprias na visão simbólica de Portugal. E não deixa de ser igualmente curioso observar que nem a adesão de Portugal às Comunidades Europeias reduziu os testemunhos. Pelo contrário, parece que o envelhecimento desses combatentes lhes trouxe uma maior disponibilidade para referirem as suas experiências no violento crepúsculo imperial português. Recorde-se que Margarida Calafate Ribeiro é também co-organizadora do livro Fantasmas e Fantasias Imperiais no Imaginário Português Contemporâneo (Campo das Letras, 2003).
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7567: Notas de leitura (185): Guiné-Bissau, Aspectos da Vida de um Povo, de Eva Kipp (Mário Beja Santos)
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