1. Mensagem do nosso camarada José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 9 de Junho de 2011:
Caro amigo e companheiro
Junto aqui material que poderá ser usado como informação se achares que vale a pena.
Na Antologia está um poema meu, o que me agradando pessoalmente, direi que a sua inclusão se deve também ao prestigio do blogue, da Tabanca Grande e dos seus editores.
Abraço fortíssimo
José Brás
É com muita alegria que as Edições Afrontamento e os investigadores Margarida Calafate Ribeiro (Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra) e Roberto Vecchi (Universidade de Bolonha) o vêm convidar para participar na sessão de lançamento da Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial, com participação de Joaquim Furtado.
O lançamento realizar-se-á nas instalações do CES - Lisboa, Auditório do CIUL, no próximo dia 15 de Junho, pelas 19 horas e está integrado no Colóquio/Debate "Os Filhos da Guerra Colonial: pós-memória e representações" (14 e 15 de Junho).
Auditório CIUL / Forum Picoas Plaza
Rua Viriato, 13
1050-227 Lisboa
Telef. 216012848
E-mail: ceslx@ces.uc.pt
Apresento os meus melhores cumprimentos,
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 8 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8390: Agenda Cultural (130): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974: história e memória(s) (3) (Carlos Cordeiro)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 11 de junho de 2011
Guiné 63/74 - P8405: Memórias de Mansabá (25): Recordações de António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista - Operação Nestor
1. Mensagem de António Dâmaso, Sargento-Mor da FAP na situação de Reforma Extraordinária, com data de 9 de Junho de 2011:
Ao Editor e Co-editores os meus cumprimentos.
Mando à atenção de Carlos Vinhal mais uma recordação de Mansabá.
Um Ab
Dâmaso
RECORDAÇÕES DE MANSABÁ (3)
OPERAÇÃO “NESTOR”
Com base nas informações obtidas a um dos prisioneiros capturados uma semana antes na Operação ”Orfeu”, foi planeada a operação “Nestor”. O prisioneiro dizia existir um acampamento na mata entre Insumeté e Infaíde, mais uma vez a CCP 122 a 3 GComb foi helicolocada em 20 de Junho de 1969, cerca das 08,40. A primeira vaga de 40 homens, sendo a segunda vaga de mais 40 colocada cerca de 25 minutos mais tarde, um pouco mais a sul da mesma bolanha.
Mais uma vez fui na segunda vaga. Quando se deu a reunião da Companhia estava o prisioneiro a levar um “tratamento”, para ver se espevitava uma vez que se mostrava desorientado, a meu ver não era caso para menos porque que tinha sido levado e trazido de helicóptero, fartamo-nos de andar às voltas com os “turras” sempre a chatear-nos, lá andava o Heli-canhão a tentar mantê-los à distância, atravessámos a mata entre as duas bolanhas, encontrámos um acampamento abandonado, onde foram encontradas munições, granadas, medicamentos e grande quantidade de artigos diversos.
Por volta das 16 horas a sul da bolanha de Infaíde foram encontradas pequenas barracas individuais no tarrafo numa pequena ilhota, estas continham grandes quantidades de armamento e equipamento.
Para alcançar a citada ilhota tivemos de atravessar braços do rio Bipo, com água pelo peito, aquilo era uma zona de muita água, à parte a água havia ainda umas espinheiras muito afiadas que nos rasgavam tudo que lá tocava.
Foi aqui que apanhei os meus primeiros “despojos de guerra” que foram: 1 cantil, um cinturão com fivela de chapa com a foice e martelo em relevo, um boné de pala do tipo chinês, e um estojo de faca garfo e colher, a faca perdi-a em Nampula, restam a colher e garfo com abre-latas e saca-rolhas porque nunca lhes dei uso, os restantes objectos já não existem desgastaram-se pelo uso, era um estojo bastante adiantado para a época, devia pertencer a algum comandante.
Os guerrilheiros continuaram a flagelar-nos, era sol-posto quando a Operação foi dada por concluída, regressamos a Bissalanca com o material capturado.
Durante a operação foram abatidos dois guerrilheiros e capturados outros dois sendo um o chefe do grupo de Iracunda. Em vez de mencionar aqui todo o material capturado, resolvi expor a foto do mesmo.
E foi mais uma operação em que participei sem dar um tiro.
No mesmo dia o Alf. Pára-quedista Armindo Calado, pertencente à CCP 121 que estava em Teixeira Pinto, foi morto em combate na região do Bachile.
Sentimos sempre a morte dos camaradas de armas, mas uns mais que outros conforme seja a nossa proximidade. Com o Alf. Calado tinha criado laços de amizade por ter convivido de perto com ele durante os dias e algumas noites, que durou Instrução de Combate 2/68, com início em 17JUN68 até 07SET68, pois tinha sido monitor no pelotão dele. Depois eles foram mobilizados e eu ainda fiquei a dar a Escola de Recrutas 3/68 que teve inicio em 16SET68.
A 28JUN69 fui com a CCP 122 para Teixeira Pinto via auto e no dia 08JUl69, fui de Teixeira Pinto para Bafatá integrando a CCP 123 (1), tendo passado por Bafatá, Galomaro e Dulombi.
(1) Tratou-se de uma Companhia a 3 GCOMB que estava mobilizada para Angola, mas foi enviada para a Guiné em reforço durante 3 meses passando a denominar-se CCP 123, no final as praças foram integradas nas CCP 121 e CCP 122 e os graduados seguiram o seu destino para Angola.
Saudações Aeronáuticas
Dâmaso
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8171: Memórias de Mansabá (13): Recordações de António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista - O baptismo de fogo na Guiné
Ao Editor e Co-editores os meus cumprimentos.
Mando à atenção de Carlos Vinhal mais uma recordação de Mansabá.
Um Ab
Dâmaso
RECORDAÇÕES DE MANSABÁ (3)
OPERAÇÃO “NESTOR”
Zona de, Choquemone, onde desenrolou a Operação “Nestor”em 20JUH69
Com base nas informações obtidas a um dos prisioneiros capturados uma semana antes na Operação ”Orfeu”, foi planeada a operação “Nestor”. O prisioneiro dizia existir um acampamento na mata entre Insumeté e Infaíde, mais uma vez a CCP 122 a 3 GComb foi helicolocada em 20 de Junho de 1969, cerca das 08,40. A primeira vaga de 40 homens, sendo a segunda vaga de mais 40 colocada cerca de 25 minutos mais tarde, um pouco mais a sul da mesma bolanha.
Formação de Hélis partindo para uma operação (Foto de A Martins álbum de memórias do BCP 12)
Mais uma vez fui na segunda vaga. Quando se deu a reunião da Companhia estava o prisioneiro a levar um “tratamento”, para ver se espevitava uma vez que se mostrava desorientado, a meu ver não era caso para menos porque que tinha sido levado e trazido de helicóptero, fartamo-nos de andar às voltas com os “turras” sempre a chatear-nos, lá andava o Heli-canhão a tentar mantê-los à distância, atravessámos a mata entre as duas bolanhas, encontrámos um acampamento abandonado, onde foram encontradas munições, granadas, medicamentos e grande quantidade de artigos diversos.
Travessia de uma bolanha (Foto de Albano Martins Álbum de memórias do BCP 12)
Por volta das 16 horas a sul da bolanha de Infaíde foram encontradas pequenas barracas individuais no tarrafo numa pequena ilhota, estas continham grandes quantidades de armamento e equipamento.
Para alcançar a citada ilhota tivemos de atravessar braços do rio Bipo, com água pelo peito, aquilo era uma zona de muita água, à parte a água havia ainda umas espinheiras muito afiadas que nos rasgavam tudo que lá tocava.
Páras em terreno difícil (Foto de Albano Martins Álbum de memórias do BCP 12)
Foi aqui que apanhei os meus primeiros “despojos de guerra” que foram: 1 cantil, um cinturão com fivela de chapa com a foice e martelo em relevo, um boné de pala do tipo chinês, e um estojo de faca garfo e colher, a faca perdi-a em Nampula, restam a colher e garfo com abre-latas e saca-rolhas porque nunca lhes dei uso, os restantes objectos já não existem desgastaram-se pelo uso, era um estojo bastante adiantado para a época, devia pertencer a algum comandante.
Foto do Estojo com colher e gafo
Foto do pormenor da marca, País do Leste?
Os guerrilheiros continuaram a flagelar-nos, era sol-posto quando a Operação foi dada por concluída, regressamos a Bissalanca com o material capturado.
Uma recuperação Héli (Foto Álbum de memórias do BCP 12)
Durante a operação foram abatidos dois guerrilheiros e capturados outros dois sendo um o chefe do grupo de Iracunda. Em vez de mencionar aqui todo o material capturado, resolvi expor a foto do mesmo.
Material capturado pela CCP 122 na Operação “Nestor” em 20/JUN/69 (Foto H BCP 12)
E foi mais uma operação em que participei sem dar um tiro.
No mesmo dia o Alf. Pára-quedista Armindo Calado, pertencente à CCP 121 que estava em Teixeira Pinto, foi morto em combate na região do Bachile.
Sentimos sempre a morte dos camaradas de armas, mas uns mais que outros conforme seja a nossa proximidade. Com o Alf. Calado tinha criado laços de amizade por ter convivido de perto com ele durante os dias e algumas noites, que durou Instrução de Combate 2/68, com início em 17JUN68 até 07SET68, pois tinha sido monitor no pelotão dele. Depois eles foram mobilizados e eu ainda fiquei a dar a Escola de Recrutas 3/68 que teve inicio em 16SET68.
A 28JUN69 fui com a CCP 122 para Teixeira Pinto via auto e no dia 08JUl69, fui de Teixeira Pinto para Bafatá integrando a CCP 123 (1), tendo passado por Bafatá, Galomaro e Dulombi.
(1) Tratou-se de uma Companhia a 3 GCOMB que estava mobilizada para Angola, mas foi enviada para a Guiné em reforço durante 3 meses passando a denominar-se CCP 123, no final as praças foram integradas nas CCP 121 e CCP 122 e os graduados seguiram o seu destino para Angola.
Saudações Aeronáuticas
Dâmaso
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8171: Memórias de Mansabá (13): Recordações de António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista - O baptismo de fogo na Guiné
Guiné 63/74 - P8404: Efemérides (51): No dia 10 de Abril de 2011, Loures homenageou os seus combatentes (José Martins)
Recebemos do nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70) esta reportagem referente à Homenagem que Loures prestou aos seus Combatentes no dia 10 de Abril de 2011.
Com a chegada da manhã, do dia 10 de Abril de 2011, chegava o dia “D”, ou melhor, dia “H”, de homenagem.
Tudo começara com o envio em 1 de Março, de um texto, datado de 23 de Fevereiro anterior, sobre o Monumento aos Mortos da Grande Guerra, do Concelho de Loures, para as páginas de Luís Graça e Camaradas da Guiné (publicado em 4 de Março (Post 7897) e Ultramar Terra Web (publicado em 2 de Março), cujo texto também foi enviado aos Presidentes das Câmaras Municipais de Loures e Odivelas e Presidente da Liga dos Combatentes (anteriormente, Liga dos Combatentes da Grande Guerra).
Foi o Presidente da Câmara Municipal de Loures que, delegando no seu Chefe de Gabinete, Senhor António Baldo, e no seu Assessor, Senhor António Maurício, deu início à organização dessa homenagem.
Quando nos encontramos, por convite telefónico dos mesmos no dia 1 de Abril, já tinham esquematizado a cerimónia, que, por deferência, não queriam dar como concluída sem trocar impressões connosco.
A partir desse momento, como havíamos escrito no final do texto já referido, tínhamos a certeza de que não estaríamos sós.
À chegada, fui informado pelo Assessor Sr. António Maurício que, por sugestão sua e prontamente aceite pelo Presidente da Câmara, competiria ao proponente da homenagem, proceder ao hastear da Bandeira Nacional, bandeira essa pela qual, quarenta anos antes, tinha combatido nas matas da Guiné.
A Banda de Música dos Bombeiros Voluntários de Loures, sob a direcção do Maestro Hélio Salsinha Murcho, executou o Hino Nacional, ao som do qual a Bandeira das Quinas subiu no mastro principal dos Paços do Concelho.
Depois deste acto solene e, já junto ao monumento, tomaram lugar os senhores António Baldo, Chefe de Gabinete da Presidência e em representação do Presidente da Câmara, o vereador Paulo Piteira, o presidente da Junta de Freguesia de Camarate, Arlindo Cardoso, a representação da Liga dos Combatentes composta pelo seu presidente, Tenente-General Joaquim Chito Rodrigues e o Secretário-Geral, Coronel Adalberto Travassos Fernandes, José Marcelino Martins, sócio da Liga dos Combatentes e antigo Combatente na Guiné, representantes da Policia de Segurança Pública e Guarda Nacional Republicana. As Corporações de Bombeiros fizeram-se representar com os seus Estandartes e Guiões, estando presentes, alem da Corporação de Loures, as Corporações de Fanhões. Moscavide-Portela, Sacavém e Camarate, demais convidados, representando as forças vivas do Município, assim como muito público.
O Reverendo Padre João Fernando Bento Inácio, que representava a Igreja Católica e a Paroquia de Santa Maria de Loures, proferiu uma oração pelos Soldados de Portugal caídos em defesa da Pátria, lembrando que o seu esforço e sacrifício seriam lembrados pelas gerações vindouras, como acontecia naquele momento.
Aqui também é de referir que, muitos sacerdotes foram incorporados nas nossas forças armadas, fazendo parte de diversas unidades, tendo como missão não só manter uma presença espiritual junto das tropas, mas também, com a sua palavra e sua amizade, ajudá-los a cumprir a sua missão de combatentes. Eles também corriam risco como os restantes militares, dado que percorriam os diversos destacamentos, ficando sujeitos à perigosidade do momento, e, muitos deles, recusavam, pura e simplesmente, serem portadores de arma, mesmo de defesa pessoal.
Seguiu-a uma homenagem à Mulher Portuguesa que, ao longo da nossa história, sempre esteve ao lado dos militares. Não posso esquecer, sobretudo nesta altura, o caso de minha Mãe que, com seis anos de idade se despediu do pai, quando este embarcou para França, integrado Batalhão do Regimento de Infantaria nº 7 de Leiria, do Corpo Expedicionário Português, e que, aos sessenta anos vê partir um dos seus filhos para a Guiné, para integrar a Companhia de Caçadores nº 5, da guarnição provincial.
“ Exmªs. Autoridades Civis, Militares e Eclesiásticas
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Caros Combatentes
Antes de prestarmos a nossa homenagem aos camaradas que, ao longo da nossa história tombaram em defesa da Pátria Portuguesa, não queremos deixar de homenagear, aqui e agora, a mulher portuguesa, na figura da Mãe, da Esposa, da Noiva, da Irmã, da Madrinha de Guerra, que sempre foram o apoio incondicional do combatente.
• Foram Elas que, no cais de embarque acenaram o lenço de despedida;
• Foram Elas que, no silêncio da noite, chorando, rezaram por todos e cada um de nós;
• Foram elas, muitas delas, que, com o coração desfeito, receberam a fatídica notícia;
• Foram elas que, com as suas cartas e aerogramas, alimentaram a nossa esperança no regresso;
• Foram elas que, quando regressamos nos ajudaram a encontra o caminho, pois tínhamos perdido o rumo da vida.
Prestemos também homenagem à mulher enfermeira, às Damas Enfermeiras que, durante a Grande Guerra permaneceram à cabeceira dos feridos e doentes, e às Enfermeiras Pára-quedistas, que na Guerra de África, sempre que solicitadas, desceram do céu ao campo de batalha, qual Anjo da Guarda, trazendo a esperança de vida, quando a morte tentava levar mais um camarada.
A Elas, às Mulheres que nos acompanharam em campanha e às Mulheres que nos acompanharam ao longo da vida, enfim, às nossas queridas Mulheres, o nosso terno e eterno reconhecimento.
Bem hajam!”
Cabe aqui, invocar numa breve resenha histórica a constituição da Liga dos Combatentes, anteriormente designada por Liga dos Combatentes da Grande Guerra. A ideia surge logo após o Armistício e o regresso dos combatentes à Pátria que, animados um forte espírito de fraternidade, sentem a necessidade de se associarem, não só para uma melhor defesa dos seus interesses, mas também para ajudarem os camaradas mais necessitados, assim como as viúvas e órgãos de guerra.
A tentativa feita por João Jayme de Faria Affonso, em 1919, sai gorada, mas não desiste. Em 1921, em conjunto com o 1º Tenente Horácio Faria Pereira e o Tenente Joaquim de Figueiredo Ministro, unem esforço para dar forma e constituir a Liga que, com o apoio dos Tenentes-Coroneis Ferreira do Amaral e Francisco Aragão conseguem, no ano de 1923, realizar uma reunião com diversos combatentes, de onde saem os primeiros corpos directivo.
A Liga dos Combatentes da Grande Guerra é oficializada em 29 de Janeiro de 1924 (Portaria nº 3888) e o seu estandarte aprovado e autorizado o seu uso em cerimónias oficiais em 16 de Março de 1929.
Depois desta breve memória, retomemos a cerimónia que teve a intervenção do Presidente da Direcção Central da Liga dos Combatentes, Tenente General Joaquim Chito Rodrigues que, falando de improviso, realçou a “instituição que se bate pelos valores históricos e pelo apoio e garantia dos direitos aos mais necessitados, destacando que a associação conta com 93 núcleos”, distribuídos pelo país e estrangeiro tendo, também, “realçado a acção do Combatente Português ao longo do século XX, na Grande Guerra, na Guerra do Ultramar e nas Missões de Paz, lançando um apelo para a criação de mais um Núcleo da Liga e o levantamento de um Monumento aos Combatentes da Guerra do Ultramar, na cidade ou na região”.
Recuperou o último capítulo do texto acima referido “Se mais ninguém estiver presente, eu, pelas 11 horas da manhã do dia 10 de Abril deste ano, no dia seguinte ao Dia do Combatente, deixarei junto ao monumento que perpetua a presença dos Portugueses na Grande Guerra na Europa e em África, uma flor e a minha oração em memória dos que tombaram pela Pátria desde 1139, desde a vitória de D. Afonso Henriques na batalha de Ourique”, terminando a sua intervenção com um poema de Sofia de Mello Breyner:
“Nem terror
Nem lágrimas
Nem tempo
Me separarão de ti
Que moras para além do vento”.
Vivam os Combatentes por Portugal, Viva Portugal!
O orador seguinte foi António Baldo, Chefe de Gabinete da Presidência da Edilidade que, dirigindo-se às entidades convidadas e demais pessoas presentes, disse:
“Em primeiro lugar quero que saibam que é uma honra estar aqui, hoje e agora, nesta simples mas significativa cerimónia, a representar o Senhor Presidente da Câmara, o Engenheiro Carlos Teixeira.
“…AQUELES QUE POR OBRAS VALOROSAS, SE VÃO DA LEI DA MORTE LIBERTANDO…”, escreveu Camões na intemporal obra “Os Lusíadas”, traduzindo o Valor e o Heroísmo dos homens que se imortalizaram na construção e na conquista de novos mundos e na defesa da Pátria.
Recordamos, hoje, a memória daqueles que enfrentando as dificuldades e privações, culminaram a sua dádiva com a maior entrega que um homem pode fazer: O SACRIFICIO DA PRÓPRIA VIDA!
Exalto, também, a solidariedade entre irmãos de armas, e convido-vos a elevar o pensamento para todos os militares que representaram e defenderam Portugal e a sua independência naquela que então foi chamada como a Grande Guerra.
Saudemos o extraordinário sentido de Missão, e de cumprimento do Dever, dos Militares Portugueses que, agora como nesse tempo, cumprem as obrigações decorrentes das determinações do poder político.
Os Militares Portugueses são reconhecidos internacionalmente, alvo dos mais rasgados elogios dos nossos aliados e, sobretudo, credores do integral respeito de toda a comunidade nacional.
Foram treze anos, em África, em que as Forças Armadas Portuguesas estiveram envolvidas numa guerra que terminou. A liberdade que então chegou pôs fim a uma terrível época, mas que deixou, em terras de África, honra e brilhantismo fundamentais para o reconhecimento e abertura a uma cooperação fraterna, com os países irmãos que falam a mesma língua, e cujos soldados verteram, também eles, o seu sangue no campo de batalha, sofrendo, como os nossos, a dor da perda.
Hoje é dia de homenagear os Combatentes.
Cooperaremos com aqueles que, um dia, estiveram do outro lado, mas que hoje dão as mãos num espaço de partilha de valores, cultura, língua, laços familiares e de interesses comuns, na batalha por um futuro melhor, assente na democracia, no desenvolvimento e na construção da paz.
Aproveito esta circunstância para referir, também, todos os militares que cumpriram e cumprem missões no além fronteiras, no âmbito dos compromissos internacionais do Estado Português, como o processo de Cooperação Técnico-Militar com países africanos lusófonos ou, a presença, mo Iraque, no Afeganistão, no Kosovo, na Bósnia, no Saara Ocidental ou Líbano, fora de Portugal em cumprimento de Portugal.
A Nação está sempre em primeiro lugar para o Soldado, e é em nome dessa Nação que combate.
É assim no Afeganistão, no Iraque ou na Líbia. Foi assim em África, como também em São Mamede, Em Badajoz, na Flandres, nas Linhas de Torres e também, com certeza, em Aljubarrota.
Mas nenhum argumento justifica qualquer falta de respeito por aqueles que combateram, e que correram riscos em nome do Estado que honradamente representam. Merecem, e sempre merecerão, o nosso respeito e a perpetuação da sua memória.
Temos uma divisa para com estes homens e mulheres. O Estado e a Sociedade estão em dívida para com estes soldados, e nunca será suficiente a homenagem que possamos prestar-lhes.
É portanto com humildade e gratidão que hoje, eu, em nome do Senhor Presidente da Câmara de Loures, do Município e em nome de todos os Munícipes, deposito estas flores aqui, no Monumento aos Mortos da Grande Guerra, numa homenagem sentida a todos os Combatentes que deram a vida pela Pátria, e, em especial, aqueles cujo nome está inscrito neste monumento e a todos os Munícipes de Loures que combateram em nome de Portugal.
Perdoem-me a ousadia, mas neste momento sentido, para mim que sou militar, permito-me evocar dois combatentes e militares, ainda vivos, que admiro e respeito como exemplo constante e sempre presente: o meu pai ANTÓNIO MARTINS BALDO e o meu sogro CONSTANTINO TEIXEIRA.
Para todos os que partiram na defesa de um ideal maior, cujo nome é Portugal, o meu respeito, admiração e a certeza de que partiram com as palavras de Camões no pensamento:
“ESTA É A DITOSA PÁTRIA MINHA AMADA”.
Viva Portugal!
Terminada a intervenção das entidades promotoras da Homenagem, foi efectuada a deposição de flores pelas mesmas entidades presentes e pelo público em geral, junto do Monumento.
Foram colocadas duas coroas de flores:
* Uma da Câmara Municipal, como tributo e homenagem do Povo de Loures, aos seus militares caídos durante os conflitos e aos que, tendo regressado, deixaram o nosso convívio;
* A outra, da Liga dos Combatentes, como preito de homenagem aos camaradas de armas caídos nos conflitos que Portugal teve que enfrentar, desde a sua nacionalidade até aos nossos dias. Teremos que referir que muitos dos que regressaram, ou já nos deixaram ou ainda estão entre nós, mas alguns, muitos, feridos na alma e no corpo.
Após a colocação das flores junto do Monumento, deu-se início aos “toques de Ordenança” previstos para estas ocasiões:
Foi executado o “Toque de Silêncio”. É o último toque que se ouve em cada dia nas unidades militares. Convida-nos ao silêncio e ao descanso. Alerta ficam as sentinelas, que velam pelo sono dos camaradas que dormem, sendo ouvido apenas, espaçados, o grito de “sentinela alerta” e a respectiva resposta. Com este toque é como se os que ficaram velassem pelo sono dos camaradas, que “adormeceram pela Pátria”. Os vivos velam pelo descanso dos que partiram.
De seguida foi executado o toque de “Mortos em Combate”. Homenagem, sentida, àqueles que entregaram á Pátria o seu bem mais precioso: a própria vida. É altura de louvar aqueles que, jurando defender a Bandeira da Pátria, levaram ao extremo o seu sacrifício. Neste momento, as forças presentes, encontram-se em continência.
Mas, quando a noite termina, vem um novo dia e uma nova esperança. É com esta forte convicção que a evocação dos “nossos mortos” termina com o “Toque de Alvorada” que mais não é que o acordar para um novo dia e o renascer de uma nova esperança. Ouviram-se, de seguida, os acordes de “A Portuguesa”, executada pela Banda dos Bombeiros e o Nosso Hino foi entoado pelos presentes.
Num ambiente mais informal, foram trocadas medalhas comemorativas, entre a Liga e a Edilidade, sendo que a Câmara ofereceu à Liga dos Combatentes a medalha comemorativa dos 100 anos da Republica, que foi proclamada, em Loures, no dia 4 de Outubro de 1910, um dia antes da proclamação em Lisboa e no país.
Estava terminada a cerimónia, com a convicção de que o momento que se vivia ainda, fosse o reavivar de uma gratidão e lembrança aos que, desde 1139, tombaram pela Pátria, sempre que esta nos chamou.
José Marcelino Martins
Loures, 7 de Junho de 2011
josesmmartins@sapo.pt
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 10 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8400: Efemérides (50): Penamacor inaugura Memorial evocativo dos antigos Combatentes da Guerra do Ultramar (Carlos Pinheiro)
Com a chegada da manhã, do dia 10 de Abril de 2011, chegava o dia “D”, ou melhor, dia “H”, de homenagem.
Tudo começara com o envio em 1 de Março, de um texto, datado de 23 de Fevereiro anterior, sobre o Monumento aos Mortos da Grande Guerra, do Concelho de Loures, para as páginas de Luís Graça e Camaradas da Guiné (publicado em 4 de Março (Post 7897) e Ultramar Terra Web (publicado em 2 de Março), cujo texto também foi enviado aos Presidentes das Câmaras Municipais de Loures e Odivelas e Presidente da Liga dos Combatentes (anteriormente, Liga dos Combatentes da Grande Guerra).
Foi o Presidente da Câmara Municipal de Loures que, delegando no seu Chefe de Gabinete, Senhor António Baldo, e no seu Assessor, Senhor António Maurício, deu início à organização dessa homenagem.
Monumento aos Mortos da Grande Guerra do Concelho de Loures.
Inaugurado em 8 de Dezembro de 1929
© Foto Hugo Gonçalves (LC)
Quando nos encontramos, por convite telefónico dos mesmos no dia 1 de Abril, já tinham esquematizado a cerimónia, que, por deferência, não queriam dar como concluída sem trocar impressões connosco.
A partir desse momento, como havíamos escrito no final do texto já referido, tínhamos a certeza de que não estaríamos sós.
À chegada, fui informado pelo Assessor Sr. António Maurício que, por sugestão sua e prontamente aceite pelo Presidente da Câmara, competiria ao proponente da homenagem, proceder ao hastear da Bandeira Nacional, bandeira essa pela qual, quarenta anos antes, tinha combatido nas matas da Guiné.
A Banda de Música dos Bombeiros Voluntários de Loures, sob a direcção do Maestro Hélio Salsinha Murcho, executou o Hino Nacional, ao som do qual a Bandeira das Quinas subiu no mastro principal dos Paços do Concelho.
Chegada da Banda dos Bombeiros Voluntários de Loures, frente aos Paços do Concelho.
© Foto Hugo Gonçalves (LC)
Depois deste acto solene e, já junto ao monumento, tomaram lugar os senhores António Baldo, Chefe de Gabinete da Presidência e em representação do Presidente da Câmara, o vereador Paulo Piteira, o presidente da Junta de Freguesia de Camarate, Arlindo Cardoso, a representação da Liga dos Combatentes composta pelo seu presidente, Tenente-General Joaquim Chito Rodrigues e o Secretário-Geral, Coronel Adalberto Travassos Fernandes, José Marcelino Martins, sócio da Liga dos Combatentes e antigo Combatente na Guiné, representantes da Policia de Segurança Pública e Guarda Nacional Republicana. As Corporações de Bombeiros fizeram-se representar com os seus Estandartes e Guiões, estando presentes, alem da Corporação de Loures, as Corporações de Fanhões. Moscavide-Portela, Sacavém e Camarate, demais convidados, representando as forças vivas do Município, assim como muito público.
O Reverendo Padre João Fernando Bento Inácio, que representava a Igreja Católica e a Paroquia de Santa Maria de Loures, proferiu uma oração pelos Soldados de Portugal caídos em defesa da Pátria, lembrando que o seu esforço e sacrifício seriam lembrados pelas gerações vindouras, como acontecia naquele momento.
Aqui também é de referir que, muitos sacerdotes foram incorporados nas nossas forças armadas, fazendo parte de diversas unidades, tendo como missão não só manter uma presença espiritual junto das tropas, mas também, com a sua palavra e sua amizade, ajudá-los a cumprir a sua missão de combatentes. Eles também corriam risco como os restantes militares, dado que percorriam os diversos destacamentos, ficando sujeitos à perigosidade do momento, e, muitos deles, recusavam, pura e simplesmente, serem portadores de arma, mesmo de defesa pessoal.
O Reverendo Padre João Fernando Bento Inácio a proferir a sua Oração.
© Foto Hugo Gonçalves (LC)
Seguiu-a uma homenagem à Mulher Portuguesa que, ao longo da nossa história, sempre esteve ao lado dos militares. Não posso esquecer, sobretudo nesta altura, o caso de minha Mãe que, com seis anos de idade se despediu do pai, quando este embarcou para França, integrado Batalhão do Regimento de Infantaria nº 7 de Leiria, do Corpo Expedicionário Português, e que, aos sessenta anos vê partir um dos seus filhos para a Guiné, para integrar a Companhia de Caçadores nº 5, da guarnição provincial.
“ Exmªs. Autoridades Civis, Militares e Eclesiásticas
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Caros Combatentes
Antes de prestarmos a nossa homenagem aos camaradas que, ao longo da nossa história tombaram em defesa da Pátria Portuguesa, não queremos deixar de homenagear, aqui e agora, a mulher portuguesa, na figura da Mãe, da Esposa, da Noiva, da Irmã, da Madrinha de Guerra, que sempre foram o apoio incondicional do combatente.
• Foram Elas que, no cais de embarque acenaram o lenço de despedida;
• Foram Elas que, no silêncio da noite, chorando, rezaram por todos e cada um de nós;
• Foram elas, muitas delas, que, com o coração desfeito, receberam a fatídica notícia;
• Foram elas que, com as suas cartas e aerogramas, alimentaram a nossa esperança no regresso;
• Foram elas que, quando regressamos nos ajudaram a encontra o caminho, pois tínhamos perdido o rumo da vida.
José Marcelino Martins, antigo combatente, lendo o seu texto de homenagem à Mulher Portuguesa.
© Foto Hugo Gonçalves (LC)
Prestemos também homenagem à mulher enfermeira, às Damas Enfermeiras que, durante a Grande Guerra permaneceram à cabeceira dos feridos e doentes, e às Enfermeiras Pára-quedistas, que na Guerra de África, sempre que solicitadas, desceram do céu ao campo de batalha, qual Anjo da Guarda, trazendo a esperança de vida, quando a morte tentava levar mais um camarada.
A Elas, às Mulheres que nos acompanharam em campanha e às Mulheres que nos acompanharam ao longo da vida, enfim, às nossas queridas Mulheres, o nosso terno e eterno reconhecimento.
Bem hajam!”
Cabe aqui, invocar numa breve resenha histórica a constituição da Liga dos Combatentes, anteriormente designada por Liga dos Combatentes da Grande Guerra. A ideia surge logo após o Armistício e o regresso dos combatentes à Pátria que, animados um forte espírito de fraternidade, sentem a necessidade de se associarem, não só para uma melhor defesa dos seus interesses, mas também para ajudarem os camaradas mais necessitados, assim como as viúvas e órgãos de guerra.
A tentativa feita por João Jayme de Faria Affonso, em 1919, sai gorada, mas não desiste. Em 1921, em conjunto com o 1º Tenente Horácio Faria Pereira e o Tenente Joaquim de Figueiredo Ministro, unem esforço para dar forma e constituir a Liga que, com o apoio dos Tenentes-Coroneis Ferreira do Amaral e Francisco Aragão conseguem, no ano de 1923, realizar uma reunião com diversos combatentes, de onde saem os primeiros corpos directivo.
A Liga dos Combatentes da Grande Guerra é oficializada em 29 de Janeiro de 1924 (Portaria nº 3888) e o seu estandarte aprovado e autorizado o seu uso em cerimónias oficiais em 16 de Março de 1929.
O representante da Direcção Central de Liga dos Combatentes, usando da palavra.
© Foto Hugo Gonçalves (LC)
Depois desta breve memória, retomemos a cerimónia que teve a intervenção do Presidente da Direcção Central da Liga dos Combatentes, Tenente General Joaquim Chito Rodrigues que, falando de improviso, realçou a “instituição que se bate pelos valores históricos e pelo apoio e garantia dos direitos aos mais necessitados, destacando que a associação conta com 93 núcleos”, distribuídos pelo país e estrangeiro tendo, também, “realçado a acção do Combatente Português ao longo do século XX, na Grande Guerra, na Guerra do Ultramar e nas Missões de Paz, lançando um apelo para a criação de mais um Núcleo da Liga e o levantamento de um Monumento aos Combatentes da Guerra do Ultramar, na cidade ou na região”.
Recuperou o último capítulo do texto acima referido “Se mais ninguém estiver presente, eu, pelas 11 horas da manhã do dia 10 de Abril deste ano, no dia seguinte ao Dia do Combatente, deixarei junto ao monumento que perpetua a presença dos Portugueses na Grande Guerra na Europa e em África, uma flor e a minha oração em memória dos que tombaram pela Pátria desde 1139, desde a vitória de D. Afonso Henriques na batalha de Ourique”, terminando a sua intervenção com um poema de Sofia de Mello Breyner:
“Nem terror
Nem lágrimas
Nem tempo
Me separarão de ti
Que moras para além do vento”.
Vivam os Combatentes por Portugal, Viva Portugal!
O orador seguinte foi António Baldo, Chefe de Gabinete da Presidência da Edilidade que, dirigindo-se às entidades convidadas e demais pessoas presentes, disse:
“Em primeiro lugar quero que saibam que é uma honra estar aqui, hoje e agora, nesta simples mas significativa cerimónia, a representar o Senhor Presidente da Câmara, o Engenheiro Carlos Teixeira.
“…AQUELES QUE POR OBRAS VALOROSAS, SE VÃO DA LEI DA MORTE LIBERTANDO…”, escreveu Camões na intemporal obra “Os Lusíadas”, traduzindo o Valor e o Heroísmo dos homens que se imortalizaram na construção e na conquista de novos mundos e na defesa da Pátria.
Recordamos, hoje, a memória daqueles que enfrentando as dificuldades e privações, culminaram a sua dádiva com a maior entrega que um homem pode fazer: O SACRIFICIO DA PRÓPRIA VIDA!
Exalto, também, a solidariedade entre irmãos de armas, e convido-vos a elevar o pensamento para todos os militares que representaram e defenderam Portugal e a sua independência naquela que então foi chamada como a Grande Guerra.
Saudemos o extraordinário sentido de Missão, e de cumprimento do Dever, dos Militares Portugueses que, agora como nesse tempo, cumprem as obrigações decorrentes das determinações do poder político.
O Chefe de Gabinete, em representação do Presidente da Câmara de Loures, proferindo a sua alocução.
© Foto Hugo Gonçalves (LC)
Os Militares Portugueses são reconhecidos internacionalmente, alvo dos mais rasgados elogios dos nossos aliados e, sobretudo, credores do integral respeito de toda a comunidade nacional.
Foram treze anos, em África, em que as Forças Armadas Portuguesas estiveram envolvidas numa guerra que terminou. A liberdade que então chegou pôs fim a uma terrível época, mas que deixou, em terras de África, honra e brilhantismo fundamentais para o reconhecimento e abertura a uma cooperação fraterna, com os países irmãos que falam a mesma língua, e cujos soldados verteram, também eles, o seu sangue no campo de batalha, sofrendo, como os nossos, a dor da perda.
Hoje é dia de homenagear os Combatentes.
Cooperaremos com aqueles que, um dia, estiveram do outro lado, mas que hoje dão as mãos num espaço de partilha de valores, cultura, língua, laços familiares e de interesses comuns, na batalha por um futuro melhor, assente na democracia, no desenvolvimento e na construção da paz.
Aproveito esta circunstância para referir, também, todos os militares que cumpriram e cumprem missões no além fronteiras, no âmbito dos compromissos internacionais do Estado Português, como o processo de Cooperação Técnico-Militar com países africanos lusófonos ou, a presença, mo Iraque, no Afeganistão, no Kosovo, na Bósnia, no Saara Ocidental ou Líbano, fora de Portugal em cumprimento de Portugal.
A Nação está sempre em primeiro lugar para o Soldado, e é em nome dessa Nação que combate.
É assim no Afeganistão, no Iraque ou na Líbia. Foi assim em África, como também em São Mamede, Em Badajoz, na Flandres, nas Linhas de Torres e também, com certeza, em Aljubarrota.
Mas nenhum argumento justifica qualquer falta de respeito por aqueles que combateram, e que correram riscos em nome do Estado que honradamente representam. Merecem, e sempre merecerão, o nosso respeito e a perpetuação da sua memória.
Temos uma divisa para com estes homens e mulheres. O Estado e a Sociedade estão em dívida para com estes soldados, e nunca será suficiente a homenagem que possamos prestar-lhes.
É portanto com humildade e gratidão que hoje, eu, em nome do Senhor Presidente da Câmara de Loures, do Município e em nome de todos os Munícipes, deposito estas flores aqui, no Monumento aos Mortos da Grande Guerra, numa homenagem sentida a todos os Combatentes que deram a vida pela Pátria, e, em especial, aqueles cujo nome está inscrito neste monumento e a todos os Munícipes de Loures que combateram em nome de Portugal.
Perdoem-me a ousadia, mas neste momento sentido, para mim que sou militar, permito-me evocar dois combatentes e militares, ainda vivos, que admiro e respeito como exemplo constante e sempre presente: o meu pai ANTÓNIO MARTINS BALDO e o meu sogro CONSTANTINO TEIXEIRA.
Para todos os que partiram na defesa de um ideal maior, cujo nome é Portugal, o meu respeito, admiração e a certeza de que partiram com as palavras de Camões no pensamento:
“ESTA É A DITOSA PÁTRIA MINHA AMADA”.
Viva Portugal!
Terminada a intervenção das entidades promotoras da Homenagem, foi efectuada a deposição de flores pelas mesmas entidades presentes e pelo público em geral, junto do Monumento.
Colocação de flores na base do Monumento pelos representantes da Edilidade e Liga dos Combatentes.
© Foto Hugo Gonçalves (LC)
Foram colocadas duas coroas de flores:
* Uma da Câmara Municipal, como tributo e homenagem do Povo de Loures, aos seus militares caídos durante os conflitos e aos que, tendo regressado, deixaram o nosso convívio;
* A outra, da Liga dos Combatentes, como preito de homenagem aos camaradas de armas caídos nos conflitos que Portugal teve que enfrentar, desde a sua nacionalidade até aos nossos dias. Teremos que referir que muitos dos que regressaram, ou já nos deixaram ou ainda estão entre nós, mas alguns, muitos, feridos na alma e no corpo.
Após a colocação das flores junto do Monumento, deu-se início aos “toques de Ordenança” previstos para estas ocasiões:
Foi executado o “Toque de Silêncio”. É o último toque que se ouve em cada dia nas unidades militares. Convida-nos ao silêncio e ao descanso. Alerta ficam as sentinelas, que velam pelo sono dos camaradas que dormem, sendo ouvido apenas, espaçados, o grito de “sentinela alerta” e a respectiva resposta. Com este toque é como se os que ficaram velassem pelo sono dos camaradas, que “adormeceram pela Pátria”. Os vivos velam pelo descanso dos que partiram.
De seguida foi executado o toque de “Mortos em Combate”. Homenagem, sentida, àqueles que entregaram á Pátria o seu bem mais precioso: a própria vida. É altura de louvar aqueles que, jurando defender a Bandeira da Pátria, levaram ao extremo o seu sacrifício. Neste momento, as forças presentes, encontram-se em continência.
Mas, quando a noite termina, vem um novo dia e uma nova esperança. É com esta forte convicção que a evocação dos “nossos mortos” termina com o “Toque de Alvorada” que mais não é que o acordar para um novo dia e o renascer de uma nova esperança. Ouviram-se, de seguida, os acordes de “A Portuguesa”, executada pela Banda dos Bombeiros e o Nosso Hino foi entoado pelos presentes.
Toque de “Mortos em Combate”.
© Foto Hugo Gonçalves (LC)
Num ambiente mais informal, foram trocadas medalhas comemorativas, entre a Liga e a Edilidade, sendo que a Câmara ofereceu à Liga dos Combatentes a medalha comemorativa dos 100 anos da Republica, que foi proclamada, em Loures, no dia 4 de Outubro de 1910, um dia antes da proclamação em Lisboa e no país.
Estava terminada a cerimónia, com a convicção de que o momento que se vivia ainda, fosse o reavivar de uma gratidão e lembrança aos que, desde 1139, tombaram pela Pátria, sempre que esta nos chamou.
Troca de Medalhas Comemorativas
© Foto Hugo Gonçalves (LC)
Pormenor do Monumento aos Mortos da Grande Guerra - Loures
© Foto José Marcelino Martins
José Marcelino Martins
Loures, 7 de Junho de 2011
josesmmartins@sapo.pt
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 10 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8400: Efemérides (50): Penamacor inaugura Memorial evocativo dos antigos Combatentes da Guerra do Ultramar (Carlos Pinheiro)
Guiné 63/74 - P8403: Convívios (350): VI Encontro dos Ex-Combatentes da Companhia de Caçadores 1426, 9 de Julho, em Cuba (Fernando Chapouto)
1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos, com pedido de divulgação, o seguinte programa da festa da sua Companhia.
VI ENCONTRO DOS EX-COMBATENTES DA
COMPANHIA DE CAÇADORES
9 de Julho de 2011
CUBA
Venho informar que o nosso encontro se realiza em CUBA no RESTAURANTE CASA MONTE PEDRAL Contamos com a vossa presença.
PROGRAMA
10H00 - Concentração junto à sede da Assoc. Antigos Combatentes
13H00 - Almoço convívio
EMENTA
Pão e azeitonas, queijo de cabra e ovelha, presunto, mini rissóis
Sopa
Bacalhau com espinafres e gambas de camarão, pastéis de bacalhau
Grelhada de porco preto do montado
Salada de frutas, mousse de chocolate, pudim de ovos e bolo de bolacha
Vinho branco/tinto da região
Água, refrigerantes e café
Aguardente caseira
Bolo comemorativo do 44º Aniversário do nosso regresso
Contactos
Joaquim Bicho : Telef: 284412732 ou TMN: 961412814
Joaquim Recto Delgado: Telef: 219556626 ou TMN: 917128308
Fernando Chapouto: Telef: 210838708 ou TMN: 965114882
Por correspondência ao remetente
Inscreve-te até 25JUN11, vem participar no nosso, vosso convívio, haverá surpresas! Não faltes, esperamos por ti, nós estamos lá.
PREÇO
Crianças até 10 Anos ……………..13,00 €
Adultos …………………………………. 26,00 €
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Vd. último poste desta série:
9 de Junho de 2011 >
Guiné 63/74 - P8393: Convívios (343): A CART 1689 comemorou os 44 anos da chegada à Guiné no dia 30 de Abril de 2011 na Póvoa de Varzim (José Ferreira da Silva)
Crianças até 10 Anos ……………..13,00 €
Adultos …………………………………. 26,00 €
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série:
9 de Junho de 2011 >
Guiné 63/74 - P8393: Convívios (343): A CART 1689 comemorou os 44 anos da chegada à Guiné no dia 30 de Abril de 2011 na Póvoa de Varzim (José Ferreira da Silva)
Guiné 63/74 - P8402: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (24): Perdendo a plumagem
1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 1 de Maio de 2011:
Meu caro amigo Carlos Vinhal,
Quarenta anos depois volto à Mata dos Madeiros. É uma história simples, igual a muitas outras passadas por muitos de nós, mas que a esta distância nos trazem um pequeno sorriso aos lábios. Bem precisamos disso nos dias que correm.
Para ti e para os nossos camaradas os meus votos de muita saúde.
Um abraço amigo,
José Câmara
Memórias e histórias minhas (24)
Perdendo a plumagem
As sentinelas perscrutavam o silêncio e o breu daquela noite cálida, serena, estrelada. Eles eram a garantia possível da segurança aos nossos extenuados corpos entregues ao macio barro vermelho da Mata dos Madeiros. Estoicamente tentavam distinguir os sons desconhecidos que chegavam de todos os lados.
Para periquitos a situação não podia ser mais enervante. O tempo ajudaria a distinguir todos os sons das matas guineenses.
Para nós, furriéis milicianos, a nossa vida era bem mais fácil que a das sentinelas. Tínhamos que fazer uma ronda nocturna e mesmo essa estava muito facilitada pela competência, camaradagem e qualidades humanas do nosso Fur Mil Trms João Henrique Nunes Correia.
Ele tinha requisitado Walkie Talkies, um luxo do tempo, que estavam distribuídos pelos postos de sentinela, o que facilitava a comunicação entre todos. Para além disso, o Correia passava longas horas acordado na noite, mantendo o contacto constante com o pessoal de serviço. Por outras palavras, ajudava-nos a manter os sentinelas alerta e permitia-nos descansar um pouco mais.
O João Correia era aquilo a que podíamos chamar de um homem às direitas. Por isso mesmo gozava da simpatia de todos nós.
Embora extenuados, alguns de nós preferíamos ser acordados para fazermos a nossa ronda pelos postos. Entendíamos que a nossa presença junto dos sentinelas, por alguns minutos que fosse, não só era reconfortante para eles, mas também servia de exemplo. Ninguém era melhor que ninguém.
Foi assim que numa noite o Correia foi acordar-me um pouco antes da minha hora de serviço. Vinha afogueado e apercebi-me de imediato que algo de muito grave se estava a passar.
Pedindo desculpa por me ter acordado um pouco antes da minha hora de ronda, de imediato acrescentou que o sentinela do canto, junto da estrada, virado ao Cacheu, tinha ouvido vacas a berrar, visto sombras a passar na frente do posto e o motor de uma camioneta para os lados da estrada velha, a picada que ligava o Bachile ao Cacheu..
O que podia dizer ao sentinela, indagava ele.
Apercebi-me que algo não parecia bater certo. Sombras andantes e vacas a berrar junto do acampamento nem pensaria ao diabo. Mas o barulho dos motores ao longe deixou-me apreensivo. Não éramos alheios a que a mítica Caboiana era frequentemente visitada pelo PAIGC.
- Ele que dispare nas sombras de duas pernas. - Foi a minha resposta
Pum! Pum! Pum! Três tiros em cadência, demonstrativas de presença de espírito de uma sentinela em controlo das suas emoções. Não obteve resposta retaliatória!
Enquanto o Correia corria para o posto de transmissões, eu voava sobre as minhas canetas pelas ruelas da nossa aldeia apenas iluminada pelas lâmpadas do firmamento em direcção ao posto de sentinela.
Quando cheguei junto da sentinela, esta, demonstrando bastante sangue-frio e ainda antes que lhe fizesse qualquer pergunta, disse-me:
- Eu fiz o que o meu furriel mandou!
Foi então que me apercebi que o Correia deveria ter mantido o botão do comunicador do Walkie Talkie aberto e o sentinela ouvira a minha resposta à sua pergunta.
O nosso Capitão Alves, que também chegara ao posto, decidiu que seria melhor ficarmos alerta até porque os alvores da manhã se aproximavam. Ainda tínhamos presente a fogueira que ardera toda a noite e que precedeu a emboscada aos Comandos.
Fui juntar-me à minha Secção. A palavra do acontecido já tinha passado por toda a gente.
De repente…
...as vacas voltaram a berrar e mais uma vez ouvimos o motor da camioneta ao longe, muito ao longe.
O José Cristiano Arruda Massa, um micaelense da bacia leiteira dos Arrifes, muito sério diz:
- Meu furriel, as vacas de São Miguel não berram desta maneira!
- As do Faial também não, respondi. Mas e o barulho do motor o que é?
- Eh meu furriel, aí é que a porca torce o rabo - respondeu o Massa na sua forma peculiar de dizer as coisas.
Com o raiar dos alvores da manhã, os nervos suavizaram-se e a lição foi aprendida.
Nessa noite de Junho de 1971, soubemos que as sombras andantes de quatro pernas apenas se movimentavam em duas, que o choro das hienas podia ser confundido com berros de vacas, mas não das açorianas, que o barulho dos motores das lanchas da marinha no rio Cacheu podiam ser emitidos pelas camionetas do PAIGC.
Aos poucos íamos perdendo algumas penas da nossa bela plumagem de periquitos. Afinal a velhice também se construía com pequenas histórias como esta.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7566: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (23): Com humor também se fazia a guerra
Meu caro amigo Carlos Vinhal,
Quarenta anos depois volto à Mata dos Madeiros. É uma história simples, igual a muitas outras passadas por muitos de nós, mas que a esta distância nos trazem um pequeno sorriso aos lábios. Bem precisamos disso nos dias que correm.
Para ti e para os nossos camaradas os meus votos de muita saúde.
Um abraço amigo,
José Câmara
Memórias e histórias minhas (24)
Perdendo a plumagem
As sentinelas perscrutavam o silêncio e o breu daquela noite cálida, serena, estrelada. Eles eram a garantia possível da segurança aos nossos extenuados corpos entregues ao macio barro vermelho da Mata dos Madeiros. Estoicamente tentavam distinguir os sons desconhecidos que chegavam de todos os lados.
Para periquitos a situação não podia ser mais enervante. O tempo ajudaria a distinguir todos os sons das matas guineenses.
Para nós, furriéis milicianos, a nossa vida era bem mais fácil que a das sentinelas. Tínhamos que fazer uma ronda nocturna e mesmo essa estava muito facilitada pela competência, camaradagem e qualidades humanas do nosso Fur Mil Trms João Henrique Nunes Correia.
Ele tinha requisitado Walkie Talkies, um luxo do tempo, que estavam distribuídos pelos postos de sentinela, o que facilitava a comunicação entre todos. Para além disso, o Correia passava longas horas acordado na noite, mantendo o contacto constante com o pessoal de serviço. Por outras palavras, ajudava-nos a manter os sentinelas alerta e permitia-nos descansar um pouco mais.
O João Correia era aquilo a que podíamos chamar de um homem às direitas. Por isso mesmo gozava da simpatia de todos nós.
O Fur Mil Trms João Correia (de braços cruzados) no convívio da CCaç 3327
Embora extenuados, alguns de nós preferíamos ser acordados para fazermos a nossa ronda pelos postos. Entendíamos que a nossa presença junto dos sentinelas, por alguns minutos que fosse, não só era reconfortante para eles, mas também servia de exemplo. Ninguém era melhor que ninguém.
Foi assim que numa noite o Correia foi acordar-me um pouco antes da minha hora de serviço. Vinha afogueado e apercebi-me de imediato que algo de muito grave se estava a passar.
Pedindo desculpa por me ter acordado um pouco antes da minha hora de ronda, de imediato acrescentou que o sentinela do canto, junto da estrada, virado ao Cacheu, tinha ouvido vacas a berrar, visto sombras a passar na frente do posto e o motor de uma camioneta para os lados da estrada velha, a picada que ligava o Bachile ao Cacheu..
O que podia dizer ao sentinela, indagava ele.
Apercebi-me que algo não parecia bater certo. Sombras andantes e vacas a berrar junto do acampamento nem pensaria ao diabo. Mas o barulho dos motores ao longe deixou-me apreensivo. Não éramos alheios a que a mítica Caboiana era frequentemente visitada pelo PAIGC.
- Ele que dispare nas sombras de duas pernas. - Foi a minha resposta
Pum! Pum! Pum! Três tiros em cadência, demonstrativas de presença de espírito de uma sentinela em controlo das suas emoções. Não obteve resposta retaliatória!
Enquanto o Correia corria para o posto de transmissões, eu voava sobre as minhas canetas pelas ruelas da nossa aldeia apenas iluminada pelas lâmpadas do firmamento em direcção ao posto de sentinela.
Quando cheguei junto da sentinela, esta, demonstrando bastante sangue-frio e ainda antes que lhe fizesse qualquer pergunta, disse-me:
- Eu fiz o que o meu furriel mandou!
Foi então que me apercebi que o Correia deveria ter mantido o botão do comunicador do Walkie Talkie aberto e o sentinela ouvira a minha resposta à sua pergunta.
O nosso Capitão Alves, que também chegara ao posto, decidiu que seria melhor ficarmos alerta até porque os alvores da manhã se aproximavam. Ainda tínhamos presente a fogueira que ardera toda a noite e que precedeu a emboscada aos Comandos.
Fui juntar-me à minha Secção. A palavra do acontecido já tinha passado por toda a gente.
De repente…
...as vacas voltaram a berrar e mais uma vez ouvimos o motor da camioneta ao longe, muito ao longe.
O José Cristiano Arruda Massa, um micaelense da bacia leiteira dos Arrifes, muito sério diz:
- Meu furriel, as vacas de São Miguel não berram desta maneira!
- As do Faial também não, respondi. Mas e o barulho do motor o que é?
- Eh meu furriel, aí é que a porca torce o rabo - respondeu o Massa na sua forma peculiar de dizer as coisas.
Com o raiar dos alvores da manhã, os nervos suavizaram-se e a lição foi aprendida.
Nessa noite de Junho de 1971, soubemos que as sombras andantes de quatro pernas apenas se movimentavam em duas, que o choro das hienas podia ser confundido com berros de vacas, mas não das açorianas, que o barulho dos motores das lanchas da marinha no rio Cacheu podiam ser emitidos pelas camionetas do PAIGC.
Aos poucos íamos perdendo algumas penas da nossa bela plumagem de periquitos. Afinal a velhice também se construía com pequenas histórias como esta.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7566: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (23): Com humor também se fazia a guerra
Guiné 63/74 - P8401: Ser solidário (108): Na Guiné-Bissau, fora do umbigo do mundo (Joana Teixeira)
1. Mensagem, do dia 2 de Junho de 2011, de Joana Teixeira, filha do nosso camarada José Teixeira, que foi professora em S. Tomé e Príncipe durante quatro anos, e que recentemente visitou a Guiné-Bissau com o seu pai e o seu irmão Tiago Teixeira, médico, tanto quanto sabemos, clínico no Hospital Pedro Hispano em Matosinhos:
Exmos Srs.
Sou filha do Zé Teixeira.
Tenho vivido de perto o trabalho que ele tem desenvolvido a favor das populações da Guiné-Bissau e na viagem que fez recentemente à Guiné, eu e meu irmão quisemos acompanhá-lo. Na sequência desta inesquecível viagem escrevi um pequeno texto que envio na esperança de possa ser publicado. É uma opinião pessoal de alguém que há uns anos atrás deixou “o umbigo do mundo“ e foi voluntariamente fazer um trabalho de solidariedade em S. Tomé.
Junto algumas fotografias para colocaram as entenderem
Os meus agradecimentos
Joana Teixeira
FORA DO UMBIGO DO MUNDO
Joana Teixeira
Não sou caloira em África, posso afirmar, pois já lá vivi quatro fantásticos anos como voluntária e professora. O meu poiso foi um dos seus mais pequenos países, mas nem por isso menos representativo. As saudades desses tempos nas belas ilhas verdes de S. Tomé e Príncipe são mais que muitas, avassaladoras. Posso afirmar também que conheço bem esse minúsculo país e as suas gentes, aromas, sabores e ritmos. Ser turista, numa breve estadia, passeando por onde nos querem levar, esconde quase sempre a realidade, muitas vezes cruel, do país que visitamos. Viver lá, origina um conhecimento completamente diferente, terão de concordar.
Por isso, desde que regressei, compreendo melhor a realidade africana, lá e cá, e também os relatos de outros que também por lá passaram. Como por exemplo, do meu pai, antigo combatente na Guiné, cujas memórias recheadas de ternura pelos seus habitantes e pelos momentos vividos, ainda que num contexto horrível, povoaram a minha infância e me despertaram os sentidos para esse continente imenso, tão diferente, no melhor e no pior dos sentidos. Até que eu própria lá fui parar…
Antes da estadia na ilha do café e do cacau, veio-me parar às mãos um curioso livro com relatos de um jornalista polaco que por África viajara e fizera inúmeras reportagens. “Ébano” de Ryszard Kapuscinski, falecido em 2007. De forma geral, fala de uma África que não conheço: das independências, dos regimes militaristas, dos golpes de estado sucessivos, mas sobretudo, fala das suas gentes, costumes e histórias de vida, numa estranha forma de jornalismo para época (anos 50 a 70) e bastante admirada hoje, pois RK fez algo de inédito: evitou os hotéis, apanhou as doenças, comeu as comidas, viajou pelas estradas, enfim, misturou-se, tanto quanto o consegue fazer um pálido europeu na paisagem morena, como ele mesmo ironiza.
E porque refiro aqui o livro? Porque quis fazer como o autor fez, quando lá vivi, excepto a parte das doenças e porque o reli, avidamente, depois do meu regresso à pátria e a minha leitura foi outra, completamente distinta, confirmando o que este autor da minha preferência escreveu há tantos anos “é um continente demasiado grande para poder ser descrito. É um verdadeiro oceano, um planeta independente, um cosmos variado e rico". Não há uma África, impossível generalizar.
Confirmou também, e é com tristeza que o escrevo, que a África de RK pouco ou nada difere da África de hoje, em termos de qualidade de vida e oportunidades de futuro para os seus habitantes, mas isso fica para outros escritos.
Regresso à minha linha de pensamento…
Esta re-leitura de “Ébano” confirmou uma vaga suspeita minha: que as descrições e interpretações que fazemos de África, feitas daqui de cima, do conforto da Europa são redundantes e profundamente erradas (assim como de qualquer outro continente, atrevo-me a dizer). Porque nos consideramos o umbigo do mundo, tudo o resto é marginal, estranho, esquisito, exótico, “incivilizado”… e porque estamos cansados deste nosso velho continente, África virou moda.
Aos olhos de um europeu, África resume-se: ao anonimato das multidões esfomeadas da Etiópia, ou dos refugiados do Sudão; à crueldade dos confrontos Ruanda-Burundi; às infinitas ajudas humanitárias; à repetição sistemática de golpes de estado; à invasão sucessiva de emigrantes para norte; à corrupção escandalosa dos governantes; à proliferação de ONGs, nem sempre honestas. E mais recentemente, numa perspectiva turística: ao exotismo da paisagem e da vida selvagem; aos ritmos, aromas e sabores únicos…
Mas falta algo mais, algo que descobri em S. Tomé e confirmei agora na Guiné. Algo que as notícias não referem, tão focadas que estão nas calamidades humanitárias e nas intrigas palacianas. Algo que não se descobre como turista, claro!
Em África, cada dia é uma luta, sem saber o amanhã. Uma luta pela alimentação, pela água, pelo manter-se vivo. Tudo é precário, volátil, instável, inseguro e, contudo, a alegria é imensa, contagiante, um verdadeiro hino à vida. Cada dia vale por si mesmo. Aquelas gentes têm algo especial que não se encontra na Europa. Um gosto pela vida, pelo estar vivo, pelo conviver, pelo estar com outros… como alguém disse: por aquelas paragens, ninguém sofre de depressões ou esgotamentos nem solidão, nem mais nem menos que nossas as doenças “in”.
E quando regressamos ao nosso quotidiano (se o nosso coração não é de pedra e os nossos olhos não estiveram fechados), África veio connosco, obrigando-nos a viver cada dia com outra motivação. Essa é a principal aprendizagem que fiz na Guiné, nessa semana fabulosa: cada dia merece ser vivido e aproveitado ao máximo, porque o amanhã é sempre incerto. Ser feliz hoje, com o que tenho agora e com quem está perto de mim e não num futuro qualquer. Na Europa fazemos tantos planos para o futuro que nos esquecemos de viver o presente.
Voltarei a África?!
Não é um plano, é uma certeza… “ca su mai! Ca su mai cap”!!! Como saúdam os Felupes.
Joana Teixeira
2. Comentário de CV:
Convidada a fazer parte formalmente da nossa Tabanca Grande, Joana Teixeira mandou-nos a seguinte mensagem:
Caro Sr Carlos Vinhal
Aqui vai a minha respostinha, já tardia!
Pode com certeza colocar o meu texto no vosso blogue.
Quanto à tertúlia, deixo-a para quem sentiu e continua a sentir a Guiné com esse sentimento único de quem lá deixou o coração, no melhor dos sentidos!
(A "minha Guiné" chama-se S. Tomé e Príncipe, onde fui voluntária e muito muito feliz também.)
Aproveito para vos felicitar pelo excelente trabalho de divulgação desses tempos da Guerra Colonial, que todos, sobretudo os que nasceram depois, devemos conhecer, assim como pelo efeito de "Terapia" decorrente em muitos dos ex-combatentes, a começar pelo meu PAI, a quem vejo radiante com as novas/velhas amizades e com todos os projectos/actividades consequentes da renovada ligação à sua saudosa Guiné.
Com amizade
Joana Teixeira
Face a esta resposta só nos resta dizer à nossa amiga Joana que tem na Tabanca uma porta sempre aberta para quando se quiser juntar a nós.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 10 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8394: Ser solidário (107): A população de Elalab tem razões para se sentir feliz (José Teixeira)
Exmos Srs.
Sou filha do Zé Teixeira.
Tenho vivido de perto o trabalho que ele tem desenvolvido a favor das populações da Guiné-Bissau e na viagem que fez recentemente à Guiné, eu e meu irmão quisemos acompanhá-lo. Na sequência desta inesquecível viagem escrevi um pequeno texto que envio na esperança de possa ser publicado. É uma opinião pessoal de alguém que há uns anos atrás deixou “o umbigo do mundo“ e foi voluntariamente fazer um trabalho de solidariedade em S. Tomé.
Junto algumas fotografias para colocaram as entenderem
Os meus agradecimentos
Joana Teixeira
O meu pai - homem feliz
Eu e o meu mano
FORA DO UMBIGO DO MUNDO
Joana Teixeira
Não sou caloira em África, posso afirmar, pois já lá vivi quatro fantásticos anos como voluntária e professora. O meu poiso foi um dos seus mais pequenos países, mas nem por isso menos representativo. As saudades desses tempos nas belas ilhas verdes de S. Tomé e Príncipe são mais que muitas, avassaladoras. Posso afirmar também que conheço bem esse minúsculo país e as suas gentes, aromas, sabores e ritmos. Ser turista, numa breve estadia, passeando por onde nos querem levar, esconde quase sempre a realidade, muitas vezes cruel, do país que visitamos. Viver lá, origina um conhecimento completamente diferente, terão de concordar.
Por isso, desde que regressei, compreendo melhor a realidade africana, lá e cá, e também os relatos de outros que também por lá passaram. Como por exemplo, do meu pai, antigo combatente na Guiné, cujas memórias recheadas de ternura pelos seus habitantes e pelos momentos vividos, ainda que num contexto horrível, povoaram a minha infância e me despertaram os sentidos para esse continente imenso, tão diferente, no melhor e no pior dos sentidos. Até que eu própria lá fui parar…
Antes da estadia na ilha do café e do cacau, veio-me parar às mãos um curioso livro com relatos de um jornalista polaco que por África viajara e fizera inúmeras reportagens. “Ébano” de Ryszard Kapuscinski, falecido em 2007. De forma geral, fala de uma África que não conheço: das independências, dos regimes militaristas, dos golpes de estado sucessivos, mas sobretudo, fala das suas gentes, costumes e histórias de vida, numa estranha forma de jornalismo para época (anos 50 a 70) e bastante admirada hoje, pois RK fez algo de inédito: evitou os hotéis, apanhou as doenças, comeu as comidas, viajou pelas estradas, enfim, misturou-se, tanto quanto o consegue fazer um pálido europeu na paisagem morena, como ele mesmo ironiza.
E porque refiro aqui o livro? Porque quis fazer como o autor fez, quando lá vivi, excepto a parte das doenças e porque o reli, avidamente, depois do meu regresso à pátria e a minha leitura foi outra, completamente distinta, confirmando o que este autor da minha preferência escreveu há tantos anos “é um continente demasiado grande para poder ser descrito. É um verdadeiro oceano, um planeta independente, um cosmos variado e rico". Não há uma África, impossível generalizar.
Confirmou também, e é com tristeza que o escrevo, que a África de RK pouco ou nada difere da África de hoje, em termos de qualidade de vida e oportunidades de futuro para os seus habitantes, mas isso fica para outros escritos.
Regresso à minha linha de pensamento…
Esta re-leitura de “Ébano” confirmou uma vaga suspeita minha: que as descrições e interpretações que fazemos de África, feitas daqui de cima, do conforto da Europa são redundantes e profundamente erradas (assim como de qualquer outro continente, atrevo-me a dizer). Porque nos consideramos o umbigo do mundo, tudo o resto é marginal, estranho, esquisito, exótico, “incivilizado”… e porque estamos cansados deste nosso velho continente, África virou moda.
Aos olhos de um europeu, África resume-se: ao anonimato das multidões esfomeadas da Etiópia, ou dos refugiados do Sudão; à crueldade dos confrontos Ruanda-Burundi; às infinitas ajudas humanitárias; à repetição sistemática de golpes de estado; à invasão sucessiva de emigrantes para norte; à corrupção escandalosa dos governantes; à proliferação de ONGs, nem sempre honestas. E mais recentemente, numa perspectiva turística: ao exotismo da paisagem e da vida selvagem; aos ritmos, aromas e sabores únicos…
Mas falta algo mais, algo que descobri em S. Tomé e confirmei agora na Guiné. Algo que as notícias não referem, tão focadas que estão nas calamidades humanitárias e nas intrigas palacianas. Algo que não se descobre como turista, claro!
Em África, cada dia é uma luta, sem saber o amanhã. Uma luta pela alimentação, pela água, pelo manter-se vivo. Tudo é precário, volátil, instável, inseguro e, contudo, a alegria é imensa, contagiante, um verdadeiro hino à vida. Cada dia vale por si mesmo. Aquelas gentes têm algo especial que não se encontra na Europa. Um gosto pela vida, pelo estar vivo, pelo conviver, pelo estar com outros… como alguém disse: por aquelas paragens, ninguém sofre de depressões ou esgotamentos nem solidão, nem mais nem menos que nossas as doenças “in”.
E quando regressamos ao nosso quotidiano (se o nosso coração não é de pedra e os nossos olhos não estiveram fechados), África veio connosco, obrigando-nos a viver cada dia com outra motivação. Essa é a principal aprendizagem que fiz na Guiné, nessa semana fabulosa: cada dia merece ser vivido e aproveitado ao máximo, porque o amanhã é sempre incerto. Ser feliz hoje, com o que tenho agora e com quem está perto de mim e não num futuro qualquer. Na Europa fazemos tantos planos para o futuro que nos esquecemos de viver o presente.
Voltarei a África?!
Não é um plano, é uma certeza… “ca su mai! Ca su mai cap”!!! Como saúdam os Felupes.
Joana Teixeira
Crianças da Guiné
O Tiago e as crianças
Em convívio na Tabanca de Faro Sadjuma
Crianças da Tabanca de Amindara
Amindara. Fomos recebidos assim
Foto para a família com o velho Régulo de Amindara
Imberem - A surpresa nocturna, ou a festa que nos reservaram
Imberem - Um encontro com os sapadores que andam a levantar as minas que ficaram no terreno em consequência da guerra colonial
Crianças de Imberem
Com o meu pai junto à enfermaria do quartel de Empada, onde ele prestou serviço.
Em Elalab em conversa com a população
A generosidade do povo de Elalab
Encontro com as populações de Alalab.
Mulheres de Ellalab
2. Comentário de CV:
Convidada a fazer parte formalmente da nossa Tabanca Grande, Joana Teixeira mandou-nos a seguinte mensagem:
Caro Sr Carlos Vinhal
Aqui vai a minha respostinha, já tardia!
Pode com certeza colocar o meu texto no vosso blogue.
Quanto à tertúlia, deixo-a para quem sentiu e continua a sentir a Guiné com esse sentimento único de quem lá deixou o coração, no melhor dos sentidos!
(A "minha Guiné" chama-se S. Tomé e Príncipe, onde fui voluntária e muito muito feliz também.)
Aproveito para vos felicitar pelo excelente trabalho de divulgação desses tempos da Guerra Colonial, que todos, sobretudo os que nasceram depois, devemos conhecer, assim como pelo efeito de "Terapia" decorrente em muitos dos ex-combatentes, a começar pelo meu PAI, a quem vejo radiante com as novas/velhas amizades e com todos os projectos/actividades consequentes da renovada ligação à sua saudosa Guiné.
Com amizade
Joana Teixeira
Face a esta resposta só nos resta dizer à nossa amiga Joana que tem na Tabanca uma porta sempre aberta para quando se quiser juntar a nós.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 10 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8394: Ser solidário (107): A população de Elalab tem razões para se sentir feliz (José Teixeira)
sexta-feira, 10 de junho de 2011
Guiné 63/74 - P8400: Efemérides (50): Penamacor inaugura Memorial evocativo dos antigos Combatentes da Guerra do Ultramar (Carlos Pinheiro)
1. Mensagem de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro* (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 5 de Junho de 2011:
Carlos Vinhal
Junto mail que me foi enviado pelo General Bento Soares acerca da recente inauguração do Monumento Memorial evocativo dos Antigos Combatentes da Guerra do Ultramar a 1JUN11 em Penamacor, dia do concelho.
Penso que o General não se importará se quiseres divulgar este acontecimento.
Um abraço
Carlos Pinheiro
Minhas Senhoras e Meus Senhores:
É que felizmente, apesar de geograficamente diminuído, Portugal ainda é bastante rico espiritual e culturalmente para que haja muitas maneiras diferentes de cumpri-lo.
Luís Forjaz Trigueiros
Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Penamacor
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia Municipal
Exmo. Senhor Presidente da Direcção Central da Liga dos Combatentes
Exmas Entidades Civis, Militares e Religiosas
Caros Companheiros Antigos Combatentes e seus Exmos Familiares:
Escolhido que foi o Dia do Município para a inauguração que hoje nos reúne, uma primeira palavra será difícil silenciar. É a do legítimo orgulho que sempre nos domina ao evocarmos os ilustres pergaminhos de Penamacor, nobre sede do nosso concelho natal.
Pergaminhos que enraízam nos primórdios da nacionalidade. É D. Sancho I a conceder-lhe foral em1.189 para depois o reformar pela Carta Foral de 1.209. Também no seu reinado é erigido o Castelo – peça fundamental na consolidação da fronteira raiana beirã – e que, decorridas sete décadas, o grande Rei D. Dinis manda reconstruir e reforçar com novas torres e muralhas a cercarem a Vila. Seria mesmo este nosso monarca, o Rei Poeta e Lavrador, que – na sequência do Tratado de Alcanizes (1279) – consolidaria as fronteiras europeias de Portugal. São, aliás, as mais antigas da Europa, como assinalam historiadores – nacionais e estrangeiros – (1). Nessa consolidação, nomeadamente dos limites raianos da Beira, conseguiu D. Dinis a inclusão das Terras de Riba Côa, aquando do regresso duma sua incursão em Castela.
Quer dizer: Penamacor é definitivamente Praça Forte com importância decisiva na defesa da fronteira. E ao longo dos séculos, até aos nossos dias – digamos, até às últimas décadas do séc. XX – teve o privilégio, raro em vilas portuguesas, de manter a presença de unidades militares. Vale aqui um registo de notável coincidência: A Vila-berço do mui ilustre Ribeiro Sanches, médico e cientista de renome europeu, mereceu receber, por volta de 1.814, um dos melhores exemplos da arquitectura hospitalar militar em Portugal. Falo do Hospital Regimental do Batalhão de Caçadores nº 4, o qual foi colocado, de forma integrada, num extremo da muralha. (2)
Pois bem, é esta Vila histórica que mereceu a divisa de “Chave do Reino”, a Praça Forte de secular ligação às Forças Armadas, que hoje inscreve em seus pergaminhos nova página nobilitante.
Senhor Presidente da Câmara:
Vossa Excelência e sua Edilidade tornaram-se credores do nosso reconhecimento e firme louvor com a decisão de mandar construir o Monumento Memorial que vamos inaugurar. É grato registar o célere acolhimento que lhes mereceu a Proposta dos Antigos Combatentes da Guerra do Ultramar naturais do nosso concelho. A Proposta teve em vista – agora que se completam 50 anos sobre o início do conflito – a prioritária homenagem dos que, nessa Guerra, entregaram à Pátria a dádiva suprema da própria vida. Seja-me permitido evocar um deles, o Alferes Nabais, pela circunstância pessoal de ser meu conterrâneo e tê-lo podido acompanhar à última morada no cemitério da Meimoa. Circunstância mais dramática ainda por ter ocorrido já na fase final do conflito – Fevereiro de 1974. Mas são 25 os filhos deste nosso concelho caídos ao serviço de Portugal. É para todos eles que se dirige nossa ardente e sentida homenagem por terem sabido responder ao chamamento pátrio em cumprimento de um sentimento marcadamente nacional.
Sejamos claros: as Forças Armadas não são catalogáveis em FA deste ou daquele regime político. São antes e tão só, porque da sua essência se trata, o supremo garante da soberania de um Povo. Respondem ao apelo dos superiores desígnios da Nação, desígnios esses que os Governantes curarão de interpretar em cada momento da História.
Consideramos por isso da maior oportunidade as palavras recentemente proferidas pelo Comandante Supremo das Forças Armadas – o Senhor Presidente da República – e que me apraz, neste momento, registar. Cito (3):
“Para lá da memória, impõe-se o reconhecimento de todos os que, pela sua acção na defesa de Portugal, sofreram no corpo e na alma o preço do dever cumprido. São merecedores de todo o nosso profundo respeito”.
E mais adiante acrescentou:
“Às gerações mais novas é importante transmitir o testemunho de quem enfrentou a adversidade ombro a ombro com aqueles a quem confiava a vida e por quem a daria também; o testemunho de quem conhece a relevância de valores como a solidariedade, o mérito e a honra, a família e o país.”
Minhas Senhoras e meus Senhores:
Um País, um Povo, sem memória é um Povo sem Identidade própria e sem História.
Nunca deverá, nunca poderá ser o caso do nosso Portugal, que é rico na História, na Tradição e na Cultura portadora de Valores multisseculares. Daí ter deixado marca indelével no progresso da Humanidade. Regressado hoje à faixa continental, detemos, no entanto, com o contributo insular, a mais extensa ZEE – Zona Económica Exclusiva da Europa, uma valia económica e estratégica que importa assinalar.
Entendemo-nos na Língua de Camões, idioma oficial de seis países, além do nosso, espalhados por três continentes fora da Europa. Falado, sem prejuízo de outros, pelos portugueses da diáspora, juntamente com diversas comunidades falantes do Português, dão expressão universal à nossa Língua.
Em suma: apetece-me dizer com o imortal Fernando Pessoa: “A minha Pátria é a Língua Portuguesa”. Pátria Lusa, que “deu novos mundos ao mundo”, como eloquentemente reconhece o conhecido historiador britânico Toynbee (1889 – 1975) ao afirmar:
“O mundo, no aspecto da história das sociedades e das relações que entre elas se puderam estabelecer, divide-se em dois períodos: antes e depois de Vasco da Gama ou antes e depois dos Descobrimentos”.
Há portanto sobejas razões para nos podermos orgulhar da nossa Pátria, sabendo honrar os seus heróis.
Mas não só heróis. Também nos cabe honrar como digno do nosso orgulho o povo anónimo, derramado pelos dois hemisférios, na sua fidelidade a princípios de sã convivência inter-racial e inter-cultural.
Povo fiel a seus brandos costumes, firme no respeito dos valores humanos e dotado de uma grande capacidade de miscigenação.
Povo colonizador que mereceu o aplauso insuspeito de um sociólogo de elite – o eminente Gilberto Freyre – que estudou e cientificamente estruturou o modelo da nossa presença colonizadora com o imortal carimbo do “Luso-Tropicalismo”.
Senhor Presidente da Câmara:
O que aqui nos traz hoje é um gesto simples e humilde, mas de grande significado. A nossa Vila, por mercê do Executivo a que Vossa Excelência preside, fica mais completa nos seus pergaminhos e em seus valores ancestrais, ao acolher o Memorial de Homenagem a seus filhos Antigos Combatentes da Guerra do Ultramar.
E é na fidelidade ao sentir Penamacorense que desejo terminar, renovando a saudação que oportunamente dirigi, em quatro singelas estrofes à Nossa…
Rezam assim:
Em tempos idos cobriu-se de glória
A Fortaleza da raiana Beira,
Guardada para sempre na memória
De quem a canta ou dela se abeira.
Foral antigo, D. Sancho outorgou
E mandou erigir forte Castelo,
O povo honrado, seu sangue doou
Em defesa da terra: gesto belo.
E do alto da Torre de Menagem
A ordenança, aos vindouros reza
Que seu chão foi lavrado com suor.
Saiba a História prestar homenagem
E lembrar teu passado de grandeza
Oh! Nobre Vila de PENAMACOR!
Tenho dito.
João Afonso Bento Soares
Major General
Penamacor, 1 de Junho de 2011
Notas:
(1) A título de exemplo: Orlando Ribeiro em “Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico” e Michael Harsgor, “Portugal in Revolution”, 1976.
(2) Augusto Moutinho Borges, “O Real Hospital Militar de Penamacor: espaço e memória”. Artigo incluído em “Penamacor – 800 Anos de História” (publicação da CMP).
(3) Discurso do Senhor Presidente da República na Cerimónia de homenagem aos Combatentes, por ocasião do 50º Aniversário do início da Guerra em África. Forte do bom Sucesso em Lisboa, 15 de Março de 2011.
Citação inicial: Intervenção Luís Forjaz Trigueiros no Colóquio “Cumprir Portugal”, promovido pelo Instituto Dom João de Castro e coordenado pelo Professor Adriano Moreira, 1988.
Nota Biográfica (Síntese)
Major General João Afonso Bento Soares
- Estudou em Coimbra, no Liceu Normal D. João III (1º ao 7ºanos), após o que ingressou na Academia Militar em 1959.
- Pertence à Arma de Transmissões do Exército, sendo Licenciado em Engenharia Electrotécnica pelo Instituto Superior Técnico (1966).
- Possui o Curso de Comando e Estado-Maior e Grau Académico “Master of Military Art and Science”, EUA em 1982 – 83.
- Foi o 1º Director da Estação Portuguesa de Comunicações por Satélite, do Sistema Nato de Comunicações.
- Possui duas comissões de serviço na Guerra do Ultramar: Guiné (1968 - 70) e Angola (1975).
- Foi Director do Depósito Geral de Material de Transmissões.
- Foi Professor do Instituto de Altos Estudos Militares.
- Foi 2º Comandante da Zona Militar dos Açores e Chefe de Estado-Maior do Comando Operacional dos Açores).
- Foi Chefe de Estado-Maior da Missão de Paz da ONU em Angola (1995 – 96).
- Foi Director do Instituto Militar dos Pupilos do Exército.
- É Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
- É natural da Meimoa (nascido a 2JAN1941). Tem três filhos e três netos.
Barcarena, 2011
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 28 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8345: Efemérides (49): 28 de Maio de 1969: o ataque de 40 minutos a Bambadinca (Carlos Marques Santos / Beja Santos / Luís Graça)
Carlos Vinhal
Junto mail que me foi enviado pelo General Bento Soares acerca da recente inauguração do Monumento Memorial evocativo dos Antigos Combatentes da Guerra do Ultramar a 1JUN11 em Penamacor, dia do concelho.
Penso que o General não se importará se quiseres divulgar este acontecimento.
Um abraço
Carlos Pinheiro
INAUGURAÇÃO DE MEMORIAL EM PENAMACOR
Minhas Senhoras e Meus Senhores:
É que felizmente, apesar de geograficamente diminuído, Portugal ainda é bastante rico espiritual e culturalmente para que haja muitas maneiras diferentes de cumpri-lo.
Luís Forjaz Trigueiros
Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Penamacor
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia Municipal
Exmo. Senhor Presidente da Direcção Central da Liga dos Combatentes
Exmas Entidades Civis, Militares e Religiosas
Caros Companheiros Antigos Combatentes e seus Exmos Familiares:
Escolhido que foi o Dia do Município para a inauguração que hoje nos reúne, uma primeira palavra será difícil silenciar. É a do legítimo orgulho que sempre nos domina ao evocarmos os ilustres pergaminhos de Penamacor, nobre sede do nosso concelho natal.
Pergaminhos que enraízam nos primórdios da nacionalidade. É D. Sancho I a conceder-lhe foral em1.189 para depois o reformar pela Carta Foral de 1.209. Também no seu reinado é erigido o Castelo – peça fundamental na consolidação da fronteira raiana beirã – e que, decorridas sete décadas, o grande Rei D. Dinis manda reconstruir e reforçar com novas torres e muralhas a cercarem a Vila. Seria mesmo este nosso monarca, o Rei Poeta e Lavrador, que – na sequência do Tratado de Alcanizes (1279) – consolidaria as fronteiras europeias de Portugal. São, aliás, as mais antigas da Europa, como assinalam historiadores – nacionais e estrangeiros – (1). Nessa consolidação, nomeadamente dos limites raianos da Beira, conseguiu D. Dinis a inclusão das Terras de Riba Côa, aquando do regresso duma sua incursão em Castela.
Quer dizer: Penamacor é definitivamente Praça Forte com importância decisiva na defesa da fronteira. E ao longo dos séculos, até aos nossos dias – digamos, até às últimas décadas do séc. XX – teve o privilégio, raro em vilas portuguesas, de manter a presença de unidades militares. Vale aqui um registo de notável coincidência: A Vila-berço do mui ilustre Ribeiro Sanches, médico e cientista de renome europeu, mereceu receber, por volta de 1.814, um dos melhores exemplos da arquitectura hospitalar militar em Portugal. Falo do Hospital Regimental do Batalhão de Caçadores nº 4, o qual foi colocado, de forma integrada, num extremo da muralha. (2)
Pois bem, é esta Vila histórica que mereceu a divisa de “Chave do Reino”, a Praça Forte de secular ligação às Forças Armadas, que hoje inscreve em seus pergaminhos nova página nobilitante.
Senhor Presidente da Câmara:
Vossa Excelência e sua Edilidade tornaram-se credores do nosso reconhecimento e firme louvor com a decisão de mandar construir o Monumento Memorial que vamos inaugurar. É grato registar o célere acolhimento que lhes mereceu a Proposta dos Antigos Combatentes da Guerra do Ultramar naturais do nosso concelho. A Proposta teve em vista – agora que se completam 50 anos sobre o início do conflito – a prioritária homenagem dos que, nessa Guerra, entregaram à Pátria a dádiva suprema da própria vida. Seja-me permitido evocar um deles, o Alferes Nabais, pela circunstância pessoal de ser meu conterrâneo e tê-lo podido acompanhar à última morada no cemitério da Meimoa. Circunstância mais dramática ainda por ter ocorrido já na fase final do conflito – Fevereiro de 1974. Mas são 25 os filhos deste nosso concelho caídos ao serviço de Portugal. É para todos eles que se dirige nossa ardente e sentida homenagem por terem sabido responder ao chamamento pátrio em cumprimento de um sentimento marcadamente nacional.
Sejamos claros: as Forças Armadas não são catalogáveis em FA deste ou daquele regime político. São antes e tão só, porque da sua essência se trata, o supremo garante da soberania de um Povo. Respondem ao apelo dos superiores desígnios da Nação, desígnios esses que os Governantes curarão de interpretar em cada momento da História.
Consideramos por isso da maior oportunidade as palavras recentemente proferidas pelo Comandante Supremo das Forças Armadas – o Senhor Presidente da República – e que me apraz, neste momento, registar. Cito (3):
“Para lá da memória, impõe-se o reconhecimento de todos os que, pela sua acção na defesa de Portugal, sofreram no corpo e na alma o preço do dever cumprido. São merecedores de todo o nosso profundo respeito”.
E mais adiante acrescentou:
“Às gerações mais novas é importante transmitir o testemunho de quem enfrentou a adversidade ombro a ombro com aqueles a quem confiava a vida e por quem a daria também; o testemunho de quem conhece a relevância de valores como a solidariedade, o mérito e a honra, a família e o país.”
Minhas Senhoras e meus Senhores:
Um País, um Povo, sem memória é um Povo sem Identidade própria e sem História.
Nunca deverá, nunca poderá ser o caso do nosso Portugal, que é rico na História, na Tradição e na Cultura portadora de Valores multisseculares. Daí ter deixado marca indelével no progresso da Humanidade. Regressado hoje à faixa continental, detemos, no entanto, com o contributo insular, a mais extensa ZEE – Zona Económica Exclusiva da Europa, uma valia económica e estratégica que importa assinalar.
Entendemo-nos na Língua de Camões, idioma oficial de seis países, além do nosso, espalhados por três continentes fora da Europa. Falado, sem prejuízo de outros, pelos portugueses da diáspora, juntamente com diversas comunidades falantes do Português, dão expressão universal à nossa Língua.
Em suma: apetece-me dizer com o imortal Fernando Pessoa: “A minha Pátria é a Língua Portuguesa”. Pátria Lusa, que “deu novos mundos ao mundo”, como eloquentemente reconhece o conhecido historiador britânico Toynbee (1889 – 1975) ao afirmar:
“O mundo, no aspecto da história das sociedades e das relações que entre elas se puderam estabelecer, divide-se em dois períodos: antes e depois de Vasco da Gama ou antes e depois dos Descobrimentos”.
Há portanto sobejas razões para nos podermos orgulhar da nossa Pátria, sabendo honrar os seus heróis.
Mas não só heróis. Também nos cabe honrar como digno do nosso orgulho o povo anónimo, derramado pelos dois hemisférios, na sua fidelidade a princípios de sã convivência inter-racial e inter-cultural.
Povo fiel a seus brandos costumes, firme no respeito dos valores humanos e dotado de uma grande capacidade de miscigenação.
Povo colonizador que mereceu o aplauso insuspeito de um sociólogo de elite – o eminente Gilberto Freyre – que estudou e cientificamente estruturou o modelo da nossa presença colonizadora com o imortal carimbo do “Luso-Tropicalismo”.
Senhor Presidente da Câmara:
O que aqui nos traz hoje é um gesto simples e humilde, mas de grande significado. A nossa Vila, por mercê do Executivo a que Vossa Excelência preside, fica mais completa nos seus pergaminhos e em seus valores ancestrais, ao acolher o Memorial de Homenagem a seus filhos Antigos Combatentes da Guerra do Ultramar.
E é na fidelidade ao sentir Penamacorense que desejo terminar, renovando a saudação que oportunamente dirigi, em quatro singelas estrofes à Nossa…
… NOBRE VILA DE PENAMACOR
Rezam assim:
Em tempos idos cobriu-se de glória
A Fortaleza da raiana Beira,
Guardada para sempre na memória
De quem a canta ou dela se abeira.
Foral antigo, D. Sancho outorgou
E mandou erigir forte Castelo,
O povo honrado, seu sangue doou
Em defesa da terra: gesto belo.
E do alto da Torre de Menagem
A ordenança, aos vindouros reza
Que seu chão foi lavrado com suor.
Saiba a História prestar homenagem
E lembrar teu passado de grandeza
Oh! Nobre Vila de PENAMACOR!
Tenho dito.
João Afonso Bento Soares
Major General
Penamacor, 1 de Junho de 2011
Notas:
(1) A título de exemplo: Orlando Ribeiro em “Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico” e Michael Harsgor, “Portugal in Revolution”, 1976.
(2) Augusto Moutinho Borges, “O Real Hospital Militar de Penamacor: espaço e memória”. Artigo incluído em “Penamacor – 800 Anos de História” (publicação da CMP).
(3) Discurso do Senhor Presidente da República na Cerimónia de homenagem aos Combatentes, por ocasião do 50º Aniversário do início da Guerra em África. Forte do bom Sucesso em Lisboa, 15 de Março de 2011.
Citação inicial: Intervenção Luís Forjaz Trigueiros no Colóquio “Cumprir Portugal”, promovido pelo Instituto Dom João de Castro e coordenado pelo Professor Adriano Moreira, 1988.
Nota Biográfica (Síntese)
Major General João Afonso Bento Soares
- Estudou em Coimbra, no Liceu Normal D. João III (1º ao 7ºanos), após o que ingressou na Academia Militar em 1959.
- Pertence à Arma de Transmissões do Exército, sendo Licenciado em Engenharia Electrotécnica pelo Instituto Superior Técnico (1966).
- Possui o Curso de Comando e Estado-Maior e Grau Académico “Master of Military Art and Science”, EUA em 1982 – 83.
- Foi o 1º Director da Estação Portuguesa de Comunicações por Satélite, do Sistema Nato de Comunicações.
- Possui duas comissões de serviço na Guerra do Ultramar: Guiné (1968 - 70) e Angola (1975).
- Foi Director do Depósito Geral de Material de Transmissões.
- Foi Professor do Instituto de Altos Estudos Militares.
- Foi 2º Comandante da Zona Militar dos Açores e Chefe de Estado-Maior do Comando Operacional dos Açores).
- Foi Chefe de Estado-Maior da Missão de Paz da ONU em Angola (1995 – 96).
- Foi Director do Instituto Militar dos Pupilos do Exército.
- É Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
- É natural da Meimoa (nascido a 2JAN1941). Tem três filhos e três netos.
Barcarena, 2011
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 28 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8345: Efemérides (49): 28 de Maio de 1969: o ataque de 40 minutos a Bambadinca (Carlos Marques Santos / Beja Santos / Luís Graça)
Guiné 63/74 - P8399: Notas de leitura (246): Dias de Coragem e de Amizade, Angola, Guiné, Moçambique: 50 Anos de Guerra Colonial, de Nuno Tiago Pinto (Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Maio de 2011:
Queridos Amigos,
É facto que a ”receita” não é uma surpresa, várias publicações têm agarrado este testemunho depurado, estereotipado a meia dúzia de factos extraídos de uma subjectividade e de uma experiência que cabem nuns linguados de papel, e zás, fica a água-forte de uma memória. Mas é um todo de grande dignidade, uma leitura que nos embacia o olhar e detém o pensamento para aquelas paragens que também calcorreámos. Alguns dos habitantes da nossa esplendorosa tabanca aparecem na máxima pujança, chorei a ler a Giselda Pessoa (que nobreza de carácter!) mas também o sargento Talhadas e todos os soldados sofridos que depõem como heróis anónimos que sabem erguer o cálice das adversidades sem pedinchar o reconhecimento das novas gerações .
Um abraço do
Mário
Tenho corpos estranhos no corpo, passei muita sede, ainda choro pelos meus mortos, estremeço quando oiço o barulho de um helicóptero…
Beja Santos
“Dias de Coragem e de Amizade, Angola, Guiné, Moçambique: 50 histórias da guerra colonial”, de Nuno Tiago Pinto, com prefácio de Carlos de Matos Gomes (A Esfera dos Livros, 2011)*, é uma colectânea de depoimentos contados na primeira pessoa do singular: António Lobato, que foi o militar que mais tempo esteve preso pelo PAIGC; António Heliodoro, que fez a operação Tridente durante 72 dias e 72 noites; Armando Ramos, que conheceu o supersticioso Abna Na Onça, o régulo que enterrava uma galinha branca para saber se se devia ou não ir em operação. José Carvalho, que confessa que na fase final da comissão já estava choné, almoçava e ia para uma loja de um sírio que lhe trazia sempre quatro copos de café e outros tantos de anis…
Para que servem estes testemunhos de gente que combateu e que oferece depoimentos sofridos, memórias de evacuações debaixo de fogo, homens que se deixam fotografar marcados pela amputação, pelo stresse, minados pelas perdas, agradecendo actos de camaradagem e a coragem das mulheres e dos familiares que os ajudaram a renascer?
Falando concretamente da Guiné, por definição, não há dois testemunhos até aparentados, naquele território onde as águas dos rios e das rias expandem ou encurtam permanentemente a superfície dos solos, cada ermo era específico, cada ocaso que ditou um momento de sorte ou uma aparatosa tragédia que não pôde ser vivida por outro ser humano. É pelo todo destas vozes múltiplas que se pode entender como aqueles jovens olhavam a guerra, a desmesura entre a formação militar e a entrada, por vezes tão brusca, no palco dos conflitos, nas tensões da vida de relação, com camaradas e populações civis.
Lendo os depoimentos dos três teatros de operações ainda se consegue afinar melhor o diapasão de que a geografia torna as diferenças mais acentuadas: o piloto Lobato revela que em Maio de 1963, numa aterragem forçada, encontrou o Sul da Guiné já altamente controlado pelo PAIGC; o fuzileiro Heliodoro comove de tão simples e autêntico: “Andávamos por ali quando uma das Companhias foi atacada e perdeu-se no mato. O oficial deles foi pedir ao Comandante Calvão que os fosse buscar e nós fomos. Percorremos a mata toda e conseguimos reunir os homens, que tinham fugido cada um para seu lado. Só ficaram lá dois que tinham sido mortos e armadilhados. Quando os puxámos, por acaso, a cavilha da granada ficou presa na terra e não rebentou. Foi um dia de glória. Por causa disso o meu destacamento foi condecorado com uma Cruz de Guerra”; ou então: “O que mais me custava era ver dezenas de crianças à hora da refeição, separadas de nós por uma vala, a dizer “branco, dá-nos de comer”, com aquelas latas de feijão vazias nas mãos. Mandava-os esperar sempre. Uma vez fui à mesa e disse ao pessoal para porem o que sobrasse numa terrina para dar aos miúdos. O marinheiro “Palmela” respondeu-me mal: “Isso é que era bom. Faço restos quanto quiser”. Virei-me para ele, à frente de todos, e disse-lhe: “Palmela, ou metes lá a comida ou a minha G3 faz serviço”. Ele não duvidou. Nós tínhamos tanto amor à G3 como a um aerograma da namorada. Dormiu todas as noites à minha cabeceira. Era ela que nos salvava a vida”.
Com estes depoimentos é possível ter uma imagem (ainda que pálida) das emoções do combatente, da guerra que se travava, de como há mortes que nunca se esquecem e de como há amputações que deixam a alma pulverizada. Há gente que foi bombardeada pela própria aviação; há gente que guarda do médico salvador a gratidão que sente por Deus; há heróis como o sargento Talhadas que descreve em tom mansinho episódios violentos e que comenta sem uma ponta de sobranceria: “Não me sinto um herói. Sinto-me um soldado português que defendeu a sua Pátria quando ela o chamou”; há gente que praticou heroísmo por não ter perdido a esperança em recuperar a visão ou salvar uma perna; como num coro gigantesco, fala-se da imensa sede que perdura em todas as células dos corpos destes sexagenários, o valor das cartas ou dos aerogramas, as relações amistosas com as crianças, a lavadeira, os picadores; é tocante ouvir a enfermeira Gisela dizer-nos, a propósito de um militar que ao entrar no helicóptero lhe suplicou: “Dê-me a mão que eu vou morrer. Já que não tenho aqui a minha mãe, dê-me aqui a sua mão”. Ainda lhe pedi que me deixasse ver o que se passava. Mas quando abri a camisa vi que ele tinha o peito desfeito por um tiro que lhe tinha entrado pelas costas. Percebi que não podia fazer nada. Não aceder seria tirar-lhe o que mais queria. Dei-lhe a mão e ele faleceu”; a mesma enfermeira Gisela que vai ajudar o piloto Miguel Pessoa, cujo avião tinha sido abatido, ambos se vão apaixonar, afinal não é preciso ler “O Adeus às Armas” para entender que as pessoas podem descobrir o amor ou estabelecer laços afectivos fortíssimos nesses tempos de cólera e de imprevisão.
“Dias de Coragem e de Amizade” fala de tudo isso que aconteceu na guerra por onde andámos (a gente da minha geração) e que está diluído ou é ignorado por estas novas gerações: os traumas, as dádivas sublimes, o recolher restos de um ser humano num saco, independentemente de ser fuzileiro, maqueiro, furriel, caçador africano, piloto, naquela Guiné e nos outros teatros de operações. Aqui está um livro para oferecermos aos nossos filhos, sobrinhos, filhos dos amigos, é importante ver o lanho que atravessa a fronte de António Lobato, ouvir um oficial que não quer contar patranhas e diz que teve uma comissão milagrosa na Guiné, aquele pára-quedista que viveu o inferno de Gadamael e que termina o seu depoimento dizendo: “Lembro-me de todos os que morreram e dos feridos graves. Tal como eles se devem lembrar de mim”.
Ver as fotografias deles com 20 anos e agora com 60, por vezes exibindo as suas próteses, a modéstia do olhar quando o peito ostenta condecorações, há mesmo olhos que conheceram operações terríveis e há até olhares cegos; e há mesmo a descoberta, sempre espantosa, de que esses militares não esqueceram certas datas, certos lugares e, acima de tudo, descobriram, sabe-se lá com que coragem, a contingência dos ocasos felizes ou infelizes e a transparência de agora poder contar a verdade do que passaram e como da dor e da angústia se consegue ofertar, com singeleza, estes deveres de memória.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 8 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8389: Agenda Cultural (129): Apresentação do livro Dias de Coragem e de Amizade, de Nuno Tiago Pinto, no dia 7 de Junho passado na sede da ADFA (Miguel Pessoa)
Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8384: Notas de leitura (245): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (7) (Mário Beja Santos)
Queridos Amigos,
É facto que a ”receita” não é uma surpresa, várias publicações têm agarrado este testemunho depurado, estereotipado a meia dúzia de factos extraídos de uma subjectividade e de uma experiência que cabem nuns linguados de papel, e zás, fica a água-forte de uma memória. Mas é um todo de grande dignidade, uma leitura que nos embacia o olhar e detém o pensamento para aquelas paragens que também calcorreámos. Alguns dos habitantes da nossa esplendorosa tabanca aparecem na máxima pujança, chorei a ler a Giselda Pessoa (que nobreza de carácter!) mas também o sargento Talhadas e todos os soldados sofridos que depõem como heróis anónimos que sabem erguer o cálice das adversidades sem pedinchar o reconhecimento das novas gerações .
Um abraço do
Mário
Tenho corpos estranhos no corpo, passei muita sede, ainda choro pelos meus mortos, estremeço quando oiço o barulho de um helicóptero…
Beja Santos
“Dias de Coragem e de Amizade, Angola, Guiné, Moçambique: 50 histórias da guerra colonial”, de Nuno Tiago Pinto, com prefácio de Carlos de Matos Gomes (A Esfera dos Livros, 2011)*, é uma colectânea de depoimentos contados na primeira pessoa do singular: António Lobato, que foi o militar que mais tempo esteve preso pelo PAIGC; António Heliodoro, que fez a operação Tridente durante 72 dias e 72 noites; Armando Ramos, que conheceu o supersticioso Abna Na Onça, o régulo que enterrava uma galinha branca para saber se se devia ou não ir em operação. José Carvalho, que confessa que na fase final da comissão já estava choné, almoçava e ia para uma loja de um sírio que lhe trazia sempre quatro copos de café e outros tantos de anis…
Para que servem estes testemunhos de gente que combateu e que oferece depoimentos sofridos, memórias de evacuações debaixo de fogo, homens que se deixam fotografar marcados pela amputação, pelo stresse, minados pelas perdas, agradecendo actos de camaradagem e a coragem das mulheres e dos familiares que os ajudaram a renascer?
Falando concretamente da Guiné, por definição, não há dois testemunhos até aparentados, naquele território onde as águas dos rios e das rias expandem ou encurtam permanentemente a superfície dos solos, cada ermo era específico, cada ocaso que ditou um momento de sorte ou uma aparatosa tragédia que não pôde ser vivida por outro ser humano. É pelo todo destas vozes múltiplas que se pode entender como aqueles jovens olhavam a guerra, a desmesura entre a formação militar e a entrada, por vezes tão brusca, no palco dos conflitos, nas tensões da vida de relação, com camaradas e populações civis.
Lendo os depoimentos dos três teatros de operações ainda se consegue afinar melhor o diapasão de que a geografia torna as diferenças mais acentuadas: o piloto Lobato revela que em Maio de 1963, numa aterragem forçada, encontrou o Sul da Guiné já altamente controlado pelo PAIGC; o fuzileiro Heliodoro comove de tão simples e autêntico: “Andávamos por ali quando uma das Companhias foi atacada e perdeu-se no mato. O oficial deles foi pedir ao Comandante Calvão que os fosse buscar e nós fomos. Percorremos a mata toda e conseguimos reunir os homens, que tinham fugido cada um para seu lado. Só ficaram lá dois que tinham sido mortos e armadilhados. Quando os puxámos, por acaso, a cavilha da granada ficou presa na terra e não rebentou. Foi um dia de glória. Por causa disso o meu destacamento foi condecorado com uma Cruz de Guerra”; ou então: “O que mais me custava era ver dezenas de crianças à hora da refeição, separadas de nós por uma vala, a dizer “branco, dá-nos de comer”, com aquelas latas de feijão vazias nas mãos. Mandava-os esperar sempre. Uma vez fui à mesa e disse ao pessoal para porem o que sobrasse numa terrina para dar aos miúdos. O marinheiro “Palmela” respondeu-me mal: “Isso é que era bom. Faço restos quanto quiser”. Virei-me para ele, à frente de todos, e disse-lhe: “Palmela, ou metes lá a comida ou a minha G3 faz serviço”. Ele não duvidou. Nós tínhamos tanto amor à G3 como a um aerograma da namorada. Dormiu todas as noites à minha cabeceira. Era ela que nos salvava a vida”.
Com estes depoimentos é possível ter uma imagem (ainda que pálida) das emoções do combatente, da guerra que se travava, de como há mortes que nunca se esquecem e de como há amputações que deixam a alma pulverizada. Há gente que foi bombardeada pela própria aviação; há gente que guarda do médico salvador a gratidão que sente por Deus; há heróis como o sargento Talhadas que descreve em tom mansinho episódios violentos e que comenta sem uma ponta de sobranceria: “Não me sinto um herói. Sinto-me um soldado português que defendeu a sua Pátria quando ela o chamou”; há gente que praticou heroísmo por não ter perdido a esperança em recuperar a visão ou salvar uma perna; como num coro gigantesco, fala-se da imensa sede que perdura em todas as células dos corpos destes sexagenários, o valor das cartas ou dos aerogramas, as relações amistosas com as crianças, a lavadeira, os picadores; é tocante ouvir a enfermeira Gisela dizer-nos, a propósito de um militar que ao entrar no helicóptero lhe suplicou: “Dê-me a mão que eu vou morrer. Já que não tenho aqui a minha mãe, dê-me aqui a sua mão”. Ainda lhe pedi que me deixasse ver o que se passava. Mas quando abri a camisa vi que ele tinha o peito desfeito por um tiro que lhe tinha entrado pelas costas. Percebi que não podia fazer nada. Não aceder seria tirar-lhe o que mais queria. Dei-lhe a mão e ele faleceu”; a mesma enfermeira Gisela que vai ajudar o piloto Miguel Pessoa, cujo avião tinha sido abatido, ambos se vão apaixonar, afinal não é preciso ler “O Adeus às Armas” para entender que as pessoas podem descobrir o amor ou estabelecer laços afectivos fortíssimos nesses tempos de cólera e de imprevisão.
“Dias de Coragem e de Amizade” fala de tudo isso que aconteceu na guerra por onde andámos (a gente da minha geração) e que está diluído ou é ignorado por estas novas gerações: os traumas, as dádivas sublimes, o recolher restos de um ser humano num saco, independentemente de ser fuzileiro, maqueiro, furriel, caçador africano, piloto, naquela Guiné e nos outros teatros de operações. Aqui está um livro para oferecermos aos nossos filhos, sobrinhos, filhos dos amigos, é importante ver o lanho que atravessa a fronte de António Lobato, ouvir um oficial que não quer contar patranhas e diz que teve uma comissão milagrosa na Guiné, aquele pára-quedista que viveu o inferno de Gadamael e que termina o seu depoimento dizendo: “Lembro-me de todos os que morreram e dos feridos graves. Tal como eles se devem lembrar de mim”.
Ver as fotografias deles com 20 anos e agora com 60, por vezes exibindo as suas próteses, a modéstia do olhar quando o peito ostenta condecorações, há mesmo olhos que conheceram operações terríveis e há até olhares cegos; e há mesmo a descoberta, sempre espantosa, de que esses militares não esqueceram certas datas, certos lugares e, acima de tudo, descobriram, sabe-se lá com que coragem, a contingência dos ocasos felizes ou infelizes e a transparência de agora poder contar a verdade do que passaram e como da dor e da angústia se consegue ofertar, com singeleza, estes deveres de memória.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 8 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8389: Agenda Cultural (129): Apresentação do livro Dias de Coragem e de Amizade, de Nuno Tiago Pinto, no dia 7 de Junho passado na sede da ADFA (Miguel Pessoa)
Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8384: Notas de leitura (245): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (7) (Mário Beja Santos)
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