Olá Carlos, boa noite,
Estive alguns dias a alentejanar, sem computador nem sinal de telemóvel, e ao chegar a casa tinha alguma curiosidade em ver o Blogue. Antes da minha partida já o Zé Brás tinha-me enviado uma nota sobre o que se propunha fazer, e acho que lhe transmiti entusiasmo. Também já o Joaquim tinha feito um poste de oposição, onde inseri um comentário. Faltava-me ver os restantes. Por isso, escrevo agora a propósito de um comentário do António Rosinha, que me parece susceptível de correcção, e talvez ajude à melhor compreensão do fenómeno colonial português, sobre a questão das concessões, e de truques para parecer o melhor dos mundos, sustentado em números de grande hipocrisia, onde o interesse particular primava sobre o público.
Se julgares que estas linhas podem corroborar os textos do Zé Brás, ficas à vontade para o fazer.
A propósito de CITAÇÕES, post 9286**, e comentário do ´"Mais Velho"

A situação dos indígenas, que eram sujeitos a trabalhos quase-forçados, ou à condição de quase-escravos, está bastante documentada, e os resultados agrícolas causavam espanto na metrópole. Com a segunda nomeação de Norton de Matos para Alto-Comissário, o general exigiu condições que podem resumir-se pela "garantia de governar Angola durante, pelo menos cinco anos, e de lhe serem disponibilizados fundos necessários para desenvolver a colónia, ou deixarem que os arranjasse contraindo empréstimos". Entretanto, o Parlamento consagrou a autonomia administrativa e financeira das colónias. Tinha em mente grandes projectos de obras públicas, nos portos de mar e nos caminhos de ferro, pelo que tentou negociar empréstimos em Inglaterra. "Enquanto na Europa se tratava de assuntos da maior importância para o futuro do continente e do mundo, tentando Afonso Costa defender ao máximo os nossos interesses no âmbito da Sociedade das Nações, a deplorável situação política interna acarretava-nos o descrédito dos outros países, que consideravam Portugal ingovernável". Lançou um plano de obras públicas que ampliava a rede de caminhos-de-ferro, a construção e ampliação de portos de mar, a abertura de estradas, e uma rede de comunicações telegráficas. "O seu primeiro ano foi, assim, em grande parte dedicado a produzir o suporte administrativo e legal dos meios postos ao dispor do desenvolvimento da província". ... "Este quadro legislativo foi ainda completado com diplomas que atendiam a aspectos da educação, da posse da terra, da exploração dos recursos naturais e, finalmente, com os decretos sobre o trabalho e a protecção do indígena, que tão fundos dissabores acarretariam para o alto-comissário". Tornou-se por esta razão um homem a abater, e acabou antecipadamente destituído.
Digamos que, em Angola, a Administração andou colada aos interesses particulares, nomeadamente os das empresas que garantiam o progresso. Ora, como vimos antes, o Estado não reunia meios para o fomento da província, pelo que muitas infraestruturas eram garantidas por contratos de exploração com empresas de capitais migrados que, em contrapartida, conseguiam condições muito vantajosas para instalação e desenvolvimento dos seus negócios. Foi o que aconteceu com a Companhia de Diamantes de Angola, "um estado dentro do estado", no dizer popular, que construía barragens e fornecia electricidade para vastas regiões (embora os autóctones pouco ou nada beneficiassem dela), "garantia" a assistência médica e medicamentosa através de pequenos hospitais e dispensários (houve trabalhadores que diagnosticados de gripe exibiam nas suas fichas a resochina como tratamento, e outros sujeitos a cirurgias hediondas), que, no Cafunfo, chegou a contratar "snipers" para combater a "camanga", e uma grande parte dos vinte mil trabalhadores rurais que era oriunda das tribos do sul, atravessaram a pé o território angolano, devidamente enquadrados por guardas, e definitivamente separados das famílias.
Sobre o episódio entre Adriano Moreira e Venâncio Deslandes, em 1962: "ao provocar a demissão do General Deslandes após um processo de averiguações em que este terá sido acusado de se haver transformado em bandeira dos separatistas de Angola", estava lançado um período de desenvolvimento, e o governo viu-se obrigado a aumentar as autonomias das províncias.
Refere o meu estimado António Rosinha que todas as empresas de capitais estrangeiros a operar em Angola, portaram-se sempre dignamente para com o estado português. Não me parece que tenha sido assim, pelo menos no que respeita à exploração diamantífera. Já vimos como socialmente a Companhia deixou muito a desejar. Veremos agora como se processava o negócio e os efeitos decorrentes para a economia nacional:
Durante dezenas de anos a C.D.A. - Diamang teve o exclusivo para prospectar, definir as zonas de "claims", e explorar em todo o território de Angola. Era monopolista. Na composição do capital social o Estado detinha 51%, e o restante correspondia a participações de empresas estrangeiras que integravam o "trust" (capitais de confiança), que dirigia e controlava o negócio mundial (com insignificantes excepções).
A Diamang chegou a ostentar dezassete administradores, três executivos, e os restantes, em proporções parecidas, ora representavam o capital externo, ora representavam uma prateleira dourada de antigos governantes e pessoas gradas ao regime, e que parecia poderem defender o interesse nacional.
blá-blá, anos a fio. No que à cotação dos diamantes respeita, e qualquer pessoa pode saber pelas estórias dos camanguistas, deve ter-se em conta a qualidade superior das gemas angolanas, o principal factor de valorização, associado ao peso, grau de purificação e modelo de cristalização, e tentar perceber porque eram vendidos ao preço médio - cotação, tal e qual os diamantes russos ou liberianos. Pois é, o "trust" manipulava os preços. E Salazar saberia que era fácil de abater.
Não satisfeito ainda, no início da década de 70 começou a Condiama a prospectar em Angola. A empresa era constituída essencialmente por capitais do "trust". Falava-se em "abertura" do regime. Coisa para oligarquias! Quer dizer que a empresa tinha obtido acesso a zonas que eram exclusividade da Diamang. Mais curioso, porém, foi que os diamantes provenientes da prospecção efectuada pela Condiama, eram guardados no mesmo cofre da Diamang, na Estação Central de Escolha, em V. P. de Andrada, no que podemos considerar uma medida absurda e de promiscuidade, difícil de entender. Em 1972, o então director-técnico da C.D.A. manifestou oposição à actividade e às circunstâncias da Condiama, e ao prejuízo resultante para o interesse nacional, e foi promovido a uma prateleira dourada, sem intervenção significativa, pelo que se demitiu. "Seguiu a marinha". Os acontecimentos subsequentes (a independência) não o permitem confirmar, mas tudo indica que o "trust" era guloso e queria mais, e mais àvontade, pelo que, a prazo, a Diamang poderia tornar-se inviável face à relação custos/rendimento, enquanto a Condiama daria provas de "boa gestão e progresso". Ora estas manobras só eram possíveis com a conivência de gente muito bem instalada e acesso aos cordelinhos, sem enfermar do espírito patriótico que pode tolher as boas iniciativas.
Assim, desafio os historiadores e especialistas mais credenciados, a desenvolverem estudos comparativos, que, certamente, vão permitir verificar como a sociedade portuguesa foi altamente lesada, e o desenvolvimento angolano inibido de mais e melhores resultados, em lugar de a tudo e nada recorrerem para minimização do estudo do Zé Bràs, que só falhou pela nota de cansaço.
De Portugal, na época. pode dizer-se que comportou-se ingénua e teimosamente, como um país colonizador que, afinal, não passava de um instrumento útil à prossecução dos interesses das grandes fortunas, ontem e hoje, as verdadeiras colonizadoras. Mesmo assim, a guerra em Angola praticamente terminou por virtude do desenvolvimento sócio-económico.
Nota bibliográfica:
- Relatórios do Banco de Angola;
- Memórias de África , de Jorge Eduardo da Costa Oliveira;
- Norton de Matos - biografia, de José Norton;
- Salazar, vol V, Franco Nogueira
- Coisas do Tempo Presente, de Cunha Leal
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 29 de Dezembro de 2011 Guiné 63/74 - P9285: História da CCAÇ 2679 (45): Um aniversário em Bajocunda (José Manuel Matos Dinis)
(**) Vd. poste de 29 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9286: (Ex)citações (170): As colónias portuguesas antes da Guerra (3): Guiné e Cabo Verde - Notas finais (José Brás)