quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9155: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (26): Ao domingo não há guerra e Estragos no bananal

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 6 de Dezembro de 2011 com mais uma das suas irreverentes e picantes memórias boas da guerra.


Memórias boas da minha guerra (26)

Ao domingo não há guerra e
Estragos no bananal

Estávamos nos primeiros dias de Maio de 1967. Havíamos chegado no dia 1, à noite, e ainda não conhecíamos nada do que nos envolvia no aquartelamento instalado na Estação Agrária de Fá, a poucos quilómetros de Bambadinca, perto da estrada para Bafatá.

Logo nos primeiros dias o Capitão incumbira o Alferes Clarinho para se deslocar com o pelotão até à povoação de Fá Mandinga, a fim de contactar o Cipaio Mamadu Baldé, apresentar cumprimentos, dar a conhecer a nossa tropa recém-chegada e manifestar a disponibilidade para o que fosse necessário e possível, incluindo aspectos de saúde

O Alferes, a quem não era estranha a importância de relações amistosas com a população em tempos de guerra subversiva, zeloso, foi directamente à procura do “Homem Grande” de Fá.
 
Logo que feito o contacto e enquanto puxava do papel e lápis para anotações, deu a liberdade ao pessoal para andar pela tabanca, fazendo os seus primeiros contactos amistosos com os nativos.

O Alferes estava satisfeito com a receptividade do Cipaio e a simpatia de seus familiares e de outros homens e crianças que se abeiraram. O tempo passou rapidamente sem que o Alferes se apercebesse dos pormenores do pessoal do pelotão que continuava cirandando pela tabanca.

Quando já fazia as despedidas, avistou o Furriel Valentim a fazer-lhe sinais para que ele fosse ao seu encontro. Então, satisfeito, despediu-se do Cipaio que mandou “manga di mantenha” para “nosso Capitão” e foi prometendo voltar a visitar a tabanca.
- Que se passa? – perguntou já junto do Furriel, que lhe respondeu, apontando para uma palhota:
- Está ali uma gaja à sua espera. Já está livre. Pode ir sossegado, porque já “lá” foi a malta toda.
- Hum?! Não gosto de jogar em campos enlameados… Chame o pessoal. Vamos embora.


Ao Domingo não há guerra

Nesse primeiro Domingo na Guiné, durante a tarde, quase nada se ouvia. A tristeza estava patente naquele grupo de furriéis. Acabada a escrita das cartas ou aerogramas e a contemplação das fotografias mais queridas, ali estava o Machado a abrir as malas com roupa civil. Viera preparado para estagiar numa estância balnear tipo Biarritz ou Saint-Tropez, dada a variedade e a qualidade do seu guarda-roupa. De repente, vemo-lo a vestir-se à civil e diz:
- A roupa já cheira a mofo, tenho de a arejar.
- Isso, vamos aproveitar para tirar fotografias, para mandar para a família. – Incentivou o Mariz.

Viveram-se, então, momentos de alegria e de imaginação. Foram tiradas fotos em vários locais e em várias posições. Parecia um grupo de manequins a posar para alguma revista moderna.

Possivelmente por ter ouvido as gargalhadas, surge, vindo na nossa direcção, o Capitão, que diz:
- Que brincadeira é esta? Vocês não sabem que estamos em guerra? É com isso que têm de se preocupar.
 
E continuou o sermão:
- Já viram o exemplo que estão a dar aos soldados?
- Ó meu Capitão, que é que estamos a fazer de mal? Intervim eu, que continuei:
- Hoje é Domingo, não há guerra! Olhe, estamos a tirar estas fotos para mostrar à família e namoradas para verem que estamos bem e a gozar a vida. Elas ficaram lá a sofrer muito por nós.
- Ok, Ok, mas temos que lutar para vencer também essas saudades. – Insistiu.
E olhando à volta, acrescentou:
- Não vejo quase ninguém, onde andam os soldados?

Logo respondeu o Miranda:
- Penso que estão para a tabanca. Desde que esteve lá o nosso pelotão, não param de ir às bananas.

Estragos no Bananal

Ao fim da tarde, estávamos na galhofa a contar as novidades que iam surgindo no contacto diário, quando o básico Guisande se dirige ao Furriel Faria (Berguinhas), dizendo-lhe que o Capitão queria falar com ele.
- Dá licença, meu Capitão – pede o Berguinhas, ao mesmo tempo que entra no Gabinete.
- Ouça lá, ó Faria, vejo aqui este pequeno papel trazido pelo cabo Maqueiro, para serem pedidas para Bafatá 300 embalagens de Penicilina e 400 de pomada Penisulfadê !!! 

E continuou:
- Estamos aqui há pouco mais de uma semana e você pede uma quantidade destes remédios, que dava para meia dúzia de anos?
- Pois é, meu Capitão - diz o Enfermeiro, que continuou:
- Tem toda a razão, mas não esqueça que metade da nossa Companhia anda com a pi_ _ca esquentada. Deve haver mulheres na tabanca que estão com esquentamento na...
- O quê??? – interrompeu em grito alarmante o Capitão.
- Não me diga que ainda não reparou que a maior parte de malta anda de pernas abertas, que até parecem cow-boys? – perguntou o Faria.

- Estamos tramados! – exclamou o Capitão, que aproveitou para dizer:
- Ó Faria, você não sabe utilizar outras palavras como blenorragia, pénis, vagina e …
- Ânus? – interrompeu o Faria, que acrescentou:
- Ó meu Capitão, não vale a pena usar essas modernices. Sabe que a Companhia é toda do norte e, se eu falar assim, chamam-me paneleiro em pouco tempo. E isso, nem pensar. Tenho uma promessa ao São Gonçalo de Amarante e quero ir lá cumprir com a minha patroa nem que seja no meio do milho. Os nossos soldados percebem bem o que é um esquentamento e pi_a e ca_ _lho e que c_ _a é o pi_o e que o cu é o cagueiro, a peida, o pacote, o traseiro etc, etc.. Essas outras palavras, não.

- Ó Alferes Clarinho, chegue aqui – berrou o Capitão de forma a ser ouvido para além da divisória.
- Diga, meu Capitão – disse o Alferes, ao chegar.
- Não percebo nada disto. Você foi à tabanca, fez o relatório e não detectou que havia para lá problemas de saúde – disse o Capitão, ao mesmo tempo que apanhava umas folhas agrafadas. E continuou:
- Diz aqui: ”Sobre aspectos de saúde nada há a salientar. Apenas pequenos problemas de respiração ou de sinusite em algumas mulheres”. Ora, isto não justificava que mandasse os enfermeiros à tabanca. Então o Cipaio não lhe disse mais nada? É que o nosso pessoal está todo contaminado com blenorragia.

O Alferes, calmamente, pareceu fazer um esforço de memória antes de responder:
- O Senhor Mamadú Baldé só me disse que havia “mulheres com problema di catota” ao mesmo tempo que encolhia os ombros e torcia francamente o nariz. Deduzi que tinham problemas nas vias respiratórias, talvez com sinusite e catotas no nariz.

Silva da Cart 1689
____________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9119: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (11): Sexo - a quanto obrigas

Vd. último poste da série de 24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9087: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (25): O Zé Maria ou as cambanças da nossa geração

7 comentários:

José Marcelino Martins disse...

CaroFarreira da Silva

Apesar do tempo não "estar para rir", confesso que com este post ri com vontade.

Realmente fazia falta entregarem-nos, ao embarcar, um dicionãrio multilinge, para podermos comunicar com as populações, sem problemas.

Pereira da Costa disse...

José Ferreira esta é pena não ter sido em Dunane ou Canquelifá pois ia direitinha para o nosso Blog e para a História da Cart 1679.
Está de morte.
É pena não ter estado nessa altura o Borrega pois tinha descoberto logo e diagnosticado a doença pois é um expert em fula.

Unknown disse...

Silva,
Não me fod........
Eu que até estava para vir aqui falar do dia em que assaltamos o ananazeiro do chefe de posto em contra-partida ... e sai esta cena...
Até fico a pensar a pensar se a minha sinusite crónica não é uma blorreia nasal...
Pró caral...Logo hoje.

Silva da Cart 1689 disse...

Jorge
Não esqueças que fizemos uma directa do Uíge para um aquartelamento de Fá. A visita foi ao 2º dia da chegada.

Obrigado pelos vossos comentários
Abraço do Silva

Anónimo disse...

Fim de semana na Ericeira.
Encontro com duas espanholas..bem boas.
À noite..só com uma..só com uma..pimba.
Três dias depois..começou o instrumento a pingar..dores do caraças ao urinar,e ala que se faz tarde para a enfermaria.
Visita de Sexa comandante da região militar acompanhado de vários coronéis.
Estou fod.. esta merda dá porrada.
Então nosso cadente o que é que tem ?
Eu..eu..eu tenho uma gonorreia.
Tem o quê?
Um..um..esquentamento.
Ah..um esquentamento...ah..aahh..geral.
A "aventesma" que se encontrava na cama ao lado.."foi com uma espanhola, meu brigadeiro".
Ah..então você tem um "esquentamento internacional".

C.Martins

Hélder Valério disse...

Pois é, mais uma vez se comprova o velho ditado que diz "cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso".

Essa coisa de se arranjarem designações diferentes para a mesma coisa em sítios diferentes só pode dar problema quando um interveniente não tem suficiente 'golpe de rins' para perceber do que realmente se está a falar.

Mas, e aqui para nós, caíram todos na mesma esparrela? Não apareceu ninguém com mais juízo ou prudência para perceber o que se passava? E iam todos ao mesmo, ao molhe?

Bem, já passou!

Abraço
Hélder S.

Mário Vasconcelos disse...

Problemas de comunicação ou de entendimento dão destas coisas. Mas vou directamente ao assunto, a prosa foi deliciosa.