Caro Vinhal
Junto esta história passada com o Portojo. Não foi bem assim mas penso que ele não vai ficar chateado.
Uma boa passagem e, acima de tudo,
UM BOM ANO
Um abraço do
Silva
Memórias boas da minha guerra (27)
Bolos de bacalhau à moda de… Catió
Penso que foi em Maio/Junho de 1968. Em Catió, sul da Guiné, estava instalada a sede do BART 1913. Uma das suas Companhias estava para os lados de Buba e outra ocupava o aquartelamento de Cufar. Em Catió, além da CCS e dos Pelotões de Armas Pesadas e de Auto-metralhadoras, estava a CART 1689, Companhia de Intervenção, que viera do norte, por onde andara em operações, ao serviço do ComChefe.
As instalações e serviços estavam sob a alçada da CCS, incluindo a gestão da Messe de Sargentos. Esta responsabilidade rodava entre os seus furriéis ou sargentos, o que era compreensível, mas não muito acatado pela malta da CART 1689. É que estes, fartos de guerra, sofriam ainda a exploração do seu sacrifício através da fraca alimentação fornecida.
O prato com mais saída no menu era, sem dúvida, o de “Arroz com arroz e arroz e umas rodelas de salsicha”. A “Sopa 365” já era famosa há anos.
Foi nessa altura que foi designado para essa gestão, o Furriel Teixeira, que havia chegado há pouco, por uma rendição individual.
Catió > Jorge Teixeira (Portojo), na foto, o segundo a partir da esquerda
Catió > Em primeiro plano, de pé e à civil, Fur Mil Silva. Jorge Teixeira é o terceiro, de pé e de camuflado, a partir da direita.
O Teixeira, que era do Porto, ao contrário dos seus conterrâneos, parecia muito introvertido. Todavia, cedo se salientou pela simpatia e pela sua forte sensibilidade. Pois o Teixeira, talvez com pena da malta da CART 1689, que ele admirava, decidiu mandar fazer um prato diferente: “Bolinhos de bacalhau com arroz malandrinho”.
Como o Cozinheiro Laurentino estava doente, ficaram os dois básicos (Guisande e Engelha) para resolver os assuntos da culinária. O Guisande já estava mais habituado à cozinha, especialmente nas lides da lenha para o fogão e no abrir das latas de salsichas. Mas o Engelha era muito limitado. Havia sido seleccionado pelo Capitão Ternicotim-Ternicotão, aproveitando a sua experiência de servente de limpeza na Pocilga de Sandim.
Agora, em Catió, ocupava o seu tempo a passar alguma água pelas panelas e a perseguir os ratos, de toco de vassoura na mão.
O Guisande, entusiasmado a confeccionar um prato daqueles, estava a colocar em perigo o prestígio do cozinheiro Laurentino que já se especializara também no prato “Esparguete com esparguete e rodelas de salsicha (ou chouriço!)”. Não esquecer também que foi ele que conseguiu o “Frango assado”, festivamente servido no dia da entrega da Flâmula de Honra do CTIG (ouro) à nossa CART 1689!
A massa já estava pronta quando o Furriel Teixeira lá foi espreitar. O Guisande aproveitou para dizer:
- Isto está uma maravilha, mas falta-lhe a salsa. Já corri tudo e não encontrei.
- Isso também não vai ser grande problema. – respondeu o Teixeira.
- Ó Furriel, preciso de ir à Secretaria, que o sargento Viscoso me mandou chamar e eu não quero problemas com esse filho da mãe. – disse o Guisande.
- Não há problema, veja se vem depressa porque o Engelha já tem o fogão bastante adiantado. – respondeu o Teixeira que, logo de seguida diz:
- Ó Engelha vá lá fora, junto ao esgoto das águas da cozinha e veja se tem lá salsa. Se não encontrar, traga mesmo umas ervitas mais verdes, para enfeitarmos isto.
O Teixeira saiu confiante e o Engelha acabou por brilhar na resolução rápida do problema.
- Ó Berguinhas, acode-me aqui que devo ter engolido alguma espinha dos bolos de bacalhau.- pedia o Simões ao Enfermeiro, que não parava de se queixar.
- Ó pá, olha que eu também já tive que beber dois bagaços para queimar a garganta, porque também sinto a garganta arranhada. – respondeu o Berguinhas
Já na Enfermaria, o Berguinhas aproveitava a boca aberta do Simões para espreitar e meter o bisturi, enroscado em algodão, até ao fundo da garganta. E dizia:
- Não estou a ver nada. Deixa lá, anda mas é ao Valadares (“barman”) queimar isso, que eu faço-te companhia.
De bagaço em bagaço, com uns whiskies, licores e triplices pelo meio, não levou muito tempo para que as dores de garganta passassem. Agora, já meios tocados, debruçados sobre o balcão, repetiam os parabéns ao Teixeira e, embalados pelo tema do bacalhau, desenvolveram uma discussão quase interminável.
- Já ouvi, da boca de um militar que não acredita que o bacalhau vem do estrangeiro. – dizia o Berguinhas, que continuou:
- E já lhe meteram na cabeça que se pode plantar como o ananás – com os rabos metidos na terra.
- E eu tenho um soldado que já me disse que ele nasce como o capim – argumentou o Simões.
- Olha, (voltava o Berguinhas):
- Se for junto da bolanha, até já pode vir salgado.
- E, se a catana estiver bem afiada, já se pode apanhar às postas – argumentava o Simões.
- Ó Teixeira, Teixeira. - chamava o Berguinhas, já com a voz arrastada: – Olha que amanhã, logo de manhã, quero os rabos do bacalhau, para plantar ao pé da Enfermaria.
Há dias soube que os irmãos Carvalho, o Manuel de Mampatá, perto de Aldeia Formosa, e o António, também conhecido por Veterinário de Jolmete, devido à sua fama no tratamento (com piri-piri…) de frangos, cabritos e outros animais, organizaram mais um patuscada junto ao Rio Douro na pequena Medas City, onde o António Carvalho é Mayor. Convidaram o Simões mas ele não pôde porque estava para o Alto Douro.
Estiveram lá os do costume: Zé Manel da Régua, Silva de Baião, Eduardo Paraquedista, o Carmelita, o Cancela e a Parelha dos Compadres de Penafiel. E, claro, também lá estava o acima referido Furriel Teixeira (agora conhecido no meio artístico por Portojo) que não perdoou a ausência do Simões, que, até, vive ali perto.
O tempo foi passando e de história em história, lá foram recordando e saboreando o melhor daquela experiência guerreira inesquecível. Porém, o Teixeira, por vezes, ia intervalando:
- Ora f....-se! Aquele c.....o do Simões, não veio!
Por volta das 19 horas (grande almoço!), o Teixeira, já bastante pesado, ao ouvir falar de ervas medicinais, aromáticas e outras, contou a história dos bolos de bacalhau capinado, servido em Catió, e revelou o segredo da salsa. E confessou:
- Tinha pena daqueles desgraçados da CART 1689 e com mais pena fiquei quando vi o Simões f....o da garganta por causa do capim que o Engelha meteu nos bolos. Ainda tentámos tirar muita coisa mas acabaram por passar alguns pedaços de capim seco.
O Carvalho, já farto de rir, ligou o telemóvel para o Simões e contou-lhe:
- Está aqui o Teixeira a contar a história dos bolinhos de bacalhau que te f.....m em Catió. Diz ele que aquilo foi do capim que meteram em vez de salsa e que não teve coragem de vos dizer.
- Ai o filho da... mãe! - Respondeu o Simões exaltado, que continuou:
- Por favor, passa-me o telelé a esse c......o, que não larga o biberão.
O Carvalho aproximou-se do Teixeira, que gritou:
- Ouve lá, oh morcom, nunca ouviste dizer que todo o burro come palha, a questão é saber lha dar?
De pé, Manuel Carvalho de Jolmete
António Carvalho, "Veterinário de Mampatá", actualmente o "Mayor" de Medas
Silva da Cart 1689
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9155: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (26): Ao domingo não há guerra e Estragos no bananal
14 comentários:
Bem boladas e esgalhadas as estórias, Camaradas, com humor inteligente e contido num imprevisto sempre presente e propositado.
Essa do pipi-piri, fez-me lembrar uma do jãozinho, enfermeiro da minha Companhia, quando em Medjo uma mulher grande lhe pediu mezinha para dinga-dinga de marido que estava já cansado e tinha 3 mulheres.
Joãzinho chamou marido de mulher queixosa, botou finalgon na concha da mão dele e disse para esfregar no pau. passado minutos apareceu a mulher exaltada e gritando que joãzinho tinha posto piri-piri em pau de seu marido.
De joãozinho ha outras também bravas que talvez conte um dia destes.
Abraço
José Brás
Camarigo Silva,gostei muito do teu texto,mas há um pequeno lapso da tua parte.O Antonio Carvalho,é que era (veterinario)em Mampatá,o Manuel é que esteve em Jolmete.E quanto a esse dia no almoço nas Medas,tambem estive presente como referiste.Adorei,com o Portojo nao há stress.
Um abraço e bom Ano
Ò Cancela o Silva quando precisa de qualquer informação sobre saúde liga-me e eulá lhe respondo o melhor que sei. Só espero que a Ordem dos Médicos não me mova algum processso.
Ò Silva tu és o maior.Quanto a mim tu e o Alfero Cabral embora com estilos diferentes sois os maiores contadores de estórias do nosso blog.Com uma pequena brincadeira tu fazes maravilhas.Ò Silva os dois operacionais de cozinha eram teus vizinhos, não terás tambem responsabilidades nisto.
Um grande abraço eum bom ano para o Silva e para todos.
Ó Silva Veterinario era o meu irmão eu era de Armas Pesadas de Infantaria e tal como tu com secção de Atiradores distribuida.
Manuel Joaquim Carvalho
C Caç 2366 Jolmete
Desculpem lá a troca dos locais de trabalho, dos irmão Carvalho. Quanto à sua "ocupação profissional" na Guiné, não tenho dúvidas. Obrigado pela correcção.
Um abraço para todos, especialmente para os visados nesta história, em gostaria de ter participado
Silva
Caríssimos:
O Silva é um bandalho e vai-me desgraçar ao envolver-me nestas bagunçadas.É que isto pode meter judiciária e eu que vivo não só do que sou mas também daquilo que pareço acabo por sair inocentemente enlameado. Quanto ao capim cortado em pedaços do tamanho de fósforos, não havia necessidade...bastava macerá-lo, num pilão.O Portojo, nessa altura, não levou uma porrada porque tinha uma grande cunha de um grande.
Se eu fosse lá enfermeiro e me aparecessem na enfermaria os desgraçados com o garganil todo picado, não havia grande que o safasse...ia logo para Guiledge ou Gandembel.
Um abraço
Carvalho de Mampatá
Este Silva (Simões) só deixa ficar o pessoal mal.
É por essas e por outras que pela boca morre o peixe.
Um Bom Ano para todo o pessoal.
E um Abraço apertado e em especial, claro, para o contador de histórias.
Caro camarigo José Silva
Mais uma boa história, Bem contada, com ritmo, capaz de prender a atenção.
Dela, contudo, retiro algumas observações.
Uma é a de que o nosso amigo 'Portojo' 'pecou por omissão' ao não verificar pessoalmente todo o circuito alimentar. Na prática 'praticou' o relaxe e isso em termos judiciais e não só chama-se 'negligência'. E devia ter sido punido por isso!
Outra observação, na sequência da anterior, e por causa dela, é que os companheiros comensais do 'Portojo', nomeadamente o grupo dos 'bandalhos', devem então muito cuidado com os 'petiscos' que ele vier a arranjar.
Outra ainda é que este episódio também serve para ilustrar outro aspecto da nossa vivência em terras de África, que era a 'batalha da alimentação'
Para terminar relembro que, apesar da 'salsa de capim', não houve naquele aquartelamento melhor época alimentar do que aquela em que o 'Portojo' teve essa responsabilidade.
Abraço
Hélder S.
Tens razão Helder. Pelo que sei, o Portojo, mercê da evacuação do seu Capitão, devido a problemas mentais, e do afastamento do seu adjunto, por excesso de roubalheira, veio a revolucionar (e bem) a alimentação de toda a tropa. Mas, também sei que ele deve muito ao apoio daquela equipa especializada em culinária.
Abraço do Silva
Amigo Silva
Sabe-se que um dos grandes 'segredos', e o seu êxito, embora não único, da cozinha alentejana, é a utilização das chamadas 'ervas aromáticas'. Ali deram passos significativos nesse sentido, A criatividade andou à solta. Faltou apenas um bocado mais de 'controlo de qualidade' e encontrar a solução óbvia (cortar fininho, moer, macerar, etc, aquela 'nova' erva) e certamente que o êxito seria maior.
Mas não se perdeu tudo, aliás parece que não se perdeu nada. No caso da história ninguém morreu por causa da mesma e até foi pretexto para mais umas quantas 'desinfecções de garganta'...
Abraço
Hélder S.
Camarada Silva
Ganhas um doce se identificares a malta das duas primeiras fotos onde está o Teixeira.
Um abraço.
António Ribeiro
Ribeiro, só consigo identificar 3 da primeira foto (Teixeira, Dias e Faria) e 5 da segunda(Valente, Silva, Valadares, Teixeira e Faria). Sou capaz de dizer que os conheço de Catió mas não me lembra dos nomes. Por favor, se puderes, completa a identificação. Abraço
Silva
Ribeiro, é a tua vez. Vê se te desemerdas. Se precisares de ajuda, lança a boia.
Silva e Teixeira
Na primeira foto: o primeiro da esquerda, à esquerda do Teixeira, o Ribeiro (eu);o primeiro da direita, meio de costas, o Pina. Ambos pertencentes aos pelotões de artilharia que pouco tempo depois foram deslocados para Aldeia Formosa.
Na segunda foto as posições do Ribeiro e do Pina invertem-se.
Suponho que a identificação da totalidade dos fotografados já havia sido feita em tempos pelo Condeço que, infelizmente, já cá não está.
Pela postura do Silva na segunda foto e pelo ar incrédulo do Pina dá a impressão que o Silva já estava bem tratado.
Um grande abraço.
António Ribeiro
Caro Ribeiro
Agora vos localizo melhor. As suissas eram inconfundíveis! Vocês não saiam da beira do Valadares. Foi pena termos ido para Cabedu, na continuação da nossa via-sacra porque a vossa camaradagem era boa.
Quanto ao aspecto de "bem tratado" do Silva, penso que isso se deveu a um salpicão bolarento que lhe caiu mal.
Abraço
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