sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9321: As minhas memórias (Fernandino Vigário) (1): Um Alferes Capelão que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário

1. Mensagem do nosso camarada Fernandino Vigário* (ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69), com data de 2 de Janeiro de 2012:

Caro amigo Carlos Vinhal , uma boa noite.
Recebi hoje teu E-mail que fala das dúvidas do Carlos Pinheiro e sobre esse assunto eu já disse o que sei.

Aproveito para enviar uma história passada comigo e um Alferes Capelão que, creio, estava no QG, não sei o seu nome nem o conhecia. Entre missas e funerais eu conheci vários, havia um que, se não estou em erro, com o posto de Tenente,  corpo franzino mas espírito de oficial militar, não dava grande confiança aos soldados.

Vai também duas fotos, uma sou eu no jipe, a outra sou eu mais três amigos e vizinhos que estavam no QG. O outro elemento não faço a mínima ideia quem seja.

Um forte abraço
Fernandino Vigário



AS MINHAS MEMÓRIAS - 1

Um Alferes Capelão que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário

Caro amigo Carlos Vinhal.
Olá amigos e camaradas.
Estou de volta, e às voltas com a minha memória: como não tenho nada escrito vou tentar reconstituir uma história passada comigo e um alferes Capelão. Hesitei se a devo contar ou não, mas resolvi contar nem que seja para ficar em arquivo.

Eu, Fernandino Vigário,  ex-Soldado Condutor,  estava em Bissau no quartel conhecido por "600". Já no fim da comissão, numa manhã de Domingo (não me recorda a data, mas deve ter sido num dos primeiros meses de 1969), fui escalado para transportar um Alferes Capelão,  ainda bastante jovem a três ou quatro destacamentos limítrofes de Bissau, Safim e outros, onde estavam destacados Pelotões de Companhias do meu Batalhão 1911.

Transportar um Capelão,  para ir celebrar a Eucaristia aos ditos destacamentos, foi serviço que eu fiz várias vezes, e nem sempre foi o mesmo. O que aconteceu nesse Domingo com um bastante jovem, devia ter a minha idade ou pouco mais, que eu não o conhecia, nem nunca soube o nome porque só fiz um único serviço com ele.

Neste Domingo de manhã, depois de darmos os bons dias e trocarmos algumas palavras de circunstância, iniciámos a viagem que nos iria levar aos ditos destacamentos. O Capelão.  além de jovem era simpático e extrovertido, falava pelos cotovelos, e para espanto meu, ainda na estrada de Sª. Luzia ao cruzarmos com uma mulher ainda jovem, cabo-verdiana, por sinal bem jeitosa, atira a seguinte frase:
- Ena pá! Que gaja boa. Uff, que brasa!

Percorridas mais umas dezenas de metros, e de novo ao avistar outra mulher cabo-verdiana,  repete os comentários. Eu,  perante este cenário e vindo de um Padre, olhei-o de soslaio, meio petrificado e a pensar no que é que viria a seguir. Seria aquilo verdade?

Como eu falava pouco, na verdade sou um pouco introvertido e reservado, havia também a hierarquia, alferes e soldado,  a separar-nos, o Capelão resolve puxar por mim.
- Então, condutor, não dizes nada, o gato comeu-te a língua... pra começar diz-me lá o teu nome?
- Fernandino Vigário, meu Capelão, mas todos me tratam por Vigário.
- Vigário? Oh pá, mas és Vigário ou és vigarista?

Hesitei um pouco, mas logo respondi:
- Meu Capelão, eu sou Vigário de nome, mas sei que há por aí uns Vigários com obras feitas. Olhe, alguns até vieram parar a Bissau.
- Pois é, condutor, para quem falava pouco já estás a falar de mais, eu vou ter que te ensinar o Pai-Nosso.

Tive que me fazer um pouco palonço, não senti a rigidez militar e respondi:
- Meu Capelão, não é necessário! Eu na minha parvónia aprendi a Doutrina toda, foi o meu pai que me ensinou. Até fiz a comunhão solene!
- O teu pai ensinou-te a Doutrina mas foi às avessas, agora quem te vai ensinar sou eu.
- Meu Capelão, peço desculpa se o ofendi, mas não vejo onde o tenha feito, e longe de mim ofender quem quer que seja.
-Bem condutor, aceito as tuas desculpas e não se fala mais nisso, afinal hoje é Domingo, é o dia do Senhor, e de ouvir a Santa missa.

PS - Sou católico praticante, e nada me move contra a igreja e os Padres, antes pelo contrário, porque sempre os respeitei e ao contar esta história não pretendo denegrir nem esta, nem os padres, e estou convicto que aquele jovem Capelão tenha dado um bom padre, para mim aqueles comentários sobre mulheres eram fruto da sua juventude.

Um forte abraço para toda a Tabanca.


Malta amiga, maiatos, num Café de Bissau > A partir da esquerda: 1.º Cabo Op Cripto/QG Domingos,  Sousa da CCAÇ 1743, (?), 1.º Cabo Escriturário/QG e eu Fernandino Vigário
____________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9229: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (40): Comprei um computador pequeno e lentamente fui aprendendo a navegar na Net (Fernandino Vigário)

2 comentários:

Luís Graça disse...

Fernandino:

Obrigado pela história. Não há grandes nem pequenas histórias. Há histórias, simplesmente. Milhares...

Fazes bem em puxar pelos neurónios e juntar as pontas das tuas memórias... É mais um contributo para ir construindo o nosso "puzzle".

Temos falado pouco dos nossos capelães. Eles também não aparecem, com exceção de dois ou três que já deram (ou têm dado) a cara, aqui no blogue. O seu papel, na época, não era fácil, e era mal compreendido.

Uma corrida de jipe, a caminho da missa, não dá para se ter grandes conversas e conhecer em profundidade as pessoas, muito menos um capelão (que é antes de tudo... um senhor oficial, militar, fardado, homem...).

Mas achei interessante as tuas observações e o teu humor, brincando com o teu apelido, Vigário..."Ensinar o Padre Nosso ao Vigário" é um dos nossos muitos fabulosos provérbios populares... Tem muito que se lhe diga... Acho que se podem fazer várias leituras da tua pequena história... Um abraço. LG

Manuel Carvalho disse...

Caro Camarada Fernandino

Sou do Bat,2845 C Ca; 2366.
Chegamos a Teixeira Pinto em principio de Maio de 68 e julgo que estivemos um mes em sobreposi;ao depois voces sairam para Bissau.
Em Junho de 68 o meu Pelotao esteve no Pelundo e em Julho juntamo/nos a Companhia em Jolmete durante um ano, portanto tivemos um percurso semelhante.Nao fiz nenhuma coluna a Co mas sei que elas eram muito complicadas,havia quase sempre mortos amata em certos pontos era muito fechada tipo tunel.Tu sabes melhor do que eu. O Sr. General Spinola mandou capinar a estrada e as coisas melhoraram.
As vezes vou a Matosinhos ao milho Rei as quartas feiras vao la camaradas das Panhards do teu tempo.
Quando quizeres aparece.

Um grande Abra;o

Manuel Joaquim Carvalho
C Ca; 2366 Jolmete