1. Mensagem do nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), de 8 de Outubro de 2013:
Caros camaradas
Depois de ler o poste Guiné 63/74 - P12128: Notas de leitura (524): Reportagem do enviado especial do Diário de Lisboa, Avelino Rodrigues, CTIG, agosto de 1972 (Mário Beja Santos) leva-me a concluir que tem a ver com a actividade da CART 3494 em Julho de 1972, Operação Garlopa, conforme pág. 75 da História do BART 3873 que anexo, assim como a "Actividade da CART 3494 do BART 3873 no Teatro de Operações da Guiné (4)".
Sousa de Castro
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Nota do editor
Último poste da série de 22 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12326: Notas de leitura (536): "Maré Branca em Bulínia", por Manuel da Costa (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 23 de novembro de 2013
Guiné 63/74 - P12333: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (11): A decapitação do Comando
1. Mensagem do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70), com data de 6 de Setembro de 2013:
Amigo e Camarada Carlos Vinhal.
Patrão fora trabalhos dobrados.
Deixa-o lá, não lhe ligues às provocações que escreve nas finas areias da Ilha de Luanda, que lhe há de perdoar a Nossa Senhora do Cabo por isso, e entrega-te de alma e coração (um pouco de graxa não faz mal a ninguém) a este meu 11º capitulo da saga "Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista", que te faço chegar em anexo.
Um abraço a ti e a todos os camaradas, incluindo o tal, o outro, se é que o "acesso à rede sem fios" ainda lhe permite ler o que vamos escrevendo por cá.
Armando Pires
FURRIEL ENFERMEIRO, RIBATEJANO E FADISTA
11- A decapitação do comando
Aquelas primeiras horas em Bissorã não foram fáceis.
Desde logo, como já escrevi, o não me sentir dentro de um quartel.
Era assim a modos como que um exército que tivesse ocupado uma cidade e “vamos lá instalar-nos”.
Não quero com isto dizer que fossem más aquelas acomodações. Antes pelo contrário. Mas num quartel está ali tudo próximo, estamos ali todos juntos, tipo ó militar chegue aqui, e em Bissorã não, era mais ó furriel dê um salto à enfermaria e lá ia eu, no jeep, rua acima. E depois, o que também me fez confusão, abrigos "cá tem".
Então, e se houver um ataque? “Pois, não sabemos, ainda não aconteceu. Temos andado a perguntar aos velhadas que se riem, apontam para umas casas particulares e dizem, olha ali aquele tem um abrigo no quintal, vê se te fazes amigo do gajo, mas quando a gente lhes pergunta, e nós, dizem-te que experimentes debaixo da cama, pode ser que o colchão aguente”.
Confesso que não achei graça à narrativa mas os seis meses que já levava de Guiné eram suficientes para encarar aquilo com um logo se vê.
Em qualquer dos casos não deixava de me interrogar:
- Por que raio viemos nós aqui parar?
A interrogação ganhava cada vez mais sentido, não tanto pelo que via mas mais pelo que sentia no ar, sobretudo pelas diferenças, que raios me partam se eu não notava nas caras e na voz dos homens de galões com quem era hábito eu falar.
- Ó alferes, afinal o que se passa aqui?
O alferes era o João Vinagre, do Reconhecimento e Informações, ribatejano como eu mas de Coruche, homem abençoado pelas águas do Sorraia, de voz modulada pela tão próxima planície alentejana, e confiável. Um homem confiável.
E à pergunta que lhe fiz o João Vinagre contou-me que em Julho (1969) o General Spinola estivera em Bula numa visita de inspecção ao sector e não gostara nada do que vira. A primeira parte era do meu conhecimento porque eu estava em Bula quando a visita ocorreu. O resultado é que estava a ser, para mim, uma novidade.
Abro aqui um parêntesis para albergar o longo salto que dei no tempo, e contar que na consulta que fiz à história do meu Batalhão, disponível no Arquivo Militar, li o relatório elaborado pela equipa de oficiais superiores que acompanhou Spinola na tal visita a Bula, e o mínimo que posso dizer é que ele, o relatório, onde se falava de ineficácia operacional e incapacidade para localizar nos mapas as áreas de influência do IN, era arrasador para o comando do batalhão, fechando eu com isto o parêntesis que abri.
Portanto, regresso ao ano de 69, mês de Julho, recordando que por aquela altura tiveram inicio os trabalhos de construção da estratégica estrada de S. Vicente. A capinagem levava grande avanço e não tardaria a entrada em acção dos homens da Engenharia.
Não sei, e isto sou eu a congeminar face ao li, se Spinola já tinha ou não em mente colocar em Bula pessoal da sua confiança. É sabido da estima e apreço que o General tinha pela generalidade das tropas, mas também se sabe, e ele nunca o escondeu, da sua preferência pelas botas de montar com esporas.
O certo é que em Agosto, estava eu de férias em Portugal, entrou pela porta de armas do quartel de Bula o BCAV 2868, e pela mesma porta saiu o BCAÇ 2861, com destino a Bissorã.
- Ó Alferes, e onde pára o major Candeias? – perguntei eu ao Vinagre.
- Nem veio connosco. Fez as malas e dois dias depois foi logo para Bissau.
- Então, e quem é o novo major de operações.
- É o capitão Alcino. Está na calha para ser promovido a major e até já está a exercer as funções
- E o nosso comandante?
- Por enquanto está por cá, mas a situação dele está muito difícil.
- Furriel Pires, o doutor pede para lá ir acima, à casa dos oficiais.
- O que é que se passa?
- Não sei, saiu do posto de enfermagem, entrou no jeep e pediu-me para o vir chamar.
O recado assim trazido pelo Machado, o meu 1º cabo auxiliar de enfermagem, não augurava nada de bom. Ainda por cima porque a cara dele não deixava transparecer coisa alguma e eu gabava-me de lhe ler na cara como num livro aberto.
Da minha casa à dos oficiais eram dois passos. Subi as escadas que levavam ao primeiro andar, pedi licença e entrei na grande sala de estar onde apenas vi o nosso comandante de batalhão, o Ten Cor César Cardoso da Silva, e o meu médico, o alferes miliciano José Manuel Oliveira.
- Ó Pires, trata da papelada porque o nosso comandante tem de ir para o hospital em Bissau.
- Então doutor, posso saber o que tem o nosso comandante?
- Ó pá, aquelas cólicas renais que o nosso comandante tem tido agravaram-se, deve haver aqui pedras a soltarem-se do rim, e eu acho melhor o comandante ir já para o hospital.
- E a medicação, doutor, é preciso fazer alguma coisa?
- Não pá, isso eu já fiz.
Pedi licença para me retirar, dei meia volta, subi a rua em direcção ao posto de enfermagem, sentei-me à secretária a preencher o relatório de evacuação, e enquanto escrevia quis saber do Machado uma coisa que me estava ali a bailar dentro da cabeça.
- Ó Machado, o nosso comandante levou algum Buscopan?
- Que eu lhe desse, não.
Na manhã seguinte, um DO levou o comandante para Bissau.
A notícia correu o quartel e causou sobressaltos.
O Ten Cor César Cardoso da Silva era um homem por quem todos os militares tinham enorme estima. E respeito. E consideração.
Não sei, nem quero, mesmo todos estes anos passados, fazer uma avaliação da sua aptidão militar.
Interessa-me apenas dizer que era um homem de grande nobreza, de trato elegante, a quem nunca ninguém ouviu erguer a voz, de quem nunca ninguém sentiu o peso do RDM.
Nem mesmo naquela noite, ainda em Bula, quando ao passar ronda encontrei a dormir, a sono solto, os dois homens que estavam de serviço no posto de vigilância da sua casa, que até ficava fora do quartel. “Ora vamos lá engatar estes marmelos” – pensei eu.
Primeiro levei-lhes as armas e depois acordei-os. Foi até ao alvorecer sempre a atormentá-los. Entreguei-lhes as armas “e vão com sorte”, adverti-os. O pior é que história voou mais rápido que os mosquitos, chegou aos ouvidos do comandante que me chamou e disse:
- Não acha que já é sofrimento suficiente o estar aqui? Não tem outra forma de chamar a atenção dos seus homens?
Ou ainda daquela vez, lá em Chaves, quando formávamos batalhão, numa bravata com os furriéis que partilhavam quarto comigo, lá na Rua do Poço, decidi, vestido com pijama e chinelos de quarto nos pés, roupão por cima com lenço de cachené, traçado à fadista, a adornar o pescoço, ir tomar chá com torradas ao café Aurora, ponto de encontro das elites flavienses, logo também dos senhores oficiais, entre os quais se encontrava o nosso comandante, que “evitou” ver-me, mas que no quartel me chamou pela manhã cedinho ao seu gabinete.
- Ouve lá, filho, tu andas bem da cabeça?
- Meu comandante…
- Tu não sabes que aquele é o café que eu frequento?
- Sei…
- Então se sabes, tu tens muita graça vestido daquela maneira, mas para a próxima não vás ao Aurora. Podem pensar que tu estás a provocar o teu comandante e isso é muito feio.
Convivemos com o Ten Cor César Cardoso da Silva não mais que nove meses. Três em Chaves e Santa Margarida, a formar batalhão, e seis na Guiné. Mas foi sempre “o nosso” comandante. Que convidávamos para todos os encontros de confraternização da nossa companhia. Não esteve em todos, porque nem sempre a saúde lhe permiti, mas sobretudo porque recusava estar onde o General Spinola pudesse estar. Soubemo-lo quando em 1994 o convidámos para estar presente nas comemorações dos 25 anos da nossa partida para a Guiné. O Encontro teve lugar em Chaves e ocorreu no ainda Batalhão de Caçadores 10. Ali pernoitámos, ali almoçámos, e ali a data ficou gravada numa placa que “o nosso” comandante descerrou na Sala de Armas do quartel.
Em Maio de 2005, na Confraternização realizada em Viseu, recebemos e foi lida na abertura do encontro, uma carta que nos era dirigida pelo seu filho Raul Silva.
“É com infinita tristeza que participo a V. Exas. o falecimento do meu pai, ocorrido no passado dia 5 de Abril deste ano. Faço-o com a convicção de que muito lhe agradaria estar presente nesse convívio, revendo aqueles que o acompanharam nos que forem os tempos mais difíceis, porém inolvidáveis, da sua vida de militar…”
Seguiu-se um emocionado minuto de silêncio.
O Ten Cor César Cardoso da Silva depois de ter chegado ao HM 241, foi evacuado para Lisboa. Após ter tido alta hospitalar regressou à Guiné e foi colocado como juiz, ironia maior, no Tribunal Militar de Bissau, onde terminou a comissão.
Nunca falei com o doutor Oliveira, nem nunca me atreveria a falar, sobre a evacuação do nosso comandante. Mas não me sai da cabeça que aquela deve ter sido uma evacuação muito providencial.
Chaves, Fevereiro de 1994. Na Sala de Armas do BC 10, o Coronel César Cardoso da Silva a descerrar a placa comemorativa dos 25 anos da partida do BCAÇ 2861 para a Guiné.
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Nota do editor
Último poste da série de 10 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12023: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (10): Alô Bissorã, cheguei!!!
Amigo e Camarada Carlos Vinhal.
Patrão fora trabalhos dobrados.
Deixa-o lá, não lhe ligues às provocações que escreve nas finas areias da Ilha de Luanda, que lhe há de perdoar a Nossa Senhora do Cabo por isso, e entrega-te de alma e coração (um pouco de graxa não faz mal a ninguém) a este meu 11º capitulo da saga "Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista", que te faço chegar em anexo.
Um abraço a ti e a todos os camaradas, incluindo o tal, o outro, se é que o "acesso à rede sem fios" ainda lhe permite ler o que vamos escrevendo por cá.
Armando Pires
FURRIEL ENFERMEIRO, RIBATEJANO E FADISTA
11- A decapitação do comando
Aquelas primeiras horas em Bissorã não foram fáceis.
Desde logo, como já escrevi, o não me sentir dentro de um quartel.
Era assim a modos como que um exército que tivesse ocupado uma cidade e “vamos lá instalar-nos”.
Não quero com isto dizer que fossem más aquelas acomodações. Antes pelo contrário. Mas num quartel está ali tudo próximo, estamos ali todos juntos, tipo ó militar chegue aqui, e em Bissorã não, era mais ó furriel dê um salto à enfermaria e lá ia eu, no jeep, rua acima. E depois, o que também me fez confusão, abrigos "cá tem".
Então, e se houver um ataque? “Pois, não sabemos, ainda não aconteceu. Temos andado a perguntar aos velhadas que se riem, apontam para umas casas particulares e dizem, olha ali aquele tem um abrigo no quintal, vê se te fazes amigo do gajo, mas quando a gente lhes pergunta, e nós, dizem-te que experimentes debaixo da cama, pode ser que o colchão aguente”.
Confesso que não achei graça à narrativa mas os seis meses que já levava de Guiné eram suficientes para encarar aquilo com um logo se vê.
Em qualquer dos casos não deixava de me interrogar:
- Por que raio viemos nós aqui parar?
A interrogação ganhava cada vez mais sentido, não tanto pelo que via mas mais pelo que sentia no ar, sobretudo pelas diferenças, que raios me partam se eu não notava nas caras e na voz dos homens de galões com quem era hábito eu falar.
- Ó alferes, afinal o que se passa aqui?
O alferes era o João Vinagre, do Reconhecimento e Informações, ribatejano como eu mas de Coruche, homem abençoado pelas águas do Sorraia, de voz modulada pela tão próxima planície alentejana, e confiável. Um homem confiável.
E à pergunta que lhe fiz o João Vinagre contou-me que em Julho (1969) o General Spinola estivera em Bula numa visita de inspecção ao sector e não gostara nada do que vira. A primeira parte era do meu conhecimento porque eu estava em Bula quando a visita ocorreu. O resultado é que estava a ser, para mim, uma novidade.
Abro aqui um parêntesis para albergar o longo salto que dei no tempo, e contar que na consulta que fiz à história do meu Batalhão, disponível no Arquivo Militar, li o relatório elaborado pela equipa de oficiais superiores que acompanhou Spinola na tal visita a Bula, e o mínimo que posso dizer é que ele, o relatório, onde se falava de ineficácia operacional e incapacidade para localizar nos mapas as áreas de influência do IN, era arrasador para o comando do batalhão, fechando eu com isto o parêntesis que abri.
Portanto, regresso ao ano de 69, mês de Julho, recordando que por aquela altura tiveram inicio os trabalhos de construção da estratégica estrada de S. Vicente. A capinagem levava grande avanço e não tardaria a entrada em acção dos homens da Engenharia.
Bula - 1969 – Abertura e capinagem da estrada de S. Vicente
Não sei, e isto sou eu a congeminar face ao li, se Spinola já tinha ou não em mente colocar em Bula pessoal da sua confiança. É sabido da estima e apreço que o General tinha pela generalidade das tropas, mas também se sabe, e ele nunca o escondeu, da sua preferência pelas botas de montar com esporas.
O certo é que em Agosto, estava eu de férias em Portugal, entrou pela porta de armas do quartel de Bula o BCAV 2868, e pela mesma porta saiu o BCAÇ 2861, com destino a Bissorã.
- Ó Alferes, e onde pára o major Candeias? – perguntei eu ao Vinagre.
- Nem veio connosco. Fez as malas e dois dias depois foi logo para Bissau.
- Então, e quem é o novo major de operações.
- É o capitão Alcino. Está na calha para ser promovido a major e até já está a exercer as funções
- E o nosso comandante?
- Por enquanto está por cá, mas a situação dele está muito difícil.
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- Furriel Pires, o doutor pede para lá ir acima, à casa dos oficiais.
- O que é que se passa?
- Não sei, saiu do posto de enfermagem, entrou no jeep e pediu-me para o vir chamar.
O recado assim trazido pelo Machado, o meu 1º cabo auxiliar de enfermagem, não augurava nada de bom. Ainda por cima porque a cara dele não deixava transparecer coisa alguma e eu gabava-me de lhe ler na cara como num livro aberto.
Da minha casa à dos oficiais eram dois passos. Subi as escadas que levavam ao primeiro andar, pedi licença e entrei na grande sala de estar onde apenas vi o nosso comandante de batalhão, o Ten Cor César Cardoso da Silva, e o meu médico, o alferes miliciano José Manuel Oliveira.
- Ó Pires, trata da papelada porque o nosso comandante tem de ir para o hospital em Bissau.
- Então doutor, posso saber o que tem o nosso comandante?
- Ó pá, aquelas cólicas renais que o nosso comandante tem tido agravaram-se, deve haver aqui pedras a soltarem-se do rim, e eu acho melhor o comandante ir já para o hospital.
- E a medicação, doutor, é preciso fazer alguma coisa?
- Não pá, isso eu já fiz.
Pedi licença para me retirar, dei meia volta, subi a rua em direcção ao posto de enfermagem, sentei-me à secretária a preencher o relatório de evacuação, e enquanto escrevia quis saber do Machado uma coisa que me estava ali a bailar dentro da cabeça.
- Ó Machado, o nosso comandante levou algum Buscopan?
- Que eu lhe desse, não.
Na manhã seguinte, um DO levou o comandante para Bissau.
A notícia correu o quartel e causou sobressaltos.
O Ten Cor César Cardoso da Silva era um homem por quem todos os militares tinham enorme estima. E respeito. E consideração.
Não sei, nem quero, mesmo todos estes anos passados, fazer uma avaliação da sua aptidão militar.
Interessa-me apenas dizer que era um homem de grande nobreza, de trato elegante, a quem nunca ninguém ouviu erguer a voz, de quem nunca ninguém sentiu o peso do RDM.
Nem mesmo naquela noite, ainda em Bula, quando ao passar ronda encontrei a dormir, a sono solto, os dois homens que estavam de serviço no posto de vigilância da sua casa, que até ficava fora do quartel. “Ora vamos lá engatar estes marmelos” – pensei eu.
Primeiro levei-lhes as armas e depois acordei-os. Foi até ao alvorecer sempre a atormentá-los. Entreguei-lhes as armas “e vão com sorte”, adverti-os. O pior é que história voou mais rápido que os mosquitos, chegou aos ouvidos do comandante que me chamou e disse:
- Não acha que já é sofrimento suficiente o estar aqui? Não tem outra forma de chamar a atenção dos seus homens?
Ou ainda daquela vez, lá em Chaves, quando formávamos batalhão, numa bravata com os furriéis que partilhavam quarto comigo, lá na Rua do Poço, decidi, vestido com pijama e chinelos de quarto nos pés, roupão por cima com lenço de cachené, traçado à fadista, a adornar o pescoço, ir tomar chá com torradas ao café Aurora, ponto de encontro das elites flavienses, logo também dos senhores oficiais, entre os quais se encontrava o nosso comandante, que “evitou” ver-me, mas que no quartel me chamou pela manhã cedinho ao seu gabinete.
- Ouve lá, filho, tu andas bem da cabeça?
- Meu comandante…
- Tu não sabes que aquele é o café que eu frequento?
- Sei…
- Então se sabes, tu tens muita graça vestido daquela maneira, mas para a próxima não vás ao Aurora. Podem pensar que tu estás a provocar o teu comandante e isso é muito feio.
Convivemos com o Ten Cor César Cardoso da Silva não mais que nove meses. Três em Chaves e Santa Margarida, a formar batalhão, e seis na Guiné. Mas foi sempre “o nosso” comandante. Que convidávamos para todos os encontros de confraternização da nossa companhia. Não esteve em todos, porque nem sempre a saúde lhe permiti, mas sobretudo porque recusava estar onde o General Spinola pudesse estar. Soubemo-lo quando em 1994 o convidámos para estar presente nas comemorações dos 25 anos da nossa partida para a Guiné. O Encontro teve lugar em Chaves e ocorreu no ainda Batalhão de Caçadores 10. Ali pernoitámos, ali almoçámos, e ali a data ficou gravada numa placa que “o nosso” comandante descerrou na Sala de Armas do quartel.
Em Maio de 2005, na Confraternização realizada em Viseu, recebemos e foi lida na abertura do encontro, uma carta que nos era dirigida pelo seu filho Raul Silva.
“É com infinita tristeza que participo a V. Exas. o falecimento do meu pai, ocorrido no passado dia 5 de Abril deste ano. Faço-o com a convicção de que muito lhe agradaria estar presente nesse convívio, revendo aqueles que o acompanharam nos que forem os tempos mais difíceis, porém inolvidáveis, da sua vida de militar…”
Seguiu-se um emocionado minuto de silêncio.
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O Ten Cor César Cardoso da Silva depois de ter chegado ao HM 241, foi evacuado para Lisboa. Após ter tido alta hospitalar regressou à Guiné e foi colocado como juiz, ironia maior, no Tribunal Militar de Bissau, onde terminou a comissão.
Nunca falei com o doutor Oliveira, nem nunca me atreveria a falar, sobre a evacuação do nosso comandante. Mas não me sai da cabeça que aquela deve ter sido uma evacuação muito providencial.
Chaves, Fevereiro de 1994. Na Sala de Armas do BC 10, o Coronel César Cardoso da Silva a descerrar a placa comemorativa dos 25 anos da partida do BCAÇ 2861 para a Guiné.
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Nota do editor
Último poste da série de 10 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12023: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (10): Alô Bissorã, cheguei!!!
Guiné 63/74 - P12332: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (8): Quando 'Nino' Veira foi preso pelas NT em Cubaque, em meados de 1961... e conseguiu depois fugir da prisão de Catió... (Factos que são confirmados pelo nosso camarada Amadu Bailo Djaló, no seu livro de memórias)
Guiné > Região de Tombali > Mapa de Bedanda / Escala 1/50 mil > 1961 > Posição relativa de Cubaque onde o 'Nino' terá sido preso, em 1962...
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013).
1. Eis mais um documento do Arquivo Amílcar Cabral, que merece ser transcrito, lido e divulgado... Trata-se de uma carta manuscrita, de 5 páginas, sem data... Pelos acontecimentos que relata deve ser, muito provavelmente, de meados de 1961, sendo anterior portanto ao início (oficial ou oficioso) da guerra colonial (23 de janeiro de 1963, segundos alguns historiógrafos...) quando um tal João Bernardo Vieira, já conhecido por 'Nino', mais tarde comandante da Frente Sul, começou a fazer o seu trabalho de sapa, aliciando gente para o PAIGC, nomeadamente para a guerrilha, na região de Bedanda.(*)
A carreira de 'Nino' Vieira poderia ter acabado aqui, em Catió, logo m 1961, se ele não tivesse fugido da prisão com a alegada cumplicidade de um cipaio e de 3 camaradas que assaltaram de noite as instalações em que ele estava em prisão preventiva, às ordens do administrador de Catió. Imaginemos só que ele poderia ter ido parar à Ilha das Galinhas ou ao Tarrafal... Por exemplo, Rafael Barbosa é preso pela PIDE em fevereiro de 1962, depois de aliciar muitos jovens para o futuro PAIGC.
'Nino' Vieira conta aqui, entre outros, pormenores da sua prisão em Catió. É pena que a carta, como de costume, não tenah data. Traços de "transtorno da personalidade histriónica" parecem já revelar-se aqui, nesta carta que não sabemos se era dirigida ao próprio líder máximo do PAIGC, Amílcar Cabral, se ao seu irmão, Luís Cabral...
2. Carta de João Bernardo Vieira, 'Nino' [, futuro comandante da Frente Sul] a Cabral, manuscrita, de cinco folhas, numeradas de 1 a 5:
Caro camarada Cabral
Paz, sossego e bem estar te desejo em companhia de todos aqueles e aquelas do nosso campo.
Quanto a mim, vou indo bem graças ao auxílio das massas populares. Comunico-te de que há dias fui preso pelas tropas coloniais em Cubaque, motivo por que sou denunciado por um empregado da Casa Gouveia em Catió e também pelo Momba, o tal chefe de I [lhéu] de Infanda. Este mandou o seu irmão saber da minha presença em Cubaque e foi informá-lo e ele por sua vez informou também ao administrador. O administrador mandou buscar as tropas em Cufar e estas vieram-me prender.
Esta altura calhou no momento em que estive [estava] desarmado e fui [ia] para tomar banho com o sr. Francisco Venâncio de Madeira, assim que acabei de fazer a instrução aos camaradas.
As tropas depois encercaram (sic) [cercaram] a casa deste senhor, até passaram-lhe a revista, mas não têm encontrado nada porque tinha deixado o meu saco para trás com um camarada. Depois perguntaram [a]o sipaio [cipaio] Adulai Duca se sou de Bedanda, e este disse que não me conhece. Mas depois levaram-me
2
«até junto do administrador e este depois preguntou-me [sic] donde sou, disse-lhe a mesma palavra que acabei de pronunciar dantes. Disse-lhe que acabei de chegar de Bissau, e vinha somente para visitar o meu tio em Bedanda.
Depois perguntou da “guia”, e disse-lhe que não a trouxe, porque tenho cartão de identidade, também pediu-me este e disse-lhe que deixei ficar em Bissau. Depois disse-me que tenho de pagar imposto, já que deixei ficar o bilhete de identidade e mandou-me fechar à [na] prisão. Tudo isto foi porque tenho muito desembaraçado (sic) [desembaraço] com eles, por isso não me têm amar[r]ado. Naquela altura tanto o furriel dos paraquedistas como o administrador e o seu secretário não tinham a certeza se de facto era eu quem andava por aí a fazer este serviço, porque viram-me a falar muito desembarassadamente [desembaraçadamente] com eles em todas as perguntas que têm feito, até que o administrador resolveu dizer o nome do imposto neste momento.
Mas logo à noite apareceu outra vez o tal Momba [a] dizer ao administra-
3
dor de que a pessoa que se encontra na prisão é a pessoa que tem indicado. Naquela altura o administrador ficou muito furioso até que mandou chamar o Adulai Duca, naquela noite, onde autorizou-o de levar-me muito cedo para poder fazer-me interrogações. O Adulai veio depois informar-me tudo à prisão naquela noite, até disse-me para não mudar de palavra, embora com maltratos e tudo mais.
E mesmo naquela noite apareceu [apareceram] estes bravos camaradas que é [são] Djá [?], Vanguena [?] e João de Pina que arrebentaram a prisão e soltaram-me. Agora o administrador está muito atrapalhado deste facto e espalhou os homens para todas as bandas em [à] minha procura. Mandei estes camaradas com Aliu porque 4 deles foram também denunciados deste acontecimento, por isso já não podem voltar a suas casas, e mais encontram-se todos desarmados.
Também aproveitei deles que é para levarem a canoa conforme a informação do portador. Agradecia depois mandar estes camaradas todos armados, que é para poder começar a fazer pequenas sabotagens. Também acabou de chegar há dias
Paz, sossego e bem estar te desejo em companhia de todos aqueles e aquelas do nosso campo.
Quanto a mim, vou indo bem graças ao auxílio das massas populares. Comunico-te de que há dias fui preso pelas tropas coloniais em Cubaque, motivo por que sou denunciado por um empregado da Casa Gouveia em Catió e também pelo Momba, o tal chefe de I [lhéu] de Infanda. Este mandou o seu irmão saber da minha presença em Cubaque e foi informá-lo e ele por sua vez informou também ao administrador. O administrador mandou buscar as tropas em Cufar e estas vieram-me prender.
Esta altura calhou no momento em que estive [estava] desarmado e fui [ia] para tomar banho com o sr. Francisco Venâncio de Madeira, assim que acabei de fazer a instrução aos camaradas.
As tropas depois encercaram (sic) [cercaram] a casa deste senhor, até passaram-lhe a revista, mas não têm encontrado nada porque tinha deixado o meu saco para trás com um camarada. Depois perguntaram [a]o sipaio [cipaio] Adulai Duca se sou de Bedanda, e este disse que não me conhece. Mas depois levaram-me
2
«até junto do administrador e este depois preguntou-me [sic] donde sou, disse-lhe a mesma palavra que acabei de pronunciar dantes. Disse-lhe que acabei de chegar de Bissau, e vinha somente para visitar o meu tio em Bedanda.
Depois perguntou da “guia”, e disse-lhe que não a trouxe, porque tenho cartão de identidade, também pediu-me este e disse-lhe que deixei ficar em Bissau. Depois disse-me que tenho de pagar imposto, já que deixei ficar o bilhete de identidade e mandou-me fechar à [na] prisão. Tudo isto foi porque tenho muito desembaraçado (sic) [desembaraço] com eles, por isso não me têm amar[r]ado. Naquela altura tanto o furriel dos paraquedistas como o administrador e o seu secretário não tinham a certeza se de facto era eu quem andava por aí a fazer este serviço, porque viram-me a falar muito desembarassadamente [desembaraçadamente] com eles em todas as perguntas que têm feito, até que o administrador resolveu dizer o nome do imposto neste momento.
Mas logo à noite apareceu outra vez o tal Momba [a] dizer ao administra-
3
dor de que a pessoa que se encontra na prisão é a pessoa que tem indicado. Naquela altura o administrador ficou muito furioso até que mandou chamar o Adulai Duca, naquela noite, onde autorizou-o de levar-me muito cedo para poder fazer-me interrogações. O Adulai veio depois informar-me tudo à prisão naquela noite, até disse-me para não mudar de palavra, embora com maltratos e tudo mais.
E mesmo naquela noite apareceu [apareceram] estes bravos camaradas que é [são] Djá [?], Vanguena [?] e João de Pina que arrebentaram a prisão e soltaram-me. Agora o administrador está muito atrapalhado deste facto e espalhou os homens para todas as bandas em [à] minha procura. Mandei estes camaradas com Aliu porque 4 deles foram também denunciados deste acontecimento, por isso já não podem voltar a suas casas, e mais encontram-se todos desarmados.
Também aproveitei deles que é para levarem a canoa conforme a informação do portador. Agradecia depois mandar estes camaradas todos armados, que é para poder começar a fazer pequenas sabotagens. Também acabou de chegar há dias
4
em Catió o Jaime [James] Pinto Bull [, 1913-1970, deputado à Assembleia Nacional] (**) onde houve muita festa da [à] sua chegada.
Recebi com o Aliu a importância de 5 mil francos, um rádio marca National com as pilhas sobresselentes [, sobressalentes], medicamentos, plástico, duas camisas e mais este camarada José Domingos Gomes.
Agradecia mandar mais uma pessoa com mais experiência para ajudar-me, porque todos estes aqui trabalham bem, mas quem faz tudo sou eu e mais ninguém.
Porque quando mandei algum deles trabalhar para uma parte voltam sempre com as mesmas palavras de que toda aquela gente só quer para lá a minha presença. Portanto, embora que me encontro duma banda tenho que aparecer para lá organizá-los e tomar os seus nomes. Tudo isto é um grande atraso, por isso mandei pedir mais uma pessoa que saiba ler e escrever.
Junto envio a pistola do Tenguena [?] que tem partido o percutor no momento em que ensinava os camaradas mexer-se nela [sic]. Agradecia também mandar-se um relógio de pulso se há possibilidades, que é para poder saber a hora de abertura das estações [de rádio]. Também preciso
5
duma daquelas pistolas novas que há, para lá de 12 balas com a sua respectiva bolsa.
Também não é conveniente mandar estes camaradas desarmados, como acabou de chegar o José. E mais é melhor fazê-los regressar urgentemente junto de mim todos armados.
Manda-me estas pistolas de 12 balas para depois passar esta minha ao José.
Portanto termino na esperança de receber a sua resposta e mais todas as coisas necessárias que possa haver com estes camaradas.
Do camarada e companheiro de luta,
João Bernardo Vieira, ‘Nino’
[PS-] Junto vai o Iembará [?] Madjo e o seu companheiro porque foram chamados ao Tribunal Militar em Bissau. Por isso, depois disto chegar ao meu conhecimento, autorizei-lhes de fugir porque é a mesma questão do ano passado. Também agradecia arranjar capas para os camaradas que se encontram comigo e mais estes que ali foram. Cá dentro somos 5 pessoas, além desses que viram [virão] junto de mim. Agradecia também mandar-me 10 garrafas de óleo e mais esferográficas.
em Catió o Jaime [James] Pinto Bull [, 1913-1970, deputado à Assembleia Nacional] (**) onde houve muita festa da [à] sua chegada.
Recebi com o Aliu a importância de 5 mil francos, um rádio marca National com as pilhas sobresselentes [, sobressalentes], medicamentos, plástico, duas camisas e mais este camarada José Domingos Gomes.
Agradecia mandar mais uma pessoa com mais experiência para ajudar-me, porque todos estes aqui trabalham bem, mas quem faz tudo sou eu e mais ninguém.
Porque quando mandei algum deles trabalhar para uma parte voltam sempre com as mesmas palavras de que toda aquela gente só quer para lá a minha presença. Portanto, embora que me encontro duma banda tenho que aparecer para lá organizá-los e tomar os seus nomes. Tudo isto é um grande atraso, por isso mandei pedir mais uma pessoa que saiba ler e escrever.
Junto envio a pistola do Tenguena [?] que tem partido o percutor no momento em que ensinava os camaradas mexer-se nela [sic]. Agradecia também mandar-se um relógio de pulso se há possibilidades, que é para poder saber a hora de abertura das estações [de rádio]. Também preciso
5
duma daquelas pistolas novas que há, para lá de 12 balas com a sua respectiva bolsa.
Também não é conveniente mandar estes camaradas desarmados, como acabou de chegar o José. E mais é melhor fazê-los regressar urgentemente junto de mim todos armados.
Manda-me estas pistolas de 12 balas para depois passar esta minha ao José.
Portanto termino na esperança de receber a sua resposta e mais todas as coisas necessárias que possa haver com estes camaradas.
Do camarada e companheiro de luta,
João Bernardo Vieira, ‘Nino’
[PS-] Junto vai o Iembará [?] Madjo e o seu companheiro porque foram chamados ao Tribunal Militar em Bissau. Por isso, depois disto chegar ao meu conhecimento, autorizei-lhes de fugir porque é a mesma questão do ano passado. Também agradecia arranjar capas para os camaradas que se encontram comigo e mais estes que ali foram. Cá dentro somos 5 pessoas, além desses que viram [virão] junto de mim. Agradecia também mandar-me 10 garrafas de óleo e mais esferográficas.
Fonte: (s.d.), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_37302 (2013-11-22)
[Transcrição, revisão e fixação de texto: L.G.]
3. Excerto do livro do nosso camarada Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa: Associação de Comandos, 2010, pp. 30/31):
(...) "Quando eu estava em Catió, em Julho de 1961, toda a a gente falava de um tal Nino Vieira que tinha fugido da prisão da administração de Catió e que tinha sido ajudado por um cabo cipaio, o Adulai Duca Dajaló, casado com uma irmã do João Bacar Djaló.
"Nessa altura encontrava-se em Catió um colega meu de Bissau, o Adulai Djá, que enquanto fazia consultas tentava mobilizar pessoal para o PAIGC. Eram os tempos em que o PAIGC, ainda pouco conhecido, estava a começar a emitir um programa pela rádio Conacry.
"Uma tarde, convidado pelo Adulai Djá, fui ouvir a emissão a casa do cipaio. Depois voltámos muitas vezes, fechávamos a porta, para o João Bacar não saber, e ouvíamos o programa quase todo. Nessa altura, o Adulai Djá, estava a tentar aliciar-me e eu estive hesitante" (...)
3. Excerto do livro do nosso camarada Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa: Associação de Comandos, 2010, pp. 30/31):
(...) "Quando eu estava em Catió, em Julho de 1961, toda a a gente falava de um tal Nino Vieira que tinha fugido da prisão da administração de Catió e que tinha sido ajudado por um cabo cipaio, o Adulai Duca Dajaló, casado com uma irmã do João Bacar Djaló.
"Nessa altura encontrava-se em Catió um colega meu de Bissau, o Adulai Djá, que enquanto fazia consultas tentava mobilizar pessoal para o PAIGC. Eram os tempos em que o PAIGC, ainda pouco conhecido, estava a começar a emitir um programa pela rádio Conacry.
"Uma tarde, convidado pelo Adulai Djá, fui ouvir a emissão a casa do cipaio. Depois voltámos muitas vezes, fechávamos a porta, para o João Bacar não saber, e ouvíamos o programa quase todo. Nessa altura, o Adulai Djá, estava a tentar aliciar-me e eu estive hesitante" (...)
4. Clicar aqui para ampliar a imagem: Casa Comum.
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 04609.056.054
Assunto: Comunica que foi preso pelas tropas coloniais em Cubaque, depois de ter sido denunciado por um empregado da Casa Gouveia, em Catió, e por Momba, chefe de I. de Infanda, tendo sido liberto mais tarde por 3 camaradas. Informa da chegada de Jaime Pinto Bull a Catió. Solicita o envio de uma pessoa com experiência.
Remetente: João Bernardo Vieira
Destinatário: [Amílcar?] Cabral
Data: s.d.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1962 (interna).
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondencia
Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.
____________
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 04609.056.054
Assunto: Comunica que foi preso pelas tropas coloniais em Cubaque, depois de ter sido denunciado por um empregado da Casa Gouveia, em Catió, e por Momba, chefe de I. de Infanda, tendo sido liberto mais tarde por 3 camaradas. Informa da chegada de Jaime Pinto Bull a Catió. Solicita o envio de uma pessoa com experiência.
Remetente: João Bernardo Vieira
Destinatário: [Amílcar?] Cabral
Data: s.d.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1962 (interna).
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondencia
Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.
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Notas do editor:
(*) Poste anterior da série > 8 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12267: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (7): Cartas de Marga ['Nino' Vieira] e de Luís Cabral, onde se fala dos 3 desertores de Fulacunda, presumivelmente da CART 565, elevando para 9, até ao dia 3/4/1965, o número de militares portugueses que, no TO da Guiné, tinham até então desertado...
(**) James Pinto Bull (193-1970): morreu, com outros deputados, num desastre de aviação durante uma visita à Guiné em 26/7/1970.
Guiné 63/74 - P12331: Blogoterapia (242): Quantas histórias, quanta mudança! Quanto esforço, escrevendo a história (Maria Helena / Vasco Pires)
Incrível túnel do tempo!!!
Quantas histórias, quanta mudança!
Quanto esforço, escrevendo a história!
Parabéns a todos os participantes deste álbum!
M Helena
1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72) com data de 13 de Outubro de 2013:
Caro Luis,
As palavras são de justiça, e agradecer não há que; não estou mitificando ninguém, a mim parece óbvio que a equipa que você lidera, presta relevante Serviço à nossa tão injustiçada geração.
Falando em justiça, não posso deixar de "confessar" a minha dívida pessoal, com duas pessoas, cada uma a seu modo, que me guiaram e incentivaram, nesses por vezes tão íngremes e tortuosos caminhos da memória; e só nós sabemos, que o "caminho da memória" dos veteranos de guerra, por vezes é ainda mais tortuoso que o do comum dos mortais.
A Maria Helena, minha companheira do pós-guerra, que é psicóloga clínica, foi quem me guiou com datas e factos que já estavam "jogados" no subconsciente, e me incentivou a essa catarse. E o Camarada Carlos Vinhal, quem me recebeu nesta GRANDE TABANCA, criou até o caminho para os FANTASMAS saírem, e sempre me incentivou a encaminhá-los para o papel.
As palavras, como disse acima, são de JUSTIÇA e GRATIDÃO.
Forte abraço a todos
Vasco Pires
2. Comentário do editor:
De vez em quando é necessário verificar o correio um pouco mais antigo pois por vezes acontecem lamentáveis esquecimentos.
Desta feita, esta mensagem do nosso camarada Vasco Pires, na diáspora em Terras de Santa Cruz, de 13 de Outubro passado, não estava esquecida, antes à espera de alguma coragem para ultrapassar um certo acanhamento, já que a mesma diz directamente respeito às nossas pessoas e ao trabalho que aqui vamos desenvolvendo com o maior prazer.
O título deste poste são palavras da psicóloga/companheira do nosso camarada Vasco Pires e são uma homenagem a toda a tertúlia deste Blogue e a todos os camaradas que utilizando os diversos meios ao dispor na internete, publicam memórias e fotos que ficarão a navegar como testemunho da geração de jovens portugueses dos anos 60 e 70 que participaram na Guerra do Ultramar, levada a cabo numa África de clima e terrenos hostis para qualquer europeu, na maioria das vezes em condições mínimas de sobrevivência, em abrigos precários e deficiente alimentação.
O álbum a que se refere a nossa amiga Maria Helena, é um dos muitos que se podem encontrar navegando no Google, neste caso, refere-se a esta pesquisa:
https://www.google.com.br/search?q=VASCO+PIRES+23%C2%B0+PEL+ART+GADAMAEL&espv=210&es_sm=93&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ei=prNaUpurAsquqAGNwIHIDQ&ved=0CAkQ_AUoAQ&biw=914&bih=594&dpr=1
Aqui fica o testemunho de inúmeros ex-combatentes. Aqui ficam retratados os mais variados instantâneos de uma guerra que não quisemos, mas fizemos.
CV
____________
Nota do editor
Último poste da série de 21 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12323: Blogoterapia (241): Somos todos privilegiados sobreviventes (Vasco Pires)
Quantas histórias, quanta mudança!
Quanto esforço, escrevendo a história!
Parabéns a todos os participantes deste álbum!
M Helena
1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72) com data de 13 de Outubro de 2013:
Caro Luis,
As palavras são de justiça, e agradecer não há que; não estou mitificando ninguém, a mim parece óbvio que a equipa que você lidera, presta relevante Serviço à nossa tão injustiçada geração.
Falando em justiça, não posso deixar de "confessar" a minha dívida pessoal, com duas pessoas, cada uma a seu modo, que me guiaram e incentivaram, nesses por vezes tão íngremes e tortuosos caminhos da memória; e só nós sabemos, que o "caminho da memória" dos veteranos de guerra, por vezes é ainda mais tortuoso que o do comum dos mortais.
A Maria Helena, minha companheira do pós-guerra, que é psicóloga clínica, foi quem me guiou com datas e factos que já estavam "jogados" no subconsciente, e me incentivou a essa catarse. E o Camarada Carlos Vinhal, quem me recebeu nesta GRANDE TABANCA, criou até o caminho para os FANTASMAS saírem, e sempre me incentivou a encaminhá-los para o papel.
As palavras, como disse acima, são de JUSTIÇA e GRATIDÃO.
Forte abraço a todos
Vasco Pires
2. Comentário do editor:
De vez em quando é necessário verificar o correio um pouco mais antigo pois por vezes acontecem lamentáveis esquecimentos.
Desta feita, esta mensagem do nosso camarada Vasco Pires, na diáspora em Terras de Santa Cruz, de 13 de Outubro passado, não estava esquecida, antes à espera de alguma coragem para ultrapassar um certo acanhamento, já que a mesma diz directamente respeito às nossas pessoas e ao trabalho que aqui vamos desenvolvendo com o maior prazer.
O título deste poste são palavras da psicóloga/companheira do nosso camarada Vasco Pires e são uma homenagem a toda a tertúlia deste Blogue e a todos os camaradas que utilizando os diversos meios ao dispor na internete, publicam memórias e fotos que ficarão a navegar como testemunho da geração de jovens portugueses dos anos 60 e 70 que participaram na Guerra do Ultramar, levada a cabo numa África de clima e terrenos hostis para qualquer europeu, na maioria das vezes em condições mínimas de sobrevivência, em abrigos precários e deficiente alimentação.
O álbum a que se refere a nossa amiga Maria Helena, é um dos muitos que se podem encontrar navegando no Google, neste caso, refere-se a esta pesquisa:
https://www.google.com.br/search?q=VASCO+PIRES+23%C2%B0+PEL+ART+GADAMAEL&espv=210&es_sm=93&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ei=prNaUpurAsquqAGNwIHIDQ&ved=0CAkQ_AUoAQ&biw=914&bih=594&dpr=1
Aqui fica o testemunho de inúmeros ex-combatentes. Aqui ficam retratados os mais variados instantâneos de uma guerra que não quisemos, mas fizemos.
CV
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Nota do editor
Último poste da série de 21 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12323: Blogoterapia (241): Somos todos privilegiados sobreviventes (Vasco Pires)
Guiné 63/74 - P12330: Bom ou mau tempo na bolanha (36): Quem se lembra do Soares da Messe dos Oficiais? (Tony Borié)
Trigésimo sexto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.
Vamos aparecendo, não é tão raro assim, o Combatente, continuou a ser combatente por este mundo além, para muitos de nós, andar na Guiné foi quase o começo de uma jornada que ninguém sabe onde e quando acabará.
Que o diga o Jorge, que há mais de 14 anos, todos os dias, às cinco horas da manhã, já tem quase completa a sua distribuição, em todas as caixas públicas da sua área, de um jornal que se publica na Flórida, em Daytona Beach, o “News-Journal”, e como isso não fosse o suficiente, como não chegasse o tempo que deu à sua Pátria quando serviu a Força Aérea de Portugal, mostra um álbum com fotos a preto e branco, com muito orgulho, continua a servir Portugal e os portugueses, que vivem nesta área, pois vendo a necessidade que havia de produtos importados no nosso Portugal, tem um mercado, aqui na Florida, onde vende aqueles produtos, com que fomos criados aí em Portugal, fazendo-nos lembrar os usos e costumes da nossas origens.
O Jorge é uma personagem bastante respeitada e popular na cidade onde vive, vêm pessoas de outras áreas comprar atum de conserva, azeitonas, vinho, peixe, tremoços, polvo, bacalhau, queijo, jornais e outros produtos com o emblema de Portugal. Também já viveu no norte, quando emigrou para para os USA, por volta de 1977, para Monte Vernon, New York, onde trabalhou numa fábrica industrial, sendo mais tarde proprietário de um restaurante na zona de “Martha’s Vineyard”, mas o sol do seu Algarve, donde é oriundo, falaram mais alto, e veio para a Florida em 1998.
Companheiros, estamos a falar do Jorge Manuel da Cruz Soares, que nasceu ano de 1948, em Faro, no Algarve e que como muitos de nós, no ano de 1968, tirou o treino de recruta durante 3 meses, (básico treino), na Ota, pertencendo à 3.ª Esquadrilha e 3.ª Secção, com o número 513/68, em seguida foi para Tancos, Base Aérea N.º 3, tirar o treino de escriturário, durante 4 meses. Terminado o treino, foi para a Base Aérea N.º 6, em Monte Real, onde ficou a aguardar embarque. Uma vez que quase todos os seus companheiros tinham sido mobilizados para o ultramar, excepto ele, certo dia perguntou ao comandante quando embarcava, respondendo este que “já andavam à sua procura há meses”. Finalmente, deixando aquela disciplina toda dos quartéis de Portugal, donde só se lembra de uma coisa boa, que era ida ao cinema da Escola Prática de Engenharia, que era só atravessar a pista de aviões, e custava 10 tostões o bilhete, lá foi metido num avião DC-6, no aeroporto da Portela, pois o de Figo Maduro ainda não estava operacional.
Veio para a província da Guiné, desembarcou em Bissalanca, sentiu o cheiro da terra vermelha, o calor intenso com alguma humidade, ficou todo picado dos mosquitos, tal como qualquer militar que chegava nessa altura, mas teve alguma sorte, pois encontrou um sargento amigo que o colocou no refeitório. Fazia o seu serviço com alguma disciplina, passado 3 meses o Tenente Lima, vendo nele um bom elemento para o serviço de restauração, levou-o para Bissau, para a messe dos oficiais, que era ao lado do Palácio do Governador, onde na altura estava instalado o General Spínola, que quase todas as noites lá ia comer. Era aí o local onde havia reuniões durante o jantar, e até esquematizavam operações, e diz o Jorge, que finda a refeição, iam para uma sala ao lado, onde havia o bar dos oficiais, fechavam a porta onde continuavam com a sua conversação, e claro, com todas aquelas bebidas à disposição.
Quando isto acontecia, toda esta “operação”, chamamos-lhe assim, da reserva de mesa e respectiva comida, era primeiro encomendada ao “Soares, da Messe dos Oficiais”, que preparava e guardava a mesa, com a comida, fazendo a respectiva lista com o nome dos militares para mandar para o Conselho Administrativo da Base, para os respectivos descontos.
O Jorge explica um pormenor bastante importante, que quer repartir com os nossos companheiros combatentes, com toda a certeza vão gostar de saber, pois dada a sua exposição ao ambiente, foi convidado pela então “PIDE”, a tal Polícia do Estado, para ingressar nessa agremiação, sendo a sua posição era muito apetecível, pois tinha contactos com personalidades de nome, e estava exposto e tinha convivência com todos.
Conclusão, eles, os da tal polícia, fiscalizavam todos, até o comandante supremo, não acreditando em ninguém.
Tinha que andar sempre fardado com rigor, deslocava-se à base em Bissalanca todos os dias, para adquirir os géneros que estavam nos frigoríficos, pois havia dois chefes de cozinha que tinham que ser atendidos de todos os géneros, desde carnes frias, aos vegetais, que muitas vezes ia comprar no mercado de Bissau. Sempre dizia que tinha um motorista particular e estava isento de todo o serviço, pois a Messe ocupava-lhe todo o tempo desde as seis da manhã até 10 horas da noite, e só depois ia para a borga.
Permaneceu 15 meses em Bissau, e claro durante este tempo ia visitando todos aqueles locais que eram conhecidos dos militares. Guarda recordações do Café Flamingo, que estava na moda, tinha uma vista para o cais, onde se juntavam muitos militares, lembra-se do mercado, de alguns passeios à beira do rio Geba, vendo chegar e partir os navios com militares e equipamentos, sabia quais as “bajudas” que por lá havia bonitas, e claro muitas e muitas vezes fugia mais os seus companheiros ao famoso bairro do Pilão, mas ia sempre com companhia.
Quando já sabia que ia regressar, adoeceu com o paludismo, indo para a enfermaria da Base durante 8 dias. Finalmente regressou a Portugal, num DC6, que já vinha de Angola com outros militares, e desta vez já desembarcou no aeroporto militar de Figo Maduro, regressando à Base Aérea de Monte Real, onde fez o espólio. Regressou à vida civil, ignorando o convite para ingressar na tal Polícia do Estado.
Lembra também que teve alguns amigos, daqueles que não se esquecem, como o Orlando Gomes Abreu, de Setúbal, na Base da Ota, e o Martins, oriundo de Cachadinhas, Amarante, que mais tarde emigrou para França. Também explica que o General Spínola fora do serviço militar, portanto como civil, era uma excelente pessoa e bastante conversador, mas como militar tinha muita disciplina. De uma vez viu o General a bater com o seu pingalim, dizendo palavras rudes a um marinheiro que tinha desertado para o lado do inimigo, e que foi capturado numa operação das forças Pára-quedistas, posteriormente recambiado para Portugal.
Quando se fala com o Jorge, ele não pára, anda sempre ocupado, por alguns momentos parece estar ainda na Guiné, onde trabalhava ao serviço dos militares de Portugal, desde as seis da manhã, até às dez da noite.
Tony Borie, 2013
____________
Nota do editor
Último poste da série de 16 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12304: Bom ou mau tempo na bolanha (35): Morreu o Zé Pesca na Ilha do Como (Toni Borié)
Vamos aparecendo, não é tão raro assim, o Combatente, continuou a ser combatente por este mundo além, para muitos de nós, andar na Guiné foi quase o começo de uma jornada que ninguém sabe onde e quando acabará.
Que o diga o Jorge, que há mais de 14 anos, todos os dias, às cinco horas da manhã, já tem quase completa a sua distribuição, em todas as caixas públicas da sua área, de um jornal que se publica na Flórida, em Daytona Beach, o “News-Journal”, e como isso não fosse o suficiente, como não chegasse o tempo que deu à sua Pátria quando serviu a Força Aérea de Portugal, mostra um álbum com fotos a preto e branco, com muito orgulho, continua a servir Portugal e os portugueses, que vivem nesta área, pois vendo a necessidade que havia de produtos importados no nosso Portugal, tem um mercado, aqui na Florida, onde vende aqueles produtos, com que fomos criados aí em Portugal, fazendo-nos lembrar os usos e costumes da nossas origens.
O Jorge é uma personagem bastante respeitada e popular na cidade onde vive, vêm pessoas de outras áreas comprar atum de conserva, azeitonas, vinho, peixe, tremoços, polvo, bacalhau, queijo, jornais e outros produtos com o emblema de Portugal. Também já viveu no norte, quando emigrou para para os USA, por volta de 1977, para Monte Vernon, New York, onde trabalhou numa fábrica industrial, sendo mais tarde proprietário de um restaurante na zona de “Martha’s Vineyard”, mas o sol do seu Algarve, donde é oriundo, falaram mais alto, e veio para a Florida em 1998.
Companheiros, estamos a falar do Jorge Manuel da Cruz Soares, que nasceu ano de 1948, em Faro, no Algarve e que como muitos de nós, no ano de 1968, tirou o treino de recruta durante 3 meses, (básico treino), na Ota, pertencendo à 3.ª Esquadrilha e 3.ª Secção, com o número 513/68, em seguida foi para Tancos, Base Aérea N.º 3, tirar o treino de escriturário, durante 4 meses. Terminado o treino, foi para a Base Aérea N.º 6, em Monte Real, onde ficou a aguardar embarque. Uma vez que quase todos os seus companheiros tinham sido mobilizados para o ultramar, excepto ele, certo dia perguntou ao comandante quando embarcava, respondendo este que “já andavam à sua procura há meses”. Finalmente, deixando aquela disciplina toda dos quartéis de Portugal, donde só se lembra de uma coisa boa, que era ida ao cinema da Escola Prática de Engenharia, que era só atravessar a pista de aviões, e custava 10 tostões o bilhete, lá foi metido num avião DC-6, no aeroporto da Portela, pois o de Figo Maduro ainda não estava operacional.
Veio para a província da Guiné, desembarcou em Bissalanca, sentiu o cheiro da terra vermelha, o calor intenso com alguma humidade, ficou todo picado dos mosquitos, tal como qualquer militar que chegava nessa altura, mas teve alguma sorte, pois encontrou um sargento amigo que o colocou no refeitório. Fazia o seu serviço com alguma disciplina, passado 3 meses o Tenente Lima, vendo nele um bom elemento para o serviço de restauração, levou-o para Bissau, para a messe dos oficiais, que era ao lado do Palácio do Governador, onde na altura estava instalado o General Spínola, que quase todas as noites lá ia comer. Era aí o local onde havia reuniões durante o jantar, e até esquematizavam operações, e diz o Jorge, que finda a refeição, iam para uma sala ao lado, onde havia o bar dos oficiais, fechavam a porta onde continuavam com a sua conversação, e claro, com todas aquelas bebidas à disposição.
Quando isto acontecia, toda esta “operação”, chamamos-lhe assim, da reserva de mesa e respectiva comida, era primeiro encomendada ao “Soares, da Messe dos Oficiais”, que preparava e guardava a mesa, com a comida, fazendo a respectiva lista com o nome dos militares para mandar para o Conselho Administrativo da Base, para os respectivos descontos.
O Jorge explica um pormenor bastante importante, que quer repartir com os nossos companheiros combatentes, com toda a certeza vão gostar de saber, pois dada a sua exposição ao ambiente, foi convidado pela então “PIDE”, a tal Polícia do Estado, para ingressar nessa agremiação, sendo a sua posição era muito apetecível, pois tinha contactos com personalidades de nome, e estava exposto e tinha convivência com todos.
Conclusão, eles, os da tal polícia, fiscalizavam todos, até o comandante supremo, não acreditando em ninguém.
Tinha que andar sempre fardado com rigor, deslocava-se à base em Bissalanca todos os dias, para adquirir os géneros que estavam nos frigoríficos, pois havia dois chefes de cozinha que tinham que ser atendidos de todos os géneros, desde carnes frias, aos vegetais, que muitas vezes ia comprar no mercado de Bissau. Sempre dizia que tinha um motorista particular e estava isento de todo o serviço, pois a Messe ocupava-lhe todo o tempo desde as seis da manhã até 10 horas da noite, e só depois ia para a borga.
Permaneceu 15 meses em Bissau, e claro durante este tempo ia visitando todos aqueles locais que eram conhecidos dos militares. Guarda recordações do Café Flamingo, que estava na moda, tinha uma vista para o cais, onde se juntavam muitos militares, lembra-se do mercado, de alguns passeios à beira do rio Geba, vendo chegar e partir os navios com militares e equipamentos, sabia quais as “bajudas” que por lá havia bonitas, e claro muitas e muitas vezes fugia mais os seus companheiros ao famoso bairro do Pilão, mas ia sempre com companhia.
Quando já sabia que ia regressar, adoeceu com o paludismo, indo para a enfermaria da Base durante 8 dias. Finalmente regressou a Portugal, num DC6, que já vinha de Angola com outros militares, e desta vez já desembarcou no aeroporto militar de Figo Maduro, regressando à Base Aérea de Monte Real, onde fez o espólio. Regressou à vida civil, ignorando o convite para ingressar na tal Polícia do Estado.
Lembra também que teve alguns amigos, daqueles que não se esquecem, como o Orlando Gomes Abreu, de Setúbal, na Base da Ota, e o Martins, oriundo de Cachadinhas, Amarante, que mais tarde emigrou para França. Também explica que o General Spínola fora do serviço militar, portanto como civil, era uma excelente pessoa e bastante conversador, mas como militar tinha muita disciplina. De uma vez viu o General a bater com o seu pingalim, dizendo palavras rudes a um marinheiro que tinha desertado para o lado do inimigo, e que foi capturado numa operação das forças Pára-quedistas, posteriormente recambiado para Portugal.
Quando se fala com o Jorge, ele não pára, anda sempre ocupado, por alguns momentos parece estar ainda na Guiné, onde trabalhava ao serviço dos militares de Portugal, desde as seis da manhã, até às dez da noite.
Tony Borie, 2013
____________
Nota do editor
Último poste da série de 16 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12304: Bom ou mau tempo na bolanha (35): Morreu o Zé Pesca na Ilha do Como (Toni Borié)
Guiné 63/74 - P12329: Parabéns a você (654): José Romeiro Saúde, ex-Fur Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 19 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12312: Parabéns a você (653): Mário Miguéis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1970/72)
Nota do editor
Último poste da série de 19 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12312: Parabéns a você (653): Mário Miguéis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1970/72)
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
Guiné 63/74 - P12328: Blogpoesia (360): Porquê? Porque dizes tu, que és minha amiga? (António Eduardo Ferreira)
1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 18 de Novembro de 2013:
Amigo Carlos,
Por vezes sinto necessidade de escrever aquilo a que eu costumo chamar estados d´alma, ainda que na maioria das vezes tenha o cesto dos papéis como destino.
Desta vez vou publicar no meu bloguezinho*, o que acontecerá nos próximos dias.
Se entenderes que merece a pena publicar no nosso blogue…
Recebe um abraço amigo, extensivo a todos, que continuam a manter o blogue bem vivo.
António Eduardo Ferreira
Porquê?
Porque dizes tu, que és minha amiga?
Se quando te peço que me vejas, apenas me olhas.
Se te peço que me escutes, apenas me ouves.
Se te peço que me fales, pensas sempre no que dizes, mas raramente dizes aquilo que pensas.
Nunca te pedi para que fosses minha amiga, muito menos, que dissesses que o eras.
Eu sei que nesse tempo, junto a mim o Sol aquecia mais; talvez por isso, te tenhas aproximado, sem que alguma vez eu tenha reparado que procuraste a sombra.
Mas o tempo mudou, as nuvens chegaram e o sol encobriu.
Foi então que olhei em meu redor, e já estava só.
Aí, eu senti que os nossos amigos raramente são os que o dizem ser, mas sim, aqueles que se não afastam de nós quando deles mais precisamos.
Mas o amanhã é sempre outro dia.
E, eu esperarei que o sol volte de novo, e então prometerei a mim mesmo, que hei- de saber distinguir aqueles que se aproximam de nós, só porque de onde vem o tempo está frio.
António EJ Ferreira
2. Comentário do editor
Por que julgamos nunca se ter falado na nossa página do Blogue do camarada António Eduardo Ferreira, aqui fica um convite para se fazer lá uma visita.
Ali fala-se de tudo, até da Guiné.
CV
____________
Nota do editor
Último poste da série de 14 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12294: Blogpoesia (359): Um poema a África (Juvenal Amado)
Amigo Carlos,
Por vezes sinto necessidade de escrever aquilo a que eu costumo chamar estados d´alma, ainda que na maioria das vezes tenha o cesto dos papéis como destino.
Desta vez vou publicar no meu bloguezinho*, o que acontecerá nos próximos dias.
Se entenderes que merece a pena publicar no nosso blogue…
Recebe um abraço amigo, extensivo a todos, que continuam a manter o blogue bem vivo.
António Eduardo Ferreira
Porquê?
Porque dizes tu, que és minha amiga?
Se quando te peço que me vejas, apenas me olhas.
Se te peço que me escutes, apenas me ouves.
Se te peço que me fales, pensas sempre no que dizes, mas raramente dizes aquilo que pensas.
Nunca te pedi para que fosses minha amiga, muito menos, que dissesses que o eras.
Eu sei que nesse tempo, junto a mim o Sol aquecia mais; talvez por isso, te tenhas aproximado, sem que alguma vez eu tenha reparado que procuraste a sombra.
Mas o tempo mudou, as nuvens chegaram e o sol encobriu.
Foi então que olhei em meu redor, e já estava só.
Aí, eu senti que os nossos amigos raramente são os que o dizem ser, mas sim, aqueles que se não afastam de nós quando deles mais precisamos.
Mas o amanhã é sempre outro dia.
E, eu esperarei que o sol volte de novo, e então prometerei a mim mesmo, que hei- de saber distinguir aqueles que se aproximam de nós, só porque de onde vem o tempo está frio.
António EJ Ferreira
2. Comentário do editor
Por que julgamos nunca se ter falado na nossa página do Blogue do camarada António Eduardo Ferreira, aqui fica um convite para se fazer lá uma visita.
O Blogue "molianos - viajando no tempo" pode ser visitado em http://molianos.wordpress.com/
Ali fala-se de tudo, até da Guiné.
CV
____________
Nota do editor
Último poste da série de 14 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12294: Blogpoesia (359): Um poema a África (Juvenal Amado)
Guiné 63/74 - P12327: (In)citações (57): O meu próximo livro pode responder a questões relacionadas com o pós independência da Guiné-Bissau (Mário Serra de Oliveira)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Serra de Oliveira (ex-1.º Cabo Escriturário, Bissau, 1967/68), com data e 6 de Novembro de 2013:
Prezado Carlos:
Na tentativa de "rematar" o meu segundo livro, envio o texto abaixo a tua consideração, para recolha de possíveis curiosidades a que eu possa responder, no mesmo.
PRESADOS LEITORES, ESPECIALMENTE AOS LEITORES EX-COMBATENTES NA GUINÉ
Estando a retocar certos capítulos do que já chamo o meu segundo livro, cujo título é “BISSAULONIA”, gostaria que me apresentassem as vossas questões, que acaso possam ter curiosidade, sobre os mais variados aspectos que possam existir, pelo facto de eu lá ter ficado na Guiné, cerca de 14 anos e meio que, como tal, talvez eu esteja habilitado a responder.
Os 4 pontos abaixo são uma iniciativa minha, pensando que os mesmos poderão fazer parte da lista dos pontos que poderão gostar de saber, como foi ou não foi.
Obviamente haverá questões às quais não poderei responder mas tudo farei para descrever o melhor que sei, com a verdade “do clima” politica e social, que passou a reinar na ocasião.
Recordo a todos que só de lá saí em Agosto de 1981, quase 7 anos após a Independência.
1) – Como foi “aquilo”, depois da independência?
2) – O que se passou depois da independência?
3) – Como nos trataram (a mim, minha família e outros) depois da independência?
4) - Que impressões “tiraram” na convivência do dia-a-dia, depois da independência?
Agora, aqui as vossas questões.
Abraço fraternal a todos.
Mário de Oliveira
____________
Notas do editor:
i) Recordemos que Mário Serra de Oliveira, sob o pseudónimo de Mário Tito, é o autor do livro "Palavras de um Defunto Antes de o Ser", Chiado Editora, 2012, ao qual o nosso camarada Mário Beja Santos dedicou uma recensão publicada no poste de 3 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10938: Notas de leitura (449): Palavras de um Defunto... Antes de o Ser, por Mário Tito, o nosso camarada Mário Serra de Oliveira (Mário Beja Santos).
Aqui fica feito o convite aos camaradas que quiserem ver afloradas no próximo livro de Mário Serra de Oliveira, "Bissaulonia", as suas questões relacionadas com o pós-independência da Guiné-Bissau até ao ano de 1981, data em que este nosso camarada se mudou para os Estados Unidos.
As sugestões podem ficar registadas em comentário neste poste ou serem encaminhadas directamente para o endereço mariotitodoalcaide@gmail.com.
ii) Último poste da série de 20 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12317: (In)citações (56): Meditação (Abel Santos)
Prezado Carlos:
Na tentativa de "rematar" o meu segundo livro, envio o texto abaixo a tua consideração, para recolha de possíveis curiosidades a que eu possa responder, no mesmo.
PRESADOS LEITORES, ESPECIALMENTE AOS LEITORES EX-COMBATENTES NA GUINÉ
Estando a retocar certos capítulos do que já chamo o meu segundo livro, cujo título é “BISSAULONIA”, gostaria que me apresentassem as vossas questões, que acaso possam ter curiosidade, sobre os mais variados aspectos que possam existir, pelo facto de eu lá ter ficado na Guiné, cerca de 14 anos e meio que, como tal, talvez eu esteja habilitado a responder.
Os 4 pontos abaixo são uma iniciativa minha, pensando que os mesmos poderão fazer parte da lista dos pontos que poderão gostar de saber, como foi ou não foi.
Obviamente haverá questões às quais não poderei responder mas tudo farei para descrever o melhor que sei, com a verdade “do clima” politica e social, que passou a reinar na ocasião.
Recordo a todos que só de lá saí em Agosto de 1981, quase 7 anos após a Independência.
1) – Como foi “aquilo”, depois da independência?
2) – O que se passou depois da independência?
3) – Como nos trataram (a mim, minha família e outros) depois da independência?
4) - Que impressões “tiraram” na convivência do dia-a-dia, depois da independência?
Agora, aqui as vossas questões.
Abraço fraternal a todos.
Mário de Oliveira
____________
Notas do editor:
i) Recordemos que Mário Serra de Oliveira, sob o pseudónimo de Mário Tito, é o autor do livro "Palavras de um Defunto Antes de o Ser", Chiado Editora, 2012, ao qual o nosso camarada Mário Beja Santos dedicou uma recensão publicada no poste de 3 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10938: Notas de leitura (449): Palavras de um Defunto... Antes de o Ser, por Mário Tito, o nosso camarada Mário Serra de Oliveira (Mário Beja Santos).
Aqui fica feito o convite aos camaradas que quiserem ver afloradas no próximo livro de Mário Serra de Oliveira, "Bissaulonia", as suas questões relacionadas com o pós-independência da Guiné-Bissau até ao ano de 1981, data em que este nosso camarada se mudou para os Estados Unidos.
As sugestões podem ficar registadas em comentário neste poste ou serem encaminhadas directamente para o endereço mariotitodoalcaide@gmail.com.
ii) Último poste da série de 20 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12317: (In)citações (56): Meditação (Abel Santos)
Guiné 63/74 - P12326: Notas de leitura (536): "Maré Branca em Bulínia", por Manuel da Costa (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2013:
Queridos amigos,
Não é só um livro corajoso pela denúncia dos crimes e da gente envolvida no narcotráfico guineense. É uma prosa palpitante em que vamos percebendo as conivências dos bandos com os militares, os paramilitares e até o aparelho judicial.
Está aqui, preto no branco, a praga da corrupção que disforma a vida social e económica de todo um povo, a mancha da corrupção seduz e atemoriza, assistimos à ascensão dos bem-sucedidos no crime.
Um personagem de grande recorte, DJ Palmas, é usado como a voz da denúncia e o apelo a que os guineenses deixem de ter medo da onda de criminalidade de que são vítimas mas também participantes.
Recomendo vivamente a sua leitura.
Um abraço do
Mário
Maré Branca em Bulínia: um romance que ficará para a história
Beja Santos
“Maré Branca em Bulínia”, por Manuel da Costa, Editorial Minerva, 2013, é uma das grandes surpresas das letras guineenses deste ano. O seu autor é um engenheiro agrónomo e mecânico da eletricidade e instrumentos de aviões. Em 2004, foi nomeado Chefe de Repartição Agrícola da Divisão de Serviços de Produção do Estado-Maior general das Forças Armadas. Este romance é uma assombrosa e inesperada denúncia do narcotráfico na Guiné, das máfias constituídas para a sua exploração e não menos surpreendente teia de cumplicidades de todos os escalões de todos os órgãos de soberania. Com indesmentível coragem, fica-se a saber que o livro gozou do alto patrocínio do Presidente da República de Transição, Manuel Serifo Nhamajo, e teve o apoio da União Nacional de Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. O autor é detentor de vários prémios literários e preside atualmente à ONG NÔ TCHON.
Bulínia é metáfora de Bissau e o autor diz no prólogo: “É minha escolha partilhar com toda gente o que penso e um pouco do que sei sobre o narcotráfico em Bulínia. Sei que, ao fazê-lo, estarei a pôr a minha vida em risco mas não tenho medo. Para que, de uma vez por todas, se tenha consciência da magnitude do narcotráfico neste país, diz-se aqui quem são os verdadeiros responsáveis pela introdução desta atividade criminosa. Como se diz, de boca em boca, ninguém tem dúvida de que são os políticos corruptos e os empresários ávidos pela riqueza que, aproveitando-se do clima de desordem reinante nos quartéis e nas esquadras, usam militares e paramilitares, numa cumplicidade nunca vista, para lhes dar proteção e garantir segurança”.
Tudo começa quando um pescador deitou as redes ao mar, com o auxílio do filho, e começaram a aparecer pacotes, ao princípio pensavam que se tratava de adubo, no dia seguinte muitíssimos outros pacotes deram novamente à costa, a notícia correu logo de boca em boca e toda a gente no povoado colheu e guardou toneladas dos ditos pacotes, julgava-os fertilizantes.
A notícia chegou à capital da droga, foi pronta a conclusão, tratava-se de cocaína que se vendia por 7 milhões de francos CFA o quilo a colombianos, venezuelanos, mexicanos, costa-riquenhos e nigerianos. Um jovem muito esperto apresentou-se como sobrinho do pescador e mostrou-se interessado em comprar o adubo. Saiu-lhe a sorte grande, comprou um saco de 50 quilos por 40 mil francos CFA. A vida de Marcelino (assim se chamava o jovem) iria mudar. Foi até ao Bairro dos Veteranos da Revolução e entendeu-se com o sargento Busnasum que conhecia um gang de traficantes colombianos. Começa a promoção social de Marcelino e de sua mulher, Zinha. Aos poucos, Marcelino vai-se apercebendo da dimensão do narcotráfico em Bulínia, estão envolvidos comandantes militares o Super-ministro, comandos navais, deputados de oposição, polícias, judiciária, máfias. Marcelino compra carros, compra casas, a mulher torna-se empresária, tudo graças ao adubo do mar. Toda aquela droga parte ou para a Europa ou para o Senegal, Mali e Nigéria.
Marcelino virá a descobrir que esta droga é descarregada por avionetas ou por barcos. Recorrendo a nomes arrevesados, o autor dá conta da dimensão da tragédia: “Voltando aos aviões, era mais um voo do Grupo Hipopótamo dirigido pelo respeitado deputado do partido da oposição. Porque havia três grupos de traficantes: o Grupo Hipopótamo, o Grupo Águia, o mais famoso de todos, liderado pelo Super-ministro Matchu Dunu e o grupo Kassissa, gerido pelo empresário Aladje Sanhá Sanhá”. Fica a saber como se transporta a mercadoria mal é descarregada em discretos aeroportos, e dá-nos conta de outros envolvimentos: “Quanto à exportação da droga para a Europa, fazia-se com a cumplicidade de agências transportadoras ou companhias aéreas, pessoal das alfândegas, despachantes e agentes portuários ou com meios próprios dos narcotraficantes. Porque muitas vezes a droga seguia dissimulada nas bagagens dos passageiros ou na mercadoria exportada em contentores e nas pastas diplomáticas dos franco-diplomatas”.
Presume-se sem elevado grau de certeza que a droga fez a sua entrada em 1980, ou um pouco antes. Os barões da droga passaram a agir mais livremente depois das eleições presidenciais de 2003. Aliás, o caldo de cultura estava bem fermentado com toda a gente mal paga ávida por ter meios para satisfazer as necessidades elementares. Com a livre circulação de pessoas e bens abriu-se a porta à droga. O autor faz entrar novos protagonistas, um grupo de jovens que faziam parte da tertúlia NÔ KA NA KALA, uma verdadeira tribuna de opinião, ali se discorre em termos plurais sobre as atuações dos traficantes, como a droga faz mal à juventude e é o rastilho do banditismo, há ali naquela tribuna quem associe a droga a certas bondades como o desenvolvimento da ciência e das novas tecnologias.
Os narcotraficantes são bem visíveis: usam roupa de marca, telemóveis de topo de gama, as melhores viaturas todo o terreno, as suas casas são palácios, aparentemente nada há a fazer, uma importante fração do povo parece estar a favor do infame negócio que faz de Bulínia um pequeno país do continente africano uma rota incontornável dos negócios da droga. Os gangues recorrem a bons advogados e pactuam entre si, partilham espaços, todos os tiroteios e mortes dão nas vistas, estabelecem códigos de conduta. Há mesmo governantes que recorrem ao dinheiro da droga para pagarem aos funcionários públicos. Há membros do Governo que participam diretamente no negócio, basta ver os seus carros de luxo, as suas quintas, a esmerada educação que dão aos filhos. O autor usa uma figura emblemática de aparente virtude DJ Palmas para nos dar a imagem pragmática de um jovem sem meios que vai gradualmente dando sinais de riqueza sem questionar a sua proveniência. A impunidade alastra, como se escreve: “Os pequenos parlamentares chegaram à conclusão que o alto grau de corrupção que o país vivia criava condições propícias para que a impunidade fosse autorizada, porque os juízes eram constantemente corrompidos e não fazia justiça ou fingiam que a faziam. Exatamente por isso é que o Estado perdera autoridade e não conseguia mais pôr ordem no país. Essa falta de autoridade criara a desobediência na família. Os pais não se entendiam com os filhos e ninguém conseguia pôr ordem em sua casa. O nome de Bulínia estava na boca do mundo. No estrangeiro, os cidadãos bulínios começaram a ser perseguidos e presos por tráfico de droga”. Até que um dia DJ Palmas faz a confissão dos crimes cometidos, é um dos momentos mais admiráveis deste inesperado romance de Manuel da Costa.
No epílogo, e retomando a autoridade do Estado, o autor diz que esta “só pode ser restabelecida quando existir um Governo com gente idónea e trabalhadora. Por isso vale a pena dizer a toda a gente que o homem tem um véu de ignorância no rosto mas procurar persistentemente o futuro. DJ Palmas mostrou ao mundo quem são os narcotraficantes, passando a bola ao Governo para que a justiça seja feita”. O glossário é extremamente útil dado que o romance de Manuel da Costa goza dos melhores predicados da chamada literatura luso-guineense.
Por estar facilmente disponível, recomenda-se a todos a leitura deste livro de denúncia do mundo do narcotráfico e das alianças perversas que consegue concitar.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 18 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12311: Notas de leitura (535): "Pequenas Histórias de Guerra", por Carlos Alexandre Morais e "Spínola o anti-general", por Eduardo Freitas da Costa (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Não é só um livro corajoso pela denúncia dos crimes e da gente envolvida no narcotráfico guineense. É uma prosa palpitante em que vamos percebendo as conivências dos bandos com os militares, os paramilitares e até o aparelho judicial.
Está aqui, preto no branco, a praga da corrupção que disforma a vida social e económica de todo um povo, a mancha da corrupção seduz e atemoriza, assistimos à ascensão dos bem-sucedidos no crime.
Um personagem de grande recorte, DJ Palmas, é usado como a voz da denúncia e o apelo a que os guineenses deixem de ter medo da onda de criminalidade de que são vítimas mas também participantes.
Recomendo vivamente a sua leitura.
Um abraço do
Mário
Maré Branca em Bulínia: um romance que ficará para a história
Beja Santos
“Maré Branca em Bulínia”, por Manuel da Costa, Editorial Minerva, 2013, é uma das grandes surpresas das letras guineenses deste ano. O seu autor é um engenheiro agrónomo e mecânico da eletricidade e instrumentos de aviões. Em 2004, foi nomeado Chefe de Repartição Agrícola da Divisão de Serviços de Produção do Estado-Maior general das Forças Armadas. Este romance é uma assombrosa e inesperada denúncia do narcotráfico na Guiné, das máfias constituídas para a sua exploração e não menos surpreendente teia de cumplicidades de todos os escalões de todos os órgãos de soberania. Com indesmentível coragem, fica-se a saber que o livro gozou do alto patrocínio do Presidente da República de Transição, Manuel Serifo Nhamajo, e teve o apoio da União Nacional de Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. O autor é detentor de vários prémios literários e preside atualmente à ONG NÔ TCHON.
Bulínia é metáfora de Bissau e o autor diz no prólogo: “É minha escolha partilhar com toda gente o que penso e um pouco do que sei sobre o narcotráfico em Bulínia. Sei que, ao fazê-lo, estarei a pôr a minha vida em risco mas não tenho medo. Para que, de uma vez por todas, se tenha consciência da magnitude do narcotráfico neste país, diz-se aqui quem são os verdadeiros responsáveis pela introdução desta atividade criminosa. Como se diz, de boca em boca, ninguém tem dúvida de que são os políticos corruptos e os empresários ávidos pela riqueza que, aproveitando-se do clima de desordem reinante nos quartéis e nas esquadras, usam militares e paramilitares, numa cumplicidade nunca vista, para lhes dar proteção e garantir segurança”.
Tudo começa quando um pescador deitou as redes ao mar, com o auxílio do filho, e começaram a aparecer pacotes, ao princípio pensavam que se tratava de adubo, no dia seguinte muitíssimos outros pacotes deram novamente à costa, a notícia correu logo de boca em boca e toda a gente no povoado colheu e guardou toneladas dos ditos pacotes, julgava-os fertilizantes.
A notícia chegou à capital da droga, foi pronta a conclusão, tratava-se de cocaína que se vendia por 7 milhões de francos CFA o quilo a colombianos, venezuelanos, mexicanos, costa-riquenhos e nigerianos. Um jovem muito esperto apresentou-se como sobrinho do pescador e mostrou-se interessado em comprar o adubo. Saiu-lhe a sorte grande, comprou um saco de 50 quilos por 40 mil francos CFA. A vida de Marcelino (assim se chamava o jovem) iria mudar. Foi até ao Bairro dos Veteranos da Revolução e entendeu-se com o sargento Busnasum que conhecia um gang de traficantes colombianos. Começa a promoção social de Marcelino e de sua mulher, Zinha. Aos poucos, Marcelino vai-se apercebendo da dimensão do narcotráfico em Bulínia, estão envolvidos comandantes militares o Super-ministro, comandos navais, deputados de oposição, polícias, judiciária, máfias. Marcelino compra carros, compra casas, a mulher torna-se empresária, tudo graças ao adubo do mar. Toda aquela droga parte ou para a Europa ou para o Senegal, Mali e Nigéria.
Marcelino virá a descobrir que esta droga é descarregada por avionetas ou por barcos. Recorrendo a nomes arrevesados, o autor dá conta da dimensão da tragédia: “Voltando aos aviões, era mais um voo do Grupo Hipopótamo dirigido pelo respeitado deputado do partido da oposição. Porque havia três grupos de traficantes: o Grupo Hipopótamo, o Grupo Águia, o mais famoso de todos, liderado pelo Super-ministro Matchu Dunu e o grupo Kassissa, gerido pelo empresário Aladje Sanhá Sanhá”. Fica a saber como se transporta a mercadoria mal é descarregada em discretos aeroportos, e dá-nos conta de outros envolvimentos: “Quanto à exportação da droga para a Europa, fazia-se com a cumplicidade de agências transportadoras ou companhias aéreas, pessoal das alfândegas, despachantes e agentes portuários ou com meios próprios dos narcotraficantes. Porque muitas vezes a droga seguia dissimulada nas bagagens dos passageiros ou na mercadoria exportada em contentores e nas pastas diplomáticas dos franco-diplomatas”.
Presume-se sem elevado grau de certeza que a droga fez a sua entrada em 1980, ou um pouco antes. Os barões da droga passaram a agir mais livremente depois das eleições presidenciais de 2003. Aliás, o caldo de cultura estava bem fermentado com toda a gente mal paga ávida por ter meios para satisfazer as necessidades elementares. Com a livre circulação de pessoas e bens abriu-se a porta à droga. O autor faz entrar novos protagonistas, um grupo de jovens que faziam parte da tertúlia NÔ KA NA KALA, uma verdadeira tribuna de opinião, ali se discorre em termos plurais sobre as atuações dos traficantes, como a droga faz mal à juventude e é o rastilho do banditismo, há ali naquela tribuna quem associe a droga a certas bondades como o desenvolvimento da ciência e das novas tecnologias.
Os narcotraficantes são bem visíveis: usam roupa de marca, telemóveis de topo de gama, as melhores viaturas todo o terreno, as suas casas são palácios, aparentemente nada há a fazer, uma importante fração do povo parece estar a favor do infame negócio que faz de Bulínia um pequeno país do continente africano uma rota incontornável dos negócios da droga. Os gangues recorrem a bons advogados e pactuam entre si, partilham espaços, todos os tiroteios e mortes dão nas vistas, estabelecem códigos de conduta. Há mesmo governantes que recorrem ao dinheiro da droga para pagarem aos funcionários públicos. Há membros do Governo que participam diretamente no negócio, basta ver os seus carros de luxo, as suas quintas, a esmerada educação que dão aos filhos. O autor usa uma figura emblemática de aparente virtude DJ Palmas para nos dar a imagem pragmática de um jovem sem meios que vai gradualmente dando sinais de riqueza sem questionar a sua proveniência. A impunidade alastra, como se escreve: “Os pequenos parlamentares chegaram à conclusão que o alto grau de corrupção que o país vivia criava condições propícias para que a impunidade fosse autorizada, porque os juízes eram constantemente corrompidos e não fazia justiça ou fingiam que a faziam. Exatamente por isso é que o Estado perdera autoridade e não conseguia mais pôr ordem no país. Essa falta de autoridade criara a desobediência na família. Os pais não se entendiam com os filhos e ninguém conseguia pôr ordem em sua casa. O nome de Bulínia estava na boca do mundo. No estrangeiro, os cidadãos bulínios começaram a ser perseguidos e presos por tráfico de droga”. Até que um dia DJ Palmas faz a confissão dos crimes cometidos, é um dos momentos mais admiráveis deste inesperado romance de Manuel da Costa.
No epílogo, e retomando a autoridade do Estado, o autor diz que esta “só pode ser restabelecida quando existir um Governo com gente idónea e trabalhadora. Por isso vale a pena dizer a toda a gente que o homem tem um véu de ignorância no rosto mas procurar persistentemente o futuro. DJ Palmas mostrou ao mundo quem são os narcotraficantes, passando a bola ao Governo para que a justiça seja feita”. O glossário é extremamente útil dado que o romance de Manuel da Costa goza dos melhores predicados da chamada literatura luso-guineense.
Por estar facilmente disponível, recomenda-se a todos a leitura deste livro de denúncia do mundo do narcotráfico e das alianças perversas que consegue concitar.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 18 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12311: Notas de leitura (535): "Pequenas Histórias de Guerra", por Carlos Alexandre Morais e "Spínola o anti-general", por Eduardo Freitas da Costa (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P12325: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (1): Foto nº 1: Parte da Tabanca da Rocha
Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 1 > Parte da Tabanca da Rocha.
Foto do álbum do Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70]
Fotos (e legendas): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.
FOTO 1 > Parte da Tabanca da Rocha – Bafatá
Legendas:
1 – Cemitério.
2 – Secção de Engenharia, no perímetro do Agrupamento [, Cmd Agr 2957, 1968/70].
3 – Porta de armas do Agrupamento.
4 – Esquadrão de Cavalaria [, Erec Rec Fox 2640, 1969/71]
5 – Pista
6 – Depósito de abastecimento de água a Bafatá.
7 – Mãe d’água.
8 – O telhado da casa onde morei.
9 – Casa e restaurante do Sr. Teófilo.
10 – Estrada para Bambadinca. [Vd. mapa em baixo]
11 – Estrada velha para Nova Lamego (Gabu).
12 – Estrada nova (asfaltada) para Nova Lamego. [Vd. mapa em baixo]
14 – Rio Geba.[vd. mapa em baixo]
15 – Rua que vai passar pela mesquita.
1. No dia 10 do corrente, mandei o seguinte mail ao Fernando Gouveia, arquiteto reformado (que vive no Porto; foto à esquerda, na LDG que o levou, desde o Xime até a Bissau, de regresso a casa, no final da comissão, em 1970].
Fernando: eis um desfio para ti, e um pedido meu... Um dia vais nos poder fazer o mapa e o roteiro da cidade de Bafatá, para acabar com as nossas memórias confusas... Ninguém como tu conheceu (e amou) aquela cidade...Abraço fraterno. Luis
2. Resposta imediata, no mesmo dia:
Luís: Define o que pretendes, que farei o que puder.
Um abraço. Fernando.
3. Minha resposta, no mesmo dia:
Fernando: È muito simples... Nas tuas (e outras) fotos aéreas de Bafatá, dás o nome às principais artérias e aos principais edifícios.... incluindo estabelecimentos comerciais e sítios por onde passámos e estão na nossa memória... Mesmo que não te lembres do nome da rua... Podes pôr, por exemplo, rua do batalhão, rua do cinema, av principal, estrada para Bambadinca...
Um abraço, Luis
4. Mensagem do Fernando Gouveia, com data de 20 do
corrente, mandando-nos 17 fotos, devidamente legendadas:
Luís:
Aí vai o “roteiro de Bafatá” que me pediste. Espero que esteja a teu contento.
Irei mandar mais que um e-mail por causa das 17 fotos.
Seguem-se as legendas das fotografias:
Um abraço, Fernando.
Guiné > Zona leste > 1955 > Mapa (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Bafatá (sede de circunscrição e depois município, elevada a cidade em março de 1970, a maior a seguir a Bissau, no nosso tempo). Ficava situada na margem direita do Rio Geba Estreito, tendo a sudoeste Bambadinca e a nordeste Nova Lamego.
Infelizmente, Bafatá está hoje em decadência, parou no tempo... O polo de desenvolvimento do leste parece ser agora a antiga Nova Lamego (Gabu). No tempo da guerra, ou pelo menos no nosso tempo (1968/71), a estrada Bafatá-Mansabá estava "interdita". Circulava-se, sem problemas de maior, no eixo rodoviário (alcatroado) Bambadinca-Bafatá-Nova Lamego (a que se juntará, em 1972, o troço do Xime)... Era um eixo importantíssimo para toda a logística e defesa do leste, e cujo controlo por parte das NT o PAIGC nunca conseguiu pôr em causa ou em risco.
No final da guerra, Bafatá era sede do CAOP 2, formado pelos seguintes setores: L1 (Bambadinca), L2 (Bafatá), L3 (Nova Lamego), L4 (Piche), L5 (Gondomar) e L6 (Pirada)... mais 3 zonas de intervenção do Com-Chefe... Eram muitos milhares de homens em armas (mais de 7 mil, contando por alto), seguramente superior ao total de efetivos disponíveis do PAIGC, em todas as frentes e bases fronteiriças. (LG).
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
Guiné 63/74 - P12324: Ser solidário (154): Já corre água na Tabanca do Poilão do Leão (José Teixeira)
1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 20 de Novembro de 2013:
Caríssimo amigo Carlos Vinhal.
Mais uma boa notícia para colocares no blogue.
Há mais uma tabanca na Guiné em festa.
Abraço
J.Teixeira
Já corre a água na Tabanca do Poilão do Leão
A tabanca do Poilão do Leão fica a norte do Rio Cacheu, numa região extremamente isolada. Tem cerca de 370 habitantes na sua maioria da etnia cobiana ou caboiana e 97 crianças frequentam a escola construída recentemente pelo Comité do Estado sediado em S. Domingos com o apoio da Associação ELX. A água para beber e cozinhar, iam buscá-la, como infelizmente é muito comum na Guiné-Bissau, a cerca de 3 quilómetros de distância.
A etnia cobiana muito próxima da etnia cassanga, com os mesmos usos e costumes e com muitas parecenças linguísticas, é das que atualmente tem menos população e corre o risco de desaparecer a curto prazo. Em 2002 eram cerca de 650 pessoas.
Dado o isolamento em que se encontra, com difíceis condições de acesso, falta de água potável para beber e para desenvolver horticultura, a falta de assistência à saúde, etc, acentua-se a tendência da juventude para a fuga com destino às grandes cidades.
Uma das formas de combater o êxodo é melhorar as condições de vida, sobretudo na saúde, sendo a água um dos fatores fundamentais.
A Tabanca Pequena, com o apoio de ex-combatentes, seus familiares e outros amigos da Guiné-Bissau, juntou o capital necessário para mandar abrir, junto à escola, um poço equipado com bomba de imersão movida a energia solar, cujo painel solar foi oferecido pela ONG Alemã Tabanka.
A água já corre em jato, para alegria da população local e subúrbios. O fontenário que via ser construído vai facultar água de melhor qualidade a cerca de 700 pessoas, da tabanca e redondezas. Este é o sexto poço de água que a Tabanca Pequena com a ajuda de ex-combatentes, construiu na Guiné-Bissau.
Completado um projeto, pensa-se no seguinte. O próximo poço será aberto em Colibuia, na Mata do Cantanhez, por onde andou o nosso amigo e camarada Vasco da Gama.
A Tabanca Pequena – Grupo de Amigos da Guiné-Bissau apela à colaboração dos camaradas que passaram pela Guiné para que contribuam para este projeto.
Texto e fotos: José Teixeira (2013)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 28 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12214: Ser solidário (153): Expedição solidária Dakar Desert Challenge arranca de Coruche, em 26/12/2013, e apoia a AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau. Inscrições até 31 do corrente.
Caríssimo amigo Carlos Vinhal.
Mais uma boa notícia para colocares no blogue.
Há mais uma tabanca na Guiné em festa.
Abraço
J.Teixeira
Já corre a água na Tabanca do Poilão do Leão
A tabanca do Poilão do Leão fica a norte do Rio Cacheu, numa região extremamente isolada. Tem cerca de 370 habitantes na sua maioria da etnia cobiana ou caboiana e 97 crianças frequentam a escola construída recentemente pelo Comité do Estado sediado em S. Domingos com o apoio da Associação ELX. A água para beber e cozinhar, iam buscá-la, como infelizmente é muito comum na Guiné-Bissau, a cerca de 3 quilómetros de distância.
A etnia cobiana muito próxima da etnia cassanga, com os mesmos usos e costumes e com muitas parecenças linguísticas, é das que atualmente tem menos população e corre o risco de desaparecer a curto prazo. Em 2002 eram cerca de 650 pessoas.
Dado o isolamento em que se encontra, com difíceis condições de acesso, falta de água potável para beber e para desenvolver horticultura, a falta de assistência à saúde, etc, acentua-se a tendência da juventude para a fuga com destino às grandes cidades.
Uma das formas de combater o êxodo é melhorar as condições de vida, sobretudo na saúde, sendo a água um dos fatores fundamentais.
A Tabanca Pequena, com o apoio de ex-combatentes, seus familiares e outros amigos da Guiné-Bissau, juntou o capital necessário para mandar abrir, junto à escola, um poço equipado com bomba de imersão movida a energia solar, cujo painel solar foi oferecido pela ONG Alemã Tabanka.
A água já corre em jato, para alegria da população local e subúrbios. O fontenário que via ser construído vai facultar água de melhor qualidade a cerca de 700 pessoas, da tabanca e redondezas. Este é o sexto poço de água que a Tabanca Pequena com a ajuda de ex-combatentes, construiu na Guiné-Bissau.
Completado um projeto, pensa-se no seguinte. O próximo poço será aberto em Colibuia, na Mata do Cantanhez, por onde andou o nosso amigo e camarada Vasco da Gama.
A Tabanca Pequena – Grupo de Amigos da Guiné-Bissau apela à colaboração dos camaradas que passaram pela Guiné para que contribuam para este projeto.
Texto e fotos: José Teixeira (2013)
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Nota do editor
Último poste da série de 28 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12214: Ser solidário (153): Expedição solidária Dakar Desert Challenge arranca de Coruche, em 26/12/2013, e apoia a AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau. Inscrições até 31 do corrente.
Guiné 63/74 - P12323: Blogoterapia (241): Somos todos privilegiados sobreviventes (Vasco Pires)
1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72) com data de 16 de Novembro de 2013:
Caríssimos Carlos/Luís,
Cordiais saudações.
Na semana passada recebi a honrosa visita do meu amigo e nosso camarada Arménio Cardoso - CART 6252/72, que também bebeu das "águas escuras e amargas" do Rio Sapo.
Lembrando quantos dos Nossos por lá ficaram e outros tantos voltaram mutilados no corpo e/ou na Alma, tivemos pois que concluir que somos todos privilegiados sobreviventes.
Há tempos ouvi o depoimento de um membro da E Company, 506 Infantry Regiment (United States), do tão mediatizado Band of Brothers, dizia ele que muitas décadas depois, nas frias noites do rigoroso inverno Americano, quando ia para a cama, falava para a esposa:
- Ainda bem que não estou em Bastogne!
Eu também, sem fazer comparações, claro, no fim desses dias em que a vida parece "Madrasta", penso:
- Ainda bem que não estou em Gadamael.
Forte abraço
VP
____________
Nota do editor
Último poste da série de 19 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12316: Blogoterapia (240): Penso na Mata do Morés e chego a sonhar que a conheci (Francisco Baptista)
Caríssimos Carlos/Luís,
Cordiais saudações.
Na semana passada recebi a honrosa visita do meu amigo e nosso camarada Arménio Cardoso - CART 6252/72, que também bebeu das "águas escuras e amargas" do Rio Sapo.
Lembrando quantos dos Nossos por lá ficaram e outros tantos voltaram mutilados no corpo e/ou na Alma, tivemos pois que concluir que somos todos privilegiados sobreviventes.
Há tempos ouvi o depoimento de um membro da E Company, 506 Infantry Regiment (United States), do tão mediatizado Band of Brothers, dizia ele que muitas décadas depois, nas frias noites do rigoroso inverno Americano, quando ia para a cama, falava para a esposa:
- Ainda bem que não estou em Bastogne!
Eu também, sem fazer comparações, claro, no fim desses dias em que a vida parece "Madrasta", penso:
- Ainda bem que não estou em Gadamael.
Forte abraço
VP
Vasco Pires e Arménio Cardoso da CART 6252/72
Arménio Cardoso da CART 6252/72 e Vasco Pires
Nota do editor
Último poste da série de 19 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12316: Blogoterapia (240): Penso na Mata do Morés e chego a sonhar que a conheci (Francisco Baptista)
Guiné 63/74 - P12322: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (6): Bubaque, a outra Guiné com sabor a férias
1. Sexto episódio da série do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72), dedicada às suas viagens de saudade à Guiné-Bissau, a primeira efectuada em 1998.
6 - BUBAQUE (BIJAGÓS), A OUTRA GUINÉ... COM SABOR A FÉRIAS
Depois do pequeno-almoço no Capé (Bafatá), partimos para Bissau a tempo do almoço no Restaurante Asa Branca, propriedade de um alentejano, bem no centro da cidade. Partilhamos o repasto na companhia do nosso amigo Candé, que nos iria acompanhar depois até ao aeroporto para um voo com destino a Bubaque.
Esta parte final da nossa presença na Guiné, com um cheirinho a férias, foi o preço que tive que pagar para as senhoras me acompanharam nesta viagem. Mas, convenhamos que, depois de uns dias tórridos na zona centro/leste do país, impunha-se um pequeno período de relaxe, de usufruto da natureza e do convívio com alguns dos aspectos da cultura deste povo animista, muito conhecido pelas suas esculturas, quase sempre referidas na literatura especializada no estudo das origens desta antiga arte Africana.
Alguns episódios, completamente inesperados e que rodearam esta viagem até Bubaque, iriam transformar-se nos momentos mais agitados de toda a nossa estadia na Guiné. Desde momentos bizarros e rocambolescos, até ao receio pela nossa segurança, de tudo um pouco aconteceu.
Depois das elementares formalidades de embarque, dirigimo-nos para a placa do aeroporto e, de imediato, procuramos visualizar o nosso meio de transporte. Lá ao fundo, um pouco à esquerda, encontravam-se dois helicópteros e um pequeno avião. Saquei da minha Sony e apressei-me a registar imagens das aeronaves. De repente, um agente da autoridade puxa-me por um braço e informa-me que tenho que lhe entregar a cassete vídeo, porque estava a filmar em local proibido. (Para nos situarmos, registe-se que nesta data vigorava em Bissau o regime de partido único).
Tentei, com calma, explicar-lhe que desconhecia a proibição, que não via qualquer risco para a segurança do país, etc. etc. etc.
Não tendo conseguido demover o agente da autoridade, recusei veementemente a entrega da cassete, porque tal significaria perder imagens únicas e irrepetíveis desta viagem à Guiné. Perante a minha recusa e a estupefacção dos meus acompanhantes, o agente levou-me para a esquadra do Aeroporto.
Era a Guiné e a África destes tempos. Fiquei rodeado de alguns agentes da autoridade num espaço exíguo e, fizeram-me sentar numa cadeira. Exigiram-me o passaporte e ameaçavam retirar-me a máquina de filmar. Voltei aos mesmos argumentos, tentando de forma firme, mas respeitadora, explicar-lhes o que significava perder as imagens de uma viagem há tantos anos sonhada. Continuaram irredutíveis. Já não sabia o que mais fazer. Num relâmpago, ocorreu-me a ideia do suborno. Depressa desisti, porque poderia ser pior a emenda que o soneto.
Enquanto isso, lá fora, os meus familiares procuraram, e encontraram, o nosso amigo Candé a quem contaram o sucedido. Apercebo-me da entrada de mais uma pessoa. Era Candé. Coloca-me a mão no ombro e diz-me para estar calmo. Sinto-me agora mais confiante. Até aí, sentia-me perdido e prestes a desistir. Candé, dirige-se aos mais graduados e troca com eles algumas palavras em crioulo. Inesperadamente, diz-me para me levantar e para sair para junto dos meus.
Quando saí daquele abafado espaço, respirei bem fundo, devido ao ar sufocante e ao alívio da situação. Os meus familiares, meio incrédulos, viveram momentos de ansiedade. Candé voltou para junto de nós e, devolvendo-me o passaporte, disse-nos que estava tudo resolvido. Enquanto isso, o avião para Bubaque esperou por nós mais de uma hora.
Informados os pilotos de que estávamos prontos, recebemos indicações para nos deslocarmos para o aparelho. Os inevitáveis abraços ao Candé e lá nos dirigimos ao aparelho. Tratava-se de um mono-motor muito antigo, de dupla asa, pertencente à “ASTRÁVIA” e com capacidade para dez passageiros. Acomodamo-nos.
Tínhamos por companhia dois pilotos na cabine e uma simpática hospedeira, todos eles guineenses. Estávamos a meio da tarde e um calor asfixiante dentro do aparelho. O avião começou a movimentar-se na pista, preparando-se para a descolagem. A cabine de pilotagem não teria porta, o que permitia que os passageiros assistissem aos procedimentos do voo. Do tecto da cabine pendia um qualquer instrumento de medição que os pilotos consultavam. Tudo a postos e o avião descolou normalmente. Poucos minutos depois já estávamos sobre a água e, para além dos bancos de areia, começaram a ver-se os contornos de algumas ilhas. No aparelho, os tirantes que uniam as asas vibravam, mas o voo, de cerca de meia hora, decorria sem grandes oscilações. Os pilotos iam consultando o aparelho suspenso na cabine e tudo parecia bem. Um deles calçava um sapato rasgado na costura do calcanhar e as peúgas eram diferentes.
Viam-se agora com nitidez várias ilhas e sentimos que o aparelho iniciara a descida, apontando na direcção de uma delas. De relance vêem-se várias construções e uma linda praia bordejada de arvoredo, que sobrevoamos em direcção à pista de terra batida. Estávamos longe de imaginar o que nos esperava na aterragem. O avião faz-se à “pista”, desce normalmente e toca suavemente no solo e, de repente, sobe bruscamente aí uns dez metros. A pista começa a ficar curta e ao fundo, termina com árvores de elevado porte. Perante esta inesperada situação, os pilotos “atiram” o avião para o solo com tal força, que todos nós, sacudidos nas cadeiras, soltamos um assustado grito com a violência pancada.
Apesar do grande susto, lá conseguiram imobilizar o avião próximo do fim da pista. O trem de aterragem fixo, era dos rijos. Desde o episódio com a polícia no aeroporto de Bissau, até esta aterragem na ilha de Bubaque, estas “férias” nos Bijagós prometiam.
Num jipe sem cobertura e com os cabelos soltos ao vento, fomos conduzidos até ao “Maiana Village”. Esta unidade hoteleira, propriedade de um casal francês, ficava sobranceira a uma pequena falésia, bem junto ao canal que nos separa da Ilha de Rubane. Estava equipada com vários bungalows individuais, um salão restaurante, uma agradável esplanada e, de uma pequena piscina. No jardim, bastante arborizado, pontuavam muitos lagartos que se deliciavam com as sempre presentes formigas.
Resolvidas as formalidades da chegada, fomos deliciar-nos com um banho na piscina. Na esplanada e enquanto aguardávamos o jantar, comentamos as peripécias deste dia inusitado. Éramos os únicos hóspedes do hotel.
Ao jantar foi-nos servido um prato de massa com “estilhaços” de carne que, como habitual nos franceses, enchia mais os olhos que o estômago. A temperatura por aqui, neste delta com 88 ilhas e ilhéus, é bem mais amena que na parte continental da Guiné. Caiu a noite e, antes de nos recolhermos, decidimos que o dia seguinte seria de descoberta da ilha, das suas gentes e das suas praias.
(Continua)
Nota do editor
Último poste da série de 14 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12290: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (5): O dia seguinte no Xitole com as pessoas
CRÓNICAS DAS MINHAS VIAGENS À GUINÉ-BISSAU
A PRIMEIRA VIAGEM - 1998
6 - BUBAQUE (BIJAGÓS), A OUTRA GUINÉ... COM SABOR A FÉRIAS
Depois do pequeno-almoço no Capé (Bafatá), partimos para Bissau a tempo do almoço no Restaurante Asa Branca, propriedade de um alentejano, bem no centro da cidade. Partilhamos o repasto na companhia do nosso amigo Candé, que nos iria acompanhar depois até ao aeroporto para um voo com destino a Bubaque.
Esta parte final da nossa presença na Guiné, com um cheirinho a férias, foi o preço que tive que pagar para as senhoras me acompanharam nesta viagem. Mas, convenhamos que, depois de uns dias tórridos na zona centro/leste do país, impunha-se um pequeno período de relaxe, de usufruto da natureza e do convívio com alguns dos aspectos da cultura deste povo animista, muito conhecido pelas suas esculturas, quase sempre referidas na literatura especializada no estudo das origens desta antiga arte Africana.
Alguns episódios, completamente inesperados e que rodearam esta viagem até Bubaque, iriam transformar-se nos momentos mais agitados de toda a nossa estadia na Guiné. Desde momentos bizarros e rocambolescos, até ao receio pela nossa segurança, de tudo um pouco aconteceu.
Depois das elementares formalidades de embarque, dirigimo-nos para a placa do aeroporto e, de imediato, procuramos visualizar o nosso meio de transporte. Lá ao fundo, um pouco à esquerda, encontravam-se dois helicópteros e um pequeno avião. Saquei da minha Sony e apressei-me a registar imagens das aeronaves. De repente, um agente da autoridade puxa-me por um braço e informa-me que tenho que lhe entregar a cassete vídeo, porque estava a filmar em local proibido. (Para nos situarmos, registe-se que nesta data vigorava em Bissau o regime de partido único).
Tentei, com calma, explicar-lhe que desconhecia a proibição, que não via qualquer risco para a segurança do país, etc. etc. etc.
Não tendo conseguido demover o agente da autoridade, recusei veementemente a entrega da cassete, porque tal significaria perder imagens únicas e irrepetíveis desta viagem à Guiné. Perante a minha recusa e a estupefacção dos meus acompanhantes, o agente levou-me para a esquadra do Aeroporto.
Era a Guiné e a África destes tempos. Fiquei rodeado de alguns agentes da autoridade num espaço exíguo e, fizeram-me sentar numa cadeira. Exigiram-me o passaporte e ameaçavam retirar-me a máquina de filmar. Voltei aos mesmos argumentos, tentando de forma firme, mas respeitadora, explicar-lhes o que significava perder as imagens de uma viagem há tantos anos sonhada. Continuaram irredutíveis. Já não sabia o que mais fazer. Num relâmpago, ocorreu-me a ideia do suborno. Depressa desisti, porque poderia ser pior a emenda que o soneto.
Enquanto isso, lá fora, os meus familiares procuraram, e encontraram, o nosso amigo Candé a quem contaram o sucedido. Apercebo-me da entrada de mais uma pessoa. Era Candé. Coloca-me a mão no ombro e diz-me para estar calmo. Sinto-me agora mais confiante. Até aí, sentia-me perdido e prestes a desistir. Candé, dirige-se aos mais graduados e troca com eles algumas palavras em crioulo. Inesperadamente, diz-me para me levantar e para sair para junto dos meus.
Quando saí daquele abafado espaço, respirei bem fundo, devido ao ar sufocante e ao alívio da situação. Os meus familiares, meio incrédulos, viveram momentos de ansiedade. Candé voltou para junto de nós e, devolvendo-me o passaporte, disse-nos que estava tudo resolvido. Enquanto isso, o avião para Bubaque esperou por nós mais de uma hora.
Informados os pilotos de que estávamos prontos, recebemos indicações para nos deslocarmos para o aparelho. Os inevitáveis abraços ao Candé e lá nos dirigimos ao aparelho. Tratava-se de um mono-motor muito antigo, de dupla asa, pertencente à “ASTRÁVIA” e com capacidade para dez passageiros. Acomodamo-nos.
Tínhamos por companhia dois pilotos na cabine e uma simpática hospedeira, todos eles guineenses. Estávamos a meio da tarde e um calor asfixiante dentro do aparelho. O avião começou a movimentar-se na pista, preparando-se para a descolagem. A cabine de pilotagem não teria porta, o que permitia que os passageiros assistissem aos procedimentos do voo. Do tecto da cabine pendia um qualquer instrumento de medição que os pilotos consultavam. Tudo a postos e o avião descolou normalmente. Poucos minutos depois já estávamos sobre a água e, para além dos bancos de areia, começaram a ver-se os contornos de algumas ilhas. No aparelho, os tirantes que uniam as asas vibravam, mas o voo, de cerca de meia hora, decorria sem grandes oscilações. Os pilotos iam consultando o aparelho suspenso na cabine e tudo parecia bem. Um deles calçava um sapato rasgado na costura do calcanhar e as peúgas eram diferentes.
Viam-se agora com nitidez várias ilhas e sentimos que o aparelho iniciara a descida, apontando na direcção de uma delas. De relance vêem-se várias construções e uma linda praia bordejada de arvoredo, que sobrevoamos em direcção à pista de terra batida. Estávamos longe de imaginar o que nos esperava na aterragem. O avião faz-se à “pista”, desce normalmente e toca suavemente no solo e, de repente, sobe bruscamente aí uns dez metros. A pista começa a ficar curta e ao fundo, termina com árvores de elevado porte. Perante esta inesperada situação, os pilotos “atiram” o avião para o solo com tal força, que todos nós, sacudidos nas cadeiras, soltamos um assustado grito com a violência pancada.
Apesar do grande susto, lá conseguiram imobilizar o avião próximo do fim da pista. O trem de aterragem fixo, era dos rijos. Desde o episódio com a polícia no aeroporto de Bissau, até esta aterragem na ilha de Bubaque, estas “férias” nos Bijagós prometiam.
Num jipe sem cobertura e com os cabelos soltos ao vento, fomos conduzidos até ao “Maiana Village”. Esta unidade hoteleira, propriedade de um casal francês, ficava sobranceira a uma pequena falésia, bem junto ao canal que nos separa da Ilha de Rubane. Estava equipada com vários bungalows individuais, um salão restaurante, uma agradável esplanada e, de uma pequena piscina. No jardim, bastante arborizado, pontuavam muitos lagartos que se deliciavam com as sempre presentes formigas.
Resolvidas as formalidades da chegada, fomos deliciar-nos com um banho na piscina. Na esplanada e enquanto aguardávamos o jantar, comentamos as peripécias deste dia inusitado. Éramos os únicos hóspedes do hotel.
Ao jantar foi-nos servido um prato de massa com “estilhaços” de carne que, como habitual nos franceses, enchia mais os olhos que o estômago. A temperatura por aqui, neste delta com 88 ilhas e ilhéus, é bem mais amena que na parte continental da Guiné. Caiu a noite e, antes de nos recolhermos, decidimos que o dia seguinte seria de descoberta da ilha, das suas gentes e das suas praias.
(Continua)
Pequeno-almoço, despedida do Capé
Avião que nos levará a Bubaque, nos Bijagós
Canal e Ilha de Rubane
Na piscina em Bubaque
A minha primeira viagem à Guiné - 1998 (4) - Despedida do Capé, Bissau e voo para Bubaque (Bijagós)
____________Nota do editor
Último poste da série de 14 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12290: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (5): O dia seguinte no Xitole com as pessoas
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