Fotografia do francês Gérald Bloncourt [n. 1926] reproduzida com a devida vénia, escolhida por Juvenal Amado para ilustrar o seu texto. Legenda: GB fez o caminho a salto com um grupo de clandestinos e tirou algumas fotos. Esta é de março de 1965 e tem a seguinte legenda: 'Passagem clandestina de emigrantes portugueses nos Pirenéus.'
Uma exposição temporária deste conhecido fotógrafo (que acompanhou a imigração clandestina portuguesa dos anos 60/70 e cobtri também a "revolução dos cravos") esteve no Museu Colecção Berardo, CCB, Lisboa, de 18/2 a 18/5/2008, sob o título "Gérald Bloncourt: pir uma vida melhor".
1. Texto do Juvenal Amado, enviado para comemorar os 10 anos de existência do nosso blogue e os 40 anos do 25 de abril, dia que ele viveu em Alcobaça, sua terra natal, acabado de chegar, há 20 dias, da Guiné
Vivemos tempos filho de outros tempos.
Somos ex-soldados, que de uma maneira ou de outra embarcamos para combater naquelas terras quentes, de Sol inclemente, de chuvas torrenciais e trovoadas que nos deixavam calados e tementes do poder dos elementos. A quando de essas trovoadas, lembrava-me da minha avó Maria na sua casa na serra dos Candeeiros, metida na cama com as minhas tias a rezar a St Bárbara
Mas nós fomos combater em nome do passado e nunca em nome do futuro, porque nessas terras Portugal como potência administradora, tinha há muito os dias contados.
Num país sem liberdade de escolha nem de opinião, ou aceitávamos ir combater, ou tínhamos como destino certo, a prisão ou a fuga a salto para onde não chegasse o braço da polícia política.
A maioria de nós foi combater enchendo os navios transporte de tropas, com a esperança de uma vez regressados às nossas terras nos deixariam em paz. Não eramos convictos das razões porque íamos, grande parte não acreditávamos no que íamos fazer, embora com alguma curiosidade e espirito de aventura, contaríamos os dias que nos faltavam para regressar.
Encaramos a situação como um compasso de espera na nossa vida.
Valentia houve muita, coragem, abnegação, espirito de sacrifício, nunca poderemos pôr em causa, porque é possível ser valente mesmo sem uma razão válida para além de defender a própria vida e dos seus camaradas.
Paralelamente muitos também deixaram as suas terras, a sua vida de miséria, mal sabendo ler e escrever, largaram a enxada, o gado, ou um balde de massa, as suas mulheres, namoradas e a salto rumaram a outras terras. Esses de forma consciente, tiveram a coragem de afrontar a incerteza, os perigos da jornada e de serem presos para terem uma vida melhor. Esses procuraram o Futuro.
Sem talvez terem consciência disso, ajudaram com o seu esforço e as suas remessas de moeda forte, a prolongar a guerra e o regime que tão mal os tratara, a ponto de se irem embora procurar sustento e vida melhor.
Na verdade o que é que esses homens deviam à Pátria?
O que é que a Pátria tinha feito por eles para lhes exigir a vida? Eram por acaso as nossas famílias que estavam em perigo? Eram as nossas aldeias e cidades a serem invadidas? Eram as riquezas dessas províncias ultramarinas, que lhes iam trazer o bem estar que até aí lhes tinha sido negado?
Mesmo assim, houve quem voltasse para fazer a tropa e ir combater pelo direito de poder voltar à sua terra. Outros, findas que foram as comissões, tiveram que emigrar, pois não tinham cá condições para viverem condignamente. Hoje há mais descendentes portugueses espalhados pelo Mundo dos que cá vivem.
Sabemos, hoje, que muitas organizações clandestinas defendiam a resistência ao regime. Enquanto umas defendiam que não se devia desertar a não ser que estivesse em risco a própria vida, outras que defendiam abertamente a deserção.
Pelo que entendo, umas pretendiam a implosão do Estado, utilizando as instituições vigentes, enquanto outras pretendiam que o fim do regime fosse atingido pela luta de fora para dentro.
Como se viu o objectivo foi atingido de dentro para fora, utilizando os militares que operavam nos três ramos das forças armadas, muitos ao nível de comando com larga experiência em combate, o que me faz parecer justíssima a primeira opção, não quero com isto tirar o valor a quem acreditava noutras vias.
Naquela madrugada, já os militares revoltosos estavam a caminho dos objectivos, bebia eu umas imperiais no café do Omar, um galego há muito radicado em Portugal (Ele brincando com o seu nome transformou-o em Roma). Era ali mesmo frente ao Mosteiro de Alcobaça, eu mais um amigo que cavaqueávamos sem nos apercebermos de nada. Tinha chegado há 20 dias da Guiné no Niassa e ir para a cama, era a última coisa que me apetecia tal era a ânsia de absorver o regresso. Três horas mais tarde a minha mãe entrava no meu quarto acordando-me com um misto de alegria e medo, “há uma revolução em Lisboa” disse ela.
O meu pai exultava e não tardaram a passar colunas militares a caminho das Caldas da Rainha, pois que, vencida a revolta de 16 de Março, esse quartel estava sem ligação.
Que inveja eu tive daqueles soldados, a maioria muito jovens sem qualquer experiência de combate, a quem tinha calhado a sorte de ajudar a derrubar a brigada do reumático, abrir as prisões e este país ao Mundo.
Depois regressaram muitos que de cá tinham fugido. Vieram de avião, de comboio e até de automóvel. Uns talvez filhos de “papás”, mas a grande maioria tinha hipotecado o seu futuro académico, os seus empregos, as suas famílias, a liberdade em nome de um ideal de justiça e bem estar, que se vivia nos países livres da guerra e repressão.
Todos ajudaram à formação de uma consciência colectiva para derrubar nesse dia o governo que subjugou este país 48 anos. Para trás ficaram perseguições, dezenas de anos de luta, centenas de anos de prisões, mortes, torturas e degredo.
Por causa desse dia os nossos filhos conheceram outra realidade que não a nossa, nem têm possivelmente consciência do que é não ter o que têm e que nós não tivemos:
(i) Assistência médica para todos, a quase erradicação da mortalidade infantil;
(ii) Só 13% dos alunos ultrapassavam a 4ª classe e havia milhares a não passar da 2ª e 3ª;
(iii) Liberdade dos presos políticos, fim do delito de opinião e eleições livres.
(iv) Democratizar, Desenvolver, Descolonizar.
Muito se fez, muito ficou por fazer mas 40 anos passados, apesar dos avanços e recuos nada se compara ao que tínhamos antes.
Muito se escreveu sobre o 25 de Abril, uns contra, outros a favor, mas a verdade é que todos podemos expressar a opinião e pela parte que me toca, é com muito orgulho que recordo e festejo esse dia luminoso, em que o verde azeitona das fardas ocupou Lisboa e a espingardas G3, se encheram de cravos vermelhos.
Um abraço a todos
Juvenal Amado
[ex-1.º Cabo Condutor Auto,
CCS/BCAÇ 3872,
Galomaro,
1971/74;
ex-empresário]
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Nota do editor:
Último poste da série > 17 de abril de 2014 >
Guiné 63/74 - P13001: 10º aniversário do nosso blogue (10): O baú das memórias já está muito rapado... mas ainda consegui uma foto, que diz muito: um abrigo no K3 (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421, Mansabá, 1965/67)