sexta-feira, 18 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13006: 10º aniversário do nosso blogue (12): Faz hoje 2 meses que o Pepito nos deixou... Em sua memória reproduzimos aqui um vídeo de 2012, em que ele relata, com humor e boa disposição, uma das cenas de violência de que foi vítima, na sua casa do Quelelé, ao tempo de Kumba Ialá (c. 2000)...



Vídeo: 12' 18''... Alojado no You Tube > Nhabijões


Alcobaça > São Martinho do Porto >  Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 >  3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto

Pepito (1949-2014) o anfitrião, depois do almoço, conta-nos,  com grande sentido de humor e boa disposição, uma das várias péripécias por que passou na sua terra, a Guiné-Bissau, ao tempo do Kumba Ialá, c. 2000, quando 3 ninjas, fardados e armados de Kalash,  cercam a sua casa, no bairro do Quelelé,  às 3 horas da madrugada, amarram o guarda noturno, dando  assim início à concretização de uma ameaça de morte que tinha chegado uns dias antes, sob a forma de uma carta anónimo (*)..

Valeu.-lhe na ocasião a pronta ajuda do vizinho e amigo Nelson Dias bem como um  ou mais elementos do GOE [Grupo de Operações Especiais] (?) da cooperação portuguesa, alertados por um desesperado telefonema da mulher do Pepito... Em voz off, ouve-se o Luís Graça que fez a gravação bem a Isabel Levy Ribeiro, mulher do Pepito, e cidadã portuguesa, e ainda o Zé Teixeira, da Tabanca Pequena de Matosinhos, que está à direita do Pepito.

Faz hoje 2 meses que o Pepito nos deixou, enquanto cresce a nossa saudade e a admiração que sertimos pela sua grandeza como ser humano. 'Nino' Vieira e Kumba Ialá eram dois políticos que o nosso Pepito detestava (*)...  Mas nós nunca ouvimos ou lemos palavras suas  de ódio para com os seus inimigos políticos... Até nisso, o Pepito era um homem dos nossos dias que nos inspirava e nos dava constantes exemplos de coragem (física e moral), de cidadania e de humanidade... A sua associação, póstuma, às comemorações dos 10 anos do nosso blogue, é mais que justa:  ele foi um grã-tabanqueiro da primeira hora, e tínhamos por nós, ex-combatentes, um especial carinho... Nunca foi combatente nem tinha armas em casa... Dois meses depois, ele está bem presente na nossa memóriaL Foi um privilégio, para alguns de nós, conhecê-lo e tê-lo como amigo. G
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Pepito.
Foto de Luís Graça (2007)
(*) Excerto do notável escrito do Pepito, de cunho aubiográfico, e que é para todos os efeitos o seu testamento vital, "A sombra do pau torto",  de julho de 2008, e já aqui publicado duas vezes:

(...) Com o Golpe de 14 de Novembro de 1980 reintroduziu-se na história da Guiné a divisão étnica: no início a divisão era entre caboverdianos, apelidados de cavaleiros, e guineenses, chamados de cavalos. Esquecendo-se os seus promotores que. uma vez estabelecida a primeira divisão étnica, outras se lhe seguiriam, surge a estigmatização dos balantas, tanto mística com o fenómeno iang-iang, como política 
com o caso Paulo Correia, 
prosseguindo com a divisão entre muçulmanos e animistas, 
e mais recentemente entre os naturais da cidade e os da tabanca. 
Tudo isto em função da conveniência e interesse da estratégia 
do líder político da ocasião.

Kumba Ialá, que viria a ser mais tarde Presidente, revelou-se neste domínio, o maior, indo buscar os piores traços comuns dos balantas, unificou-os à volta de conceitos demagógicos e populistas, em contraponto aos tempos idos de 'Nino' Vieira em que os membros do governo pouco variavam, limitando-se os seus titulares a mudarem de cadeira. Nessa ocasião, lembro-me de um Ministro que, com três pastas num só ano, bateu o recorde olímpico nacional.

Já o antigo animista Kumba Ialá, travestido agora de muçulmano com a designação de Mohamed Ialá Embaló, introduziu pela primeira vez o conceito de acesso universal ao governo, isto é, passou a promover a entrada para o governo de todos os cidadãos que se julgassem capazes e predispostos a serem ministros. Analfabetos houve que aproveitaram a ocasião…A partir dos anos 2000 assistiu-se à mais louca gestão de um Estado, de que há memória. No fundo até durou pouco tempo…porque, entretanto, o Estado desapareceu!

Foi nesse período em que tudo valia, que um dia, deixaram “cair” perto do meu local de trabalho um bilhete anónimo que dizia: ”neste fim de semana vais sofrer um atentado para te matarem”. Entendi isso apenas como uma tentativa de intimidação. Todavia, às 3 horas da madrugada desse dia, três ninjas (polícia especial armada), acorrentavam o velho guarda da casa e iniciam a tentativa de demolição das janelas. Só a intervenção determinante do nosso vizinho, Nelson Dias, nos salvou, a mim e à Isabel, perante o completo desinteresse da polícia que se escusara a prestar socorro. Os assaltantes, esses, nunca foram punidos, embora saiba que a polícia os identificou. (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13004: 10º aniversário do nosso blogue (11): 40 anos depois do 25 de abril: "Que inveja eu tive daqueles soldados, a maioria muito jovens sem qualquer experiência de combate, a quem tinha calhado a sorte de ajudar a derrubar a brigada do reumático, abrir as prisões e este país ao Mundo" (Juvenal Amado)

1 comentário:

Luís Graça disse...

A falar-se de humor, só negro e sem quaisquer conotações... Não há, que eu saiba,um humor branco...

Esta é mais um história de terror, vivido pela família Silva, no Quelelé... Recorde-se que em 1998, na guerra civil que sucedeu ao golpe de estado contra 'Nino' Veira, dirigido por Ansumane Mané, a família foi obrigada a fugir para Cabo Verde... A casa pIlhada, escventrada...

Dois anos depois acontece mais este "susto" com os "ninjas"... Quem terá sido o mandante desta tentativa de assassinato do Pepito ? Ele nunca o chegou a saber... Mas na época, e ainda hojem a Guiné-Bissau é uma terra de vinganças e de energúmenos á solta, que não sabem o que é o Estadio de Direito, a lei, os direitos e liberdades, a sinmples decência, a simples humanidade... Foi preciso coragem para viver naquela terra, que era a sua terra, uma vida que ficou incompleta...

Mandei este vídeo para a Isabel Levy Ribeiro, viúva, e para o João Silva, irmão, com a seguinte mensagem:


"Isabel e João: Espero que entendam este vídeo também como uma homenagem a um nosso grã-tabanqueiro, que muito admirava o nosso blogue e cujo exemplo profissional e humano nos inspirou...Foi gravado em 11/8/2012, na "tabanca" de São Martinho do Porto... Um xicoração. Luis".