segunda-feira, 14 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12982: Notas de leitura (581): Quem são os responsáveis pelo assassínio de Amílcar Cabral?, em O Jornal de Janeiro de 1976 e Jeune Afrique de Novembro de 1983 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Outubro de 2013:

Queridos amigos,
Junto comentários a duas entrevistas publicadas em 1976 e 1983, alusivas aos acontecimentos de 20 de Janeiro de 1973.
Não deixa hoje de surpreender o tom perentório com que se incriminaram a PIDE de Bissau e Spínola, sem apresentar uma prova material, como foi possível pôr muita gente a acreditar que pessoas com reconhecidas limitações como Momo Turé pudessem ter-se imposto à frente de larguíssimas dezenas de quadros conspirativos.
As provas materiais de quem mandou matar Cabral continuam em falta, os arquivos estão vazios, os processos efetuados em 1973 desapareceram. Vamos ter que aguardar que algumas das figuras determinantes estejam dispostas a revelar o que aconteceu.
Joaquim Chissano, por exemplo.

Um abraço do
Mário


Quem são os responsáveis pelo assassínio de Amílcar Cabral?

Beja Santos

O puzzle continua incompleto, quarenta anos depois são escassos os factos provados quanto ao assassinato de Amílcar Cabral pelas 22h30 de 20 de Janeiro, em Conacri: sabe-se que houve uma equipa que o abordou, que o primeiro tiro partiu de Inocêncio Kani e que alguém de nome Bacar deu o tiro de misericórdia; sabe-se como atuaram várias equipas a fazer prisões dos quadros cabo-verdianos; sabe-se que Sékou Touré foi abordado pelos sublevados, mandou fazer prisões e institui uma comissão de inquérito, cujos resultados nunca foram divulgados; sabe-se que houve inquirições de todos os presumivelmente sublevados, foram tomadas decisões de execução e desapareceram todas as provas materiais do processo; e sabe-se que alguns dos observadores de toda esta situação à volta do assassinato ainda não disseram a última palavra – é o caso de Joaquim Chissano. Há muita penumbra, muito fogo-fátuo, muita presunção, com ou sem água benta. Por isso, todo o envolvimento sobre os mandantes é um grande mistério. E à volta desse mistério escreveram-se acusações sem provas, sobretudo a seguir ao assassinato era de bom-tom apontar o dedo a criminosos longínquos: Spínola, a PIDE, Rafael Barbosa, por exemplo. Há que juntar metódica e incansavelmente tudo quanto se escreveu e perceber que está quase tudo por esclarecer.


Numa edição de Janeiro de 1976, o semanário O Jornal publicava um documento inédito: páginas de um livro branco do PAIGC. O jornalista achou por bem encontrar uma relação causa-efeito entre a invasão de Conacri, de Novembro de 1970, com o assassinato de Cabral. Chega-se ao cúmulo de dizer que as infiltrações nas fileiras do PAIGC teriam começado em 1966 e com o maior à vontade escreve-se: “Foi essa máquina, montada minuciosamente ao longo de alguns anos, que os governantes de Lisboa e o seu representante em Bissau, Spínola, decidiram pôr em funcionamento no dia 20 de Janeiro de 1973. A morte de Cabral, o rapto de Aristides Pereira e a prisão dos principais dirigentes do PAIGC constituíam a parte operacional de um plano que tinha por objetivo último a sobrevivência dos interesses colonialistas na Guiné e a manutenção das ilhas de Cabo Verde”. O jornalista cola-se ao tal livro branco preparado pela comissão de inquérito do PAIGC que, resumidamente, defende tais teses, que se passam a sintetizar.

Primeiro, os colonialistas elaboraram um plano que desembocaria na independência da Guiné ao mesmo tempo que recusariam qualquer abertura à autodeterminação de Cabo Verde. Segundo, Spínola criara secretamente um partido formado exclusivamente de guineenses, a FUL (Frente Unida da Libertação) constituída entre outros por Rafael Barbosa e Momo Turé, havendo mesmo uma ramificação no Senegal. Em dada altura, libertaram-se antigos quadros do PAIGC como Momo Turé e Aristides Barbosa para serem preparados e enviados para Conacri. Terceiro, conseguido o descontentamento e a franca adesão dos guineenses do PAIGC contra os cabo-verdianos, punha-se em marcha o golpe, que seria apresentado como uma revolta dos guineenses contra a direção cabo-verdiana, havendo êxito Sékou Touré primeiro e a Organização da Unidade Africana depois iriam apoiar as novas autoridades.

O documento da comissão de inquérito excede-se na imaginação: “Portugal não pode falar da independência da Guiné sob pena de ser obrigado a falar também da independência de Angola e Moçambique. Se conseguissem todos os objetivos almejados com o complô, os colonialistas portugueses começavam por desarmar os combatentes do PAIGC, em seguida desarmavam os seus comandos africanos, evocando o fim da guerra: reforçavam a sua guarnição militar em toda a Guiné e finalmente prendiam todos os dirigentes da FUL em Bissau”.

É esta a única referência que eu conheço à comissão de inquérito do PAIGC liderada por Fidelis Cabral de Almada, o mesmo que, após o golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980, veio no Congresso do PAIGC pedir desculpa pelas barbaridades que tinham sido cometidas, nomeadamente as torturas praticadas durante os interrogatórios. Quando hoje se conhecem as profundas limitações intelectuais e políticas de Momo Turé (até desaparecer para Conacri, em 1972, era empregado de mesa no restaurante “Pelicano”), fica-se estarrecido como foi possível tentar fazer convencer que ele foi um dos autores da conspiração que envolveu largas e largas dezenas de quadros, muitos deles com elevadíssima preparação. Como foi possível ter criado tanta mistificação à volta de um processo de que hoje não há um só documento?

“Jeune Afrique”, num número de Novembro de 1983, volta ao assassinato de Cabral, trata-se de um inquérito de Sophie Bessis em Bissau, na Praia, em Lisboa e Paris. Pouco ou nada adianta. Refere o documento de Março de 1972, consagrado aos problemas de segurança, denunciado que está em curso um plano para a sua liquidação. Cabral diz que recebera estas informações através do Partido Comunista Português. A repórter não esconde a surpresa quanto ao silêncio à volta de dossiê que parece incomodar o poder político instalado. Não há prova determinante, passados dez anos do assassinato, para infirmar ou reforçar as suspeitas que pesam sobre uma série de personagens da época. Cabral tinha uma enorme relutância em fazer-se acompanhar de guarda-costas. Ana Maria, a sua mulher, revela que naquela noite, antes de partirem para o jantar na embaixada da Polónia em Conacri, ela viu Cabral inquieto. Durante a manhã desse dia, Cabral tinha recebido uma visita inopinada, a do embaixador da Guiné em Dakar, portador de uma mensagem de Sékou Touré, informando que havia qualquer coisa em preparação. Cabral chamou o responsável pela segurança, Mamadu Indjai, ao que parece um dos conspiradores, ao revelar-lhe que corria o rumor de um golpe pode ter dado azo a que os conspiradores acelerassem as movimentações.

A repórter descreve o que se passou nos momentos do assassinato e depois. A comissão de inquérito de Sékou Touré fez passar que a responsabilidade era dos portugueses, Spínola e a PIDE, mas que havia também africanos infiltrados. Lidas as sentenças, depois do processo organizado pelo PAIGC, um conjunto de sublevados foram executados, a repórter diz que morreram linchados. E volta a desenvolver a tese de que Spínola criara a FUL, sob a direção de Rafael Barbosa, que dera luz verde para a operação dos infiltrados guineenses em Conacri, etc. E citando “algumas fontes” diz que Spínola tinha projetado aproveitar-se dos guineenses para capturar Cabral e mantê-lo como reserva. Também releva o papel de Momo Turé, mas não deixa de insinuar que a morte de Cabral podia ter constituído um alívio para Sékou Touré que mantinha relações muito tensas com o pai fundador do PAIGC, a africanização do PAIGC permitiria a Sékou Touré ter um maior controlo sobre a futura nação independente.

Era dentro desta bruma e deste nevoeiro que se falava em 1976 e 1983 do assassinato de Cabral. Ninguém pediu provas, ninguém apresentou provas, acusava-se na base da especulação e das hipóteses. E aqui estamos, a aguardar que apareçam declarações ou depoimentos que tragam um verdadeiro esclarecimento a um dos imbróglios mais intrigantes da história da Guiné-Bissau.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12964: Notas de leitura (580): "Os Portugueses Descobriram a Austrália? 100 Perguntas Sobre Factos, Dúvidas e Curiosidade dos Descobrimentos”, por Paulo Jorge de Sousa Pinto (Mário Beja Santos)

4 comentários:

Antº Rosinha disse...

Pois Beja Santos, por muito que duvides, nós e o povo antigo da Guiné, a história vai ficar escrita no mais politicamente correcto.

Amílcar mandado assassinar pelos tugas: Spínola e PIDE.

Mas mais do que aos povos, (Portugal Caboverde e Guiné) esta "verdade" interessa enraizá-la a um certo abrilismo (há muitos abrís) em Portugal e aos movimentos que saíram vitoriosos nas ex-colónias.

Não esquecer que para terceiros como CUBA, URRS e SEKOU TOURÉ, esta versão foi bem cozinhada e resolvida.

Esta versão histórica só foi ligeiramente questionada no 14 de Novembro de 1980.

Mas não convinha alterar a versão.

Anónimo disse...

Por acaso, Caro Beja Santos há coisas difíceis de explicar e até a versão que ouvi prái em 1975, vinda de quem provavelmente sabia, mas simples de entender, nunca mais vi mencionada. O homem foi morto essa é uma afirmação indesmentível, tudo o mais são questões não baseadas em factos, mas que se vendem.
Um abraço do
Veríssimo Ferreira
Fur.Mil. CCAÇ 1422

Joaquim Luís Fernandes disse...

Bem sabemos como o PAIGC foi hábil na propaganda, mascarando as realidades, forjando factos, mentindo quanto fosse necessário. Na guerra tudo valia, não se olhava a meios para alcançar os fins. Era a sua natureza "revolucionária".
O "sucesso" desta estratégia, continha em si o gérmen da sua própria condenação e destruição.
Para desgraça dos guineenses, a fundação do seu Estado Independente, foi alicerçado em cima de muitas mentiras, que veio à posterior a revelar-se como uma maldição e origem de diversos conflitos e danos quase insanáveis.

Se na guerra, a mentira como arma de propaganda poderá ter rendido apoios e vantagens, no bom governo duma nação, que se deseja em paz,essa prática não pode durar sempre. Um dia cai a máscara, as misérias ficam todas à vista e é o descalabro.

Mesmo sendo elementar esta constatação, a mentira é muitas vezes sedutora como prática política. Por cá como por lá,a mentira tem sido trampolim para a conquista do poder e uso continuado para o manter. Por esta via o poder é efémero e mais tarde ou mais cedo cai de podre. Entretanto quem mais sofre é o povo e neste, os mais desprotegidos e frágeis.

Apesar desta triste constatação, tenho esperança que a mentira acabará por ser desmascarada e a Verdade vencerá. o contrário seria caminharmos para o abismo. Espero que o nobre uso da política rejeite a mentira como prática corrente e assente a sua acção e proposta, na busca das melhores soluções para o bom governo dos povos, numa atitude de serviço.

É o que desejo para a Guiné-Bissau, para Portugal e para todo o Mundo. Se assim for, todas as mentiras e os erros do passado serão relevados e redimidos.

O meu abraço de Paz
JLFernandes

Antº Rosinha disse...


Beja Santos, em Bissau o povo sentia e dizia (14 de Novembro/1980) que a política de Spínola foi mortal para Amílcar Cabral.(Guineu/verdiano)

E também a política spinolista foi evocada popularmente para justificar o «correr» com o irmão Luís Cabral, no 14 de Novembro.

Havia duas "pastilhas" venenosas e mortais que Spínola receitou a Amilcar Cabral.

Lembrava-se o povo pró Spínola, (que era mais do que oficialmente se diz), e corroborava a JAC, Juventude Amílcar Cabral, embora com intenções diferentes, as tais pastilhas mortíferas:

"A Guiné é dos Guinéus" e Uma Guiné Melhor"

Claro que os guineenses só aproveitaram da política spinolista, aquilo que era anti/burmejo. (Não ser fidjo di terra)

De qualquer maneira, aos verdadeiros culpados da morte de Amílcar, era muito conveniente culpar Spínola/PIDE como mandantes.

É que os Caboverdeanos e todos os portugueses do MPLA, PAIGC e FRELIMO, os movimentos não tribalistas que ganharam aos outros todos, também conhecem aquela do Afonso Henrique bater na mãe, a do "Grito do Ipiranga" de Dom Pedro coa as calças na mão atraz do arbusto...aqueles malandros sabiam e sabem mais do que aquilo que lhe ensinámos.

De qualquer maneira os guineenses que se orgulhem da sua independência e da sua Pátria, (não são todos), devem muito a Amílcar Cabral e a Spínola.

Vamos ver se um dia vão agradecer as boas intenções de Ramos Horta!