quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13674: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (10): Viagens pelo Norte de Espanha: Bilbau e o indispensável Museu Guggenheim

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Setembro de 2014:

Queridos amigos,
Foi como meter o Rossio na Betesga. Surpreendentemente, teve um final feliz. Aterra-se em Bilbau, no dia seguinte parte-se para Logroño, a capital de La Rioja, e no dia seguinte Burgos, mais adiante Léon, depois Monforte de Lemos e Vigo até ao Porto-Campanhã.
Não podia ter enchido mais as medidas com aquele pedacinho do Norte de Espanha, que inteiramente desconhecia. E confirma-se que por melhor que se prepare o indivíduo para compreender o outro, para amortecer as novas sensações, etc. e tal, há sempre um denominador que acaba por ganhar – a surpresa. É a surpresa, mas suas múltiplas formas de contemplação, a mola de arranque para a viagem bem sucedida. E para o gozo do viajante.

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (10) 

Viagens pelo Norte de Espanha: Bilbau e o indispensável museu Guggenheim

Beja Santos

Admitia na minha cabeça que só se justificava ir a Bilbau para conhecer o colosso de titânio e vidro desenhado por Frank O. Gehry, o arquiteto genial que Pedro Santana Lopes, então à frente da autarquia de Lisboa, convidou para apresentar um novo figurino do Parque Mayer. Beneficiei da minha ignorância para ser surpreendido por uma Bilbau, capital económica do País Basco, dinâmica, aprazível, moderna, e com um espantoso equilíbrio entre o passado e o presente. Pensava que Bilbau fora profundamente afetada pela Guerra Civil. Talvez tenha sido, mas os edifícios significativos do século XIX, caso do Teatro Arriaga, lá estão para testemunhar o triunfo da burguesia bilbaína com as suas empresas siderúrgicas navais, a recordar que já houve o esplendor mineiro e a exportação de lãs e curtumes. Estava impaciente por conhecer com os meus olhos o Guggenheim, aterrei, apanhei o autocarro para a cidade, pus os pertences na hospedaria, ala que se faz tarde, nada de conhecer o metro de Norman Foster nem a ponte que saiu do traço de Santiago Calatrava. A suar estopinhas (36 graus e uma humidade guineense), lá fui cirandando pela esplanada junto ao rio Nervión, e com a língua encortiçada cheguei ao deslumbrante Guggenheim.


Caminhei para a entrada da arquitetura mais vanguardista que conheço, fui ver o menu, as exposições que me esperam: Richard Serra e uma exposição admirável de Georges Braque. Toca a descer a escadaria, de boca à banda, não conheço nada de tão audaz e para lá do tempo. Pelo caminho, escolhendo recatadas sombras, vou disparando para as imagens dos séculos futuros, digam lá se eu não tenho razão


Os reformados têm sorte, naquele dia podia-se entrar por 6,50€ e até às 20h. Mas pouco antes de ingressar no interior do templo de arte retive esta imagem de uma face da modernidade, ao princípio chocou-me a seguir cativou-me:


Qual Richard Serra qual Georges Braque, quais exposições temporárias, primeiro quero andar na vida airada, a confirmar o que se escreve no prospeto de boas-vindas: “O edifício está composto de uma série de volumes interconectados, uns de forma octogonal e recobertos de pedra e outros curvados e retorcidos, cobertos por uma pele metálica de titânio. Estes volumes combinam-se com paredes de vidro que dotam de transparência todo o edifício. Devido à sua complexidade matemática, as sinuosas curvas de pedra, vidro e titânio foram desenhadas por computador. O calcário foi a pedra escolhida, devido à sua tonalidade, funde-se perfeitamente com a fachada da Universidade de Deusto”. E sigo embasbacado, já vi este miolo dezenas de vezes em livros e revistas, mas isto é como a Praça Vermelha ou a Pirâmide do Louvre ou ao Centro Georges Pompidou, é preciso ver claramente visto com os nossos olhos, naquele dia e àquela hora, é com satisfação que vos dou as imagens que iam empolando o meu estado de espírito, sentia-me muito feliz:


E mais adiante:


Já estou mais relaxado, petisquei o suficiente para poder conversar com as obras de arte, à nossa espera, antes de ir ver uma mostra da coleção Guggenheim Bilbau fixei esta instalação de Jenny Holzer, perturba a vista, avançamos e recuamos, não há dúvida que é vistoso, parece-me mais uma guloseima visual, nem sempre o que enche o olho provoca descarga estética, o deleite contemplativo vejam só:


Pronto, enveredei por salas enormes, parece que estou no CCB, não desfazendo. Dos vários autores expostos nesta mostra, dou-vos conta de José Manuel Ballester, alguém que escolheu para a sua arte a combinação da pintura e da fotografia, e acabei por concordar com o que li nos textos fixados acerca de Ballester. Ele interessa-se por espaços vazios, investiga a solidão do indivíduo e as contradições do mundo moderno através da arquitetura, transformando espaços em cenas artificiais. É um jogo entre o claro-escuro, entre o oculto e o visível, o público e o privado. A imagem que vos mostro vem da série Espaços Ocultos, reinterpretações da história de arte, no caso presente Ballester pegou num ícone do romantismo francês, a Jangada da Medusa, de Géricault, retirou-lhe as pessoas, a representação fotográfica de Ballester mostra os restos da jangada depois do resgaste dos sobreviventes e do desaparecimento dos cadáveres. Achei uma beleza.


Saí da mostra e fui até à instalação permanente onde estão oito esculturas em aço de Richard Serra, autor que conheci numa visita ao Museu Berardo. A instalação chama-se a matéria do tempo, tratar-se-á de uma reflexão à volta dos aspetos físicos do espaço e da natureza da estrutura. Richard Serra pretende estabelecer uma relação direta com o espetador, como se a experiência com o objeto passasse a formar parte essencial do seu significado. Andamos por aquelas elipses, à medida que as percorremos elas transfiguram-se, gera-se uma sensação de espaço em movimento. Vi gente aturdida com aquelas massas de aço, as espirais e as elipses, paredes que aprecem desabar, andamos à volta com se andássemos num labirinto até se chegar ao vazio. E quando se vê a exposição de um ponto alto acaba-se por concordar com o autor: temos ali matéria do tempo, e a cor terrosa daquelas toneladas de aço como se girassem desarticuladas, levam-nos a supor que a escultura contemporânea não se assemelha ao torvelinho fabril, é um maquinismo silencioso onde se passeia o indivíduo na era do vazio:


Não vos vou hoje estafar com o prato de substância, a esplendorosa exposição de Georges Braque, há muito que estava com apetite para ver algo de tão grandioso, multidimensional. Faz de conta que vou sair e depois volto, hoje ou amanhã, venho novamente ao exterior do Guggenheim. Um dos símbolos mais vistosos de Bilbau é o Puppy, concebido por um dos artistas mais conceituado da atualidade, Jeff Koons. É vistoso, não contesto. Mas dou comigo a pensar se este Puppy não faz parte do estado líquido da nossa modernidade, esta arte engraçadinha, tão engraçadinha como as telenovelas broncas e a imprensa porno soft, tão engraçadinha como os romances históricos escritos às três pancadas e com um mínimo de vocábulos. É assim também o nosso tempo em que se força a mistura entre Frank O. Gehry como Jeff Koons e fica tudo numa boa. Mas é engraçadinho, não há dúvida:


Mais tarde falaremos do Georges Braque, e do casco histórico de Bilbau e do seu Museu de Belas Artes onde referenciei santos do meu culto como El Greco e Francis Bacon. Bilbau enche-me as medidas. Ainda não parti e apetece-me voltar, juro.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13643: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (9): Dentro do Peak District, a vasculhar belezas incomparáveis

Guiné 63/74 - P13673: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (4): 8 de Agosto de 1962




1. Publicação da quarta parte do trabalho de pesquisa e compilação do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), que diz respeito aos últimos 5517 dias de luta pela independência da então Guiné Portuguesa.





(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13670: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (3): Recenseamento, Inspecção e Distribuição de Pessoal; Os Tombados em Campanha e Os Que Foram Agraciados

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13672: In Memoriam (197): Comandante Alpoim Calvão (1937-2014): o funeral realiza-se na quinta-feira, dia 2, para o cemitério dos Olivais, após a missa de corpo presente no Mosteiro dos Jerónimos


Tira da banda desenhada “Operação Mar Verde”, da autoria de A. Vassalo, uma edição da Caminhos Romanos, 2012. Na introdução, o autor, o ex-fur mil comando Vassalo Miranda, nosso camaraada da Guiné,  escreveu o seguinte, que é seguramente um grande elogio ao homem e ao operacional que foi Alpoim Calvão:

“Na Guiné, em 1964, conheci um homem incrível, que me catapultou para o imaginário. Ambos pertencíamos a unidades de elite das Forças Armadas. Eu, furriel dos Comandos,  e ele, 1º tenente, comandante do 8º Destacamento de Fuzileiros Especiais. Homem valente, altruísta, desvalorizando situações constrangedoras, animando os seus homens e, sobretudo, de uma grande humanidade tanto para os seus como para os adversários. Qualquer um de nós seguíamo-lo sem questionar. Nasceu entre nós uma grande empatia que dura até hoje. Obrigado, comandante Alpoim Calvão".




1. Mais uma  notícia, triste, que corre pelas redes sociais, e que nos chegou através do Ipad do nosso camarada Rui Vieira Coelho_

 

Data: 30 de Setembro de 2014 às 17:18

Assunto: Falecimento de Alpoim Calvão

Faleceu hoje de manhã no Hospital de Cascais o Oficial da Armada mais condecorado da Marinha Portuguesa,  Sr Comandante Alpoim Calvão.

Foi o grande estratega e o comandante operacional da célebre "Operação Mar Verde" que invadiu Conakri e libertou o piloto da Força Aérea António Lobato e mais 26 soldados das nossas Forças Armadas.

A operação foi gizada e treinada na Ilha de Soga, de onde partiu no dia 22 de Novembro de 1970. Todos os prisioneiros foram resgatados e enviados posteriormente para Lisboa.

Perante o infausto acontecimento só me resta curvar-me perante a memória deste Grande Português, deste Grande Militar e que Deus lhe de "O descanço do guerreiro" a que tem direito.

Bem haja por tudo o que fez por este país, ditoso filho desta Pátria.


Rui Vieira Coelho [, médico reformado, ex-alf mil médico,  BCAÇ 3872 e BCAÇ 4518, Galomaro, 1973/74]


2. Segundo o semanário Expresso, "o funeral de Alpoim Calvão realiza-se na quinta-feira para o cemitério dos Olivais, após a missa de corpo presente no Mosteiro dos Jerónimos. Segundo disse à Lusa uma fonte familiar, o velório terá início esta quarta-feira, a partir das 17h. A missa de corpo presente está prevista para as 11h de quinta-feira e o funeral sairá às 11h45."

O nosso blogue tem cera de duas dezenas e meia de referências ao comandante Alpoim Calvão, de seu nome completo Guilherme Almor de Alpoim Calvão, 
nascido em Chaves, em 1937).

O jornal Público recorda-o nestes termos, enquanto comnbatente no TO da Guiné:

(...) "Nascido em Chaves, viveu em Moçambique, cursou Marinha na Escola Naval entre 1954/57, especializando-se em mergulhador sapador e navegação submarina. Voluntaria-se como fuzileiro e desembarca na Guiné no final de 1963, como comandante do destacamento de fuzileiros onde participa em diversas operações. De regresso a Lisboa, em 1965, entra na Escola de Fuzileiros onde chega a director de instrução. Ali se mantém até 1969, quando entra em conflito com o ministro da Marinha e deixa o cargo para regressar em comissão à Guiné.

A operação Mar Verde, em Novembro de 1970, que teve em Alpoim o principal arquitecto, previa um ataque a Conacri para libertar cerca de três dezenas de prisioneiros de guerra portugueses nas mãos do PAIGC - como o sargento piloto António Lobato que esteve preso vários anos - destruir equipamento do movimento independentista e liquidar o Presidente Sékou Touré. Só os dois primeiros foram conseguidos - ainda que o segundo não totalmente. Mas também terá papel relevante noutras missões como as operações Trovão e Tridente." (...).

As nossas sentidas condolências à família, aos camaradas da Marinha que serviram sob as suas ordenas e aos demais amigos. (LG)
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Guiné 63/74 - P13671: Inquérito online: O desenrascanço está no ADN dos portugueses... e a tropa mandava desenrascar ?... Sem dúvida, largo consenso, em 80 respostas preliminares... Comentários: Valdemar Queiroz / Hélder Sousa / António J. Pereira da Costa / José Colaço / Carlos Pinheiro


Guiné > Zona Leste > Geba > CART 1690 > Destacamento de Cantacunda > 1968 > As precárias condições em que se vivia no destacamento ou melhor nos "bu...rakos" que a gente construía para "desenrascar" que os engenheiros de Bissau, o  BENG 447,  não chegavam a todo o lado... Digam-me lá se o A. Marques Lopes se parece mais com um oficial do e«ército português ou com um mineiro ?

Para além de soldado, na vedade, o tuga, o portuga, o Zé , o Zé Povo também foi engenhocas, carpinteiro, marceneiro, trolha, caboqueiro, picheleiro, funileiro, canalisador, construtor de pontes, caçador, pescador, ama-seca, parteiro, professor, missionário, enfermeiro, carteiro, cronista, descascador dor de batatas, auxiliar de cozinheiro, hortelão, arrebenta-minas, picador, cangalheiro, animador cultural, mediador cultural, psicólogo, conselheiro, juiz de paz, casamenteiro, e sei lá que mais...

O Zé Povo no TO da Guiné foi mais do que o três  em um... Foi o homem dos sete oficios... O "desenrascanço" fazia parte do seu ADN e a verdade é que conseguiu transmitir esse gene aos seus filhos e netos espalhados por esse mundo de Deus e do Diabo (que ninguém, se ofenda, que isto é apenas uma metáfora, uma figura de estilo literário!)...

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]





Guiné > Zona leste > CART 11 (Nova Lamego, Paunca, 1969/1970) > S/l [ Paunca ?] > O fur mil Abílio  Duarte fazendo o papel de ama seca, ou como ele escreve, na legenda, no verso da foto: "eu, dentro do possível, fazendo psico"...



Guiné > Zona leste > CART 11 (Nova Lamego, Paunca, 1969/1970) > O fur mil Abílio Duarte refrescando-me no "resort" de Paunca, perto da fronteira com o Senegal: Casa de banho à moda dos fulas... O depósito de água é um bidão de gasolina da SACOR, Bissau, a que foi adaptada uma torneira...  A água (doce) era já então um bem precioso no TO da Guiné... As próximas guerras terão seguramente como móbil este recurso cada vez mais escasso (e indispensável à sobrevivência do planeta)...

Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2013). Todos os direitos reservados.


A. Eis os primeiros resultados (n=80) da nossa sondagem (*)


1. Totalmente falso >1 (1%)

2. Falso  > 5 (6%)

3. Nem falso nem verdadeiro  > 2 (2%)

4. Verdadeiro  > 20 (25%)

5. Totalmente verdadeiro > 51 (63%)

6. Não sei / não tenho opinião  > 1 (1%)


Votos apurados (até a meio da tarde de hoje) >  80
Dias que restam para votar > 4

 B. Comentários que nos chegam de camaradas nossos (*)

(i) Valdemar Queiroz [ou Valdemar Silva]

[, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]

Nós, os PORTUGUESES, somos extraordinários.

Vejamos pequenos exemplos da rapaziada, na guerra, na Guiné.

E, então, aquela de fazer furos com a ponta duma bala (à mão, não exageremos),  no fundo duma lata de coca-cola para, depois, adaptada a uma torneira, que tinha sido adaptada a um bidão de gasolina, servir de chuveiro numa banhoca ?!

E, então, aquela de (re)encher uma garrafa de cerveja (bebida muitas vezes quente) com petróleo e, depois, furar a carica para passar uma torcida que acesa dava luz pra ler, comer e, até, quando colocada dentro duma lata de compota de fruta vazia, com a tampa levantada para fazer reflexo, agarrada ao arame farpado servia de holofote pra escuridão da mata ?!

E, então, aquela do Spínola cortar as meias-mangas e, depois, adaptar uma falsa dobra no camuflado ?!

E, muito mais. Valdemar Queiroz


(ii) Helder Sousa [, ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72]



"Desenrascanço", "Imaginação", "Criatividade"....etc., o que quiserem.

Realmente essa capacidade de 'inventar', de encontrar uma solução para um problema, qualquer que fosse, foi, tem sido, uma espécie de 'marca distintiva' do que se pode entender por 'ser português'.

É claro que isso, parecendo (e sendo, muitas vezes) uma 'coisa boa', tem por detrás a outra face, ou seja, não se gastou tempo anteriormente a preparar, a estudar, a prevenir. Então sai 'improviso' e por sorte, por sapiência e/ou por 'protecção divina' muitas vezes 'deu certo'.

No entanto é possível que essa capacidade esteja a correr o risco de desaparecimento, com a 'uniformização' de critérios que tendem a dissipar as diferenças (culturais, regionais, até civilizacionais, etc.) que nos têm distinguido e que, em boa verdade, são o 'motor' dessa criatividade.

Como achega para a 'utlização imaginativa' do que íamos tendo à mão e que poderia, numa sociedade como a de agora, ser simplesmente desperdício ou, quando muito, colocado no 'amarelão', temos o aproveitamento das latas de coca-cola que, por sinal, não era comercializada na Metrópole...

O Valdemar já falou do aproveitamento para 'espalhador de chuveiro'. Também, pontualmente, serviram como elemento para colocação no chão a fim de o tornar mais transitável, à entrada dos quartos. Serviram de cinzeiro: de parede, colocadas deitadas, abertas longitudinalmente, ou ao alto com a 'boca' aberta. Também a utilizei como pequeno fogão para aquecimento: posicionada ao alto, com buraco lateral para colocação do álcool no fundo e servir de arejamento.

Abraço
Hélder S.

(iii) Anónimo J. Pereira da Costa

[Coronel de Art.ª Ref, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74]
Olá,  camaradas

Antes de mais nada: o desenrascanço, o improviso são óptimoas mas elogiar o improviso em desprimor do que devia ser feito é estupidez e pobreza.

Por outras palavras:quem não tem cão caça com gato, mas o cão é que serve para caçar e por isso temos de o ter.

Infelizmente na Guiné nunca passámos da primeira parte e por isso, os improvisos tornaram-se cronicamente provisórios.

O "desenrascanço" implica várias qualidades: vontade de resolver sem esperar que a solução seja fornecida; imaginação; inteligência; leitura rápida das dificuldades e a certeza de que estamos sós na resolução das dificuldades.

Parece-me que os portugueses têm todas estas qualidades e é isso que faz deles exemplos a seguir.

Um Ab.
António J. P. Costa

(iv) José Botelho Colaço  [ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65]

Inventar: Na vida civil a minha profissão foi técnico de máquinas e afinar as mesmas, então para os que trabalhavam mais directamente comigo a mina alcunha era o engenhocas... E por causa disso ficavam muito satisfeitos quando eu atendia os seus pedidos. Eu dizia-lhes:  o problema não é meu isso.  é com o mecânico de turno... Rresposta: não, vem tu ver por favor.


(v) Carlos Pinheiro [, ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro
de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70]


O desenrascatez-vous está no sangue dos portugueses e nós, naquela altura, éramos mesmo obrigados a desenrascarmo-nos. 

Eu fui para a Guiné sozinho – em rendição individual – mas muito bem acompanhado. Era o BCAÇ 2856, era uma CPM, era um Pelotão não sei de quê e uma série de malta em rendição individual que tinha os seus destinos. Mas o meu era incerto. O Batalhão para onde eu ia, estava já a fazer as malas para regressar. Então mandaram-me aguardar, não sei o quê, nos Adidos. Nem uma cama tinha quanto mais um mosquiteiro. Passados três dias tinha uma cama, emprestada é certo, mas uma cama, na Companhia de Transportes aquartelada no QG. Desenrasquei-me, pronto. 

Depois, porque também queria fazer alguma coisa, porque andar sempre desenfiado não dava jeito, apresentei-me ao Comandante do Destacamento do STM a oferecer-me para desempenhar funções da minha especialidade no Centro de Mensagens visto que já tinha alguma experiência adquirida em cerca de seis meses no QG da II RM – Tomar. A minha oferta foi aceite e passados poucos dias já ali estava a fazer o que tinha aprendido no RTm do Porto. Desenrasquei-me, pronto.

Nas viagens de cruzeiro, aí é que não me consegui desenrascar. Tive que gramar aquelas camas de suma a pau nos porões, tanto no UIGE para lá como no Carvalho Araújo para cá. Mas na viagem de regresso, sabendo antecipadamente que o Carvalho Araújo  não tinha água nem para lavar o prato que nos deram quando subimos a bordo, quanto mais para tomarmos banho, desenrasquei-me no Depósito de Fardamento da Companhia onde consegui uma dúzia de camisas e de calções, visto que meias e roupa interior tinha suficiente, e todos os dias, às vezes mais do que uma vez, vestia roupa lavada num corpo suado, transpirado, seboso, mas vestia roupa lavada. Se isto não foi um desenrascanço, nem sei o que dizer.

Aliás, a malta dizia, vulgarmente, que a tropa mandava desenrascar e era isso que fazia sempre que era necessário. Nem mais nem menos. 

Contar pormenores de desenrascanço no serviço, nem pensar. Era preciso tempo e paciência para contar a forma como se resolveu sempre tudo a tempo e horas.

Guiné 63/74 - P13670: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (3): Recenseamento, Inspecção e Distribuição de Pessoal; Os Tombados em Campanha e Os Que Foram Agraciados




 1. Publicação da terceira parte do trabalho de pesquisa e compilação do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), que diz respeito aos últimos 5517 dias de luta pela independência da então Guiné Portuguesa.




(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13665: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (2): 3 de Agosto de 1959

Guiné 63/74 - P13669: Selfies / autorretratos (3): Em 1966 o meu pai preparou tudo para que eu fosse a “salto”, seguindo assim o trilho de milhares de portugueses (Juvenal Amado)

Tropa a bordo do navio Angra do Heroísmo
Foto de: © Manuel Passos

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 25 de Setembro de 2014:

Achando eu que o tema é merecedor do nosso melhor interesse e não querendo melindrar ninguém com as minhas opiniões sobre o assunto, deixo aqui a minha participação no tema aproveitando para saudar todos os camaradas e em especial o Vasco Pires e o Manuel Reis

Juvenal Amado


Um auto-retrato de soldado

Tinha eu saído da escola primária quando se deram os massacres da UPA sobre colonos e seus assalariados no Norte de Angola. Lembro-me bem do horror daquelas imagens que circularam meio à socapa e do medo que os jovens em idade militar, e alguns que já tinham o serviço obrigatório, de serem mobilizados, o que aconteceu a muitos.

Os acontecimentos provocaram uma onda de terror associada à ideia de vingança patriótica(*) que tais actos provocaram, porém não conheci ninguém que se tivesse sentido feliz por ir. Passados dez anos quando embarquei, também não conheci ninguém que não ficasse de boa vontade por cá a cumprir o serviço militar sem mais chatices, com férias e fins de semana em casa, mandando assim o espírito de missão ou mesmo de aventura, às urtigas.

Faço aqui um pequeno parênteses para mencionar as tropas especiais, que por serem voluntárias tinham outro espírito.

Ao contrário do que leio hoje, em especial nas redes sociais, faz-me querer que a vasta maioria escondeu na altura o seu patriotismo e seu fervoroso amor à Pátria e que passados 40/50 anos depois veio ao de cima, à medida que uns se calam ficamos com a ideia que a esmagadora maioria foi de bom grado e de livre vontade.

Lá diz no poema de Luís Vaz de Camões, “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades”.

Embarque do BCAÇ 3872, em Lisboa, no navio Angra do Heroísmo

O portugueses não eram o povo próspero nem feliz e a ideia de ir dar o corpo ao manifesto por um Portugal Ultramarino, para o qual não havia bilhete da carreira nem de comboio, sendo mesmo necessário uma carta de chamada para se poder ir para lá, por muito portuguesas que fossem essas terras, era uma coisa que pouca felicidade nos trazia. Por outras palavras, a carta de chamada para ir para uma terra que diziam nossa, era o que havia em comum com a nossa saída para qualquer país, por exemplo do continente americano. Até a moeda não tinha o mesmo cunho nem o mesmo valor.

Estou plenamente de acordo com o que o Luís Graça escreve no seu comentário e cito:(1)

As motivações para a saída em massa e ilegal (, "a salto",) são fáceis de perceber: o círculo vicioso a da pobreza, em Portugal, não poderia ser mantido mais tempo, com o "milagre económico europeu" à nossa porta... (Os "trinta gloriosos", as décadas de excecional desenvolvimento económico e social que a Europa conheceu, desde o pós-guerra até 1973)... Já [não] era preciso ir para o Brasil: a França e a Alemanha estavam ali, à nossa porta, ou pelo menos, a partir dos Pirenéus.

Acrescento que foi essa riqueza e bem-estar europeu, que permitiu ao governo português manter aquela guerra por tanto tempo.

Conheço quem fugiu à tropa por motivos económicos, quem fugiu por motivos políticos, mas também quem regressou para cumprir o serviço militar. Considero todos os motivos válidos e tomados por homens conscientes, não cabendo no meu vocabulário o termo cobardia para os que fugiram, nem de coragem e patriotismo para os que ficaram ou regressaram, direi simplesmente que uns e outros assumiram a situação de forma diferente.

Mesmo os que regressaram do estrangeiro para serem incorporados salvo excepções, fizeram-no para poderem regressar às suas aldeias e vilas sem serem incomodados pelo regime, circularem a partir daí livremente até para se irem embora para o País que antes os tinha acolhido, desde que sua a política fosse futebol, fado e Fátima, convém sublinhar.

João Caramba a bordo do Angra do Heroísmo, ao larga da Ilha da Madeira

Alguns apresentaram-se já fora da idade de incorporação normal, a julgar pela idade que tinham quando fizeram as respectivas recrutas e nos apareceram como rendições individuais nos destacamentos no mato. Regressaram da outra Europa livre e próspera, após indultos para refractários e possivelmente também para desertores, concedido por Marcelo Caetano se não estou em erro. Em 1966 o meu pai preparou tudo para que eu fosse a “salto”, seguindo assim o trilho de milhares de portugueses, a caminho de uma situação sem volta à vista, pois quem é que podia dizer quando a guerra acabava. Se acabasse com uma vitória das nossas forças, a situação de quem tinha fugido podia eternizar-se até ao dia que houvesse uma amnistia do regime, que se tornaria “rancoroso” para quem não tinha dado o corpo ao manifesto.

De França veio mesmo uma pessoa para me levar, o que chegou ao meu conhecimento quando já estava na tropa. Não fui tido nem achado na resolução final, e hoje penso que foi melhor assim.
Nessa altura tinha o meu irmão embarcado para Moçambique. O meu pai não querendo arriscar outro filho em tal missão, agiu assim em conformidade com muito do que pensava. Não fora a minha mãe que após muitas suplicas tais como, “que nunca mais o vemos se ele fugir”, “que ele pode ir para tropa e ter a sorte de ficar cá", “que se Deus quiser nada de mal lhe acontecerá”, eu teria mesmo ido para França e de certeza, não regressaria para ser incorporado para combater em tal guerra.

Todas essas súplicas e razões deram à minha mãe, como resultado, muitas noites de insónia, em que me via morto ou sem pernas, e que isso me tinha acontecido por causa de ela não me ter deixado ir para França.
De certo fez muitas promessas para eu regressar vivo e inteiro.
Felizmente para mim, para ela, voltei sem problemas e foi com enorme alegria que vi a guerra acabar dali a muito pouco tempo.

Não foi uma guerra mas muitas guerras, pois as condições alteravam-se como areia movediça. Quem embarcou em 1961, encontrou uma situação que rapidamente se transformou, de ano para ano, à medida que os movimentos passaram de aceso ódio tribal para nacionalismos militantes e exércitos de guerrilha organizados. O armamento também se modificou em quantidade e qualidade, pelo menos o do inimigo.

Quando falo com camaradas que estiveram na Guiné muito tempo antes de mim, não são poucas as vezes que me dizem “no meu tempo é que era, vocês foram uns lordes”. Depois lembro-me daquele tempo, dos anseios, das saudades, das noites acordado, do que vi, lembro os mortos, a violência a que estiveram sujeitos muitos destacamentos nos 28 meses que lá estive e fico a pensar se estamos a falar da mesma guerra.

Um abraço
Juvenal Amado

(*) Que deu em repressão violentíssima na Baixa de Cassange sobre população confinada que cinquenta anos antes (1911) tinha convertido, pela força, guerreiros orgulhosos em agricultores de algodão, humilhando-os na sua condição, daí em diante.
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Notas do editor

(1) Vd. poste de 22 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13634: Selfies / autorretratos (1): por que é que fomos à guerra... (Vasco Pires / Luís Graça / Francisco Baptista / José Manuel Matos Dinis)

Último poste da série de 22 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13638: Selfies / autorretratos (2): filho único, com pai emigrado no Canadá, podia também ter saído do país, aos 17 anos... Passei pela universidade de Coimbra e lutas académicas, tendo decidido participar na guerra colonial, contrariado e sabendo ao que ia (Manuel Reis, ex-alf mil cav, CCAV 8350, Guileje, 1972/74)