1. Mensagem do nosso camarada Luís Paulino, (ex-Fur Mil da CCAÇ 2726, Cacine e Cameconde, 1970/72), com data de 28 de Janeiro de 2015:
Olá Companheiro e Amigo Vinhal,
Sequenciando o tema do companheiro Jorge Araújo, sobre a Aeronáutica na Guiné, veio-me à lembrança um voo que efectuei em Dezembro de 1970, de regresso a Cacine, após gozo de férias na Metrópole.
Parti do aeroporto de Bissalanca numa dessas Cessnas civis de apenas 2 lugares, em que o passageiro viajava ao lado do piloto.
Recordo-me que, após termos levantado voo conversámos algum tempo, mas fui-me apercebendo que lentamente, se ia perdendo a fluidez do diálogo.
Estranhando o sucedido, olhei para a minha esquerda, e para meu espanto, verifico que o piloto pendia a cabeça para a frente, com alguma frequência, dando a entender que estaria a dormitar.
Fiquei assustado e alertei-o de imediato com um valente berro.
Não sei se o aparelho tinha piloto automático, mas sei que a Cessna, durante esse espaço de tempo não alterou a rota, pois passados alguns minutos aterrámos em Cacine, tendo tudo acabado em bem.
Já em terra cumprimentámo-nos, tendo ele pedido desculpa pelo sucedido, tendo-se justificado com o cansaço provocado pelo excesso de horas de voo que estava a efectuar diariamente.
Saudações Fraternas,
Luís Paulino
____________
Nota do editor
Último poste da série de 3 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14215: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (30): "Blue on Blue" - Querem ver que acertei nos nossos? (António Marins de Matos, TGen Pilav Ref)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 3 de fevereiro de 2015
Guiné 63/74 - P14215: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (30): "Blue on Blue" - Querem ver que acertei nos nossos? (António Marins de Matos, TGen Pilav Ref)
1. Mensagem do nosso camarada António Martins de Matos, TGen Pilav
Ref (ex-Tenente Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74), com data de hoje, 3 de Janeiro de 2015:
Caros amigos
Cá vai mais uma estória passada na Guiné
Abraços
Antonio Martins Matos
Blue on Blue
Quando se faz um planeamento de exercícios militares, é procedimento habitual identificar as forças intervenientes por duas cores, os “nossos” são sempre marcados como sendo os Azuis (BLUE), até há pouco tempo os opositores (quaisquer que fossem) eram sempre denominados como sendo os Vermelhos (RED).
Depois da queda do Muro de Berlim e do desmoronamento do Pacto de Varsóvia, tendo em conta uma aproximação mais “politizada”, os opositores deixaram de ser Red e passaram a ser Laranja (ORANGE). Enfim, modas, quando eram RED sabíamos para onde nos voltar, agora com o ORANGE, temos de olhar para tudo à volta, só espero que qualquer dia não mudem para BLACK ou YELLOW.
“BLUE ON BLUE” é o termo utilizado quando forças “amigas”, por razões estranhas e indeterminadas, disparam contra outras forças, posições ou entidades igualmente “amigas”.
Por vezes também aparece a designação de FRIENDLY FIRE (fogo amigo) ou COLLATERAL DAMAGE (danos colaterais).
Sendo algo triste, preocupante e de lamentar não é um acontecimento tão raro como se possa supor, sempre aconteceu e acontecerá em todos os conflitos, sejam eles pequenos, médios ou grandes.
E não se julgue que os estragos possam ser sempre pequenos, apenas dois exemplos:
- Na Batalha Naval de Algeciras (1801) dois navios espanhóis (Real Carlos e San Hermenegildo), por engano lutaram furiosamente um contra o outro, no final ambos foram ao fundo, cerca de 1700 mortos.
- No final da Segunda Guerra (1945) 3 navios mercantes foram afundados pela RAF à saída do porto de Lubeck, transportavam sobreviventes judeus de campos de concentração e prisioneiros de guerra Aliados, mais de 5000 mortos.
Parece que os campeões destas modalidades de tiro ao alvo são os americanos, sempre foram rápidos no gatilho, só no Vietnam houve mais de 7000 incidentes deste tipo.
Em sua defesa o que posso dizer é que os americanos tem a mania de reportar tudo o que se lhes ocorre, enquanto muitos outros tem a mania oposta, a de varrer para debaixo do tapete, só quando já cheira mal é que os acontecimentos aparecem, estou-me a lembrar do Airbus da Malaysian Airlines abatido na Ukrania, agora e segundo as últimas notícias publicadas na imprensa, parece que não foi ninguém…
Nos dias de hoje não há que fugir, as aviações (e agora os drones) estão quase sempre envolvidos nestas tramas, seja por terem bombardeado a “nossa tropa”, por engano do piloto ou do drone-driver, seja por terem sido abatidos pela “nossa tropa”, por engano de alguns artilheiros mais escrupulosos ou descuidados.
Não sei se na nossa Guerra do Ultramar aconteceram alguns destes casos, não devemos ser excepção à regra, não tenho conhecimento de nenhum mas … tampouco ponho as mãos no fogo.
Nesta coisa de tentar apoiar as forças terrestres uma coisa era certa, quartéis em que o pessoal quase nunca saia para o mato tornavam-se mais simples, podíamos bombardear “tudo à volta”, sem medo de acertar em alguém amigo.
Para os outros era mais complicado, até porque a tropa não estava habituada a falar ao rádio, perdiam-se em MIKE, OSCAR, ROMEU, TANGO, ECHO, INDIA, ROMEU, OSCAR, só para dizer uma palavra tão simples como “morteiro” e, vá-se lá saber o porquê, nunca tinham potes de fumo à mão (as duas únicas maneiras de sabermos onde andava a tropa, uma tela laranja ou um pote de fumo).
A partir de 1973 e como os apoios de fogo se tornassem cada vez mais frequentes, violentos e confusos, passámos a gravar as comunicações entre o chão e o avião, o Fiat G-91 permitia isso já que dispunha de um gravador interno.
A fita gravada era guardada um certo período de tempo, se nada de relevante tivesse entretanto acontecido, era reutilizada.
Mas nem tudo era mau, com os pára-quedistas não eram precisas grandes conversas, pote de fumo, a partir do pote o inimigo está na direcção x, distancia y, tudo dito.
Devido à falta de pilotos que se fazia sentir, até às 8 horas apenas havia um piloto a pé, o outro descansava num quarto perto das Operações da Base, quando o alerta soava iam-no chamar, o piloto mais acordado ia avançando para o objectivo, de lá acabava por dizer ao “dorminhoco”, entretanto arrancado da cama, se a sua presença ainda era necessária.
Lá fui eu, sozinho, rumo sul na direcção do Cantanhez.
No caminho e pelo rádio lá me foram dando mais alguma informação, era um grupo de fuzileiros que, ao atravessar uma bolanha, tinha tido um encontro com o PAIGC.
Não foi preciso contactá-los, ao ouvirem o avião logo se chegaram ao rádio e contaram o que se estava a passar, tinham sido surpreendidos por fogo IN, precisavam de atravessar uma bolanha mas tinham medo de, a meio da travessia, serem emboscados.
Aquela bolanha… Para eles só havia aquela bolanha, visto cá de cima bolanhas era mato!
- “Qual bolanha?”
- “Um momento….. BRAVO OSCAR LIMA ……” o fuzileiro esmerava-se em me dar as coordenadas do local, devia pensar que eu podia esticar um mapa em cima de uma mesa e ir à procura do que me dizia…
- “Ó homem, deixe-se de conversa e abra um pote de fumo !”
Quando o fumo branco apareceu junto da copa das árvores logo fiquei a saber três coisas, onde estavam, qual a bolanha da discórdia e o sentido que a tropa queria seguir.
O passo seguinte foi fazer uma picada em direcção à mata que tinham pela frente e disparar os 8 foguetes que trazia, tentando neutralizar alguma possível emboscada,.
O pessoal agradeceu, fiquei a sobrevoar o local enquanto eles se meteram a caminho, a travessia fez-se sem qualquer incidente, só que….
Pelo tempo entretanto decorrido calculava que já deviam ter completado o percurso e avançado mata adentro, mas sem uma ideia precisa onde,... quando o fuzileiro do rádio me chamou:
- “Estão a disparar contra si!”.
Num momento tudo se modificou, ao olhar para a zona já não havia qualquer fumo branco, no meio do verde iam aparecendo aqui e ali uns pequenos cogumelos de fumo ou pó, sinal que alguma coisa ia rebentando, e riscos vermelhos que vinham lá da orla da mata e passavam perto de mim.
A minha reacção foi rápida e um pouco instintiva, voltei o avião para o onde vinham as balas tracejantes, iniciei uma picada apontado ao local, encolhi-me dentro do cockpit e … gastei as munições das minhas 4 metralhadoras.
Ainda estava a recuperar da picada e já o fuzileiro no rádio gritava a plenos pulmões que tinham 4 ou 5 feridos…
A dúvida instalou-se-me… “Querem ver que acertei nos nossos?”
Não podia ser, só tinha disparado para o local de onde saiam as malditas tracejantes a mim apontadas mas, por outro lado, uma coisa também era certa, já não fazia a mínima ideia por onde andariam aqueles fuzos tresmalhados.
Quando a situação serenou regressei a Bissau com as dúvidas a avolumarem-se, o ter ido à missão sozinho tornava-me mais vulnerável, não ter com quem desabafar ou partilhar ideias.
Uma vez aterrado resolvi ir falar com o Cmdt Grupo, lá lhe expliquei o que se tinha passado e os meus temores.
Ouviu-me atentamente, fez um comentário sobre os fuzileiros (censurado), no final deu-me folga para o resto do dia e um conselho, ir averiguar.
Assim fiz, soube que tinha saído o Dakota para Cufar para recolher os feridos, ao fim da tarde estava à espera da chegada do avião, lá vinham eles, 4 feridos, em macas, todos ligados e a soro, não podiam responder às minhas dúvidas.
Estava neste impasse quando, saídos do meio dos feridos, apareceram umas calças de camuflado e uma tshirt branca, a enfermeira pára-quedista que tinha feito o acompanhamento e agora ajudava a transportar os feridos do avião para a ambulância, ninguém melhor que ela para me poder dar a informação pretendida.
Muito de mansinho lá me fui abeirando e, num tom de voz aparentando alguma indiferença (o meu coração a bater), cumprimentei-a, que tal o tempo em Cufar, se a missão tinha corrido bem, … já agora… se os ferimentos eram graves e de que tipo.
Olhou-me espantada com aquele meu súbito interesse, algo não encaixava na sua cabeça, um piloto dos Fiats a tentar “meter conversa” nas horas de serviço?????
Depois abriu um sorriso, deve ter percebido os meus problemas.
- “Náa, têm uma série de buracos mas não correm perigo, levaram com estilhaços de um RPG”
A VIDA É BELA!!!
António Martins Matos
____________
Nota do editor
Último poste da série de 28 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14197: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (29): Aeronáutica na Guiné - Os CESSNA dos TAGP e os seus pilotos (Jorge Araújo)
Caros amigos
Cá vai mais uma estória passada na Guiné
Abraços
Antonio Martins Matos
Blue on Blue
Quando se faz um planeamento de exercícios militares, é procedimento habitual identificar as forças intervenientes por duas cores, os “nossos” são sempre marcados como sendo os Azuis (BLUE), até há pouco tempo os opositores (quaisquer que fossem) eram sempre denominados como sendo os Vermelhos (RED).
Depois da queda do Muro de Berlim e do desmoronamento do Pacto de Varsóvia, tendo em conta uma aproximação mais “politizada”, os opositores deixaram de ser Red e passaram a ser Laranja (ORANGE). Enfim, modas, quando eram RED sabíamos para onde nos voltar, agora com o ORANGE, temos de olhar para tudo à volta, só espero que qualquer dia não mudem para BLACK ou YELLOW.
“BLUE ON BLUE” é o termo utilizado quando forças “amigas”, por razões estranhas e indeterminadas, disparam contra outras forças, posições ou entidades igualmente “amigas”.
Por vezes também aparece a designação de FRIENDLY FIRE (fogo amigo) ou COLLATERAL DAMAGE (danos colaterais).
Sendo algo triste, preocupante e de lamentar não é um acontecimento tão raro como se possa supor, sempre aconteceu e acontecerá em todos os conflitos, sejam eles pequenos, médios ou grandes.
E não se julgue que os estragos possam ser sempre pequenos, apenas dois exemplos:
- Na Batalha Naval de Algeciras (1801) dois navios espanhóis (Real Carlos e San Hermenegildo), por engano lutaram furiosamente um contra o outro, no final ambos foram ao fundo, cerca de 1700 mortos.
- No final da Segunda Guerra (1945) 3 navios mercantes foram afundados pela RAF à saída do porto de Lubeck, transportavam sobreviventes judeus de campos de concentração e prisioneiros de guerra Aliados, mais de 5000 mortos.
Parece que os campeões destas modalidades de tiro ao alvo são os americanos, sempre foram rápidos no gatilho, só no Vietnam houve mais de 7000 incidentes deste tipo.
Em sua defesa o que posso dizer é que os americanos tem a mania de reportar tudo o que se lhes ocorre, enquanto muitos outros tem a mania oposta, a de varrer para debaixo do tapete, só quando já cheira mal é que os acontecimentos aparecem, estou-me a lembrar do Airbus da Malaysian Airlines abatido na Ukrania, agora e segundo as últimas notícias publicadas na imprensa, parece que não foi ninguém…
Nos dias de hoje não há que fugir, as aviações (e agora os drones) estão quase sempre envolvidos nestas tramas, seja por terem bombardeado a “nossa tropa”, por engano do piloto ou do drone-driver, seja por terem sido abatidos pela “nossa tropa”, por engano de alguns artilheiros mais escrupulosos ou descuidados.
Não sei se na nossa Guerra do Ultramar aconteceram alguns destes casos, não devemos ser excepção à regra, não tenho conhecimento de nenhum mas … tampouco ponho as mãos no fogo.
Nesta coisa de tentar apoiar as forças terrestres uma coisa era certa, quartéis em que o pessoal quase nunca saia para o mato tornavam-se mais simples, podíamos bombardear “tudo à volta”, sem medo de acertar em alguém amigo.
Para os outros era mais complicado, até porque a tropa não estava habituada a falar ao rádio, perdiam-se em MIKE, OSCAR, ROMEU, TANGO, ECHO, INDIA, ROMEU, OSCAR, só para dizer uma palavra tão simples como “morteiro” e, vá-se lá saber o porquê, nunca tinham potes de fumo à mão (as duas únicas maneiras de sabermos onde andava a tropa, uma tela laranja ou um pote de fumo).
A partir de 1973 e como os apoios de fogo se tornassem cada vez mais frequentes, violentos e confusos, passámos a gravar as comunicações entre o chão e o avião, o Fiat G-91 permitia isso já que dispunha de um gravador interno.
A fita gravada era guardada um certo período de tempo, se nada de relevante tivesse entretanto acontecido, era reutilizada.
Mas nem tudo era mau, com os pára-quedistas não eram precisas grandes conversas, pote de fumo, a partir do pote o inimigo está na direcção x, distancia y, tudo dito.
Quanto aos fuzileiros, tropa difícil de entender…
A estória que hoje conto, não sendo um “blue on blue”… podia ter sido.
Ainda não eram 6 da manhã e já o “Alerta aos Fiat” soava no altifalante.
A estória que hoje conto, não sendo um “blue on blue”… podia ter sido.
Ainda não eram 6 da manhã e já o “Alerta aos Fiat” soava no altifalante.
Devido à falta de pilotos que se fazia sentir, até às 8 horas apenas havia um piloto a pé, o outro descansava num quarto perto das Operações da Base, quando o alerta soava iam-no chamar, o piloto mais acordado ia avançando para o objectivo, de lá acabava por dizer ao “dorminhoco”, entretanto arrancado da cama, se a sua presença ainda era necessária.
Lá fui eu, sozinho, rumo sul na direcção do Cantanhez.
No caminho e pelo rádio lá me foram dando mais alguma informação, era um grupo de fuzileiros que, ao atravessar uma bolanha, tinha tido um encontro com o PAIGC.
Fuzileiros, tropa difícil de entender…
Não foi preciso contactá-los, ao ouvirem o avião logo se chegaram ao rádio e contaram o que se estava a passar, tinham sido surpreendidos por fogo IN, precisavam de atravessar uma bolanha mas tinham medo de, a meio da travessia, serem emboscados.
Aquela bolanha… Para eles só havia aquela bolanha, visto cá de cima bolanhas era mato!
- “Qual bolanha?”
- “Um momento….. BRAVO OSCAR LIMA ……” o fuzileiro esmerava-se em me dar as coordenadas do local, devia pensar que eu podia esticar um mapa em cima de uma mesa e ir à procura do que me dizia…
- “Ó homem, deixe-se de conversa e abra um pote de fumo !”
Quando o fumo branco apareceu junto da copa das árvores logo fiquei a saber três coisas, onde estavam, qual a bolanha da discórdia e o sentido que a tropa queria seguir.
O passo seguinte foi fazer uma picada em direcção à mata que tinham pela frente e disparar os 8 foguetes que trazia, tentando neutralizar alguma possível emboscada,.
O pessoal agradeceu, fiquei a sobrevoar o local enquanto eles se meteram a caminho, a travessia fez-se sem qualquer incidente, só que….
Pelo tempo entretanto decorrido calculava que já deviam ter completado o percurso e avançado mata adentro, mas sem uma ideia precisa onde,... quando o fuzileiro do rádio me chamou:
- “Estão a disparar contra si!”.
Num momento tudo se modificou, ao olhar para a zona já não havia qualquer fumo branco, no meio do verde iam aparecendo aqui e ali uns pequenos cogumelos de fumo ou pó, sinal que alguma coisa ia rebentando, e riscos vermelhos que vinham lá da orla da mata e passavam perto de mim.
A minha reacção foi rápida e um pouco instintiva, voltei o avião para o onde vinham as balas tracejantes, iniciei uma picada apontado ao local, encolhi-me dentro do cockpit e … gastei as munições das minhas 4 metralhadoras.
Ainda estava a recuperar da picada e já o fuzileiro no rádio gritava a plenos pulmões que tinham 4 ou 5 feridos…
A dúvida instalou-se-me… “Querem ver que acertei nos nossos?”
Não podia ser, só tinha disparado para o local de onde saiam as malditas tracejantes a mim apontadas mas, por outro lado, uma coisa também era certa, já não fazia a mínima ideia por onde andariam aqueles fuzos tresmalhados.
Quando a situação serenou regressei a Bissau com as dúvidas a avolumarem-se, o ter ido à missão sozinho tornava-me mais vulnerável, não ter com quem desabafar ou partilhar ideias.
Uma vez aterrado resolvi ir falar com o Cmdt Grupo, lá lhe expliquei o que se tinha passado e os meus temores.
Ouviu-me atentamente, fez um comentário sobre os fuzileiros (censurado), no final deu-me folga para o resto do dia e um conselho, ir averiguar.
Assim fiz, soube que tinha saído o Dakota para Cufar para recolher os feridos, ao fim da tarde estava à espera da chegada do avião, lá vinham eles, 4 feridos, em macas, todos ligados e a soro, não podiam responder às minhas dúvidas.
Estava neste impasse quando, saídos do meio dos feridos, apareceram umas calças de camuflado e uma tshirt branca, a enfermeira pára-quedista que tinha feito o acompanhamento e agora ajudava a transportar os feridos do avião para a ambulância, ninguém melhor que ela para me poder dar a informação pretendida.
Muito de mansinho lá me fui abeirando e, num tom de voz aparentando alguma indiferença (o meu coração a bater), cumprimentei-a, que tal o tempo em Cufar, se a missão tinha corrido bem, … já agora… se os ferimentos eram graves e de que tipo.
Olhou-me espantada com aquele meu súbito interesse, algo não encaixava na sua cabeça, um piloto dos Fiats a tentar “meter conversa” nas horas de serviço?????
Depois abriu um sorriso, deve ter percebido os meus problemas.
- “Náa, têm uma série de buracos mas não correm perigo, levaram com estilhaços de um RPG”
A VIDA É BELA!!!
António Martins Matos
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Nota do editor
Último poste da série de 28 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14197: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (29): Aeronáutica na Guiné - Os CESSNA dos TAGP e os seus pilotos (Jorge Araújo)
Guiné 63/74 - P14214: Memórias de Copá (5): Janeiro e Fevereiro de 1974. (António Rodrigues)
1. O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto da 1.ª CCAV do BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Boruntuma (a minha 1.ª CCAV/BCAV 8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá), 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Memórias de Copá
Janeiro e Fevereiro de 1974
Camaradas,
Como por esta altura do ano passa mais um aniversário dos dolorosos dias que vivi em Copá, aqui vos deixo mais algumas histórias do que lá se passou há 41 anos.
Retomando o fio à meada do que atrás vinha a contar, o dia 1 de Fevereiro de 1974 passou-se na expectativa de encontrar o piloto aviador, que como disse veio a aparecer ao fim da tarde desse dia e quanto a acções de guerra nada houve a assinalar.
Porém, no dia seguinte (2 de Fevereiro de 1974), estávamos sentados a almoçar e ao bater a 1 hora da tarde, rebentava novo e severo flagelo a Copá, com Morteiros 120 mm e canhões sem recuo, que duraria até cerca das 4 horas da tarde. Esta flagelação provocou diversos estragos nas Tabancas, Escola, valas e abrigos, mas graças a Deus mais uma vez saíamos dessa flagelação todos ilesos.
A artilharia de Canquelifá (com obuses de 10,5) tentou apoiar-nos mas com pouca eficácia, porque os 10,5 naquele caso tinham um alcance insuficiente.
No dia 3 entre as 16 e as 18 horas sofremos nova e intensa flagelação a Copá com morteiros 120. Quase todas as granadas caíram dentro do arame farpado, mas felizmente não houve danos pessoais. Arderam algumas Tabancas e mancarra armazenada.
No dia 4, Copá volta a ser flagelado entre as 17h30 e as 18h30 com morteiros 120. Canquelifá, com boa vontade, tentou ajudar-nos de novo com os obuses 10,5, mas infelizmente com poucos resultados, limitavam-se a fazer algum barulho com as suas explosões. Esta flagelação não causou danos pessoais nem materiais.
No dia 5 de Fevereiro, ao romper do dia, dá-se início ao desenrolar da operação “GATO ZANGADO” que decorreu entre o dia 5 e o dia 12 de Fevereiro, com as nossas tropas apoiadas pelo grupo de Comandos Africanos comandado pelo Sargento Comando Marcelino da Mata a tentarem chegar a Copá, com a tão ansiada coluna de reabastecimento. Pelo caminho levantaram 3 minas anticarro e destruíram outras 6. Pelas 10h30 da manhã, no local do costume, MASSACUNDA MAUNDE, sofrem forte emboscada com RPG e armas automáticas, que causaram às nossas tropas 1 morto e um ferido.
A coluna acabou por mais uma vez não chegar a Copá, que era o seu destino.
Durante esta acção, foi referenciada uma viatura do PAIGC tipo Ambulância de origem Russa.
Na parte da tarde desse dia, as nossas tropas deslocaram-se para o local, onde recolheram a referida viatura, 63 granadas RPG7, 44 granadas RPG2, 5 minas anti-pessoais, 21 minas anti-carro, 4 granadas de morteiro 82, 17 granadas de morteiro 60, 2 granadas de mão ofensivas, 12 granadas de mão defensivas, 5 dilagramas, 2 cunhetes de munições 7.62 mm (de origem Soviética), 2 caixas de disparadores, 8,3 Kg de TNT, artigos de fardamento e equipamento, 15 caixotes de munições diversas, diversas caixas de ração de combate, refrigerantes, tabaco, 300 Kg de açúcar e 50 Kg de sal.
Ainda no dia 5, Copá volta mais uma vez a ser flagelado entre as 14h45 e as 16h15, com morteiros 120 e canhões sem recuo, caíram cerca de 100 granadas, não houve danos pessoais, mas arderam 2 Tabancas.
Entretanto, no dia 6 em Copá, continuavamos ansiosamente à espera que uma coluna pudesse efectivamente chegar até nós para nos trazer reforços de pessoal, correio, armamento e algum alento moral, visto que nós estávamos completamente desmoralizados e isso nos viria trazer um pouco de alento. Nesse dia, ao romper da manhã forças da 1.ª BCAV de Bajocunda apoiadas novamente pelo Grupo de Combate do Marcelino da Mata tentam de novo a progressão de uma coluna de Bajocunda com destino a Copá, mas ao chegar ao local já fatídico de nome Massacunda a coluna seria mais uma vez fortemente emboscada por cerca de 100 elementos do PAIGC com RPG7 e armas automáticas que causaram às nossas tropas 10 feridos, 5 da 1.ª BCAV e 5 do Grupo do Marcelino. Um dos feridos da 1.ª BCAV veio a falecer, tratava-se do meu camarada Soldado Silvano Farinha Alves (1) do 2.º Grupo de Combate da 1.ª BCAV 8323. A situação mais uma vez se complicou e nem a presença do Marcelino da Mata (que chegou a lutar corpo a corpo com os guerrilheiros) e do seu grupo evitou que a coluna novamente regressasse a Bajocunda sem atingir o seu destino após terem sido pedidas directivas ao CAOP face à situação muito difícil de ultrapassar. As forças que compunham a coluna, para poderem regressar à origem, tiveram que ser remuniciadas via helicóptero.
Entretanto nós em Copá, sem sabermos o que se passava, alimentávamos a esperança de ver chegar a tão desejada coluna, e como de novo havia livre circulação em Copá, era cerca do meio dia quando montado numa bicicleta a pedal entrou em Copá um homem Africano tipicamente vestido, que nos disse que tinha acompanhado a coluna até determinado local e que tudo vinha a correr bem e em breve ela estaria por aí a chegar, entretanto o homem, depois de deitar os olhos aos estragos no interior de Copá, pegou na bicicleta e partiu a todo o vapor em direcção ao Senegal, ali muito próximo e em cuja direcção se encontrava uma base do PAIGC, entretanto através das transmissões quase nessa mesma altura sabíamos que a coluna tinha sido emboscada e regressava a Bajocunda com mais um camarada nosso morto, o que para nós foi um duro golpe em todos os sentidos, pois para nós essa coluna representava muito, devido a que estávamos no isolamento e quase sem mantimentos.
O referido Africano partiu de bicicleta de Copá às 12h15, pelas 12h30, Copá começava a ser flagelado mais uma vez com morteiros 120 e canhões sem recuo, bombardeamento que teve a duração de hora e meia. A maior parte das granadas caiu dentro do aquartelamento, provocaram mais alguns incêndios, destruíram mais alguns mangueiros, mas felizmente não houve consequências pessoais. Rapidamente concluímos que o homem que tinha atravessado Copá em bicicleta, era com certeza um dos homens do PAIGC que tinha beneficiado da nossa benevolência e assim pôde espiar tudo à vontade.
Toda esta situação provocava em nós um sentimento de impotência, desespero e grande ansiedade, ao ponto de alguns camaradas nossos, principalmente os que se abrigavam no abrigo 6 que estavam com o seu moral abaixo de zero, a ponto de até terem receio de saírem da vala para irem à cozinha buscar comida. No abrigo 7 onde eu me encontrava, refiro mais uma vez o 1.º Cabo João Ribeiro, que tinha sempre uma palavra encorajadora para os seus camaradas, o que levantava o nosso moral naquelas difíceis situações.
Entretanto, com a não chegada a Copá da coluna atrás citada, ficamos ainda mais desorientados e sem qualquer alento, onde nos sentíamos cada vez mais abandonados, no meio dum completo isolamento, onde apenas tentávamos conviver uns com os outros e, para além disso, no meio daquelas aflições todas, estávamos sem bebidas e quase sem géneros alimentícios, pelo que pedimos que por meios aéreos nos enviassem água capaz de se beber. De Bissau mandaram-nos helicópteros com alguns bidões de água, só que os bidões que transportavam a água, eram bidões que tinham transportado gasolina, pelo que a água que eles traziam nem para nos lavarmos servia, pelo que preferimos continuar a servir-nos da água dos poços ali existentes, apesar de, de vez em quando na lata com que a tirávamos, aparecer uma ratazana ou quaisquer outros animais mortos, quando isso acontecia, o remédio, que não era remédio nenhum, era deitar fora aquela água e voltar a encher a lata do mesmo sitio. A água que consumíamos naquelas situações e na Guiné em geral, era de uma qualidade inqualificável e no nosso caso em Copá, não nos era fornecido qualquer tipo de tratamento para lhe adicionarmos.
Eu que creio em Deus e sou católico, sempre que éramos atacados, no meio daquela grande aflição diária, sem termos mais a que nos agarrar, tomava a iniciativa de organizar uma oração geral e o Ribeiro era dos primeiros a acompanhar-me, só um camarada ironicamente chamado Jesus, que era da Beira Baixa, não rezava, a razão sabia-a ele.
Alguns dos nossos camaradas do abrigo 6, durante as flagelações, por vezes abandonavam o seu posto e vinham refugiar-se no nosso que era o 7, mas o Ribeiro repelia-os, dizendo-lhes que no posto 7 não havia lugar para cagões.
Entretanto no dia 7 de Fevereiro de 1974 estivemos de folga, pois Copá nesse dia não sofreu qualquer flagelação, embora nós ficássemos todo o dia alerta.
No dia 8 de Fevereiro, pelas 10h30 da manhã, uma força da Companhia de Caçadores Pára-Quedistas 121 em patrulhamento naquela área, entrou em contacto com um grupo guerrilheiro de cerca de 50 elementos, causando-lhe 2 mortos confirmados e vários feridos e apreendeu-lhes 1 RPG7 e 4 granadas do mesmo.
Os Pára-Quedistas, sofreram 1 ferido grave e 2 feridos ligeiros.
No mesmo dia 8 de Fevereiro de 1974, fomos visitados de novo pelas bombas IN, tínhamos acabado de almoçar e o meu camarada Lobo, que era quem dava aulas em Copá, que era um pouco surdo, convidou-me a ir com ele até junto de um poço (que embora dentro do arame farpado ficava do lado da fronteira do Senegal) para tirarmos água com uma lata e lavarmos as nossas roupas, eu aceitei, lá fomos com a lata numa mão e a roupa na outra a caminho do dito poço e ao passarmos junto do Posto 6, lá estavam os nossos camaradas, os mais medrosos estavam mesmo metidos nas valas, a aguardar o que pudesse acontecer nesse dia e perguntaram-nos então para onde íamos? Nós dissemos-lhes que íamos para o poço tirar água e lavar a roupa, uma vez que em Copá as lavadeiras tinham fugido, eles então disseram-nos: tenham cuidado, pois eles podem estar por aí perto e pode ser perigoso, é que nós nem água para nos lavarmos cá temos, porque não temos coragem para a ir buscar; nós dissemos-lhes: vamos com Deus que não há-de acontecer nada! Lá fomos eu e o Lobo, tirámos do poço a água necessária e começamos a lavar a roupa, mas o Lobo como era um pouco surdo disse-me: Rodrigues, se ouvires alguma coisa avisa-me que eu não ouço bem; continuamos a lavar a roupa, entretanto os nossos camaradas do abrigo 6 ganharam coragem, pegaram nas latas e foram ter connosco ao poço para levarem água para as suas necessidades, nós os dois nesse momento tínhamos a roupa quase lavada.
No preciso momento em que um dos nossos camaradas metia a lata no poço e ao mesmo tempo nos dizia: antes de ontem, ao metermos a lata no poço começou o ataque a Copá; rebentava mais um flagelo a Copá eram 15h00 da tarde, eu ouvi o primeiro rebentamento que era a saída do disparo do morteiro, larguei o par de peúgas que estava a torcer e disse: foge Lobo, desatei a correr para o meu posto, o Lobo viu-me correr e fugiu também, os outros dois camaradas do abrigo 6 não se aperceberam do rebentamento, ficaram junto ao poço, só fugiram quando caiu a primeira bomba dentro de Copá, já eu estava no primeiro abrigo que encontrei que foi o 6, o mais próximo do meu, eles não me seguiram logo, porque pensaram que, como o primeiro rebentamento coincidiu com as palavras deles acerca do anterior ataque, pensaram então que eu estaria a brincar com eles, mas felizmente mais uma vez aguentámos essa flagelação que durou cerca de 2 horas, Deus continuou ao nosso lado.
No dia 9 de Fevereiro de 1974, da parte da tarde, voltámos de novo a ser flagelados durante várias horas, entre as 14h00 e as 17h40, com morteiros de 120 de granada de espoleta retardada e canhão sem recuo.
Nesse dia fomos bombardeados com uma violência inusitada em Copá, pois apercebemo-nos que estávamos a ser bombardeados pela artilharia do PAIGC a partir de duas bases IN distintas e a determinada altura a confusão foi ainda maior porque ficamos cercados de fogo de artilharia a partir de mais dois pontos diferentes. O que se passou foi que, a guarnição de Canquelifá começou a disparar os seus obuses de 10,5 na tentativa de nos socorrer, mas o alcance destas armas ficava-se pelas imediações de Copá, por outro lado em Bajocunda, estavam em fase de instalação 3 obuses 14 chegados ali há poucos dias, cujos artilheiros na tentativa desesperada de nos ajudar, fizeram alguns disparos na direcção de Copá, cujas bombas sobrevoaram o aquartelamento e caíram ali mesmo juntinho do arame farpado, rebentando na pequena pista de aviação e quase nos atingiam, causando em nós um ainda maior susto e confusão, porque naquele momento não sabíamos a origem de todo aquele fogo.
Valiam-nos quase sempre os nossos anjos da guarda, os aviões FIAT G91, às vezes depois de estarmos duas ou três horas debaixo de fogo, mas valia sempre a pena, porque era a forma de o fogo inimigo parar e podermos levantar um pouco a cabeça.
Neste dia tivemos apoio aéreo pelas 15h20 mas sem grandes resultados.
Após um curto intervalo, continuou o bombardeamento a Copá ainda com mais violência, eu e os meus camaradas contamos em poucos segundos 48 disparos de morteiro seguidos, antes que a primeira dessas bombas caísse dentro de Copá, poucos segundos depois, apanhamos de uma só vez com toda aquela chuva de bombas quase ao mesmo tempo em cima de nós, porque praticamente todas caíram dentro do aquartelamento e nós contávamo-las uma a uma até cair a última.
Eu suponho que nesse dia o PAIGC tinha uma série de morteiros a disparar ao mesmo tempo.
Pelas 17h40, voltamos a ter apoio aéreo dos FIAT G91 e aquele violentíssimo bombardeamento a Copá naquele dia terminou.
Foi durante este bombardeamento que estive mais perto de ter morrido, eu e os meus camaradas de abrigo, porque uma das bombas caiu 2 metros atrás da vala onde nos encontrávamos, passou sobre a minha cabeça a tão pouca distância que senti o cabelo deslocar-se à sua passagem, eu pensei: desta não escapo, a explosão levantou uma nuvem de terra que quase nos cobriu a todos e todos demos um grande grito de aflição, passada a confusão sacudimos toda aquela terra e felizmente para além de alguns estilhaços quentes que nos caíram nas costas provocando-nos pequenas queimaduras, estávamos todos bem.
Mas a explosão fez os seus estragos: no local onde explodiu, tínhamos uma barraca feita de chapas de bidões, onde tínhamos duas camas, protegidas com um espaldão de bidões cheios de terra, a explosão abriu um buraco onde cabia um automóvel, destruiu o espaldão e a barraca, uma das camas de ferro que estava no seu interior ficou dobrada como uma sanduíche com o colchão no meio.
Durante este bombardeamento, dois camaradas nossos de um outro abrigo, sofreram ferimentos ligeiros, não provocados por balas ou estilhaços, mas por uma granada que explodiu bem junto à trincheira onde se abrigavam que a fez desmoronar, deixando-os semi-soterrados.
Ainda durante este bombardeamento, caiu uma granada precisamente em cima do banco do condutor do Unimog, que estava estacionado no centro do aquartelamento, que quase lhe separou a cabine do resto. Aquele Unimog acabou ali e lá ficou para sempre. As tabancas, que no caso de Copá, se encontravam todas dentro do arame farpado, no final deste ataque estavam praticamente todas queimadas e tínhamos também um abrigo destruído.
O PAIGC tinha apostado forte naquele aquartelamento e não nos largava, mas mais uma vez nada conseguiu, pois nós respondíamos-lhes quase sempre com o nosso silêncio, mas firmes no nosso posto, pois não possuíamos armas em Copá capazes de os atingir. No entanto nesse dia 9 de Fevereiro de 1974, o nosso moral estava cada vez mais em derrocada, talvez devido a isso, 5 camaradas nossos do abrigo 3, durante a flagelação desse dia fugiram de Copá debaixo de fogo do inimigo e foram em direcção ao quartel de Canquelifá, que ficava dali a 12 km de distância, onde chegaram felizmente sem qualquer problema, quatro deles regressaram a Copá às 06h30 da manhã do dia seguinte, acompanhados de uns guias que os nossos camaradas de Canquelifá lhes arranjaram, o quinto recusou-se a regressar, seguindo sob prisão para Nova Lamego, regressando mais tarde à Companhia já em Bajocunda. Os abrigos ou postos a que me tenho referido, eram na realidade as nossas casernas, que não eram mais que um buraco ou cave aberto no chão, mais ou menos com 2 metros de profundidade de formato quase sempre quadrado, cuja cobertura era feita de troncos de árvores, pedras, terra e algum cimento.
E a nossa vida em Copá era assim diariamente um autêntico inferno, sem um momento de sossego e a toda a hora à espera do pior, os bombardeamentos de artilharia do PAIGC eram em Copá o pão nosso de cada dia, a situação era cada vez mais insuportável, pois éramos apenas 30 a 40 homens, para aguentar aquele aquartelamento, além disso não tínhamos armas capazes de responder às do inimigo, até que depois de tantos bombardeamentos a Copá sem resposta da nossa parte, talvez o PAIGC se tenha convencido de que nós tivéssemos fugido de Copá ou que estaríamos todos mortos, pelo que no dia 11 de Fevereiro de 1974, mandou os seus homens junto de Copá, portanto perto do arame farpado, disparar uns tiros e atirar umas granadas, provavelmente para verificar se ainda lá haveria alguém com vida, o que graças a Deus ainda acontecia com todos nós.
A história deste ataque do dia 11 é a seguinte: passámos a noite de 10 para 11 sobressaltados como sempre, mas sem acontecer nada de especial até à hora em que ouvimos os primeiros tiros. Eu estive nessa noite de reforço das 4 às 5 horas da manhã, fui rendido e deitei-me na cama, mas durante muito tempo não conseguia adormecer, porque o Banharia, nosso camarada de abrigo, tinha medo de estar de noite acordado sozinho e por isso quando me sentiu entrar no abrigo para me deitar, começou a querer conversar comigo e nunca mais me deixava adormecer, até que a certa altura eu o ameacei, que ou me deixava dormir ou eu me chateava com ele. Eram 6 horas da manhã desse dia 11, eu acabei de dizer estas palavras ao Banharia, cobri a cara e preparava-me para adormecer quando nesse momento rebentou um forte tiroteio e algumas granadas RPG 7, saímos imediatamente todos da cama o mais rápido possível (tão rápido que o meu camarada Lobo até trouxe para a vala um cobertor da sua cama preso nos pés) e como constatámos que o inimigo estava frente a nós, reagimos e disparámos fortemente, que o fogo inimigo durou apenas cinco minutos, pelo que concluímos que eles vinham apenas ver se nós ainda lá nos encontrávamos.
Entretanto em Pirada, o nosso Comandante de Batalhão, Coronel Jorge Matias e o Capitão Oficial de Operações, ao ouvir tal tiroteio, sabendo da nossa forte reacção a este, que foi felizmente o último ataque a Copá, ficaram admiradíssimos, por depois de tanto sermos massacrados em Copá, ainda termos moral para reagirmos daquela maneira.
Tínhamos passado já cerca de dois meses terríveis de plena guerra em Copá, assistíamos às consequências trágicas e situações humanas verdadeiramente horrorosas que a guerra provocava, principalmente na população civil, que se via forçada a fugir das suas pobres casas e ficavam sem os seus poucos haveres, metia dó ver a miséria e a desgraça daqueles pobres Africanos a gritar e a fugir com as suas crianças, quando não tinham feito mal a ninguém para que tal lhes acontecesse, eles apenas queriam em paz, semear e colher o seu milho, mancarra, arroz, etc.
Se em todas as guerras, que infelizmente grassam pelo mundo, ou se chega a um acordo ou tem de haver um derrotado, eu que em 1973, parti para a Guiné convencido que ia lutar por uma causa justa, depois de lá estar e ver a realidade daquela guerra, que tanto fazia sofrer e chorar os nossos soldados e as suas famílias e as populações locais, essas as mais atingidas sempre, eu perguntava muitas vezes a mim mesmo, se não éramos nós exército Português que estávamos ali a provocar todo aquele sofrimento, uma vez que mantínhamos uma situação de guerra há cerca de 13 anos e não vislumbrávamos qualquer saída para ela.
Foi assim que vi aquela maldita guerra, é este o meu ponto de vista mas, respeito o de todos os outros que como eu a viveram.
Nota:
(1) O Soldado Silvano Farinha Alves era natural de Cava – Madeirã, Concelho de Oleiros.
Um forte abraço deste vosso amigo
António Rodrigues
Sold Cond Auto do BCAV 8323
Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
31 DE JANEIRO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14208: Efemérides (182): Copá. Janeiro e Fevereiro de 1974. Memórias da guerra. O abate do último avião na Guiné. (António Rodrigues)
Guiné 63/74 - P14213: Historiografia da presença portuguesa em África (57): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: monumentos - Parte I (Mário Vasconcelos): destaque para o edifício da administração civil (Bissau) e o monumento aos pilotos italianos mortos em 1931 (Bolama)
Imagens de zincogravuras, reproduzidas, bem como as legendas, com a devida vénia, de Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*).
Digitalizações: Mário Vasconcelos (2015) / Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
1. Trata-se de uma gentileza do nosso camarada Mário Vasconcelos [,ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72,Mansoa, e Cumeré, 1973/74; foto atual à direita] que descobriu um exemplar, já raro, desta edição, no espólio do seu falecido pai.
A segunda foto, a contar de cima, diz respeito ao edicio da administração civil que ficava na avenida principal de Bissau, a Av da República, que vinha da Praça do Império até ao cais do Pidjiguti (, hoje, Avenida Amílcar Cabral), no lado esquerdo quando se descia... No mapa com os edifícios construídos no tempo do Estado Novo, publicado por Ana Vaz Milheiro, é o nº 17 (Vd. poste P14211, de ontem). Um quarteirão antes, ficava a sé catedral (nº 2), seguida depois pelo cinema UDIB (nº 16) e na praça do Império ao monumento "Ao Esforço da Raça" (nº 14) e o palácio do Governo (nº 1).
O edifício da administração civil data do período de 1950-59, sendo da responsabilidade do Gabinete de Urbanização do Ultramar (GUU). Este e outros edifícios administrativos construídos na época "não inovam tipologicamente em relação aos seus congéneres oitocentistas" da metrópole: apresentam "um composição baeada em volumes depurados e representativa da organização interna". Exemplos de uma arquitetura "monumental e propositadamenrte figurativa", são todavia bastante simplificados em termos ornamentais, "talvez por influência dos princípios incutidos por Sarmento Rodrigues (grande durabilidade; forte resistência aos maus tratos; baixo custo de manutenção" ) [Milheiro, Ana Vaz, e Dias, Eduardo Costa - A Arquitectura em Bissau e os Gabinetes de Urbanização colonial (1944-1974). usjt - arq urb , nº 2, 2009 (2º semestre), p. 103].
2. Sobre a primeira foto, com o monumento aos pilotos italianos... Já aqui abordámos o tema (**). Trata-se de um homenagem da Itália de Mussoilini aos seus 5 aviadores, vitimas de queda dos seus aparelhos em 5 de Janeiro de 1931 quando faziam a ligação Itália/Brasil com escala por Bolama.
Não é por acaso que a Itália (e os italianos. incluiindo os seus missionários...) sempre tiveram um olho nos antigos territórios da Guiné e de Cabo Verde... Já em 1939, antes da guerra - se não me engano - o Governo português autorizara o Mussolini a arrancar com o seu ambicionado projecto de construção de uma aeroporto na Ilha do Sal, indispensável para a ligação da Itália com os países da América do Sul onde residiam importantes comunidades italianas... A guerra frustrou os intentos de ambos os Governos.
Mas já antes, no início de 1931, tinham caído na Guiné, em Bolama, então capital da colónia, dois hidroaviões da esquadrilha de Italo Balbo (o Gago Coutinho italiano...) que tentava fazer a ponte aérea entre Roma e o Rio de Janeiro...
Desse desastre resta na ilha de Bolama, ainda surpreendentemente intacto (?), um monumento em pedra com a legenda "Mussolini ai Caduti di Bolama», inaugurado em Dezembro de 1931...
A esquadrilha, com 14 aparelhos, de Italo Balbo (apontado mais tarde como um rival de Mussolini, e morto em 1940, na Líbia, pela prórpia artilharia antiaérea italiana!), chegou a Bolama no dia de Natal de 1930. Era o último ponto de paragem em África, justamente por ser o mais próximo de Porto Natal, no Brasil. Depois de vários dias em Bolama para reparações e à espera de condições atmosféricas favoráveis, voltaram a levantar voo a 5 de janeiro de 1931. Caíram 2 aparelhos, provocando 5 mortos. Os restantes chegaram ao Rio de Janeiro, no dia 15.
3. O jornalista e escritor português Amândio César visitou, em março e abril de 1965, a Guiné, em missão de reportagem para a Emissora Nacional. Visitou naturalmente, Bolama, tendo escrito sobre este monumento o seguinte:
(...) "Finalmente: Bolama que tem em si um dos raros monumentos ao esforço fascista de paz, quando Mussolini e Ítalo Balbo tentaram o cruzeiro aéreo para unir Roma ao Brasil. Com efeito, dois dos aparelhos despenharam-se em Bolama e a missão esteve em riscos de se malograr. Tal não aconteceu porque a tenacidade de Ítalo Balbo a isso se opoz. Resta desse desastre o belo monumento aos «Caduti di Bolama» no qual se reproduz um aspecto dos destroços dos aviões — duas asas, uma das quais ainda erguida aos céus e a outra quebrada e caída em terra.
O monumento foi feito por italianos e com pedra italiana, vinda de Itália, para esse fim. Mandou-o erguer Mussolini e na sua base lá se encontra a coroa de bronze por ele oferecida, com estes dizeres — Mussolini ai cadutti di Bolama. Ao lado, a águia da fábrica de hidro-aviões Savoia, uma coroa com fáscios da Isotta-Fraschini e a coroa de louros da Fiat.
O monumento foi feito por italianos e com pedra italiana, vinda de Itália, para esse fim. Mandou-o erguer Mussolini e na sua base lá se encontra a coroa de bronze por ele oferecida, com estes dizeres — Mussolini ai cadutti di Bolama. Ao lado, a águia da fábrica de hidro-aviões Savoia, uma coroa com fáscios da Isotta-Fraschini e a coroa de louros da Fiat.
É curioso notar que este será um dos raros monumentos do fascismo, no mundo, que no fim de 1945 não foi apeado. Virado para diante e no alto, o distintivo dos fáscios olha ainda com alienaria o futuro, no seu feixe de varas e no seu machado, a lembrar a grandeza da Roma do passado." (...)
Fonte: Extratos de: César, A. - Guiné 1965: contra-ataque. Braga: Pax, 1965.
Fonte: Extratos de: César, A. - Guiné 1965: contra-ataque. Braga: Pax, 1965.
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 30 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14205: Historiografia da presença portuguesa em África (52): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte VIII (Mário Vasconcelos): Mais 4 lojas de Bissau, três delas já com telefone
(**) Postes sobre o monumento aos 5 aviadores italianos:
23 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10713: Memória dos lugares (196): Bolama, Agosto de 1966 (José António Viegas)
16 de agosto de 2005 > Guiné 63/74 - P153: Informação & Propaganda: os 'grandes' repórteres de guerra (Marques Lopes)
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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015
Guiné 63/74 - P14212: Notas de leitura (676): “Carlos Veiga, Biografia Política”, por Nuno Manalvo, Alêtheia Editores, 2009 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2014:
Queridos amigos,
Não é incomum confundir-se panegírico com biografia política, e as consequências são sempre lastimáveis quando o biografo mete no altar o biografado, remetendo para a sombra tudo quanto possa dar polémica ou contestação.
O pano de fundo é pobre, nunca se substantiva o que se passa em Cabo Verde antes da independência, e se o tal espírito de unidade tinha aqui pés para andar, base cultural, etc. Nunca se perceberá qual o pensamento ideológico que norteia Carlos Veiga, só se fala em democracia liberal, em Estado de Direito e mudança para a liberdade.
O PAIGC de Cabo Verde é sempre uma entidade soviética, um filho espúrio de Moscovo.
Temos aqui um livro pobre, que não ajuda Cabo Verde e ainda menos Carlos Veiga.
Um abraço do
Mário
Carlos Veiga, Cabo Verde, o PAIGC e a Guiné
Beja Santos
“Carlos Veiga, Biografia Política”, por Nuno Manalvo, Alêtheia Editores, 2009, é o panegirico do criador e animador do Movimento para a Democracia, de Cabo Verde, e ainda hoje figura influente da corrente liberal sempre em oposição ao PAICV. O seu autor é uma figura do PSD que não esconde admiração incondicional pelo percurso do biografado. Acontece que o estilo da biografia tem regras precisas ao nível do rigor, da isenção, da formulação do juízo crítico e da contextualização. Nuno Manalvo leu pouco e estudou pouco sobre a contextualização, os antecedentes histórico-políticos do objeto de estudo. E o resultado ressente-se, a biografia de Carlos Veiga deixa em branco acontecimentos, factos e situações que não enobrecem o biografado.
O autor procura em pinceladas largas mostrar o que há de mais saliente e emblemático na luta do PAIGC e como esta influiu na criação da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Perfila Amílcar Cabral e traça as grandes linhas do programa político do PAIGC. Nada do que diz é inovador mas de um modo geral está acertado: luta acesa e em crescendo na Guiné, muita vacilação e pouco entusiasmo em Cabo Verde. Sobre este território, observa: “Em Cabo Verde, a luta pela independência continuava na clandestinidade, centrando-se sobretudo em São Vicente, pela mão de um grupo liderado por Manuel Rodrigues e do qual faziam parte Luís Fonseca, Dina Salústio, entre muitos outros. Apesar das várias prisões efetuadas pela PIDE e que conduziram inevitavelmente ao campo do Tarrafal, a luta na clandestinidade foi evoluindo. Desde 1963 que se traçavam vários planos para o início da luta armada em Cabo Verde, mas só em 1968, com a chegada de Jorge Querido ao território, o assunto começa a ganhar forma”. Retrata a influência dos jovens cabo-verdianos na vida do PAIGC na Guiné. Houvera, entretanto a decisão de estender a guerra de guerrilha a Cabo Verde. Spínola trará não só o projeto da Guiné Melhor como apostou muito na guerra psicológica, jogou-se a fundo nas tensões entre guineenses e cabo-verdianos. Assassinado Cabral, o partido junta toda a energia numa habilidosa escalada militar e política que se salda na perda da supremacia aérea portuguesa e na declaração unilateral da independência.
Revertendo para Cabo Verde, diz o autor que o projeto da independência conhecia já por essa época esmagador acolhimento. E então cita Carlos Veiga: “Para a juventude de Cabo Verde, o reconhecimento do PAIGC adivinha do facto de terem sido eles a lutar pela independência de armas na mão. Mais de 90 % da população colocou-se ao lado do PAIGC, em função de legitimidade que lhe reconhecia pela via da luta armada”. Na sequência do 25 de abril, apareceram teses alternativas às defendidas pelo PAIGC: a União Democrática de Cabo Verde (UDC), cujo programa político defendia uma via gradual de conquista para a independência e que teve uma fraca aceitação; e a União do Povo das Ilhas de Cabo Verde (UPICV), que se opunha à unidade de Cabo Verde com a Guiné-Bissau, defendendo a independência, mas em separado, das duas colónias portuguesas. Em agosto de 1974, chegaram a Cabo Verde os primeiros responsáveis do PAIGC, numa delegação chefiada por Silvino da Luz e composta por Osvaldo Lopes da Silva, João José Lopes da Silva e Corsino Tolentino. Ficamos a saber que o PAIGC em Cabo Verde é a força dirigente da sociedade, tem um entendimento soviético da política e do mando.
Carlos Veiga licenciou-se em Direito, em Lisboa, tinha péssima impressão do Estado Novo mas iniciou a sua vida profissional no então Ministério do Ultramar, no Bié, em Angola. Cumpre o serviço militar obrigatório também em Angola. É nesta fase que se apercebe das atrocidades cometidas pelo Estado Novo. Dá uma explicação cândida porque descobriu a política tão tarde: a sua primeira ligação era a de estudar e ser bom estudante e por isso nunca se abriu a ideias radicais e acrescenta que “aqueles que tiveram oportunidade de vir estudar para Lisboa, ainda para mais num curso como o de Direito, eram rapidamente rotulados entre os estudantes cabo-verdianos como burgueses e, consequentemente, pouco credíveis aos olhos dos despojados revolucionários”. Em Angola Carlos Veiga teve simpatia pelo MPLA e colaborou ativamente com a sua implementação. Em janeiro de 1975, regressa a Cabo Verde, passa a colaborar com o PAIGC, a ele aderiu. Cedo passou a desconfiar da cartilha soviética, da idolatria, detestou o controlo da comunicação e da perda da independência da justiça. Não pactuou com os abusos políticos nem com as prisões arbitrárias. Considera que o PAIGC em Cabo Verde, a partir de 1977, entrou numa fase endofágica, fez as suas purgas, apareceram à luz do dia divisões de fundo. Carlos Veiga era Procurador-Geral da República, entretanto o seu irmão José Tomás rompeu com o PAIGC. Em 1980, foi aprovada a primeira Constituição da República, onde se opta por uma economia nacional independente, privilegiava-se a estatização. Carlos Veiga tinha feito parte de uma comissão que elaborou um texto constitucional baseado nos princípios de um constitucionalismo democrático, foi recusado.
Dá-se entretanto o afastamento de Luís Cabral pelo golpe de Nino Vieira, em novembro de 1980. Os efeitos do golpe acabaram com o sonho unionista, em Cabo Verde ficou-se a saber que houvera a abertura de valas comuns onde tinham sido enterradas as vítimas das execuções em massa. O PAIGC de Cabo Verde tornou-se em PAICV, ideologicamente radicalizado, lançou-se na reforma agrária, alargou o descontentamento. No fim da década, sentiu-se a necessidade de uma mudança profunda. Ainda em 1988, o PAICV lança as bases programáticas para uma verdadeira mudança na orientação económica do país. Nunca, em circunstância alguma, nesta biografia política, iremos conhecer a família ideológica de Carlos Veiga. Ele é a favor de um Estado de Direito, das liberdades políticas, da economia de mercado, do respeito pelos carenciados, vai bater-se pela construção de um regime democrático e pluralista. Se é da direita conservadora ou da direita liberal, se o seu pensamento é dos liberais democratas ou do centro-esquerda é mistério nunca desvendado. Página sim, página não, o biógrafo fala numa substituição de tudo quanto é soviético, marxista, monolítico, estalinista, dirigista. O Movimento para a Democracia é apresentado como um partido da liberdade, irá ganhar duas eleições consecutivas e depois será de novo afastado pelo PAIGC. O biógrafo fala aqui e acolá em dissidências dentro do partido, nunca saberemos o porquê e as consequências. Carlos Veiga é citado abundantemente pelos seus esplendidos resultados na governação, não haverá uma só palavra sobre as razões do seu afastamento e como, nas eleições presidenciais, onde foi candidato, há uma explicação para o facto de ter perdido as eleições nos círculos eleitorais estrangeiros.
Esta biografia parece um conto de fadas. Não há uma análise profunda entre os nexos causais dos combatentes cabo-verdianos da Guiné e como assimilaram, desde a primeira hora da independência, pessoas como Carlos Veiga, era um estranho partido da família soviética. Nunca saberá onde falhou Carlos Veiga e porque razões o seu partido perdeu as eleições legislativas e outras. O biógrafo embandeira em arco: “O percurso político de Carlos Veiga assenta na conceção de vitórias graduais, de um responsável reformismo político, até à consagração de uma democracia de corpo inteiro em Cabo Verde”. Com a mesma determinação de Winston Churchill, parecido com Barack Obama, Washington, Lincoln.
Ganhou o panegírico, perdeu-se a oportunidade histórica de conhecer mais a fundo o que se passou em Cabo Verde da colónia para o país independente, ficou sem saber o que distanciava o cabo-verdiano do guineense e como a democracia liberal foi bem acolhida e depois punida. Paciência.
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Nota do editor
Último poste da série de 30 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14206: Notas de leitura (675): “Senhor médico, nosso alferes”, por José Pratas, By the Book, (www.bythebook.pt, telefone 213610997), 2014 (2) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Não é incomum confundir-se panegírico com biografia política, e as consequências são sempre lastimáveis quando o biografo mete no altar o biografado, remetendo para a sombra tudo quanto possa dar polémica ou contestação.
O pano de fundo é pobre, nunca se substantiva o que se passa em Cabo Verde antes da independência, e se o tal espírito de unidade tinha aqui pés para andar, base cultural, etc. Nunca se perceberá qual o pensamento ideológico que norteia Carlos Veiga, só se fala em democracia liberal, em Estado de Direito e mudança para a liberdade.
O PAIGC de Cabo Verde é sempre uma entidade soviética, um filho espúrio de Moscovo.
Temos aqui um livro pobre, que não ajuda Cabo Verde e ainda menos Carlos Veiga.
Um abraço do
Mário
Carlos Veiga, Cabo Verde, o PAIGC e a Guiné
Beja Santos
“Carlos Veiga, Biografia Política”, por Nuno Manalvo, Alêtheia Editores, 2009, é o panegirico do criador e animador do Movimento para a Democracia, de Cabo Verde, e ainda hoje figura influente da corrente liberal sempre em oposição ao PAICV. O seu autor é uma figura do PSD que não esconde admiração incondicional pelo percurso do biografado. Acontece que o estilo da biografia tem regras precisas ao nível do rigor, da isenção, da formulação do juízo crítico e da contextualização. Nuno Manalvo leu pouco e estudou pouco sobre a contextualização, os antecedentes histórico-políticos do objeto de estudo. E o resultado ressente-se, a biografia de Carlos Veiga deixa em branco acontecimentos, factos e situações que não enobrecem o biografado.
O autor procura em pinceladas largas mostrar o que há de mais saliente e emblemático na luta do PAIGC e como esta influiu na criação da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Perfila Amílcar Cabral e traça as grandes linhas do programa político do PAIGC. Nada do que diz é inovador mas de um modo geral está acertado: luta acesa e em crescendo na Guiné, muita vacilação e pouco entusiasmo em Cabo Verde. Sobre este território, observa: “Em Cabo Verde, a luta pela independência continuava na clandestinidade, centrando-se sobretudo em São Vicente, pela mão de um grupo liderado por Manuel Rodrigues e do qual faziam parte Luís Fonseca, Dina Salústio, entre muitos outros. Apesar das várias prisões efetuadas pela PIDE e que conduziram inevitavelmente ao campo do Tarrafal, a luta na clandestinidade foi evoluindo. Desde 1963 que se traçavam vários planos para o início da luta armada em Cabo Verde, mas só em 1968, com a chegada de Jorge Querido ao território, o assunto começa a ganhar forma”. Retrata a influência dos jovens cabo-verdianos na vida do PAIGC na Guiné. Houvera, entretanto a decisão de estender a guerra de guerrilha a Cabo Verde. Spínola trará não só o projeto da Guiné Melhor como apostou muito na guerra psicológica, jogou-se a fundo nas tensões entre guineenses e cabo-verdianos. Assassinado Cabral, o partido junta toda a energia numa habilidosa escalada militar e política que se salda na perda da supremacia aérea portuguesa e na declaração unilateral da independência.
Revertendo para Cabo Verde, diz o autor que o projeto da independência conhecia já por essa época esmagador acolhimento. E então cita Carlos Veiga: “Para a juventude de Cabo Verde, o reconhecimento do PAIGC adivinha do facto de terem sido eles a lutar pela independência de armas na mão. Mais de 90 % da população colocou-se ao lado do PAIGC, em função de legitimidade que lhe reconhecia pela via da luta armada”. Na sequência do 25 de abril, apareceram teses alternativas às defendidas pelo PAIGC: a União Democrática de Cabo Verde (UDC), cujo programa político defendia uma via gradual de conquista para a independência e que teve uma fraca aceitação; e a União do Povo das Ilhas de Cabo Verde (UPICV), que se opunha à unidade de Cabo Verde com a Guiné-Bissau, defendendo a independência, mas em separado, das duas colónias portuguesas. Em agosto de 1974, chegaram a Cabo Verde os primeiros responsáveis do PAIGC, numa delegação chefiada por Silvino da Luz e composta por Osvaldo Lopes da Silva, João José Lopes da Silva e Corsino Tolentino. Ficamos a saber que o PAIGC em Cabo Verde é a força dirigente da sociedade, tem um entendimento soviético da política e do mando.
Carlos Veiga licenciou-se em Direito, em Lisboa, tinha péssima impressão do Estado Novo mas iniciou a sua vida profissional no então Ministério do Ultramar, no Bié, em Angola. Cumpre o serviço militar obrigatório também em Angola. É nesta fase que se apercebe das atrocidades cometidas pelo Estado Novo. Dá uma explicação cândida porque descobriu a política tão tarde: a sua primeira ligação era a de estudar e ser bom estudante e por isso nunca se abriu a ideias radicais e acrescenta que “aqueles que tiveram oportunidade de vir estudar para Lisboa, ainda para mais num curso como o de Direito, eram rapidamente rotulados entre os estudantes cabo-verdianos como burgueses e, consequentemente, pouco credíveis aos olhos dos despojados revolucionários”. Em Angola Carlos Veiga teve simpatia pelo MPLA e colaborou ativamente com a sua implementação. Em janeiro de 1975, regressa a Cabo Verde, passa a colaborar com o PAIGC, a ele aderiu. Cedo passou a desconfiar da cartilha soviética, da idolatria, detestou o controlo da comunicação e da perda da independência da justiça. Não pactuou com os abusos políticos nem com as prisões arbitrárias. Considera que o PAIGC em Cabo Verde, a partir de 1977, entrou numa fase endofágica, fez as suas purgas, apareceram à luz do dia divisões de fundo. Carlos Veiga era Procurador-Geral da República, entretanto o seu irmão José Tomás rompeu com o PAIGC. Em 1980, foi aprovada a primeira Constituição da República, onde se opta por uma economia nacional independente, privilegiava-se a estatização. Carlos Veiga tinha feito parte de uma comissão que elaborou um texto constitucional baseado nos princípios de um constitucionalismo democrático, foi recusado.
Dá-se entretanto o afastamento de Luís Cabral pelo golpe de Nino Vieira, em novembro de 1980. Os efeitos do golpe acabaram com o sonho unionista, em Cabo Verde ficou-se a saber que houvera a abertura de valas comuns onde tinham sido enterradas as vítimas das execuções em massa. O PAIGC de Cabo Verde tornou-se em PAICV, ideologicamente radicalizado, lançou-se na reforma agrária, alargou o descontentamento. No fim da década, sentiu-se a necessidade de uma mudança profunda. Ainda em 1988, o PAICV lança as bases programáticas para uma verdadeira mudança na orientação económica do país. Nunca, em circunstância alguma, nesta biografia política, iremos conhecer a família ideológica de Carlos Veiga. Ele é a favor de um Estado de Direito, das liberdades políticas, da economia de mercado, do respeito pelos carenciados, vai bater-se pela construção de um regime democrático e pluralista. Se é da direita conservadora ou da direita liberal, se o seu pensamento é dos liberais democratas ou do centro-esquerda é mistério nunca desvendado. Página sim, página não, o biógrafo fala numa substituição de tudo quanto é soviético, marxista, monolítico, estalinista, dirigista. O Movimento para a Democracia é apresentado como um partido da liberdade, irá ganhar duas eleições consecutivas e depois será de novo afastado pelo PAIGC. O biógrafo fala aqui e acolá em dissidências dentro do partido, nunca saberemos o porquê e as consequências. Carlos Veiga é citado abundantemente pelos seus esplendidos resultados na governação, não haverá uma só palavra sobre as razões do seu afastamento e como, nas eleições presidenciais, onde foi candidato, há uma explicação para o facto de ter perdido as eleições nos círculos eleitorais estrangeiros.
Esta biografia parece um conto de fadas. Não há uma análise profunda entre os nexos causais dos combatentes cabo-verdianos da Guiné e como assimilaram, desde a primeira hora da independência, pessoas como Carlos Veiga, era um estranho partido da família soviética. Nunca saberá onde falhou Carlos Veiga e porque razões o seu partido perdeu as eleições legislativas e outras. O biógrafo embandeira em arco: “O percurso político de Carlos Veiga assenta na conceção de vitórias graduais, de um responsável reformismo político, até à consagração de uma democracia de corpo inteiro em Cabo Verde”. Com a mesma determinação de Winston Churchill, parecido com Barack Obama, Washington, Lincoln.
Ganhou o panegírico, perdeu-se a oportunidade histórica de conhecer mais a fundo o que se passou em Cabo Verde da colónia para o país independente, ficou sem saber o que distanciava o cabo-verdiano do guineense e como a democracia liberal foi bem acolhida e depois punida. Paciência.
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Nota do editor
Último poste da série de 30 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14206: Notas de leitura (675): “Senhor médico, nosso alferes”, por José Pratas, By the Book, (www.bythebook.pt, telefone 213610997), 2014 (2) (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P14211: Memória dos lugares (285): Fortaleza da Amura, estátua de Diogo Gomes, ponte cais de Bissau e edifício da Alfândega (Arménio Estorninho / Agostinho Gaspar / António Bastos)
Guiné > Bissau > c. 1970 > Fortaleza da Amura, ao fundo, vista da ponte cais
Guiné > Bissau > c. 1970 > Muralhas da fortaleza da Amura (aldo sul), junto à avenida marginal; do aldo direito (não vísível da imagem) a praça de Diogo Gomes (navegador português do séc. XV)
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Guiné > Bissau > c. 1970 > Praça e estátua de Diogo Gomes frente à ponte cais de Bissau... Ao fundo, muralhas da fortaleza da Amura. Segundo Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura colonial do Estado Novo, o pedestal (agora vazio) da estátua do Diogo Gomes ainda lá está, tal como a inscrição, um exerto do canto VII dos Lusíadas, "Mais mundo houvera"... O pedestal é obra do Gabiente de Urbanização do Ultramar. A estátua (removida para o forte do Cacheu) deve ser da autoria do escultor Joaquim Correia, autor de monumento análogo que ainda hoje está de pé na cidade da Praia, Cabo Verde. Esta e outras estátuas (Honório Barreto, Nuno Tristão, Teixeira Pinto) faziam parte de "um escrupuloso programa de 'aformoseamento' do espaço público", integrado nas comemorações do 5º centenário do desembarque de Nuno Tristão. na altura do governo de Sarmento Rodrigues (1945-48). No entanto, a colocação das estátuas destas figuras históricas da colonização só será efetuada na segunda metade da década de 1950 [Vd. Ana Vaz Milheiro - 2011, Guiné-Bissau. Lisboa, Círculo de Ideias, 2012. (Coleção Viagens, 5), pp. 32-33].
Guiné > Bissau > Fortaleza da Amura > c. 1970 > Vista do lado sul, ou seja, do Rio Geba. Entre o rio e a Amura ficava a praça de Diogo Gomes (com a respetiva estátua do navegador da casa do Infante Dom Henrique, tal como Nuno Tristão) e o porto de Bissau (à direita o cais do Pidjiguiti, não vísível na imagem, e à esquerda a ponte-cais de Bissau onde muitos de nós desembarcámos...).
Fotos do álbum de Arménio Estorninho, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70.
Fotos: © Arménio Estorninho (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
Guiné > Bissau > s/d > Vista aérea da Ponte Cais, e de parte da zona ribeirinha da Bissau Velha: à direita o edificio da Alfândega, em frente a praça e a estátua de Diogo Gomes e portão de armas e as muralhas (lado sul) do forte de São José da Amura (, coberto de seculares poilões)... Do lado esquerdo (e já não visível na imagem) ficava o cais do Pidjuiguiti.
A ponte-cais do porto de Bissau (obra emblemática do governo de Sarmento Rodrigues, re,omtando o início das obras a julho de 1948) é inaugurada em 1953 por Raúl Ventura, subsecretário de estado do Ministério do Ultramar, sendo Sarmento Rodrigues ministro da tutela.
Pormenor de: Bissau. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 119" . (Edição Foto Serra, COP 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL).
Guiné > Bissau > s/d > Vista da ponte-cais (ou porto) de Bissau, a partir da praça Diogo Gomes).
Pormenor de: Bissau. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 119" . (Edição Foto Serra, COP 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL).
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Guiné > Bissau > s/d [c. 1960/70] > Pormenor de monumento a Diogo Gomes (às vezes confundido com Diogo Cão) e Edifício das Alfândegas > Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 136". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal).
Colecção do nosso camarada, natural do concelho de Leiria, Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74),
[Embora o edifício seja estadonovista, e seguramente da autoria de um arquiteto do Gabinete de Urbanização do Ultramar, não sei quem ele é, nem em que data exata foi construído. Pode ser que algum leitor nos ajude... Vd. Milheiro, Ana Vaz, e Dias, Eduardo Costa - A Arquitectura em Bissau e os Gabinetes de Urbanização colonial (1944-1974). usjt - arq urb , nº 2, 2009 (2º semestre), pp.80-114 [Disponível aqui em pdf ]
O nosso camarada Mário Dias que acompanhou o progresso de Bissau,nos anos 50, na época pós-Sarmento Rodrigues, faz explicitamente referência ao edifício da Alfândega, sito na nova zona portuária: "Outras obras importantes para o progresso de Bissau foram realizadas. As novas instalações da Alfandega e armazéns portuários junto à nova ponte cais, o novo hospital, (hoje Simão Mendes), a nova estação dos correios, renovação de toda a iluminação pública, abertura de novas ruas e avenidas, o quartel dos bombeiros, o novo cinema da UDIB, a sede do Benfica, a sede da Associação Comercial (hoje do PAIGC) e demais realizações que estavam, embora lentamente e com muito atraso, a trazer Bissau para a 'civilização' ".
O nosso camarada Mário Dias que acompanhou o progresso de Bissau,nos anos 50, na época pós-Sarmento Rodrigues, faz explicitamente referência ao edifício da Alfândega, sito na nova zona portuária: "Outras obras importantes para o progresso de Bissau foram realizadas. As novas instalações da Alfandega e armazéns portuários junto à nova ponte cais, o novo hospital, (hoje Simão Mendes), a nova estação dos correios, renovação de toda a iluminação pública, abertura de novas ruas e avenidas, o quartel dos bombeiros, o novo cinema da UDIB, a sede do Benfica, a sede da Associação Comercial (hoje do PAIGC) e demais realizações que estavam, embora lentamente e com muito atraso, a trazer Bissau para a 'civilização' ".
Cortesia de Vd. Milheiro, Ana Vaz, e Dias, Eduardo Costa - A Arquitectura em Bissau e os Gabinetes de Urbanização colonial (1944-1974). usjt - arq urb , nº 2, 2009 (2º semestre), pp.80-114 [Disponível aqui em pdf ] (Como se vê da figura acima, o edifício da Alfândega é um dos que não está ainda datado...)
Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho, com as ruas rebatizadas pelo PAIGC > 1975 > Planta da cidade > Localização de: (i) fortaleza da Amura; (ii) cais do Pidjiguiti (à esquerda); e (iii) porto de Bissau (à direita)... Alguns camaradas confundem, por vezes, a ponte-cais de Bissau com o cais do Pidjiguiti (para sempre associado aos acontecimentos de 3 de agosto de 1959)..
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)
Guiné-Bissau > Regão de Cacheu >Cacheu > 3 de Março de 2008 > A estátua de Diogo Gomes, agora em depósito na antiga fortaleza portuguesa do Cacheu...
Foto: © António Paulo Bastos (2009). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
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Nota do editor:
Último poste da série > 27 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14195: Memória dos lugares (283): Bissau. fortaleza da Amura: fiz lá serviço de sargento de dia e de guarda, e conheci um preso que tinha as chaves da prisão... (Mário Gaspar, ex-fur mil at art MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)
Guiné 63/74 - P14210: Parabéns a você (855): Germano Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 3305 (Guiné, 1970/73)
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Nota do editor
Último poste da série de 29 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14200: Parabéns a você (854): Luís Graça (Henriques), ex- Fur Mil de Armas Pesadas Inf da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71), fundador e Editor deste Blogue de ex-Combatentes
Nota do editor
Último poste da série de 29 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14200: Parabéns a você (854): Luís Graça (Henriques), ex- Fur Mil de Armas Pesadas Inf da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71), fundador e Editor deste Blogue de ex-Combatentes
domingo, 1 de fevereiro de 2015
Guiné 63/74 - P14209: Libertando-me (Tony Borié) (2): 10 de Junho e a visita do Primeiro Ministro de Portugal à Comunidade Portuguesa de Newark
Segundo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.
Eu andava por ali, falava com muita gente, fazia parte de diversas agremiações portuguesas, não só de carácter social, como de angariação de fundos para ajudar pessoas e causas, entre outras. Por altura do “Dia de Portugal”, o senhor Cônsul de Portugal em Newak solicitava a minha colaboração para que mostrasse alguma coisa do passado do meu País, em exposições e não só. Porque me relacionava com muitos ilustres da comunidade Portuguesa, era fácil convidarem-me para isto ou para aquilo.
O Senhor Primeiro Ministro, actual Presidente da República de Portugal, veio com a sua esposa aos USA, fizeram-lhe uma recepção em Nova Jersey, o senhor Cônsul de Portugal em Newark, convidou-nos, lá fomos, era à noite, no salão do mais representativo e antigo clube português em Newark. Na altura havia alguns casos com assuntos relacionados com propriedades e direitos dos emigrantes em Portugal, portanto, cá fora havia manifestações dos descontentes, falavam-se alguns nomes, até mesmo frases, não muito correctas, mesmo obscenas, quase tudo na língua de Camões, gestos não muito usuais, mas tudo em ordem, sem provocações directas, pois a polícia estava lá e não admitia qualquer violência.
Passámos pela multidão e, como tanto eu como minha esposa, íamos com roupa lavada, um pouco de cerimónia, também “levámos pela tabela”, como por exemplo, “também és do tacho”, (como nessa altura me lembrei das noites que dormi sobre neve fria, com outros descamisados, à beira do “Passaic River”, que por acaso era mesmo ali, logo após duas quadras, para os lados de Nova Iorque), mas passámos. Entrámos mostrando o respectivo convite, levaram-nos a sentar numa mesa ao lado do Senhor Primeiro Ministro e esposa.
Começou a cerimónia, discursos de “beija mão”, muitas palmas, empregados de luvas brancas a servirem qualquer coisa, que devia de ser “caviar e champanhe”, todos a falarem uma linguagem que, ou eu sou mesmo “burro”, ou então não compreendo nada de português e, os anos que passei na escola do Adro em Águeda não seviram de nada, pois falavam de grandezas, investimentos, produtos que em Portugal eram quase de graça e aqui rendiam fortunas, pois os “estúpidos dos americanos”, não sabem o que compram, entre dois goles de champanhe. Diziam qualquer coisa como, “o nosso grupo é forte e o melhor”, ou “o nosso Banco tem investimentos em todo o mundo, é o mais sério, é gerido por uma família honrada” e, de vez em quando, olhavam para nós e diziam, “qual é o vosso ramo, em termos de seriedade e eficácia, somos só nós”.
Como o “nosso ramo” era o trabalho honesto do dia-a-dia para irmos tentando sobreviver, colocando comida na nossa mesa de jantar todos os dias para que os nossos filhos se sentissem em casa, com carinho, incentivando-os nos estudos para que no futuro pudessem ter uma educação superior, portanto ouvíamos aquelas personagens fazendo não perceber a ironia das perguntas, sorrindo, aquele sorriso que nós dizemos que é “amarelo” quando não simpatizamos com as pessoas ou o local em que nos encontramos, mas eles teimavam, esticando o pescoço e puxando os braços no sentido da mesa, ocupando o seu espaço e o que normalmente seria nosso, continuavam dizendo, “não tente investir no nosso ramo, nós somos os melhores”, e, depois falavam qualquer coisa baixinho, como a dizerem-nos um segredo ao ouvido, que era mais ou menos, “aquilo é um dinheiro tão fácil, quando nos avisam que chega mais uma ajuda da Europa, é só meter o requerimento, é um dinheiro limpinho, a fundo perdido”.
As senhoras, na sua maioria vindas de Portugal, mostravam lindos vestidos adornados de colares com algum valor e, esperando um elogio, diziam, “não é lindo, amanhã vou a Nova Iorque comprar outro para levar para Portugal”.
Era demais, o ambiente não era o nosso, não esperámos pelo resto do serviço com a desculpa “de que temos que nos retirar, pois temos outros compromissos”. Saímos. Cá fora, os manifestantes e descontentes, depois de nos ouvirem, ao sermos interpelados por alguns jornalistas, alguns locais que nos conheciam, que queriam saber se já tinha acabado o jantar, dizendo nós, que não, ainda nem tinha começado, pois estavam lá todos muito contentes, mas o ambiente não era o nosso, alguns riram-se, bateram palmas e disseram palavras de alegria. Acabámos por ir comer qualquer coisa ao restaurante de um amigo, do nosso tempo de Newark, que depois de lhe contarmos o motivo da nossa presença ali, nos disse: “vou à cozinha buscar comida e vou sentar-me com vocês, cada vez tenho mais orgulho em ser vosso amigo”.
Tony Borie, Fevereiro de 2015
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Nota do editor
Primeiro poste da série de 25 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14186: Libertando-me (Tony Borié) (1): A leste do paraíso, a oeste do Inferno
Eu andava por ali, falava com muita gente, fazia parte de diversas agremiações portuguesas, não só de carácter social, como de angariação de fundos para ajudar pessoas e causas, entre outras. Por altura do “Dia de Portugal”, o senhor Cônsul de Portugal em Newak solicitava a minha colaboração para que mostrasse alguma coisa do passado do meu País, em exposições e não só. Porque me relacionava com muitos ilustres da comunidade Portuguesa, era fácil convidarem-me para isto ou para aquilo.
O Senhor Primeiro Ministro, actual Presidente da República de Portugal, veio com a sua esposa aos USA, fizeram-lhe uma recepção em Nova Jersey, o senhor Cônsul de Portugal em Newark, convidou-nos, lá fomos, era à noite, no salão do mais representativo e antigo clube português em Newark. Na altura havia alguns casos com assuntos relacionados com propriedades e direitos dos emigrantes em Portugal, portanto, cá fora havia manifestações dos descontentes, falavam-se alguns nomes, até mesmo frases, não muito correctas, mesmo obscenas, quase tudo na língua de Camões, gestos não muito usuais, mas tudo em ordem, sem provocações directas, pois a polícia estava lá e não admitia qualquer violência.
Passámos pela multidão e, como tanto eu como minha esposa, íamos com roupa lavada, um pouco de cerimónia, também “levámos pela tabela”, como por exemplo, “também és do tacho”, (como nessa altura me lembrei das noites que dormi sobre neve fria, com outros descamisados, à beira do “Passaic River”, que por acaso era mesmo ali, logo após duas quadras, para os lados de Nova Iorque), mas passámos. Entrámos mostrando o respectivo convite, levaram-nos a sentar numa mesa ao lado do Senhor Primeiro Ministro e esposa.
Começou a cerimónia, discursos de “beija mão”, muitas palmas, empregados de luvas brancas a servirem qualquer coisa, que devia de ser “caviar e champanhe”, todos a falarem uma linguagem que, ou eu sou mesmo “burro”, ou então não compreendo nada de português e, os anos que passei na escola do Adro em Águeda não seviram de nada, pois falavam de grandezas, investimentos, produtos que em Portugal eram quase de graça e aqui rendiam fortunas, pois os “estúpidos dos americanos”, não sabem o que compram, entre dois goles de champanhe. Diziam qualquer coisa como, “o nosso grupo é forte e o melhor”, ou “o nosso Banco tem investimentos em todo o mundo, é o mais sério, é gerido por uma família honrada” e, de vez em quando, olhavam para nós e diziam, “qual é o vosso ramo, em termos de seriedade e eficácia, somos só nós”.
Como o “nosso ramo” era o trabalho honesto do dia-a-dia para irmos tentando sobreviver, colocando comida na nossa mesa de jantar todos os dias para que os nossos filhos se sentissem em casa, com carinho, incentivando-os nos estudos para que no futuro pudessem ter uma educação superior, portanto ouvíamos aquelas personagens fazendo não perceber a ironia das perguntas, sorrindo, aquele sorriso que nós dizemos que é “amarelo” quando não simpatizamos com as pessoas ou o local em que nos encontramos, mas eles teimavam, esticando o pescoço e puxando os braços no sentido da mesa, ocupando o seu espaço e o que normalmente seria nosso, continuavam dizendo, “não tente investir no nosso ramo, nós somos os melhores”, e, depois falavam qualquer coisa baixinho, como a dizerem-nos um segredo ao ouvido, que era mais ou menos, “aquilo é um dinheiro tão fácil, quando nos avisam que chega mais uma ajuda da Europa, é só meter o requerimento, é um dinheiro limpinho, a fundo perdido”.
As senhoras, na sua maioria vindas de Portugal, mostravam lindos vestidos adornados de colares com algum valor e, esperando um elogio, diziam, “não é lindo, amanhã vou a Nova Iorque comprar outro para levar para Portugal”.
Era demais, o ambiente não era o nosso, não esperámos pelo resto do serviço com a desculpa “de que temos que nos retirar, pois temos outros compromissos”. Saímos. Cá fora, os manifestantes e descontentes, depois de nos ouvirem, ao sermos interpelados por alguns jornalistas, alguns locais que nos conheciam, que queriam saber se já tinha acabado o jantar, dizendo nós, que não, ainda nem tinha começado, pois estavam lá todos muito contentes, mas o ambiente não era o nosso, alguns riram-se, bateram palmas e disseram palavras de alegria. Acabámos por ir comer qualquer coisa ao restaurante de um amigo, do nosso tempo de Newark, que depois de lhe contarmos o motivo da nossa presença ali, nos disse: “vou à cozinha buscar comida e vou sentar-me com vocês, cada vez tenho mais orgulho em ser vosso amigo”.
Tony Borie, Fevereiro de 2015
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Nota do editor
Primeiro poste da série de 25 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14186: Libertando-me (Tony Borié) (1): A leste do paraíso, a oeste do Inferno
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