1. Em mensagem do dia 14 de Abril de 2015, o nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos esta reflexão sobre o 25 de Abril, um tema sempre apaixonante e actual:
Perspectivas sobre o 25 de Abril
Primeiro ponto de vista:
«Mª. João Avilez - Mas não havia alternativa?
Carlos Fabião - Não havia. Aquilo estava prestes a cair por um desastre militar. E nesse sentido, até foi bom ter ocorrido o 25 de Abril, estava tudo mesmo a cair... Repare nisto: um batalhão tem seiscentos e tal homens, e havia batalhões que só tinham 3 oficiais do QP, sendo o restante composto por milicianos. Ninguém percebia nada de nada, tecnicamente falando.E, além disso, ninguém estava, como sabe, disposto a morrer naquela guerra.»
Ora, constate-se a seguinte evolução nos 3 TO, sobre o número de capitães comandantes de companhias de combate, respectivamente do QP e milicianos:
1966: QP - 361; Milicianos - 103; 1970: QP - QP - 374; Milicianos - 248;
1973: QP - 177; Milicianos - 397; 1974: QP - 118; Milicianos - 431 (cfr. relatório do Sr. Coronel Morais da Silva, professor da A.M.).
Uma evolução desta ordem exigia medidas antecipadas, no sentido de garantir o melhor enquadramento dos comandantes das companhias de combate, e a aceleração de outras medidas com vista ao fim da guerra, quer pela iniciativa da negociação política, designadamente sob os auspícios da Carta das Nações, quer pelo reforço do equipamento das FA com vista à vitória militar urgente em substituição do conceito da guerra de longa duração; quer pela expulsão das FA daqueles capitães que se recusavam a sair para o mato (não havia controle sobre a actividade ou inactividade dos capitães, e recordo que tive dois capitães do QP que sempre se refugiaram do mato, com excepção do 1.º dia em que demos um passeio de aclimatização em torno de Piche), naturalmente em boas condições físicas, e, aparentemente, em Bissau havia alguns, a receber o mesmo do que aqueles que alinhavam.
Mas não, alguns capitães arranjavam motivos de baixa, e continuavam a receber tranquilamente os salários correspondentes, numa condição de privilégio relativamente ao que o direito do trabalho estabelecia para as passagens à situação de reforma ou aposentação de civis incapacitados para o exercício das suas profissões. A própria condição de DFA veio permitir que atestados apresentados depois da revolução relativamente a reformados das FA, normalmente de ordem psicológica, lhes permitisse a acumulação de subsídios remuneratórios, condição tão difícil de reconhecer a milicianos. Era só saber mexer-se. Em resumo, as FA estavam eivadas de vícios, que confrontavam os manhosos com os dedicados. Por outro lado, a lassidão dos governos e dos comandos militares perante tal quadro, é reveladora do nível de incompetência ou traição de uns e outros para a defesa do prestígio das instituições e da soberania nacional.
Segundo ponto de vista:
O de Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso que desenvolveram vasta obra sobre a matéria:
«A tese de que as Forças Armadas Portuguesas controlavam a situação nos 3 teatros de operações, ou até da vitória militar em parcelas do teatro, ou da possibilidade de manter a soberania sobre todos os territórios ultramarinos esbarra em 2 obstáculos:
1) Não corresponde à verdade dos factos - isto é, contraria o que foi escrito, afirmado e testemunhado na época;
2) Torna absurda e incoerente a actuação de todos os actores políticos e militares, com responsabilidades na época, sejam os militares, sejam os políticos.
Isto é, se a afirmação fosse correcta, a actuação de todos os actores políticos e militares durante os anos de 1973 e 1974 teria sido absurda, desde o então presidente da República ao mais anónimo dos militares que conscientemente intervieram no 25 de Abril. do primeiro-ministro e dos membros do seu governo, à totalidade dos generais portugueses».
Parece óbvia esta frase, porém, quanto à primeira, sobre a inverdade da consideração dos factos, que socorrem a tese de que a guerra não estava perdida, tenho que fazer alguma ponderação suplementar. E começo por questionar se terá sido correcta a intervenção "consciente" dos militares no 25 de Abril, tendo em conta a oportunidade internacional, a garantia de sobrevivência de Portugal sem garantia da solidariedade internacional, e sem a protecção necessária à consolidação das novas nacionalidades, e à integração dos portugueses civis e dos africanos que integraram as nossas FA. e que nelas pretendessem prosseguir vidas e actividades?
A intervenção militar foi um malogro total, desde antes do golpe, quando começaram a manifestar-se tendências, rivalidades e ambições, quer em proveito próprio, quer em favor de forças políticas representantes de interesses estranhos, tanto a Portugal, como aos territórios ultramarinos. O MFA gerou várias "babel", e não se eximiu à incrementação de actos criminosos e tendenciosos. Longe, portanto, da ideia de não tomar partido, pois tomou em todas as circunstâncias da descolonização apressada, com traição do interesse das populações e do equilíbrio das novas sociedades. Os resultados ainda estão à vista e perpetuam a desgraça de milhões, que se abrigavam sob a nossa bandeira. E podia ter sido pior, lá, como cá. Hoje estão todos reformados no topo da carreira, e não raro apresentam-se como heróis.
Aqueles analistas ainda referem
«as dificuldades logísticas desde o inicio da guerra», e acrescentam
«uma ameaça séria da intervenção externa com meios convencionais - blindados e força aérea do Zaire - que fazia com que as forças portuguesas necessitassem de apoio considerável e extraordinário da África do Sul», o que revela duas ideias:
1.ª - a de que o Zaire consideraria o ataque em força a Angola, de todo inimaginável, dadas os interesses económicos, políticos e geo-estratégicos que, ainda hoje, condicionam as medidas politicas regionais;
2.º - que a oponibilidade portuguesa sucumbiria, mesmo que estivesse em vias uma acção de reapetrechamento das FA, e apesar do auxílio (interessado) da poderosa África do Sul. É de notar, porém, que os analistas recorreram a dados de 1970, muitos deles já sem significado, ou muito atenuados em 1974, quando se vivia em paz consistente em quase todo o território angolano, e os movimentos não tinham expressão, nem os apoios da URSS e dos EUA, como é sabido.
Acrescentam aqueles autores:
«Se a situação em Angola não era a da paz, progresso e prosperidade apregoadas nas declarações públicas, a situação em Moçambique e na Guiné eram ainda bastante mais graves». Como vimos antes, Angola estava em 1974 a viver um óptimo ambiente de crescimento económico e social, só limitado pelo poder central, e adivinhava-se a sua autodeterminação pacífica. Não se pode colocar em pé de igualdade as situações vividas em Moçambique e na Guiné, como a frase pode sugerir, pelo contrário, eram muito diferentes. Não era de grande intensidade a guerra em Moçambique, embora reconheça que houve actos isolados de terrorismo - ataques cobardes a civis pacíficos e trabalhadores - que procuravam alargar o espaço de confusão desejado pela Frelimo. Era grande o território moçambicano e os independentistas não tinham pessoal para combater em tanto espaço. Desses acontecimentos vieram a insurgir-se as populações locais - na Beira e Vila Pery (Chimoio) - contra os militares que se passeavam pelas cidades em atitude que sugeria indiferença perante o fenómeno da guerra emancipalista. Também os militares se indignaram contra os civis, e o poder político foi incapaz de harmonizar a situação, do que resultou um campo de fácil expansão para as ideias revolucionárias de acabar a guerra tão depressa quanto possível. E essa pressa descurou todas as cautelas quanto à nascença de um novo país, e veio a revelar-se indigna e criminosa pelas consequências da entrega pura e simples ao inimigo, que assim garantia um curto período para a evacuação total da tropa.
Gerou-se um movimento independentista, quase em segredo, liderado por Jorge Jardim, mas ninguém se manifestou contra Portugal, com que parecia quererem manter laços de fraternidade, apenas procuravam encontrar soluções onde o Governo não diligenciava.
Na Guiné a situação era diferente, muito diferente. Em primeiro lugar, porque tratava-se de um pequeno território com poucos recursos, onde a instalação de civis portugueses nunca foi relevante. Havia, melhor, deveria ter havido uma preocupação de manter a Guiné, enquanto a situação nas restantes colónias, ou províncias, não se mostrasse consolidada, dado o factor psicológico de reconhecendo uma independência, ter que reconhecer as restantes. Cheirava a guerra por todo o território, houve combates de vulto, mas o que mais desanimava a tropa, seria a pobreza da manutenção na quadricula, a falta de quadros do exército no enquadramento e operacionalidade das unidades, as dúvidas sobre a estratégia a adoptar, e a insatisfação face ao poder político tacanho e inoperante, sem a mínima noção do que era o Ultramar. O Senhor Coronel Matos Gomes combateu na Guiné, e sabe que as NT nunca foram escorraçadas, e o apontado caso do abandono de Guilege ficou a dever-se à inoperância das repartições, que desprezavam as dificuldades por que se passava nos aquartelamentos mal concebidos. Naturalmente, pode haver um cúmulo de sacrifícios que transbordem os limites da paciência, mas não era o caso da generalidade dos oficiais do QP.
Sobre a Guiné, na sequência dos acontecimentos de Guilege, Guidage e Gadamael, Spínola declarou:
"encontramo-nos indiscutivelmente na entrada de um novo patamar da guerra, o que necessariamente impõe o reequacionamento do trinómio missão-inimigo-meios".
Para se ter ideia sobre a manipulação de dados, as intrigas e ambições pessoais entre os mais graduados das NT, também eles responsáveis pelo que veio a acontecer com o golpe de Abril, extraio as seguintes linhas sobre um importante operacional e comandante do BCP 12 face a acções atribuídas que ele próprio planeou e comandou:
"Não estava nos hábitos do TCor Araújo e Sá pertencer a grupos ou ser presença assídua em Quartéis-Generais, Messes de Oficiais ou em reuniões sociais, e muito menos a contar ou a sobrevalorizar peripécias dos combates... É que na Guiné de então, a Glória estava pré-determinada e as honrarias contemplavam normalmente apenas um círculo restrito junto do General Comandante-Chefe. Depois, o marketing e os círculos de amigos fizeram o resto. E apareceram as lendas, que progressivamente têm vindo a tomar o lugar da História", e são citadas omissões em duas obras de referência:
"Os anos da guerra colonial", vol. 14, pág. 18, por Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso; e
"A Guerra de África - Guiné", da colecção Batalhas da História de Portugal, pág. 131, e
"A Guerra da Guiné - 1961-1974", da colecção
"Guerras e Campanhas Militares", pág 111, estas últimas pelo Coronel Fernando Policarpo, referidas em
"A Última Missão", de José Moura Calheiros.
Fiz a minha comissão de serviço na zona leste da Guiné durante o biénio 1970/71 que, quase correspondeu a um período de turismo africano salpicado com uma dúzia de intervenções de guerra: minas, armadilhas e ataques a aquartelamentos, e muita actividade operacional todos os dias - colunas, patrulhas, emboscadas. Havia risco? Claro que sim. Mas nada me permitia dizer, como disse Vasco Lourenço em entrevista concedida a Ana de Sousa Dias, na passagem dos 30 anos sobre o 25 de Abril:
«as forças armadas empenhadas na defesa da Guiné iriam, a muito curto prazo, ser esmagadas pelo PAIGC". É estranha tal afirmação na medida em que, tendo estado empenhado nesta luta durante dois anos, não tivera qualquer baixa entre os homens da companhia que comandava. Deste facto pode deduzir-se que o potencial de combate do inimigo não era tão eficaz nas suas acções quanto se fazia crer, referido em
"25 de Abril de 1974 - A Revolução da Perfídia", do General Silva Cardoso, que adiante refere:
«recordam-se as palavras do ministro Almeida Santos quando vaticinava uma mais que certa derrota militar a curto prazo na Guiné donde resultava e necessidade de se encontrar uma solução política para as guerras do Ultramar. Pelo contrario, o General Costa Gomes, nas suas funções de CEMGFA, ao passar pela Guiné em Janeiro de 1974, afirmou que a Guiné era defensável e tinha de ser defendida», e prossegue:
«Mas Vasco Lourenço, segundo rezam opiniões recolhidas, não teria sido iluminado pelo episódio (citado na publicação em apreço)
da morte do guia, mas sim quando numa emboscada sofrida pelas suas forças ele saltou da viatura e se abrigou debaixo dela enquanto os seus homens faziam frente ao fogo do inimigo. Foi nesta situação de puro medo físico que ele foi iluminado e só então compreendeu a injustiça da guerra».
Face a estas notícias pode constatar-se que os profissionais da guerra deviam ter vasta informação, e podiam ter pressionado o governo, através da hierarquia, para a aquisição dos meios necessários, face às novas perspectivas da luta, conforme Spínola, exigindo a salvaguarda de verbas para alguma modernização de equipamentos a adquirir, que conferissem outras garantias de eficácia. Em vez disso, muitos desses militares juntaram-se para provocarem a queda do governo, e para provocarem o regresso imediato às suas casas na Metrópole, à custa do abandono da luta, e da entrega aos inimigos, então tornados "irmãos", do destino dos territórios e das gentes que ali viviam. Ora, as FAP integravam muitos mais elementos africanos do que os efectivos das forças inimigas, a quem se reconheceu a absurda autoridade total e boçal, e se a solução adoptada pelos militares do MFA (acolitados pelo oportunismo de socialistas e comunistas) consubstanciou-se pela traição à imensa maioria que garantia a estabilidade e o progresso dos territórios, a solução adoptada foi necessariamente traiçoeira, tanto mais, que não quiseram considerar períodos de transição e integração social, quer dos guerrilheiros nas diferentes actividades, ou numa força única com as NT nas futuras forças armadas locais, por forma a eliminar estigmas e a estimular a construção das novas sociedades.
Desditosa Pátria!
Com o apodrecimento da História, os ventos liberais fustigaram, primeiro a monarquia, depois o próprio povo, quando atraído para a democracia viscosa e manietada pelos que chegam pobres à governação, sem cheta, só com o dom da palavra, ou a protecção do padrinho, e abalam indecentemente ricos e poderosos.
Minudência final: com o 25 de Abril Portugal passou a recorrer ao crédito externo, público e privado. Com a entrada de empréstimos de solidariedade provenientes da adesão à CE (ex-CEE) Portugal, que era auto-suficiente na pesca, na agricultura e na pecuária, passou a pagar os produtos de importação daquelas áreas, que a CE proibiu-nos de produzir. Isto dá uma imagem da negociata financeira e da dependência política resultante da adesão.
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Nota do editor
Último poste da série de 21 de março de 2015 >
Guiné 63/74 - P14395: (In)citações (74): Fotos que por acaso não são da minha motorizada nem de uma outra portuguesa (Henrique Cerqueira)