José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74. Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo hoje autor, com dois livros publicados (um de poesia e outro de ficção). Senta-se debaixo do poilão da Tabanca Grande no lugar nº 756.
Aerograma do José Claudino da Silva para a namorada, com data de 26 de junho de 1972,
Fotos (e texto): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Prosseguimos a pré-publicação do próximo livro do nosso camarada José Claudino Silva:
Sinopse (*):
(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;
(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depiois da recruta; promovido a 1º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74).
2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 5 (A partida para o inferno) e 6 (A viagem para o inferno)
[O autor faz questão de não corrigir as transcrições das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, que o criou. ]
5º Capítulo > A PARTIDA PARA O INFERNO
Ainda fui à noite de São João de 1972. Fui a Castelo de Paiva! Levei comigo o Jorge, o 1º cabo Operador Cripto. Fomos na minha Sachs Lebre artilhada. Já a tinha vendido ao Henrique “Ferreiro”, irmão do falecido Fernando. Ele não ia ser militar, em virtude da morte do irmão. Entreguei-lha no dia 25 de junho. Foi a última coisa de que me despedi. Da família, dos amigos e da namorada, tinha-me despedido horas ou até dias antes.
Constato agora que se eu tivesse morrido na guerra colonial, o meu irmão Zé e o meu irmão Chico não seriam militares; éramos filhos da mesma mãe. Mas o Aníbal, o Fernando e o Luís não teriam essa sorte. Esses eram meus irmãos, apenas de pai e eu não tinha sido perfilhado.
Quando a bordo do comboio rumo a Lisboa, passámos sobre a ponte Dona Maria, na linha do norte. Ainda pude ouvir a música “Quero que vá tudo pró inferno”, canção de Roberto Carlos, que soava nos altifalantes dos carrosséis, nas Fontainhas. Afinal, quem ia para o inferno era a 3ª Companhia do Batalhão de Artilharia 6520.
Julgo não estar muito longe da verdade se disser que um Batalhão é composto por quatro companhias, comandadas por um tenente coronel. Uma companhia é composta por quatro pelotões, comandados por um capitão. Um pelotão não tendo um número fixo de militares; é hierarquicamente composto por um alferes, quatro furriéis, cabos e soldados, divididos em quatro secções, num total aproximado de 30 elementos. Da companhia, fazem ainda parte dois sargentos, sendo um denominado 1º Sargento.
Como já referi, eu pertenci à 3ª Companhia de Artilharia.
Tínhamos deixado o RAL 5 de Penafiel, exactamente às 07h40 dessa longínqua mas, constantemente presente nos meus pensamentos, manhã de 25 de junho de 1972. Chegáramos às 17h45 a Lisboa. Percorrer 330 quilómetros, demorara dez horas e cinco minutos, a maioria de nós nunca tinha ido tão longe.
Ainda fui à noite de São João de 1972. Fui a Castelo de Paiva! Levei comigo o Jorge, o 1º cabo Operador Cripto. Fomos na minha Sachs Lebre artilhada. Já a tinha vendido ao Henrique “Ferreiro”, irmão do falecido Fernando. Ele não ia ser militar, em virtude da morte do irmão. Entreguei-lha no dia 25 de junho. Foi a última coisa de que me despedi. Da família, dos amigos e da namorada, tinha-me despedido horas ou até dias antes.
Constato agora que se eu tivesse morrido na guerra colonial, o meu irmão Zé e o meu irmão Chico não seriam militares; éramos filhos da mesma mãe. Mas o Aníbal, o Fernando e o Luís não teriam essa sorte. Esses eram meus irmãos, apenas de pai e eu não tinha sido perfilhado.
Quando a bordo do comboio rumo a Lisboa, passámos sobre a ponte Dona Maria, na linha do norte. Ainda pude ouvir a música “Quero que vá tudo pró inferno”, canção de Roberto Carlos, que soava nos altifalantes dos carrosséis, nas Fontainhas. Afinal, quem ia para o inferno era a 3ª Companhia do Batalhão de Artilharia 6520.
Julgo não estar muito longe da verdade se disser que um Batalhão é composto por quatro companhias, comandadas por um tenente coronel. Uma companhia é composta por quatro pelotões, comandados por um capitão. Um pelotão não tendo um número fixo de militares; é hierarquicamente composto por um alferes, quatro furriéis, cabos e soldados, divididos em quatro secções, num total aproximado de 30 elementos. Da companhia, fazem ainda parte dois sargentos, sendo um denominado 1º Sargento.
Como já referi, eu pertenci à 3ª Companhia de Artilharia.
Tínhamos deixado o RAL 5 de Penafiel, exactamente às 07h40 dessa longínqua mas, constantemente presente nos meus pensamentos, manhã de 25 de junho de 1972. Chegáramos às 17h45 a Lisboa. Percorrer 330 quilómetros, demorara dez horas e cinco minutos, a maioria de nós nunca tinha ido tão longe.
6º Capítulo > A VIAGEM PARA O INFERNO
A bordo do Boeing 707 dos T.A.M. (Transportes Aéreos Militares).
Minha querida:
Encontro-me neste momento a cerca de onze mil metros de altitude e como vez não deixo de pensar em ti. Devo dizer-te que descolei do aeroporto da Portela às nove horas em ponto e já venho a voar há duas horas. É simplesmente impressionante o avião em que viajo, eu, e juntamente comigo, cerca de duzentos passageiros. Às dez horas em ponto, foi-nos servido o pequeno-almoço e chegaremos à Guiné dentro de duas horas.
Estamos a sobrevoar uma ilha, cujo nome não te sei dizer e confesso que vista daqui; desta altitude, se assemelha a um simples monte de terra. A impressão que sinto dentro deste monte de ferro, é difícil de explicar, mas o que digo, é que nunca estive tão nervoso na minha vida. Não imaginas o que é estarmos tão longe do solo. Que neste caso é mar, irmos a uma velocidade de 900 km hora e termos a sensação que estamos a flutuar parados no ar. É de facto de tal maneira inexplicável que até eu não sei bem definir, confesso que me sinto completamente atordoado.
Cada vez me afasto mais de ti e dos meus entes queridos e me aproximo da terra africana. Meu amor como irei suportar todos estes meses, todos os dias, todas as horas e todos os minutos longe de ti? Como poderei resistir ao desejo de te ter sempre junto de mim? Prefiro morrer a saber que te possa perder.
Do teu DINO."
Cada vez me afasto mais de ti e dos meus entes queridos e me aproximo da terra africana. Meu amor como irei suportar todos estes meses, todos os dias, todas as horas e todos os minutos longe de ti? Como poderei resistir ao desejo de te ter sempre junto de mim? Prefiro morrer a saber que te possa perder.
Do teu DINO."
1º
Cabo 158532/71 S.P.M. 2478.
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Nota do editor:
Nota do editor:
Postes anteriores da série:
13 de novembro de DE 2017 > Guiné 61/74 - P17968: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 2: A recruta no Porto
11 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17961: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 1: Aprovado para todo o serviço militar