1. Mensagem de Vasco da Gama (*), ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de
Cumbijã, 1972/74, com data de 30 de Junho de 2009:
Camarada Editor Carlos Vinhal,
Junto envio texto bem como algumas fotos que serão por ti colocadas no desenrolar do escrito, ou no final. Sempre o pedido do periquito informático: Chegou o Texto e as Fotos?
Caro carlos, vou enviar, depois vejo as fotos e indico a legendagem.
Desculpa.
Abração
Vasco da Gama
P.S. Para além dos dois destinatários acima é costume, ou bom hábito, dar conhecimento aos outros dois Editores?
OS MILICIANOS (não só os Cabos), COMBATENTES DE PRIMEIRA, CIDADÃOS DE SEGUNDA.
Ao contrário do que já li, creio que o
Post 4584 do nosso Camarada Libério Lopes, é deveras importante, bem como alguns dos comentários que se lhe seguiram, levantando uma questão pertinente e fazendo comparações que não têm nada de injustas.
As banalidades que hoje vou escrevinhar, quero-as mais abrangentes, pois como disse, o escrito do nosso camarada Libério, foi depois enriquecido com alguns comentários, abrindo desta forma a porta para que possa falar dos Milicianos em geral.
No que diz respeito aos Cabos Milicianos/Furriéis e face ao papel que desempenharam, primeiro na formação e instrução das Companhias, onde no caso concreto da minha CCav8351 foram de uma utilidade enorme, trabalhando em conjunto com os aspirantes, desempenhando alguns deles, na ausência dos aspirantes, exactamente as mesmas funções, eram discriminados nas regalias, vou chamar-lhes sociais e fundamentalmente no pagamento dos serviços que prestavam. Ignoro qual o fosso salarial entre um aspirante e um cabo miliciano, mas fosse qual fosse, era tremendamente injusto para a similitude dos papéis que desempenhavam na formação activa das Companhias e no enriquecimento do cimentar das relações de TODOS os elementos de uma Companhia. Mais tarde, na guerra, foram peças fulcrais na minha Companhia e presto-lhes a minha humilde homenagem. Também não sei a diferença salarial entre um alferes e um furriel, mas o funcionamento do sistema, na sua génese, tinha por bom criar uma separação entre as pessoas, para mais fácil utilização do argumento do galão em detrimento do diálogo inteligente. Felizmente, tive a sorte de ter um conjunto de furriéis que, pela sua excelência, em muito contribuíram para que e em face dos perigos que corremos, a nossa CCav 8351 não fosse mais fustigada por um número maior de baixas e que irmanados com os alferes com os soldados e comigo, constituíram uma equipa que se fosse de futebol lhe chamaria de “
dream team”.
Não é por mero acaso que dois furriéis da minha Companhia foram graduados em alferes, sendo a dificuldade a da escolha. Ficaram de fora outros que dariam também excelentes alferes em qualquer Companhia.
Obrigado a todos, Camaradas e Amigos.
Caros Camaradas, também eu que fui Capitão Miliciano senti discriminação enquanto militar Miliciano tendo de engolir, contra todos os meus princípios, metade das respostas que alguns oficiais do quadro, nem todos, mereciam da minha parte face a
medidas que tomavam num mapa muito grande, preenchido por alfinetes coloridos, debitando algumas baboseiras, do embosque aqui, assalte acolá, cambe o rio acoli, sem terem o mínimo conhecimento do terreno que nos
obrigavam a pisar. Quão diferente é um quilómetro no mapa de um quilómetro no terreno, mas eles não sabiam disso; só conheciam o mapa, o terreno era para nós os MILICIANOS.
Quero ressalvar que esta minha exposição tem a ver com a realidade que eu vivi no comando da Companhia de Cavalaria 8351 e reporto-me a vivências pessoais nos matos do Cumbijã e de Nhacobá, sendo que este somatório de factos que relato não tem a ver com pessoas enquanto tal, mas com os cargos que desempenhavam.
Quantos oficiais profissionais me acompanharam, quando fui ocupar aquele imenso campo de minas que era então o desértico Cumbijã?
Foto 1 - O Cumbijã desértico, povoado de minas.
Quantos oficiais profissionais me acompanharam no assalto a Nhacobá?
Quantos oficiais profissionais estiveram presentes na operação “
Lance Pertinente” em 1973 que tinha como objectivo, pasme-se, fazer um reconhecimento à Região do Unal? Eu estava de férias em Portugal, por isso e relativamente a esta operação fico-me por aqui, adiantando apenas que foram envolvidas cinco Companhias e centenas de carregadores que acarretavam bidons e paus à cabeça, para cambar determinado rio, sob chuva que caiu ininterruptamente durante vários dias. Cinco companhias camaradas no Teatro de operações! Quem as coordenou no terreno? Terá sido o Alferes da minha Companhia que marchou com o seu pelotão à frente desta operação de seu nome FLORIVALDO dos SANTOS ABUNDÂNCIO, apesar da presença de capitães milicianos na operação? Se não foi qual a razão de ter sido ele a elaborar o relatório? Ou ter um oficial profissional ido de Aldeia para o nosso Cumbijã e permanecido durante cinco dias já dava direito a louvor?
Foto 2 - Saída para o mato. O Alferes Abundâncio no meio do grupo de combate com a sua farfalhuda bigodeira.
É verdade que os
alfinetes coloridos se enganaram no nome dos rios? E os rios que eram, para os alfinetes, simples
fios de água, que tinham de ser atravessados com água pelo peito? O meu Camarada e Amigo Abundâncio, um destes dias, quando os afazeres profissionais lhe permitirem, escreverá sobre o assunto. Cabe aqui uma palavra de respeito, carinho e agradecimento ao Abundâncio, grande Homem grande Camarada e grande Amigo.
Quantos oficiais profissionais estiveram com OS TIGRES quando nos mataram o António Bento Boa? E o Victor Coelho? E o Fausto Costa? Todos estes meus companheiros foram mortos em combate em situações e dias diferentes.
Foto 3 - O Alferes Beires juntamente com outros camaradas, aparecendo à esquerda da foto com um balde na mão o nosso camarada Fausto Costa, morto em combate a 21 de Agosto de 1973.
Quanto recebem as famílias destes meus queridos camaradas de pensão? Sim, só falo em termos monetários, pois sobre o reconhecimento da sociedade para com eles estamos conversados!
Quanto recebem de reforma os meus camaradas feridos gravemente em combate evacuados para a então Metrópole?
Quanto recebe de reforma o nosso camarada Batista, membro do nosso Blogue, mais conhecido pelo morto-vivo?
Já agora, quanto recebe de reforma um qualquer coronel, que no meu tempo tinha a mesma patente que eu?
Houve oficiais profissionais que se distinguiram? Não posso dizer que não, mas esses não viveram nenhuma das situações que eu descrevi e que são as que conheço. Reafirmo o que já disse uma vez, agora com maior precisão: quem aguentou a guerra dos tiros, no mato que eu conheço, foi a tropa macaca a que eu me honro de ter pertencido.
Quero apenas ressalvar que a sacrificada Companhia do Guileje e de Gadamael Porto, a nossa irmã, CCav 8350,
Os Piratas, quando foi para o Cumbijã a 29 de Novembro de 1973, era comandada na altura por um Capitão do Quadro Permanente o então Cap Rui Reis (nunca mais o vi), com quem sempre tive relações cordiais. O Cap Reis foi depois substituído pelo Cap Vieira, com quem me encontrei há dias, sendo hoje Coronel reformado. Para eles um abraço extensivo a todos Os Piratas de Guileje, que tiveram quatro ou cinco Comandantes de Companhia e que sofreram horrores no porrete da guerra, tendo ainda de aguentar com bocas que roçavam o enxovalho! Nas pessoas dos meus Amigos Manuel Reis, João Seabra e Casimiro Carvalho, as minhas homenagens a todos OS PIRATAS de GUILEJE.
Nem de propósito, num post da autoria do meu Amigo Santos Oliveira, com o número 4608 é relatado episódio que o envolve a ele e a um combatente natural da Guiné de seu nome João Bacar Djaló. O primeiro era furriel e o segundo alferes. Não o vou repetir, está lá tudo, preto no branco. Retiro apenas afirmações avulsas como “
os graduados são sempre inferiores” ou “
os nativos quando comandam tropas são sempre inferiores”!!! Também eu, que comandei como Miliciano uma Companhia, era graduado, logo capitão de segunda, logo chefe de um qualquer bando acoitado no arame farpado, só faltando dizer que tudo o que
OS TIGRES fizeram se deveu aos estrategas de operações ou aos inteligentes do bem bom do ar condicionado. Claro que depois de ter servido como capitão, fui desgraduado e ao passar à disponibilidade, tive as exactas
regalias de qualquer outro alferes. É o usar e deitar fora, apanágio das
capelinhas que por aí pululam.
Foto 4 - Azambuja Martins, Vasco da Gama e o nosso homem da bianda, Xico Ferreira.
Foto 5 - Furriel Azambuja e Furriel Joaquim da Silva Costa em Nhacobá.
O que é premiado nesta sociedade que me vai consumindo?
O Mérito ou o Carreirismo?
O Valor ou o Oportunismo?
Os Sabedores ou os Seguidores?
Os Inteligentes ou os Bajuladores?
Responda quem souber, mas de uma coisa tenho a certeza:
Os meus queridos camaradas da 8351, independentemente do posto, tiveram na sua esmagadora maioria, Mérito, Valor, Sabedoria e Inteligência.
Numa sociedade em que quase todos se atropelam no afã da busca dos seus objectivos, numa sociedade onda ninguém agradece nada a ninguém, eu curvo-me perante todos eles, os mortos, os feridos e os que me acompanharam até ao dia do nosso regresso tanto mais, como alguém disse,
NINGUÉM MORRE POR DOBRAR A COLUNA SEMPRE QUE ACHE NECESSÁRIO!
Honraram-me com o seu companheirismo, como hoje me honram ao convidarem-me para o casamento dos filhos, para o baptizado dos netos ou para as comezainas em casa deste ou daquele.
Emblema da CCAV 8351 "Os Tigres de Cumbijã", que tinha como divisa ET PLURIBUS UNUM
Texto e fotos: © Vasco da Gama (2009). Direitos reservados
Um Abraço do Tigre
Vasco Augusto Rodrigues da Gama
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 15 de Junho de 2009 >
Guiné 63/74 - P4532: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (III): Desertores
Vd. último episódio da série de 30 de Junho de 2009 >
Guiné 63/74 - P4614: Controvérsias (23): Milicianos… eram os peões das nicas! (Jorge Teixeira)