Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 12 de julho de 2024
Guiné 61/74 - P25736: Parabéns a você (2289): SMor Paraquedista António Dâmaso das CCP 121 e CCP 123 do BCP 12 (Guiné, 1969/70 e 1972/74)
Nota do editor
Último post da série de 9 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25728: Parabéns a você (2288): Adriano Moreira, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) e Arménio Estorninho, ex-1.º Cabo Mec Auto da CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa e Empada, 1968/70)
quinta-feira, 11 de julho de 2024
Guiné 61/74 - P25735: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (51): Operação Jaguar Vermelho - I: dia 26 de Maio de 1970
"A MINHA IDA À GUERRA"
João Moreira
OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO - I
Para quem não sabe, informo que a Operação Jaguar Vermelho1 foi uma grande operação na zona do MORÉS, que ficava a cerca de 5 ou 6 Km, em linha recta, dos nossos quartéis do OLOSSATO, onde estava a minha CCAV 2721 e de MANSABÁ, onde estava a CART 2732, do Carlos Vinhal.
Durante um mês, aproximadamente, os nossos aviões Fiats e T-6 iam lá várias vezes largar as bombas.
E eram bombas de "pouca potência".
Eram tão "fraquinhas" que quando rebentavam, até as casas do Olossato tremiam e muita população que vivia sob controle do PAIGC se ia entregar nos nossos quartéis.
E assim chegou o dia 26 de Maio de 1970.
1970/MAIO/26 ÀS 09H00M
Às 9H00M o meu grupo de combate (4.º GComb), reforçado com 15 milícias, saiu para a região de BISSANCAGE, onde encontrou um trilho muito recente e batido, de MORÉS para MADINA MANDIGA.
O alferes Silva decidiu emboscar neste local.
Enquanto o alferes Silva estava a instalar os primeiros elementos do 4.º grupo de combate, que eram milícias, surgiram 2 elementos inimigos armados.
Deste contacto resultou o ferimento e captura de 1 elemento inimigo e a fuga do outro.
Neste contacto também resultou a morte de um soldado milícia nosso, que foi morto pela rajada dum soldado nosso (FR) que, por precipitação ou por medo fez fogo para o local onde estava o alferes e os soldados milícias e só parou o fogo quando o alferes e os soldados da milícia gritaram para parar o fogo.
Não sei se o alferes tinha avisado o que se estava a passar, mas o soldado "tinha" que saber que estavam ali os nossos militares.
Quando a situação estava controlada e trouxeram o guerrilheiro para o local onde estava o resto do grupo de combate, os outros milícias queriam matá-lo à pancada. Tive que intervir para acabar com esta cena de vingança. Mas há uma frase dum soldado milícia nosso que não esqueci, nem esquecerei e que é a seguinte:
- "Furriel, se turra apanha nós (e fez um gesto com o dedo indicador no pescoço = corta-nos o pescoço OU mata-nos) mas se apanhar pessoal branco trata-o bem".
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 4 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25715: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (50): Ataque ao quartel no dia 12 de Maio de 1970
Guiné 61/74 - P25734: In Memoriam (506): Armando Carvalhêda (1950-2024), "um senhor da Rádio", que passou pelo Programa das Forças Armadas da Guiné, o "PIFAS", entre Abril de 1972 e Setembro de 1973, morre aos 73 anos (Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS - TSF)
1. Mensagem do nosso camarada Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS, TSF (Piche e Bissau, 1970/72), com data de 10 de Julho de 2024:
Caros amigos,
Fiquei surpreendido pela notícia do falecimento deste nosso "camarada da Guiné" que esteve em Gadamael e depois no PIFAS.
Como radialista foi um grande divulgador da música portuguesa.
Não pertenceu ao nosso Blogue por incompatibilidades com outra pessoa.
Se acharem que é pertinente, podem usar, no todo ou nas partes que melhor considerem.
Se acharem que não tem cabimento ou tem pouco, pois então arquivem...
Abraços
Héder Sousa
SOBRE O ARMANDO CARVALHÊDA
Como já se devem ter apercebido, faleceu o Armando Carvalhêda1, nosso camarada da Guiné, que teve alguma notoriedade no PIFAS.
Natural de Almada, passou a infância e juventude em Setúbal. Teve a sua primeira experiência radiofónica na primeira rádio-pirata nacional, o Rádio Clube de Alcácer do Sal, onde esteve em 1967.
Foi mobilizado para a Guiné, colocado em Gadamael mas depois foi cooptado para O PIFAS.
Quando voltou acabou por integrar a Emissora Nacional e já mais recentemente dava corpo a um notável programa de defesa e divulgação da música portuguesa, designado por “Vivá Música”.
Amigos comuns aqui de Setúbal, que com ele partilharam aulas no então Liceu de Setúbal, recordaram-me que, para além de excelente amigo era um brincalhão compulsivo.
Entre várias peripécias, mais ou menos divertidas, contaram-me uma que se passou na época de Carnaval, em que o bom do Armando resolveu colocar várias “bombinhas de carnaval” numa sanita da Escola e, claro está, o excesso fez rebentar aquilo. Contactado o pai (naqueles tempos havia essa noção de responsabilidade…) para que a situação fosse reposta, o Armando foi “aconselhado” pelo pai a transportar a nova sanita às costas desde o local da compra até ao Liceu (cerca de 400 metros), o que ele fez perante o divertimento do pessoal discente, principalmente o feminino.
O Armando era também conhecido do “nosso outro Armando”, o Pires.
Tentei que entrasse ou colaborasse com o nosso Blogue, conforme podem apreciar na troca de mails que tivemos, mas o seu (dele) desentendimento com um outro elemento do PIFAS não lhe permitiu.
2. Mail que enviei a 06/03/2012
Boa noite!
É que tenho ideia de haver um "Armando Carvalhêda" que trabalhou na "Rádio Azul", em Setúbal e também em outros locais aqui à volta de Setúbal, onde vivo, e com o qual já tive contactos. E acresce ainda que esse mesmo "Armando" foi meu contemporâneo na Guiné, em Bissau, e era conhecido dum camarada meu aqui de Setúbal, chamado Nelson Batalha.
Acontece ainda que estou 'associado' a um blogue de pessoas que estiveram na Guiné, a que chamamos "Tabanca Grande", promovido por um tal Luís Graça, professor na Escola Nacional de Saúde Pública, podendo também ser encontrado por "Luís Graça e Camaradas da Guiné" e acontece ainda também que, por estes dias, nesse blogue têm passado muitas recordações sobre um programa que por lá havia, o PFA (programa das Forças Armadas), mais conhecido na gíria por PIFAS.
Recordação atrás de recordação, veio inevitavelmente à baila o nome do João Paulo Diniz e também apareceu citado o "Armando".
Acresce que o JPDiniz, alertado pelo Joaquim Furtado sobre a existência do Blogue, foi lá espreitar e já entrou em contacto connosco propondo-se até para participar no nosso Encontro, o VII, que terá lugar em Monte Real em 21 de Abril.
Por isso, meu amigo, se for o "Armando " errado, peço desculpa pela intromissão e pelo atrevimento.
Se for o "Armando" certo, fico muito satisfeito e mais ficarei se houver 'volta do correio'.
Com consideração
Hélder Sousa
3. Mail recebido a 07/03/2012
Olá Hélder,
De facto sou eu mesmo esse tal Armando Carvalhêda. O que esteve no PFA na Guiné; o que passou em dois momentos diferentes pela Rádio Azul; e, ainda antes de tudo isto, o que estudou no Liceu de Setúbal e no Externato Frei Agostinho da Cruz; o que, enquanto estudante, ajudou a fazer (e a desfazer…) em 66/67, o Rádio Clube de Alcácer do Sal – RCAS.Emissor 225.
Um abraço do
Armando Carvalhêda
Direção de Programas Rádio
armando.carvalheda@rtp.pt
Ora então, muito boa tarde, ou melhor, boa noite! e... "VIVÁ MÚSICA!"
Armando, foi com bastante emoção que vi e li a tua resposta ao meu mail 'exploratório'.
E antes de continuar quero-te pedir desculpa por não ter reagido logo de imediato, mas tive um problema com o carro e outras coisas e só agora estou então a dar seguimento.
Pronto, 'foste descoberto', como dizes. Bem que tinha 'quase' a certeza que eras tu mas como já passou tanto tempo podia ser mais a vontade que fosses e não estava a querer 'dar barraca'.
De facto essa tua frequência do Liceu de Setúbal é que te deve ter dado o conhecimento do Nelson Batalha ("o Nelsinho de olho azul, o menino-bonito do Bairro da Conceição", como ele costumava dizer, e que casou com a namorada de sempre, a Zezinha, filha do Chico Primo, grande jogador do Vitória).
Na época eu não tinha relação com Setúbal, vivia em Vila Franca de Xira, só vim para cá 2 meses antes de 25 de Abril de 74 e foi portanto com o Nelson e através dele que eu estive contigo em Bissau algumas vezes. Nós pertencíamos às Transmissões, fizemos o curso do STM juntos, ele foi para Catió onde foi ferido e eu fui para Piche. Depois regressámos a Bissau e fomos integrar e desenvolver a "Escuta" donde enviávamos trabalhos para a ACAP, entre outras coisas.
Entretanto tenho também a ideia, como já disse, de ter estado posteriormente contigo na "Rádio Azul" e não sei ao certo mas talvez também na "Rádio Pal" ou qualquer coisa assim, nuns programas de divulgação de empresas de região, mas posso estar a fazer confusão.
Como te disse antes, o João Paulo Diniz, informado pelo Joaquim Furtado, consultou o tal Blogue de que te falei, quando na semana passada se fizeram vários 'post' e comentários sobre o PFA ou "PIFAS" como a malta mais genericamente se referia ao programa, e entrou em contacto através dos endereços que lá estão sendo que já se inscreveu para participar no nosso VII Encontro a ocorrer em Monte Real no sábado 21 do próximo mês de Abril. Muito sinceramente gostava de te ver por lá e acho até que seria muito engraçado e curioso essa 'reedição' do JP Diniz e Armando Carvalhêda. Tenho a certeza que muitas lágrimas furtivas haveriam de afluir a muitos olhos...
Entretanto, para não te maçar com estes revivalismos, fico por aqui.
Quando quiseres e tiveres paciência responde e diz qualquer coisa.
Um forte abraço
Hélder Sousa
Olá Hélder,
Pois é… como se vê, cada vez menos, é impossível viver isolado e passar despercebido. Neste caso, é saudável e permite retomar memórias que habitam as zonas mais “adormecidas” do nosso cérebro.
Não sei o que é feito do Nelson, meu companheiro do Liceu e do Colégio, mas também meu vizinho – visto eu ter morado perto de sua casa no Bairro da Conceição – e ainda companheiro de músicas. Ele tocava teclados e eu tinha a mania, entre outras, que tocava bateria. Depois dessa vivência conjunta em Setúbal, reencontrámo-nos em Bissau.
Andava eu a dizer mal da minha vida, após ter desembarcado e sido “abandonado”, aguardando colocação – viria a sair-me em sorte a “bela estância turística” de Gadamael –, encontrei o Nelson que me proporcionou um luxo verdadeiramente principesco: um duche numa vivenda que ele tinha alugado com outros companheiros de Transmissões, ali para os lados do QG.
O que um e-mail pode espoletar…
Já agora, fui de facto contemporâneo do J. Paulo Diniz no PFA mas, ao contrário das boas recordações que o Nelson me suscita, em relação a ele nada de bom retenho. São, enfim, histórias antigas, e algumas até dolorosas, já com quatro décadas de “pó” acumulado nas prateleiras da memória.
Um abraço grande do
Armando Carvalhêda
Olá, Armando!
Retomemos então as nossas informações e memórias.
Começo por te agradecer o que escreveste, que me avivou ainda mais a memória e, sem nostalgias, ajuda a recarregar baterias.
Falo agora do Nelson.Pois o nosso amigo Nelson, mercê da nossa vivência, amizade e companheirismo, acabou por ter bastante influência no facto de eu ter vindo trabalhar para a Sapec e viver em Setúbal. Eu sou 'produto' da margem norte do Tejo. Nascido numa aldeia perto do Cartaxo, Vale da Pinta mais exatamente, mas logo com 3 meses a seguir para Vila Franca de Xira onde bebi toda a formação que aquela boa terra me foi capaz de possibilitar e eu de absorver.
O Nelson e a mulher, a namorada de sempre, a 'Zezinha' filha do Xico Primo, acabaram por ser os meus padrinhos de casamento, melhor dizendo, da cerimónia religiosa ocorrida em 1998, já que o casamento civil ocorreu em 1972 quando ainda estava na Guiné.~
Referiste o 'banhinho' que te proporcionaram lá numa vivenda.... tudo certo, apenas que não era uma vivenda alugada pelo Nelson e amigos mas sim alojamentos proporcionados pelo Agrupamento de Transmissões a sargentos e furriéis. Se te conseguires lembrar e visionar era um conjunto de três edifícios separados, cada qual com três fogos. O fogo do meio, do edifício do meio, era onde funcionava a "Escuta", onde na ocasião o Nelson, eu e mais uns quantos desempenhávamos funções. Olhando da estrada de acesso ao conjunto para a frente desses edifícios, o fogo à direita da "Escuta" era onde, num dos três quartos que cada fogo possuía, eu e o Nelson tínhamos o nosso poiso. Portanto, na época, o quarto tinha dois ocupantes, eu e ele (e umas osgas, e baratas e mosquitos, e...).
Dos conhecidos do Nelson, aqui de Setúbal, para além é claro, também estive lá com um tal João, sobrinho do 'Isidro dos frangos' mas lembro-me de pouco. Ele também me falou de um tal Pedro 'qualquer coisa', também morador no Bairro da Conceição, salvo erro na Av. Jaime Cortesão, que vai dar lá abaixo ao Quebedo e que o pai dele era (ou foi depois) diretor da Alfândega. Para não falar do Vítor Raposeiro, que ele chamava de Vítor 'Caniços' e que era guitarrista num dos conjuntos que havia na época e que foram aos 'concursos yé-yé'. Sei que também foste colega do António Justo Tomaz, que também esteve na Guiné e que foi requisitado para a Câmara de Bissau e mais tarde Presidente do Vitória.
Do Nelson posso falar-te de mais coisas com amizade, respeito, consideração, pois tenho muitas histórias dele e/ou passadas com ele.
O problema é o Nelson atual e foi por isso que demorei mais tempo a responder. Vacilei em dar-te as notícias mas agora acho que as coisas são como são e há que falar francamente. O nosso amigo Nelson está com um problema de 'alzeimer', que se tem vindo a agravar progressivamente e agora está muito complicado. Quando falamos com ele, às vezes lembra-se, outras não, e o tipo de linguagem é quase só 'pois, pois, pois', 'o dinheiro, pois, pois, o dinheiro' (está a chamar dinheiro a tudo por lhe faltar o vocabulário).
Enfim, amigo, uma nota triste, mas achei preferível dar-te conhecimento.
Agora, um outro assunto. Com que então Gadamael... não podias ter tido melhor sorte... local arborizado, perto dum rio, com muito fogo de artifício, nada de monotonias.... quando hoje se conta um bocadinho dessas autênticas epopeias a malta nova não acredita e pensa que se está a exagerar. Enfim, espero que não tenham que passar por nada semelhante.
Relativamente ao resto.... pois, sendo uma coisa que não te é agradável, não falo disso. Apenas gostava que desses então uma olhadela no tal Blogue "Luís Graça e Camaradas da Guiné" (ou então procura por "Tabanca Grande") e diz-me qualquer coisa. O meu interesse é que gostava de ter alguma intervenção tua em termos de recordação da tua participação na Guiné (em geral, ou no PIFAS em particular, se possível). Isso pode ser entrando diretamente em comunicação para o Editor de acordo com os endereços lá disponibilizados ou então para mim que posso veicular, já que sou um "colaborador permanente".
Já agora, que estou numa de escrever... talvez pudesse ser para ti uma proposta de trabalho ires repescar o que fazem (individualmente ou ainda como grupo) as várias 'bandas' ou conjuntos desses tempos dos concursos no Monumental...
Um forte abraço.
Hélder Sousa
Meu amigo Armando
Aqui te envio um texto (um 'post') saído na passado sábado no Blogue de que te já falei, "Luís Graça e Camaradas da Guiné". (trata-se do “post” 15449).
É a propósito da tua intervenção no programa das músicas do tempo da guerra, do Marinho.
Vê se gostas.
Acho que está bem...
Abraço
Hélder Sousa
Olá Hélder,
É sempre bom recordar momentos marcantes da nossa vida. E como a Guiné nos marcou a todos…
Obrigado pelo que escreveste sobre o que tem sido o meu percurso profissional.
Um abraço forte do
Armando Carvalhêda
Antena 1
Depois disto não houve mais troca de mails.
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
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Notas do editor:
[1] - Vd. post de 5 DE DEZEMBRO DE 2015 > Guiné 63/74 - P15449: O PIFAS de saudosa memória (19): O Armando Carvalhêda no programa "Canções da Guerra", do Luís Marinho, na Antena Um: "O PIFAS, o Programa das Forças Armadas, era mais liberal do que a Emissora Nacional"...:
1. O Armando Carvalhêda é outro dos grandes senhores da rádio (*) que passou pelo Programa das Forças Armadas, o popular PIFAS, entre abril de 1972 e setembro de 1973, conforme ele recorda em conversa com o Luís Marinho, no programa da Antena Um, Canções da Guerra. O seu depoimento pode ser aqui ouvido, em ficheiro áudio de 4' 55''.
Segundo o Armando Carvalhêda, o PIFAS, transmitido pela Emissora Oficial da Guiné, era "mais liberal" do que a estação oficial, transmitindo canções de "autores malditos", como José Mário Branco, Sérgio Godinho ou Zeca Afonso, que não faziam parte da "playlist" (como se diz agora) da Emissora Nacional, em Lisboa.
Eram os próprios radialistas, os locutores de serviço, jovens a cumprir o serviço militar e coaptados para a Rep Apsico, para o Serviço de Radiodifusão e Imprensa, que faziam "a pior das censuras", que era a autocensura...
O Armando dá um exemplo, com o LP do José Mário Branco, "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" (que tinha sido editado em Paris, em 1971)... Havia um consenso tácito sobre algumas músicas que não deviam passar no PIFAS. Neste LP, era, por exemplo, o "Casa comigo, Marta!"...
Último post da série de 5 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25718: In Memoriam (505): A. Marques Lopes, cor inf ref, DFA (1944-2024), um histórico do nosso blogue: despedida amanhã, às 11h45, no Tanatório de Matosinhos; e Elisabete Vicente Silva (1945 - 2024), viúva do nosso camarada, dr. Francisco Silva (1948 - 2023): o funeral é hoje, na igreja de Porto Salvo, Oeiras, às 16h00
Guiné 61/74 - P25733: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (3): "A morte da professora de Samba Culo ainda me pesa na consciência"...
"Um vaso de flores" (Imagem: Página do Facebook do A. Marques Lopes, 19 de abril de 2023):
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Geba > CART 1690 (1967/69) > O A. Marques Lopes em 1967, com duas bajudas da localidade .
Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2023). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foi um duelo de morte, coisa que era raro acontecer naquela guerra de guerrilha e contraguerrilha: os combatentes de um lado e do outro não tinham muitas ocasiões para se olharem olhos nos olhos. Como nos filmes do Faroeste, o alferes foi mais rápido a puxar pelo gatilho. Fora treinado para matar. Mas só queria não morrer. A morte da professora marcou-o, para o resto da vida (*).
Trinta anos depois, em 2008, o A. Marques Lopes (já como cor inf ref, DFA) voltou lá, a Samba Culo, na margem esquerda do Rio Canjambari, no antigo regulado de Banjara, para fazer contas com os fantasmas do passado. (**)
Escrevi isto no meu livro “Cabra-cega”. Os nomes são fictícios, não os reais dos intervenientes. Mas há um que denuncio: o Aiveca é o alferes Lopes, (...)
A. Marques Lopes (1944-2024). Foto de LG (2015) |
de Samba Culo ainda me pesa na consciência
Pararam finalmente. O PCV, que volteara por ali desde o início e desaparecera algumas vezes, andava agora no ar novamente. O Lindolfo é que sabia, porque estava em contacto, mas Aiveca supunha que, quando desaparecia, era para se ir reabastecer.
− É, pá, o Lindolfo diz que ficamos aqui um bocado a descansar. Só arrancamos quando o PCV ordenar. Agora é o gajo lá de cima que manda.
− Lá em cima não se deve estar mal - comentou Aiveca.
Soergueu-se massajando as costas com a mão direita.
− E, olha − continuou o Rodrigo − quando estivermos em cima da base, o Lindolfo diz para te avisar que vamos avançar em linha. Tu pela direita e nós pela esquerda.
− Ok, chefe.
Bateu-lhe a pala, gozão, e esticou-se novamente. O Rodrigo não lhe ligou mais e foi-se embora.
Foi pouco descanso. Muito pouco tempo depois de o Rodrigo se ter afastado e de o PCV ter passado por cima uma vez, mas bastante por alto, depreendeu que não queria denunciar a presença da tropa ali. Notou, depois, que os soldados da companhia se estavam todos a levantar com as G3 na mão.
− Andor, pessoal! − disse para os seus.
Meteram pela mata atrás dos outros. Após vinte minutos tiveram de parar, os da frente tinham feito o mesmo. Já deviam ter andado um quilómetro mas parecia-lhe que ainda havia muita mata pela frente. Estava a criticar mentalmente o Guilhermino por também não saber calcular as distâncias quando vieram de longe, mas não muito, os sons de numerosa fuzilaria e rebentamentos.
− É o capitão Guilhermino que está a levar − disse para o Belmiro, que estava com ele à cabeça.
Os da companhia retomaram a marcha, mas de forma mais acelerada. Deu indicação para fazerem o mesmo. Dez minutos andados e as árvores foram substituídas por arbustos, não muito altos mas que os tapavam. Os da companhia estavam parados e em linha. Eram três e meia da tarde. Fizeram igual. Os furriéis e o Belmiro estavam ao pé dele quando o Rodrigo lhe viera dar o recado, tinham ouvido as indicações. Começaram a andar. As G3, que tinham andado descansadas a tiracolo ou aos ombros como enxadas, iam agora nas mãos com ar ameaçador de sanha assassina.
Levantou a mão esquerda ao alto para ninguém disparar.
− Tá quieta! Firma lá! − gritou-lhe.
Mas ela não. Com a arma já empunhada meteu o dedo no gatilho. Disparou instintivamente. Ela caiu para trás e as balas da kalash furaram o capim do tecto.
− Meu alferes, se não tivesse disparado, ela matava-o − acabou por dizer o sargento Belmiro.
Os outros apoiaram-no. Acalmou um bocado. Reparou melhor no quadro à sua frente. Era de madeira pintada de preto e tinha desenhado a giz branco um vaso com uma flor, tudo muito naïf. Por baixo dele tinha escrito, também a giz branco, um vaso de flores. À sua frente, do sítio onde tinha disparado, estavam quatro carteiras escolares de madeira, muito rústicas e com bancos também de madeira perto de cada uma delas. Virou-se e viu que havia mais duas fileiras atrás também com quatro carteiras cada. Reparou, depois, que o seu guarda-costas, ao pé do quadro, folheava um livro.
− Deixa-me ver isso, Carmelita.
− Estão ali uma data deles por trás do quadro, meu alferes.
Tinha uma capa vermelha. Na metade superior e em letras grandes brancas dizia: "O Nosso Primeiro Livro de Leitura". Na outra metade tinha a reprodução a cores da fotografia de um grande ajuntamento com um cartaz: O PAIGC Vencerá. Folheou-o também. Eram as várias letras e ditongos do alfabeto com vários exemplos de palavras portuguesas. Havia também alguns textos sobre a luta deles.
− Meu alferes, venha ver o que está aqui.
Era o Martins ajoelhado a um canto ao pé de uma mala aberta.
− Carmelita, guarda-me este livro no bolso das calças.
Foi ver o que tinha o Martins. Ficou pasmado assim que olhou. Era um casulo para a missa. Ajoelhou-se também e pôs-se a remexer no que estava na mala, cada vez mais pasmado. Estava lá tudo o que bem conhecia da liturgia da missa: o casulo, a estola, a alva e o cíngulo para a apertar. Aiveca estava completamente atónito. (...)
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)
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(*) Vd. poste de 9 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24130: Prova de vida (7): A. Marques Lopes (ex-alf mil, CART 1690, Geba, e CCÇ 3, Barro, 1967/68), o hoje cor inf ref, DFA, que não esquece o duelo de morte com a professora de Samba Culo, em 7 de julho de 1967
(***) Postes anteriores da série >
6 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25720: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (1): O meu cruzeiro no N/M "Ana Mafalda": ficámos contentes por saber que era só até à Guiné, e não até Timor...
quarta-feira, 10 de julho de 2024
Guiné 61/74 - P25732: Historiografia da presença portuguesa em África (431): João Vicente Sant’Ana Barreto, e o estado da Saúde na Guiné, vai para um século (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Foi uma surpresa, numa memória destinada a uma exposição internacional, o oficial médico João Barreto, autor da única História da Guiné na área da Saúde, redige um curto ensaio sobre a climatologia e nosografia (classificação das doenças) na Província da Guiné, num impressionante desacordo do que redigiu, por exemplo, no seu relatório apresentado em 1927 à direção dos Serviços de Saúde e Higiene, houvera uma missão para averiguar se a doença do sono existia ou não entre as populações indígenas da colónia, e ao mesmo tempo proceder a inquéritos sobre outras doenças, tendo concluído que na circunscrição de Buba a doença do sono existia de uma forma endémica, a extensão da tripanossomíase era enorme, havia casos de lepra em Bolama, como de elefantíases, ora o que o leitor tem pela frente nesta memória é uma imagem tranquilizadora e de uma quase inexistência de doenças, estamos a falar do mesmo médico no referido relatório apresentado em 1927, propõe a criação de uma brigada médica com caráter permanente, de forma indispensável a erradicar a tripanossomíase. Fica-se com a ideia que o Dr. João Barreto, por iniciativa própria ou a pedido, resolveu uma imagem altamente positiva da profilaxia, do sistema de vacinação e do bom funcionamento dos serviços. Felizmente que está escrito o contraditório...
Um abraço do
Mário
João Vicente Sant’Ana Barreto, e o estado da Saúde na Guiné, vai para um século
Mário Beja Santos
No mesmo ano em que Armando Augusto Gonçalves de Moraes e Castro publica o anuário da Guiné de 1925, é dado à estampa uma memória da sua responsabilidade destinada à Exposição Colonial Interaliada de Paris. É no âmbito dessa publicação que aparece um texto da responsabilidade de João Vicente Santana Barreto, oficial médico, diretor do Laboratório de Análises do hospital civil e militar de Bolama. A sua intervenção intitula-se Climatologia e Nosografia. Começa por referir que a província apresenta os característicos dos climas tropicais, a média da temperatura atmosférica, à sombra, em mês algum é inferior a 20º C; não há altitudes ou ocidentes geográficos notáveis; do ponto de vista térmico podem distinguir-se na Guiné uma zona marítima, compreendendo o arquipélago dos Bijagós, a qual se faz sentir a ação moderada do oceano, e uma zona continental em que a média de temperaturas máximas é mais elevada, assim como a diferença entre estas e as mínimas. Dá conta do funcionamento do observatório meteorológico de Bolama, dirigido por um oficial da Marinha, o resumo das observações é publicado no mapa mensal no Boletim Oficial da Colónia; alude seguidamente às duas épocas bem distintas (seca e chuvas), tece observações sobre a temperatura atmosférica e as chuvas, é com base nestes elementos que elencas as seguintes considerações:
“Podemos concluir que esta Província não tem condições muito favoráveis para aclimatação e fixação definitiva do elemento europeu, mas nada há que obste a sua permanência mais ou menos prolongada nesta colónia, quer como funcionário quer como colono, sobretudo depois dos melhoramentos sanitários introduzidos nos últimos anos e com uma compreensão mais nítida dos deveres da profilaxia individual.
Verifica-se que não existe na Guiné muitas das endemias que em geral se encontram nas regiões tropicais. Os principais factores que se opõem à fácil aclimatação do europeu nesta colónia são o elevado grau de temperatura e humidade atmosférica e o paludismo endémico.
É evidente que um individuo da raça branca adaptado ao clima temperado ou frio e transportado para um meio em que raras vezes o termómetro chega a 22º C, não pode deixar de manifestar sinais de anemia e debilidade nervosa, que se traduzem por uma rápida diminuição da atividade funcional e das faculdades de trabalho.
É o paludismo a doença que mais de perto interessa o imigrante europeu. Felizmente a luta contra esta endemia é relativamente fácil na Guiné, porque a grande parte da sua população, que é indígena, conserva-se totalmente indemne às febres palustres. A malária domina entre os imigrantes estranhos à colónia, os europeus, os cabo-verdianos e em especial entre as crianças mestiças. São essas crianças o principal reservatório do hematozoário que nelas se desenvolve admiravelmente, favorecido pela ausência da higiene e profilaxia antipalustre e ainda pela falta de tratamento convenientemente dirigido. Sob o ponto de vista restrito da malária, as crianças mulatas são o reservatório permanente do parasita que o Anófeles vai buscar para o inocular nos imigrantes.” E refere as medidas especiais para combater a endemia palustre, enunciado os diplomas.
E repertoria as principais doenças existentes na Guiné: varíola - não é endémica, só aparece sob a forma de pequenas epidemias localizadas a uma ou mais tabancas (o indígena aceita a vacinação preventiva sem relutância); peste - não é nem nunca foi endémica, em 1921 esta doença foi importada do Senegal e localizou-se na vila de Cacheu, a partir dessa data até hoje não se encontraram quaisquer indícios da doença, quer no homem quer nos animais; cólera - não consta ter havidos casos dessa doença; febre amarela - o vómito negro não é nem foi endémico nesta província; lepra – existem algumas dezenas de indígenas portadores da doença; elefantíase - encontram-se exemplos notáveis de portadores dessa enfermidade entre os Manjacos da Costa de Baixo e regiões vizinhas, fora das quais é mais raro encontrarem-se casos em número apreciável; tripanossomíase - não consta ter-se verificado a existência da doença do sono, quer pela observação clínica, quer pelos exames laboratoriais; parasitas intestinais - além das vulgares lombrigas, encontram-se amibas disentéricas; febres tifoides e paratifoides - nas estatísticas nosológicas da Guiné encontram-se um ou dois casos de febres tifoides, mas é fácil verificar que se trata de doentes importados, casos autóctones de febres paratifoides só se registaram três, em 1921, na vila de Cacheu.
“De tudo isto é lícito concluir que a malignidade do clima da Guiné é uma lenda que tende a desfazer-se com o conhecimento mais exato da verdadeira situação da colónia.”
Nota do editor
Último post da série de 3 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25711: Historiografia da presença portuguesa em África (430): João Vicente Sant’Ana Barreto, médico em Bolama (2) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P25731: Timor-Leste, passado e presente (11): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte III: A vida de um médico de saúde pública, Dili, 1941 d
Fotos do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagens do domínio público, de acordo com a Wikimedia Commons. Editadas por blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)
1. Estamos a publicar notas de leitura e excertos do livro do médico de saúde pública José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (*), disponível em formato digital no Internet Archive.
Em meia dúzia de páginas (15-24), o autor conta-nos como era o quotidiano, rotineiro, de um médico no mais longínquo território ultramarino, administrado por Portugal. (Em princípio, o dr. José dos Santos Carvalho deveria ter o curso de medicina tropical e o curso de medicina preventiva / saúde pública, tirados respetivamente no Instituto Superior de Higiene e Medicima Tropical e no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.)
- o chefe da repartição de saúde, dr. Alves de Moura;
- o dr. Correia Teles e sua esposa, a dra. Elvira;
- o dr. Arriarte Pedroso;
- o dr. Francisco Rodrigues.
(ii) O atraso, o isolamento e o subdesenvolvimento de Timor eram de tal ordem que só havia, em Dili, a capital, um único "hotelzinho":
único que então havia em Díli, muito modesto mas asseado e
relativamente confortável.
(iii) Seguem-se no dia seguinte os cumprimentos da praxe às autoridades, e logo ali passa a admirar, incondicionalmente, a figura do governador Manuel de Abreu Ferreira de Carvalho (Porto, 1893 - Lisboa, 1968), oficial de infantaria e administrador colonial, que teve de lidar com a terrível situação da invasão e ocupação de Timor por forças estrangeiras(e que no regresso à Metrópole, em finais de 1945, foi "metido na prateleira").
Figura desempenada de militar de carreira impecavelmente
fardado de branco, profundamente me impressionou o seu porte de natural distinção, aliado à evidente amabilidade e compreensão com que acolheu o médico novato no meio colonial, convidando-o a ir jantar à sua residência, num dos dias seguintes.
(vi) Para a passagem de ano o nosso médico foi convidado para os dois únicos clubes que existiam, e que tinham de chamar-se, tal como na Guiné desse tempo, Sporting, um, e Benfica, o outro. A escassa elite colonial esteve lá, nestas festas de passagem de ano.
Estiveram presentes às festas as pessoas mais gradas da terra, todas acompanhadas da sua família:
- o Governador,
- o dr. juiz de direito [José Nepomuceno Afonso dos Santos, pai do Zeca Afonso],
- o dr. delegado do procurador da república,
- o engenheiro José de Azevedo Noura (sic), diretor das obras públicas, o diretor das alfândegas Monteiro do Amaral,
- o diretor dos correios Fortunato Mourão,
- o dr. Tarroso Gomes,
- o dr. Cal Brandão,
- o senhor Jaime de Carvalho, etc, etc.
Passados cerca de dois quilómetros após Díli, começámos
a subir, já na encosta da montanha e logo encontrámos o lugar
de Lahane onde estavam instaladas a missão (um pouco fora
da povoação) e a missão geográfica e tinham a sua residência
o chefe do gabinete do governador, o dr. Juiz, o dr. Francisco
Rodrigues, o director dos correios e outros funcionários.
(viii) Descreve-nos depois o modesto hospital colonial Dr. Carvalho, situado a escassas centenas de metros do "palácio do governador", e que será severamente danificado pelos bombardeamentos japoneses, um ano depois:
(...) Um vasto e bem delineado pavilhão, solidamente construído
de pedra e cal, era o núcleo das várias edificações que o com-
punham. Nele estavam instaladas enfermarias para homens,
quartos de 1ª e 2ª classe, as salas de operações e de tratamentos, a secretaria, etc.
Próximo do pavilhão principal encontrava-se a casa mortuária, sólida construção em cimento armado.
mortuária, existiam um grande pavilhão de madeira e zinco,
utilizado como enfermaria de mulheres e maternidade e outro pavilhão semelhante destinado a doentes indigentes.
Cerca de cem metros mais além, estava a residência do chefe de repartição de saúde e director do hospital.
Colocado em plano mais baixo que o do pavilhão principal
havia um grande edifício de pedra e cal em construção próxima da conclusão (pois já tinha a cobertura e várias portas e janelas), que se destinava a pavilhão de doenças infecciosas. (...)
(...) Nesta minha primeira visita aos serviços de saúde fiquei
a saber que a preparação e distribuição de medicamentos para
o hospital e para as enfermarias e ambulâncias das delegacias
competiam à farmácia do estado situada em Díli no mesmo edifício em que funcionava o posto médico, sendo assim designado um posto de consultas e tratamentos para servir a população da cidade em regime ambulatório, dirigido por um dos médicos do Estado que, por isso, recebia a gratificação mensal de cinquenta patacas. (...)
(...) No dia seguinte a este meu primeiro contacto com o serviço público fui jantar à residência do governador, conforme o seu referido convite, sendo recebido com extremos de gentileza e distinção pelo Governador, sua esposa, senhora D. Cora e suas três filhas, alunas do liceu de Díli.
Participou também da refeição, com a sua família, o tenente Francisco José Alves que era cunhado e secretário do governador, e em cuja residência também vivia. Outro convidado foi o chefe de posto Torresão, primo da esposa do governador e meu companheiro de viagem.
(...) Durante este jantar surgiu a organização do grupo de jovens que nas tardes das quarta-feiras e sábados, se divertia, jogando ténis, dando passeios a cavalo, jogando o bridge ou, frequentemente, jogando o deck-tennis no pátio da Missão Geográfica onde o coronel Castilho e o engenheiro Canto nos recebiam com toda a benevolência e aprazimento, participando, este último, de muitas das nossas diversões.
Aos domingos, de manhã, após a missa, o ponto de encontro era na praia de Díli onde se passavm agradabilíssimas horas de salutar exercício e distração.
à noite, depois do jantar, havia sempre reunião no Sporting
ou no Benfica, conversando-se ou jogando-se o bridge, pingue-pongue, xadrez, etc, mas sem prolongar o serão pois todos começavam o trabalho de manhã, muito cedo.
(xii) Um dia típico de trabalho do dr. José dos Santos Carvalho, autoridade de saúde com funções também de médico-veterinário:
(...) Pelas oito horas da manhã vinha o árabe Abdula buscar-me ao hotel com o táxi de que era chauffeur. Seguíamos para o matadouro municipal, situado em Motael, próximo do farol de Díli, onde eu fazia a inspecção sanitária da carne dos animais abatidos para consumo público, pois Timor não dispunha de médico-veterinário.
Inspeccionada a carne, seguíamos pela estrada que contornava a planura de Díli, para o hospital onde, agora, eu tinha doentes de duas enfermarias a tratar. O meu trabalho ficava concluído cerca de meio-dia e o mesmo táxi me trazia de volta ao hotel.
(xiii) Como era normal nas colónias, os hospitais eram, para os jovens médicos, uma verdadeira escola pelos casos de doenças, tropicais, infecto-contagiosas com que tinham de lidar, em geral pela primeira vez (boubas, paludismo, beribéri, sarna, disenteria...):
Felizmente que em Timor esta doença já era, então, facilmente tratada, pois o farmacêutico Oliveira tinha estudado e posto em prática técnicas simplicíssimas de preparar uma suspensão de salicilato de bismuto em óleo de amendoim, a 10%, que se esterilizava pela fervura e que se guardava em garrafas vulgares, também esterilizadas pela fervura.
Grande surpresa para mim foi o aspecto que nesta terra apresenta a sarna que, quando não tratada, alastra de uma aneira incrível, complicada com lesões impetiginosas que devoram a pele dos doentes e muitas vezes os matam devido a septicémias !
Vulgaríssimos em Timor eram o paludismo, frequentemente de forma perniciosa, e a disenteria bacilar, quase sempre ocasionada pela utilização de fruta não madura, sobretudo mangas verdes, de que os timorenses são muito gulosos.
(xiv) Era uma "pasmaceira", a vida de um médico em Timor em 1941, trabalhando-se em geral apenas de manhã, que o clima (tropical) era violento para um europeu.
hospital quando, por urgência, era avisado telefonicamente
para aí me apresentar para colaborar em operações cirúrgicas
ou tratar casos urgentes ou quando havia nas enfermarias doentes graves que necessitavam assistência muito frequente.
Destinadas, quase todas a estabelecimento comercial e à habitação dos proprietários eram, em regra, pertença de chineses, havendo, somente, um negociante indiano, o muito conhecido Wadoomahl. Duas casas comerciais se destacavam, de longe, em Díli. A da Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho e a da família chinesa Mie-Hap.
No melhor edifício particular da cidade, construído de cimento armado e colocado em situação esplêndida na avenida marginal da baía de Díli, vivia o alemão sr. Max Sander, representante duma companhia, a Ásia Investment Company que se havia estabelecido na ilha com o fim de explorar minérios, mas que nunca chegara a desenvolver essa actividade, apesar de ter praticado extenso trabalho de prospecção e instalado um completo laboratório químico.
Na avenida marginal eneontravam-se os principais edifícios
da cidade (o palácio do governo, o liceu Vieira Machado, a casa da alfândega, o colégio das irmãs canossianas, a escola chinesa, a sede da Ásia Investment Company, etc.) e um lindo jardim dentro do qual estavam, situados dois cortes de ténis de piso em betão para poderem ser utilizados na época das chuvas.
(xvi) O autor dá-nos conta também da sua visita à missão geográfica de Timor, instalada em Lahane, e onde viviam "os então já meus amigos, coronel Castilho e engenheiro Canto".
(...) Outra minha visita foi à missão de Lahane onde o reverendo vigário-geral, padre Jaime Goulart me recebeu com extremos de cortesia e fidalga amabilidade.
A missão central de Timor estava instalada num edifício de madeira e zinco, com primeiro andar, bastante amplo e confortável, dispondo de capela privativa. Em conversa com o padre Jaime fiquei a saber que os sacerdotes de Timor eram formados no seminário de Macau, sendo oriundos do norte da metrópole, dos Açores, da Índia Portuguesa e de Timor.
(xviii) Vamos agora conhecer o interior da ilha, pela mão do dr. José dos Santos Carvalho:
(...) Assim, logo de início me resolvi a deslocar-me às ambulâncias da área a meu cargo para tomar contacto e conhecimento objectivo dos respectivos serviços.
A primeira visita que fiz foi de automóvel, ladeando a maravilhosa baía de Tíbar e alcançando Liquiçá, Maubara e Bazar-Tete onde fui acolhido pelos respectivos chefes de posto e enfermeiros.
Poucos dias passados desloquei-me à circunscrição de Aileu, sendo a viagem feita quase toda a cavalo pois o automóvel só podia levar-me até à ribeira de Cômoro, ainda bastante longe da sede da circunscrição.
(...) Chegados à Cômoro, aí encontrámos os cavalos que, emprestados pelo liurai da região, foram aparelhados com os arreios, isto é, selim com estribos, freio e rédeas, que levávamos no carro, pois os timorenses montam em pelo, guiando o cavalo com uma corda que lhe passa na boca.
Recebidos fidalgamente em Aileu pelo administrador Virgílio Castilho Duarte, natural de Cabo Verde, passámos um dia e uma noite na sua residência que, tal como a de outras autoridades de Timor, era cercada por muros ameados, sendo designada, nesta terra, como a «tranqueira».
(...) Em Aileu, visitei a enfermaria regional e o presídio que, como a "tranqueira", dispunha de um pátio rodeado de muros. Os condenados reunidos neste estabelecimento prisional, eram oriundos, não só de Timor como de outras terras portuguesas, donde tinham vindo cumprir as suas penas de degredo. A maior parte dos condenados era de macaenses ou chineses de Macau.
A etapa seguinte foi até Maubisse onde pernoitámos em casa do chefe de posto sr. Ademar Rodrigues dos Santos, prote-gidos do frio que nestas regiões de altitude se faz nitidamente sentir, por espessos cobertores de lã.
No dia imediato cavalgámos em longa jornada até Same onde ficámos instalados na residência do chefe de posto sr. Francisco Mouzinho.
píncaro não longe de Díli, que só era acessível a pé ou a cavalo,
tendo passado e visitado o colégio de Dare onde as irmãs canosianas instruíam e educavam muitas dezenas de meninas.
Utilizando a ambulância do hospital Dr. Carvalho, fui, um outro dia, visitar a enfermaria do Remexio tendo ocasião de aí conhecer o respeitável liurai coronel D. Moisés, majestosa e nobre figura de timorense, com veneráveis cabelo e barba encanecidos.
(...) Aproveitei, então, o amável convite do dr. Arriarte Pedroso
para, no seu automóvel e em sua companhia visitar as povoações da Ermera e Hátu-Lia, terras de altitude razoável, de temperatura agradabilíssima, onde reina a «Primavera eterna» de Teófilo Duarte e a paisagem é paradisíaca.
Pomos recebidos pelo chefe do posto de Macadade, sr. Napoleão, sargento de infantaria, e tivemos ocasião de observar s curiosíssimos costumes primitivos desse povo de simpáticos e acolhedores pescadores submarinos.
(...) Num dado dia, o capitão dos portos de Timor, comandante César Gomes Barbosa, natural de Cabo Verde, telefonou-me a participar-me que estava a chegar ao cais um naviozinho que já tinha arvorado a bandeira amarela a pedir a necessária visita sanitária.
Dirigi-me, imediatamente, para o local designado onde aportara um elegantíssimo veleiro em cujo convés se via um único tripulante, em calções e de tronco nu.
Por esses tempos eram muito conhecidas, pelos jornas, as viagens do navegador solitário Alain Gerbault [1893-1941], francês que num iate, o Firecrest, se havia celebrizado por ter atravessado, sem escala e sozinho, o Atlântico, desde a França a Nova Iorque e, depois, vagueava solitário pelos mares do mundo.
Por isso, quando subi ao convés do barco, dirigi-me ao comandante e único tripulante, dizendo-lhe, em francês: "O senhor é um novo Alain Gerbault!"
(xxiii) Mas já havia petróleo, japoneses e até alemães na ilha:
deu uma festa no Sporting, para a qual convidou as personalidades de maior projecção no meio social da cidade.
(...) Na festa do consulado japonês encontrei, também, o australiano, velho colono de Timor Arthur Brian e os dois técnicos da QANTAS, srs. David Ross e Robert Smith que já conhecia das partidas de ténis e que, também, eram com toda a evidência, militares disfarçados.
(...) Há muito tempo que em Timor tinha sido encontrado petróleo. Uma companhia estrangeira, a Allied Mining Timor Corporation havia feito furos de prospecção que mandara obturar assim que encontravam petróleo, explicando essa determinação pela não existência de depósitos economicamente exploráveis !
Num dado dia chegou a Díli o engenheiro Veiga Lima, nrepresentante duma companhia portuguesa recém-formada, a Companhia Ultramarina de Petróleos, afirmando que os trabalhos necessários iriam imediatamente começar. A verdade é que, logo a seguir, ela apareceu associada a uma nova companhia, holandesa, regressando o referido engenheiro a Portugal e sendo substituído pelo engenheiro-geólogo Brower, de nacionalidade holandesa, que com ele tinha vindo para Timor.
Teve este último engenheiro todas as facilidades para fazer os estudos topográficos necessários para a investigação da existência de petróleo em Timor, pois a carta da colónia feita por fotogrametria interessava, também, para complemento daquela que a Missão Geográfica estava a ultimar.
Assim, foi o piloto holandês do avião da carreira para Koepang que tirou as fotografias sucessivas que, vistas através duma lente binocular davam a sensação do relevo duma maneira flagrante e pude apreciar na Missão Geográfica onde eram revelados os filmes e depositadas todas as provas, conforme o exigido pelo governo de Timor.
Por esse tempo, os japoneses conseguiram autorização[de Lisboa, não do governador local], para estabelecerem uma carreira de hidroaviões entre Tóquio e Díli, com escala pela ilha de Palau, que não tinha qualquer justificação económica razoável, pois não havia comércio com o Japão e de Palau a Díli os grandes hidroaviões da carreira demoraram, em voos experimentais, nove horas!
(...) Já perto do meado do ano, chegou a Díli o novo director da administração civil, intendente dr. João Ferreira Taborda (...). No mesmo barco vieram para Timor o comandante da companhia de caçadores, capitão Freire da Costa e o administrador António Policarpo de Sousa Santos, funcionário do quadro privativo da colónia, que foi colocado em Bobonaro (...).
Notaa do editor:
Restaurado após a guerra, forma feitas vários melhoramentos. Contígua ao edifício principal foi construída uma maternidade e criados um bloco operatório, uma enfermaria pediátrica e um laboratório clínico.