A. Marques Lopes (1)
Caros camaradas
Tenho lido o terçar de razões sobre se a guerra na Guiné estava perdida ou se podia ser ganha.
Não entro nessa polémica. Mas fui espevitado pelo Vítor Junqueira, homem de concretos, e pelo Jorge Belo, habitante nórdico de raciocínio frio, e deu-me, só por razões de curiosidade pessoal, para fazer umas pesquisas, ler uns livros, consultar quem tem escrito sobre a Guiné.
Vou pensando em voz alta, faço comentários para mim mesmo. Coisas da velhice... já falo sozinho. Este livro do António Graça Abreu, "Diário da Guiné – Lama, Sangue e Água Pura", é um livro notável que já tinha lido, mas que tornei a ler agora com mais calma.
Acho que o René Pélissier tem razão quando diz dele:
"Um assunto verdadeiramente angustiante é tratado num excelente livro do género 'memórias de uma derrota anunciada'. Este Diário da Guiné é a via-sacra, a derrota lúcida e frouxa de um exército desmoralizado e ultrapassado. O autor, alferes de Junho de 1972 a 17 de Abril de 1974, redigiu a sua obra a partir do seu diário pessoal e dos aerogramas que enviou à família.
"Teixeira Pinto, Mansoa, Cufar (no Sudeste) foram as etapas desta derrocada, à qual assiste sem, no entanto, participar nas operações, pois pertencia à sacrossanta Administração Militar. Graça de Abreu observa a política contestada de Spínola e permanece duvidoso quanto às pretensões do PAIGC em dominar todo o território, mas cedo se apercebe de que, pelo menos entre os manjacos, décadas de exploração colonial não podem ser apagadas por tardias reformas materiais. Apesar da calma na zona de Teixeira Pinto, as emboscadas na estrada de Bissau intensificam-se. A partir de Fevereiro de 1973, quando chega a chão Balanta, os guerrilheiros encontram-se a 4 ou 5 quilómetros. Os guerrilheiros e o exército português bombardeiam-se à distância, mas acotovelam-se no cinema local. Em Março são abatidos os primeiros aviões por mísseis e as operações terrestres portuguesas diminuem, pois os helicópteros já não descolam com frequência para evacuar os feridos. O PAIGC reforça o seu armamento e multiplica as suas picadas de vespa. Em Junho uma parte do batalhão do autor é transferida para Cufar (nas rias do Sul), reconquistado por Spínola. À medida que a data da desmobilização se aproxima, a indisciplina dos soldados aumenta. No final de 1973, Cufar e todas as guarnições em redor são bombardeados pelos 122, 'órgãos de Estaline' do PAIGC. As tropas sabem que vão para a morte na ofensiva contra o Cantanhez e as minas que os esperam. Os 'sábios' de uniforme escrevem poemas que Camões não teria imaginado, mas todos mergulham no álcool para adormecerem os seus medos. O estado-maior e os serviços de saúde pública terão elaborado, posteriormente, estatísticas sobre a dependência alcoólica dos antigos combatentes portugueses? A água pura era rara na Guiné no início de 1974. Sabemos a que é que tudo isto conduziu o exército e o Estado Novo."
Li isto há dias num texto seu intitulado "Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos", e publicado nas páginas 1107 e 1108 da revista Análise Social, vol. XLII (185), 2007).
Acho curioso que ele tenha visto os filmes "O Milagre dos Lobos", com Jean Marais, e "Mr. Solo" no cinema de Canchungo e, no Clube de Oficiais em Bissau, as "Duas Raparigas da Cortina de Ferro".
Bem, acho curioso porque eu também vi esses filmes. Quando já estava no "puto", claro. Eu era para esquecer a guerra e ele era para desopilar, certamente, e, como ele diz, era óptimo desopilador "o bem-bom das mordomias do Clube de Oficiais". Ah, mas ganhei-lhe numa coisa! Ele escreveu "Ontem fui às putas", em Bissau, a 15 de Dezembro de 1973... mas eu, quando regressei da guerra, fui às putas ontem, anteontem, amanhã e depois de amanhã! Para me ressarcir de todo o tempo em que nunca "lá fui" quando estive no mato.
...Deixa-te de brincadeiras. Ele teve conhecimento, em Mansoa e, sobretudo, em Cufar dos percalços da tropa, dos feridos, dos mortos, dos ataques e bombardeamentos, da loucura... sim, da loucura, quando escreve, em 13 de Agosto de 1973, que viu em Cufar o 1.º Cabo cripto que se embebedou e gritava que odiava a guerra e que matava todo o "rebanho de carneiros sem cornos" que não se rebelavam contra a humilhação da guerra. E também diz, a certa altura, que "custa muito ver tanta gente destruída, de ambos os lados."
O que me espanta é que, agora, a mais de trinta anos de distância, ele tenha as certezas que então não tinha.
"O Spínola retirou-se estrategicamente da guerra da Guiné. É fácil de entender porquê. Com o agravamento do conflito, não quis assumir derrotas. Foi a Lisboa, falou com o Marcello Caetano, pediu mais meios, mais tropa, mais aviões, e disseram-lhe que não havia, não era possível. O general pediu a exoneração e acho que fez bem. Para os guineenses acabou o 'mito Spínola'. O novo governador, General Bettencourt Rodrigues, parece ser um homem com um curriculum notável, mas que pode fazer na Guiné? Vai-se meter em grandes assados. Há muita descrença, cansaço, passividade a povoar o quotidiano da tropa portuguesa. E, de certeza, haverá mais feridos e mortos. De que aspectos se revestirá a fase final da guerra na Guiné? Ninguém sabe (negrito meu)”. (Cufar, 4 de Setembro de 1973).
Mas o António Graça de Abreu sabe, agora, que a guerra não estava militarmente perdida. É o que depreendo daquilo que tenho lido. Não sei, se calhar terá mais elementos do que tinha antes, repensou. Ou não se aplicará aqui que "As grandes revoluções vitoriosas, fazendo desaparecer as causas que as haviam originado, tornam-se desta forma incompreensíveis graças aos seus próprios êxitos", como disse Charles Alexis de Tocqueville?... Sei que isto se aplicará mais ao nosso 25 de Abril, mas acho que, embora mantendo algumas nuances, talvez possamos aplicá-la ao que se pensa agora sobre o desenlace da guerra.
Como vou agarrar a questão da evolução da guerra e o seu fim?... Não é fácil para quem, como eu, tem conhecimentos restritos de toda a situação da guerra passada na Guiné.
Estive na Guiné em 1967, 1968 e princípios de 1969, e andei sempre pelo mato, em operações, emboscadas, reconhecimentos, patrulhas, colunas de abastecimento, e outras que tais, à excepção de algum tempo em Bissau, e mesmo aí tive de ir montar uma emboscada perto do aeroporto... Além do tempo que estive no hospital, ferido.
Por um lado nunca tive conhecimento dos meandros e esquemas globais da guerra, apenas a prática na mata, por outro lado, mesmo no terreno, não tive a experiência, de certeza mais rica, que outros tiveram nos anos subsequentes até 1974.
É claro que tenho de me socorrer de alguma obras. Mas elas já são tantas, não é possível lê-las todas, e nem sequer as tenho todas...
Vou agarrar-me a uma que tenho mesmo aqui à mão: "Guerra Colonial", de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes (Editorial Notícias, 1972).
O Aniceto foi da Comissão Coordenadora do MFA em Moçambique e era Director do Arquivo Histórico Militar quando a obra foi escrita. É considerado um dos oficiais mais cultos do Exército; o Matos Gomes foi da Comissão Coordenadora do MFA na Guiné e foi um grande operacional e conhecedor dos meandros do Estado-Maior do Comando-Chefe do CTIG. Merecem-me toda a consideração e credibilidade.
E vou também à internet, onde me parece que o V. Briote e o Carlos Fortunato, nomeadamente, têm elementos de interesse nos seus Guiné, ir e voltar e Portalguine.
Os meus agradecimentos a todos eles. E fica claro que alguns dos meus pensamentos em voz alta são, ipsis verbis, o que eles escreveram, Porque é o que eu acho e, confesso, não tenho pachorra para glosar (ou embaralhar...) o que eles já escreveram.
A. Marques Lopes
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Notas de vb:
1. A. Marques Lopes, ex- Alf Mil Inf ( hoje Cor DFA, reformado), CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro
2. Adapatação do texto da responsabilidade de vb;
3. Artigo relacionado em:
9 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3042: A Guerra estava militarmente perdida? (24). Comentário do J. Mexia Alves.
2 comentários:
Meu Caro Marques Lopes
Costumo Pensar em Voz Alta mas, para este"peditório da guerra perdida...já dei": Ponto final. Mas, como me ensinaram a ler, vou lendo, esta troca de ideias. Podem ser intermináveis... contudo vão esclarecendo este "paisana" que um dia até passou pela guerra, coisa pouca. Agora estava a ler,a ler e a pensar...de repente acaba. Oh meu caro camarada agora gostava de ler mais...continua. Parece que abres outra frente ou reforças...bem espero pela "continuação". Abraços TORCATO M.
Meu caro Marques Lopes, fiz Cufar em 1965 e 1966 com o então Capitão Carlos da Costa Campos na C.CAÇ. 763. Nessa altura, com conhecimento de causa, a Guerra não estava perdida antes pelo contrário.
Como companheiro de brincadeiras de criança. Com o meu amigo Coron.Tirocinado Jorge Piçarra Mourão, muito falámos sobre a C.CART 1525 e Bissorã, a Guiné e a sua Guerra.
Com o Coronel Carlos da Costa Campos um dos elementos de Spínola e do COP3. com Guidage e outras ali por 1972/73/74, muito conversámos sobre a Giné e a Guerra.
O sr Pelissier a quem tive o prazer de oferecer a seu pedido os meus escritos, tenho conhecimento de ser um jornalista analista das "Guerras Coloniais".
Sobre os conhecimentos que tive, Uma guerra só se perde, quando um dos beligerantes aniquila o outro.Ou se dá a ocupação de facto do terreno e adesão da população, que no caso de trinta e tal étnias é complicado, não vão ficar umas "colonizadas" pelas outras, _Veja-se a História do Reino Mandinga desde o século XIII/XIV o empurrão dos Bijagós para o seu arquipélago, e o fraco desenvolvimento da Guerra em chão Felupe. O chão Manjaco? Analise-se bem sobre a sua existência. Cada um que tome a sua análise não alinho na Guerra militarmente perdida, pois a questão era e foi totalmente Politica. As terras da Guiné foram entregues ao PAIGC por decisão Politica ou Não? Foi-me pedido para utilizar este espaço dos comentários para facilidade do blogue, espero que o comentário acompanhe o teu poste.
Com diferentes pontos de vista, mas sempre com aquela amizade e vontade de ver aquela linda terra progredir.
Aquele abraço do tamanho do Cumbijã.
Mário Fitas
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