sábado, 6 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5775: Efemérides (44): O desastre de Cheche, 41 anos depois(José Martins)

1. Mensagem de José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 4 de Fevereiro de 2010:

Caríssimos
Junto texto, sujeiro às fixações que acharem oportunas.

Um abraço
José Martins




O Che-Che ainda está presente!

6 de Fevereiro de 1969 / 6 de Fevereiro de 2010

41 anos depois


O Luís Graça, em telefonema de hoje, lançou-me o repto. Voltar a escrever sobre o desastre do Che-Che que, ainda que lateralmente, vivi intensamente!

De imediato pensei, não escrever, mas procurar no blogue referências ao acontecido.

Encontrei, creio, a minha primeira participação no blogue. O tema era o Desastre do Che-Che, e das baixas que causou.

24 Outubro 2005 > Guiné 63/64 - CCLVII: A contabilidade dos mortos na operação de retirada de Madina do Boé

Caro Luis Graça:

Ví no blogue-fora-nada o texto sobre a retirada de Madina do Boé (1). Na realidade morreram nesse desastre quarenta e sete homens, apesar da maioria das referência apontar para 46. Efectivamente a 47ª vítima era um caçador nativo (2), pelo que não consta das estatísticas militares.

Sei do que se passou, dado ter sido eu, na altura, Furriel de Transmissões da CCAÇ 5, de Canjadude (3), a proceder ao levantamento dos desaparecidos, junto de cada companhia, e de ter redigido a mensagem que foi enviada, momentos depois, para todos os escalões superiores.
Em nota de rodapé, registe-se a preocupação dos sobreviventes, traduzida na tentativa de enviar TELEGRAMAS, para avisar a família de que se encontravam bem. Não foi enviada nenhuma mensagem/telegrama, dado que, mesmo que transmitidos para o batalhão os enviar depois via Marconi, seriam fatalmente censurados no percurso (4) (5).

Um abraço do camarada
José Martins

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (1969)

(2) Presumo que o autor do texto quer dizer soldado africano de um Pelotão de Caçadores Nativos, tropa regular, embora de recrutamento local, que deve ser confundida com as milícias.

(3) Vd. Carta da Guiné (1961). Na zona leste da Guiné, hoje região do Gabu, entre Nova Lamego (hoje Gabu) e Cheche (ou Ché Ché), na estrada Nova Lamego-Madina do Boé que atravessa o Rio Corubal precisamente em Cheche, sítio onde se deu a tragédia que vitimou os 47 militares.

(4) Madina do Boé tem um significado mítico tanto para nós, que fizemos a guerra colonial, como para os guerrilheiros do PAIGC. Depois da nossa retirada, o aquartelamento, abandonado e armadilhado pelas NT, terá sido imediatamente ocupado pelos sitiantes.

(5) Em Julho de 1973, o PAIGC realiza em Fulamor, a oeste de Madina do Boé, o 2º seu Congresso. E, finalmente, em 24 de Setembro de 1973 é ali proclamada a Independência Unilateral da Guiné-Bissau pelo PAIGC, sendo Luís Cabral eleito Presidente do Conselho de Estado.

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Antes, em 2 de Agosto de 2005, tinha sido publicado o post

02 Agosto 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)

1. Este documento, que me chegou às mãos através do Humberto Reis, relata a dramática operação em que participou a CCAÇ 2405, sedeada em Galomaro, e pertencente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), operação essa que tinha em vista retirar as NT da posição insustentável de Madina do Boé, cercada pelo PAIGC (e depois ocupada logo a seguir, no mesmo dia, a 6 de Fevereiro de 1969, após a retirada das NT).

Na passagem do 37º aniversário desta infausto acontecimento, escrevi “Madina do Boé – Contributos para a sua história”, que veio a ser publicado, em três partes;

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)

Jangada para travessia do Rio Corubal, no Che-che.
© Foto de José Azevedo Oliveira, com a devida vénia.


A foto acima, da autoria do ex-Furriel Miliciano Oliveira (CCaç 5, que esteve destacado no Che-Che integrado num grupo de combate), é a anterior à que sofreu o acidente.


Muito foi escrito pelos camaradas que, directa ou indirectamente, estiveram ligados ao acontecimento ou ao local.

8 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2819: Lista dos militares portugueses metropolitanos mortos e enterrados em cemitérios locais (4): 1968-1973 (Fim) (A. Marques Lopes)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > 1 de Março de 2008 > O Rio Corubal, visto da margem direita, junto ao Saltinho... Neste rio (o único verdadeiro rio da Guiné, segundo dizia o Amílcar Cabral), morreram afogados 46 militares portugueses das CCAÇ 1790, CCAÇ 2405 e outras unidades, além de um civil guineense, no dia 6 de Fevereiro de 1969, na travessia junto ao Cheche, na sequência da evacuação de Madina do Boé (Op Mabecos Bravios). Nenhum dos corpos foi recuperado (1).


O nosso camarada Armandino Alves, que esteve em Madina do Boé e em Beli, dois dos vértices do “Triângulo do Boé”, também escreveu



14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4518: Controvérsias (19): Sob a evacuação das NT de Madina do Boé (Armandino Alves)

15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4533: Controvérsias (20): A minha análise pessoal do desastre com a jangada no Cheche, na retirada de Madina do Boé (Armandino Alves)

O Armandino Alves foi 1.º Cabo Enf da CCAÇ 1589 (1966/68), em Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, apresentou um comentário em 13 de Junho no poste:

Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas †), que merece ser poste:

Também os que chegaram depois do acontecido, vieram a observar o que o acidente influenciou os que iam chegando ao teatro de operações:

1 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5745: José Corceiro na CCAÇ 5 (2): A primeira saída para o mato (1ª parte)

"- Tu chegaste hoje, dia 13 sexta-feira, e amanhã vais logo para o Cheche, onde há quatro meses perderam a vida perto de meia centena de militares (47), isto não é, convém que se diga, uma colónia de férias, para vires com discos e gira-discos na bagagem. Isto aqui é a guerra amigo e não vais ter propriamente vida facilitada, até porque os nossos graduados não são flor que se cheire, as surpresas, não vão ser glico-doces para o teu lado.

Houve, inclusivamente, empenho festivo para receber com a dignidade possível e agradecimento merecido, os martirizados heróis que deixavam Madina de Boé. Eu sou testemunha ocular que passados 4 meses após a infausta tragédia, existirem ainda a cerca de 1km de Canjadude, na picada que liga ao Cheche, fachas de pano passadas de árvore a árvore, por cima da picada, onde se podiam ler coisas como: “Canjadude saúda-vos”.

Pelo menos 1 ou 2 dessas fachas estavam por lá e só a acção do tempo as destruiu. Assim como haviam algumas folhas de palmeiras atadas nas árvores, ao longo da picada, como que a saudar e louvar os heróis. É lógico que os indícios preliminares de festividade deixaram de ter sentido após a aziaga tragédia.

Creio que ainda há história para contar, sobre a martirizada companhia que esteve e fechou Madina de Boé. Aqui não me alongo mais porque não fui testemunha.

Presto a minha homenagem pessoal a estes heróis, os que ficaram e os que partiram.


Também recordo que, na página de “ultramar.terraweb.biz” há texto sobre o acontecimento, com especial chamada para “Madina de Boé - 47 Militares morreram no Rio Corubal” que apresenta diversos recortes de jornal, com entrevistas a sobreviventes.

Termino como terminei a primeira parte do meu texto já citado, com os parágrafos que antecediam o nome de cada um dos HERÓIS/MARTIRES:

Naquela tarde de 6 de Fevereiro de 1969, o Corubal roubou, a todos e a cada um de nós, quarenta e sete amigos e camaradas, dos quais, poucos viriam a ser encontrados e sepultados nas margens do Rio Corubal.

É com emoção, que quando falo ou escrevo sobre este tema, me curvo perante a memória daqueles que não voltaram, me perfilo em continência e os meus lábios murmuram uma oração.

José Martins
5 de Fevereiro de 2010
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5734: Ser solidário (53): Que muitas Runas se levantem (José Martins)

Vd. último poste da série de 4 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5768: Efemérides (43): 4 de Fevereiro de 1961, O princípio da Guerra Colonial (José Marques Ferreira)

4 comentários:

Anónimo disse...

Falar no desastre do Che-che e não mencionar o que Rui Felicio escreveu sobre esse acidente é também esquecer quem em primeira pessoa viveu, e de que maneira, esse problema.
Existem vários textos de Rui Felicio sobre o assunto, no Blog do Luis Graça.
Jorge Félix

Luís Graça disse...

Também pedi ao Rui Felício e ao Paulo Raposo para evocarem esta data. Não sei se receberam o meu mail.

A CCAÇ 2405 (Mansoa, Galomaro, Dulombi, 1968/70) perdeu 17 dos seus homens, em 6/2/1969.

Há postes do Rui e do Paulo sobre esta tragédia. O Rui esteva lá. O José Martins não os mencionou, apenas por lapso ou falta de tempo para uma pesquisa exaustiva no nosso blogue. Mas ele acompanhou todo este dossiê, e conhece esses textos.

Façamos um minuto de silêncio por esses infelizes camaradas que ficaram, a maior deles, insepultos no Rio Corubal. Eu já estava mobilizado para a Guiné - não tenho a certeza...-, quando ocorreu este absurdo acidente. Lembro-me ainda da notícia lida no "Diário de Notícia". Marcou-me muito. E quando cheguei a Contuboel,em Junho de 1969, ainda se falava com emoção desta tragédia.

Luís Graça

José Marcelino Martins disse...

Para o Jorge Felix e restantes camaradas.

O texto publicado foi "escrito" após uma pesquisa rápida sobre o que consegui encontrar. Não fiz a busca com a profundidade necessária, nem recorrendo à primeira parte do blogue, que deve ser onde estão os textos do Rui Felício e de outros camaradas, assim como referi a bibliografia que existe sobre o caso.

Não é desprimor para com o Rui Felício, que muito prezo e que conheci na Ameira, onde houve uma interessante conversa a três (a Manuela - minha mulher - estava comigo).

A pressa não proporciona que o que pretendemos fazer, saia com um minimo de qualidade, mas os afazeres profissionais tambem não permitem dispor do tempo disponivel para o que queremos.

Neste momento, sábado, fiz uma pausa para um café, após ter terminado um relatório para os auditores da empresa, ainda este hoje, via e-mail.

Um resto de bom fim de semana a todos e uma sugestão: revejam os textos que não estão mencionados, procedendo à pesquisa que, em devido tempo, eu não fiz.

José Martins

Unknown disse...

Olá, o meu nome é Silvia Claudino, tenho 26 anos e sou a sobrinha que o primeiro-cabo José Antunes Claudino CCaç 2405 nunca conheceu. O desastre de Cheche tirou a vida a muitos rapazes, incluindo a do meu tio, talvez por culpa de quem os mandou subir, talvez por culpa das águas, talvez por culpa do inimigo. O que é certo é que estes rapazes ainda tinham uma vida pela frente. Leio constantemente relatos do que aconteceu, talvez para estar um pouco mais perto do meu tio, mas o que é certo é que nunca o vou conhecer, pelo menos não nesta vida. É-me impossível sequer tentar imaginar a dor e o desespero destes homens quando, devido à força da gravidade e do peso que traziam consigo, os puxavam cada vez mais para o fundo deste rio. Infelizmente esta Guerra está cada vez mais esquecida nas escolas, na aprendizagem das crianças que muitas nem sabem porque é que a Guerra se deu. É como vivemos...