domingo, 19 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8447: Agenda Cultural (137): A propósito do lançamento da Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial, no dia 15 de Junho de 2011 no Auditório CIUL, Lisboa (José Brás)



1. Mensagem do nosso camarada José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 16 de Junho de 2011:
(continuação)

Lateralmente, devo dizer que não assisti à sessão de apresentação da Antologia, numa postura pessoal talvez exagerada mas fincada nesse dito popular "quem não se sente, não é filho de boa gente", sendo certo que já não tenho idade para engolir sapos destes.

Eu explico.

Em tempo apropriado foi-me solicitada autorização para inclusão na Antologia**, de um texto meu identificado então. Respondi que sim mas que o texto estava incompleto e seccionado, sugerindo que tal autorização estava garantida para o texto completo que sabia que a Dr.ª Margarida tinha com ela mas que juntei na altura.
Mais tarde responderam-me que si, que fazia sentido inteiro e que a sugestão havia sido acolhida.

Ontem, adquirido um exemplar, depois de me sentar para participar na sessão, constatei que, afinal, o que ali estava era a primeira opção e não o que havia sido acordado. Senti com se numa guerra qualquer me tivessem seccionado abaixo do pescoço e acima da anca e me deixasse a caminhar assim com o vazio do meio.

Naturalmente que entendo que para além da formação científica e da habilidade para construir uma Antologia como esta, é necessário também uma outra que diz respeito à construção literária e, mesmo ao gosto de cada um. Mas creio igualmente que também faz falta outra coisa que é o respeito pela propriedade que cada autor mantém sobre o que pinta, o que escreve, o que diz, no fundo, pelas várias vias da comunicação e da arte.

Admito mesmo que poderá ter ocorrido um erro qualquer que terá levado ao resultado que me desgosta. Contudo, na posse do organizador da Antologia estava o texto integral e um razoável número de outros textos sobre a mesma matéria e de minha autoria.

Como dizia o cónego, "não habia nexexidade", saí antes que começasse a sessão.

E para que o blogue avalie se exagerei ou não, segue-se o texto completo e o outro que foi publicado.

tinhas no olhar
sinais seguros de esperança
quando
numa quente segunda-feira
de verão
em 64
eles vieram à vila
tomar-te o peso
o pulso
a medida do peito
o sonho
o sonho não
à tarde
quando partiram
a tua ficha dizia apenas
João
20 anos
apto para todo o serviço


tinhas na boca
uma leve aragem de troça
e nos olhos
sinais seguros de esperança
quando
numa suave manhã
de maio
em 65
passada a porta d’armas
os muros do regimento
pretenderam
separar-te
do aroma dos pinhais

e o aroma dos pinhais
ardia em ti
nas noites
de Maio de Junho e de Julho
quando
após o “cross”
a ordem unida
a instrução da “mauser”
e da “guerra subversiva”
o sonho retomava o seu lugar
subvertendo o cansaço
a raiva
e a ordem das coisas

nas Caldas da Rainha
os pinhais
tinham o mesmo aroma
dos pinhais da tua terra
e o cansaço
a esperança
e a raiva
subiriam contigo ao “Niassa”
numa gelada manhã
de Novembro
em 66
no Cais da Rocha

os compêndios
de instrução militar
diziam
que na Guiné
não havia pinhais
queriam convencer-te
que na Guiné
o sonho morrera
e tu sabias da gente
sonhando a liberdade
de armas na mão
na escola da guerrilha
nas clareiras abertas
“p’lo napalm”

a mata da Guiné
seria o caminho
da tua liberdade
ouviras dizer
que nenhum homem
é livre
enquanto oprime outro homem
e concluíras
que
na mata da Guiné
como nos pinhais da tua terra
o sonho e a luta
libertavam
o homem

tinhas
nos olhos
sinais seguros
de esperança
e o sonho
retomava o seu lugar
subvertendo o cansaço
a raiva
e a frieza da “G3”
quando
deixaste o quartel
na direcção de Guileje
a caminho do “corredor”
onde a liberdade se ganhava
e se perdia
em cada passo em frente
em cada morte

tinhas no olhar
sinais seguros
de esperança
e na tua frente
a mata
densa
da Guiné
confundia-se
com os pinhais da tua terra
quando
a mina
te rasgou o peito
no corredor
perto do destacamento
da Xamarra

************

tinhas no olhar
sinais seguros de esperança
quando
numa quente segunda-feira
de verão
em 64
eles vieram à vila
tomar-te o peso
o pulso
a medida do peito
o sonho
o sonho não
à tarde
quando partiram
a tua ficha dizia apenas
João
20 anos
apto para todo o serviço

tinhas no olhar
sinais seguros
de esperança
e na tua frente
a mata
densa
da Guiné
confundia-se
com os pinhais da tua terra
quando
a mina
te rasgou o peito
no corredor
perto do destacamento
da Cambajate


Nota:
Quero dizer-te ainda que o que digo sobre o Colóquio, e sobretudo sobre a minha reacção ao "erro" no texto que havia acordado, não coloca em causa a minha apreciação pessoal sobre a importância do Colóquio, da organização e edição da Antologia e do valioso trabalho da Dr.ª Margarida Calafate sobre a temática das memórias da Guerra Colonial.

Penso mesmo que lhe devemos todos um voto de agradecimento pela sua contribuição para que sejam preservados relatos, estudos e investigações, colecção de testemunhos e análises deste caldo que nos envolve a todos, ex-combatentes pela via da emoção desatada na memórias dessa parte das nossas vidas, filhos e famílias de ex-combatentes que sofreram de modo diverso o nosso envolvimento, artistas que em algum tempo elegeram o tema como justificação dos seus trabalhos, investigadores armados de método ou simples observadores da guerra e das suas consequências então e hoje.

Grande abraço
José Brás
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8443: Agenda cultural (136): Colóquio/Debate OS FILHOS DA GUERRA COLONIAL - Pós-memória e Representações, ocorrido nos dias 14 e 15 de Junho de 2011 no Auditório do CIUL; CES - Lisboa (José Brás)

(**) Vd. poste de Guiné 63/74 - P8406: Agenda Cultural (131): Lançamento do livro Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial, dia 15 de Junho de 2011, pelas 19 horas, no Auditório CIUL / Forum Picoas Plaza, Lisboa (José Brás)

11 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro camarigo José Brás

Comecei a ver os textos 'de cima para baixo' e vou já comentar, ainda que breve, este segundo contributo à 'sessão de poesia'...

Percebe-se o teu desapontamento. É capaz de ter sido apenas uma questão de economia de espaço, encurtanto o poema, e não uma descarada falta de respeito pela propriedade intelectual, ainda por cima, mudando o nome ao local.
Sim, pode ser, se por acaso isso também sucedeu com outros. No entanto, fosse lá porque fosse, distorce o poema, porque não 'acompanha as fases pelas quais passa o protagonista-alvo', apenas o início e o fim sem deixar perceber as determinações que o possuiam.

Em todo o caso, para nós, os 'envolvidos' nessa coisa que foi a 'guerra de África', não é de despresar nenhuma das iniciativas que se refiram a ela. Pode-se criticar, apontar insifuciências, erros, mas deve-se louvar manter o tema vivo.

Abraço
Hélder S.

Luís Graça disse...

O Zé Brás está zangado com a equipa que organizou a antologia e a sessão de lançamento do livro... Não vejo mal em que a gente manifeste, de tempos a tempos, as nossas emoções em público... É um traço cultural português...

Falámos ao telefone antes, eu pedi-lhe que fizesse uma nota do evento, e ainda esperava encontrá-lo no fim (da sessão de lançamento da famosa antologia)...

Cheguei tarde demais, agora percebo a razão por que ele não já não estava na sala... Por voltas das seis e tal ainda fiz um poste para a Agenda Cultural... Depois, com o livro em casa, ainda corrigi e melhorei a informação...

Pensei em todo o caso que o Zé Brás não tivesse vindo por alguma razão ou contratempo de última hora... Depois dei conta, ao folhear o livro, da "sacanice" (se calhar o termo é forte, inclino-me mais para um "erro técnico"), que lhe fizeram... Estranhei não terem publicado a versão do poema que constava do nosso blogue... Ingenuamente pensei que esta "solução" tivesse o acordo prévio do autor... por razões de economia de espaço... Agora entendo porque é que ele ficou "piurso"... Um abraço. Luís

PS - Se não deixei mais ninguém de fora, temos de facto 4 camaradas, membros do blogue, representados na antologia que, para todos os efeitos, é uma obra de referência sobre a "memória poética" (mais do que a "poesia") da guerra colonial...

Anónimo disse...

Hélder, meu amigo
Ninguém tem o direito de decidir sobre tal coisa sem a previa aceitação do autor, e, neste caso até houve diálogo, definições e acordo.
Para poupar espaço? sobre isso estamos conversados e melhor é percorrer o extenso número de páginas do volume e analisar. Aceito que tenha havido um erro qualquer, até porque, apesar de lhes ter fornecido há muito todos os meus textos pretensamente líricos sobre o assunto, quando me contactaram, percebi que não haviam sido lidos e que apenas queriam dois estratos que haviam encontrado no "Vindimas no Capim".
Além disso, tinham outros textos mais curtos, alguns, talvez até de maior mérito.
Abraço
José Brás

antonio graça de abreu disse...

Como eu te compreendo, meu caro Zé
Brás!...

Abraço,

António Graça de Abreu

José Marcelino Martins disse...

Há "erros" e erros!
Há "lapsos" e lapsos!
Há "muita coisa" e muita coisa
Há "profissionais" e profissionais e,
muitas vezes, falta de profissionalismo!

Há..........

Joaquim Mexia Alves disse...

Para já não me pronuncio, embora já tenha na minha cabeça alguns "considerandos".

No entanto aquilo que fizeram ao poema do José Brás, sem o seu consentimento é indigno e altamente repreensível.

Alguém me/nos pode fornecer uma lista dos "autores" represntados na Antologia?

Já procurei e não encontrei.

Um abraço para todos

Anónimo disse...

José Marcelino Martins
Não ponho em causa, nem a competência da equipa que organizou o Colóquio e juntou as partes da extensa e meritória Antologia, nem a importância da organização de "coisas" destas, fundamentais, aliás, para entender uma parte dolorosa e dorida do nosso passado recente, na luta contra os que a querem fazer esquecer.
Acho mesmo que devemos agradecimentos a quem rema contra a corrente neste rio de esquecimento e nem devemos estar preocupados se nessas iniciativas deveríamos estar ou não, sabendo como sabemos que, se estivermos, a nossa memória emocionada não seria de grande valia a quem está armado de competências técnicas, com a metodologia da investigação e com critérios intelectuais definidos. E também não questiono os tais critérios de escolha dos intervenientes nas várias mesas e na inclusão de trabalhos na Antologia, aceitando que o meu texto, provavelmente nem lá caberia, sendo o que é, uma espécie de romance construído sobre a primeira morte da minha Companhia, O Fur. Mil. João Girão de Lemos, meu amigo e comparsa na troca de opiniões políticas, homem contra a guerra que a aceitou fazê-la mas que, estando nos seu limites psicológicos, tinha tudo pronto para um salto no escuro que ocorreria dois dias depois...senão tivesse morrido. Nestas condições, o texto vale o que vale para os autores da Antologia e terá, inevitavelmente, outro valor para mim. Por isso mesmo havia exigido a publicação integral, o que havia sido aceite.
Admito o erro...
...e envio um abraço
José Brás

José Marcelino Martins disse...

Caro José Brás

Se me permites, subscrevo integralmente o teu texto, e louvo a iniciativa da equipa que lançou a Antologia.
Mas sabendo que para além de quem decide, analisa e escolhe os textos, terá de haver "alguém" para dar ordem aos textos, poderá ter havido quem tenha verificado que "havia duplicação" pelo tema, título ou autor e, para simplificar, nem comparou.
Daqui resulta o teor do meu comentário.

Rectibuo o abraço fraterno

Luís Graça disse...

Como te expliquei, Zé Brás, eu fui à sessão... dos autógrafos... Portanto, cheguei tarde e a más horas... Já não te apanhei, mas, com o livro na mão (25 aéreos, pagos do meu bolso), estranhei a logo a versão "colapsada" (?) do teu magnífico poema, "Missa virada", que na última versão (a do blogue) tem um ritmo de bombolom, de intenso, dramático, batuque africano, terminando com o paroxismo do corpo desintegrado por uma mina...

Pois é, Zé, percebo a tua reacção, de decepção e de indignação perante tal "amputação"... Espero que haja, ao menos, uma 2º edição, aumentada, melhorada, corrigida...

Devo dizer-te que gostei de conhecer pessoalmente o italiano, de Bolonha, Roberto Vecchi, especialista em literatura portuguesa e brasileira, que manifestou grande entusiasmo e carinho pelo nosso blogue... Pareceu-me sincero, afável, solidário connosco, ex-combatentes da guerra da Guiné....

O Vecchi, que fala bem português, falou-me com grande vivacidade e simpatia do Vasco da Gama, de que se lembrava bem, há 2 anos atrás em Coimbra, quando o Vasco, o nosso "régulo de Buarcos", foi lá, em representaçãop do nosso blogue, a uma conferência sobre poesia da guerra colonial, levando com ele o nosso poeta Zé Manel Lopes (Josema). (Claro que ele, Vasco, em Coimbra está nas suas sete quintas).

Com a Margarida Calafate (que eu também não conhecia pessoalmente) não deu para ter uma grande conversa... Apresenteri-me e ela me escreveu uma pequena dedicatória no meu exemplar da Antologia...

Falei-lhe da "nossa" Cristina Nery Monteiro, que fez parte da equipa de investigação e que nos contactou... Como estava ocupada, não me deu grande atenção.

Pessoalmente, não gosto de ir atrás das primeiras impressões. Não faço juízos de intenção. Mas que houve um erro grosseiro, houve, e eu sou o primeiro a lamentar que os leitores da Antologia não possam conhecer a tua "Missa Virada", em versão integral, do princípio ao fim... Aliás, na versão que vem no livro, o poema nem sequer tem título, e a fonte citada é o teu livro "Vindimas no Capim", e não o nosso blogue... (que aliás não é sequer referido na Antologia, nem tinha que ser, já que nenhuma recolha, afinal, foi feita directamente através do blogue...).

Anónimo disse...

Caro Zé

É assim!

Umas grandes outras pequenas, mas sempre dói.

Questiono-me? Não somos entendidos ou estamos nós próprios errados?

Dificil!

Dá tempo ao tempo, pois ao tempo que leva outro tempo trará.

Solidário abraço,

Mário Fitas

Juvenal Amado disse...

Camaradas

Por mais desculpas que se arranjem, por mais dourada seja a pílula o que fizeram não está certo.
O que fizeram é uma enorme falta de respeito pelo autor.

O Zé tem carradas de razão.

Um abraço solidário