1. Mensagem do Jorge Cabral, pai do "nosso alfero" (*), com data de hoje [, foto à direita, num dos últimos 10 de Junho, em Belém, no Séc. XXI]
Amigos!
As crónicas do Cherno [ Baldé] fizeram-me lembrar do Sitafá. Aí vai 'estória', com o desejo que o joanete do Luis não o incomode mais…
Abraços
por Jorge Cabral [, ex-Alf Mil Art, Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71]
Em Missirá não existiam rafeiros, até porque era muito mais uma Tabanca do que um Quartel. Lá viviam duzentas almas, pelotão Nativo e pelotão de Milícias, mais população e, no meio de toda esta gente, apenas dez europeus, o que levou muitas vezes o Alfero a interrogar-se: Afinal quem 'colonizava' quem?
De Fá tínhamos trazido o Sitafá. Puto simpático, protegido do Branquinho, ajudava na cozinha e já falava um português razoável, variando de sotaque, consoante a origem geográfica do cozinheiro.
Dos gerúndios alentejanos aos bês nortenhos, assimilara tudo, mas a sua grande dificuldade era entender o Alfero, porque este utilizava muitas expressões idiomáticas, provérbios e o calão alfacinha.
Assim, tendo-lhe pedido o rádio, ficou radiante, pois o Alfero lho prometeu "para quando as galinhas tivessem dentes". Durante dois meses, o bom do Sitafá, perseguiu as galinhas, agarrou-as, abriu-lhes os bicos e espreitou esperançado…
Outra vez, foi muito sério perguntar, ao Cabo Freitas, como eram em Lisboa as corridas de carapaus. É que ouvira o Alfero comentar… "O gajo anda para aí armado em carapau de corrida"…
O pior porém aconteceu em Março de 1971.
Logo de manhã, o cozinheiro acordou o Alfero aos gritos:
– O Sitafá desapareceu!
– Desapareceu? Mas como?
– Terá sido raptado? – perguntou o Amaral.
– Ou então passou-se para os Turras – alvitrou o Cabo Barroso.
– Vocês estão é malucos! – berrou o Alfero. – O mais certo é ter regressado à sua Tabanca. Vamos procurá-lo. Uns pela estrada de Finete. Eu, o Mamadu e o Demba, em direcção à Aldeia do Cuor, pois aí é possível cambar o Geba para Fá.
– O Sitafá desapareceu!
– Desapareceu? Mas como?
– Terá sido raptado? – perguntou o Amaral.
– Ou então passou-se para os Turras – alvitrou o Cabo Barroso.
– Vocês estão é malucos! – berrou o Alfero. – O mais certo é ter regressado à sua Tabanca. Vamos procurá-lo. Uns pela estrada de Finete. Eu, o Mamadu e o Demba, em direcção à Aldeia do Cuor, pois aí é possível cambar o Geba para Fá.
Ainda nem um quilómetro havíamos percorrido, avistámos o Sitafá, ao pé do rio. O primeiro a chegar junto dele foi o Demba. E o Sitafá logo gritou:
– Lagarto ka ta tchora!
– Lagarto ka ta tchora!
Lagarto ka ta tchora? O Alfero percebeu. É que na véspera o Puto assistira à valente piçada que pregara ao cozinheiro e, como este era de choro fácil, avisara:
– E agora não quero cá lágrimas de crocodilo…
– E agora não quero cá lágrimas de crocodilo…
Certamente intrigado, o Sitafá viera espreitar os crocodilos. Pelos vistos, nenhum havia chorado…
Jorge Cabral
[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
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Nota do editor:
[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
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Nota do editor:
(*) Vdf. os dois últimos postes da série, publicados no ano corrente:
17 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7959: Estórias cabralianas (66): O meu colega Mãozinhas (Jorge Cabral)
(...) Foi na prisão de Alcoentre que conheci o Mãozinhas, por intermédio do meu amigo e cliente, o 24, nome que ganhou há muito tempo, num bordel, sito à Rua do Mundo. E porquê, 24? Ora, é fácil adivinhar. O tamanho, melhor, o comprimento (...)
15 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7792: Estórias cabralianas (65): Os românticos... também mijam (Jorge Cabral)
(...) Estava calor e todo o quartel dormia a sesta. Em cuecas, o Alfero urinava contra a parede (bem não urinava, mijava, pois na Tropa, ninguém urina, mija). Eis que um jipe se acerca. Nele, três alferes de Bambadinca, acompanhados de duas raparigas. Ainda a sacudir “o corpo do delito”, disfarça, cora, mas que vergonha (!). Claro, ninguém lhe aperta a mão. Elas são a filha do Senhor Brandão e uma amiga de Bissau, cabo-verdiana. Vêm visitar Fá. Chama o fiel Branquinho. Que os leve a todos para o Bar, enquanto ele se veste e se penteia. Regressa impecável. À paisana, de camisinha branca, calças azul-bebé. (...)
7 comentários:
CARO ALFERO,
MAIS UMA VEZ,COM MEIA DÚZIA DE LINHAS BEM ESGALHADAS CONSEGUES PÔR A MALTA A SORRIR.
A TUA FORMA DE CONTAR ESTAS HISTÓRIAS É SIMPLESMENTE SOBERBA.
abraço
manuelmaia
Jorge Cabral,
Estás mais uma vez de parabéns, não por ser o teu aniversário, mas por mais esta história que nos trazes, contada de uma forma que só tu sabes contar.
É um humor vivido e sentido.
O livro tarda.
Estou em falta contigo, a "odisseia" continua e esperava pelo fim. Quando for a Lisboa dou notícias.
Um abraço,
BSardinha
Meu querido amigo e camarada das aventuras e desventuras do Cuor (coração, em italiano):
1.Obrigado pela "estória";
2. Obrigado pela tua solidariedade;
3. Mete-me um par de patins nesse livro...
Vou até ao hospital... Como diz o "meu pai, meu velho e meu camarada", a caminho dos 92, "mais vale andar nesta vida de muletas, do que na outra em carretas"...
Ha muito tempo que não tinha o grande prazer de ler as tuas estorias, mais uma vez dei comigo a rir para o monitor.
Para quando a proxima? que não leve tanto tempo, para mim as tuas estorias são um excelente antídoto contra os aumentos diários de tudo o que é imposto, e sabes que nesta fase são imensos.
Um grande alfa bravo
ASantos
SPM 2558
O Jorge na sua melhor forma!!!
O que dizer, a não ser deixar-te um grande abraço, ó camarigão Jorge Cabral!
Caríssimo Jorge Cabral
Parece mesmo estar a ver o "alfero Cabral" a utilizar todo o jargão alfacinha, e não só, p'ra cima do puto...
Ainda por cima, tendo em conta que o rapaz era um 'crente' e levava à letra tudo o que ouvia, calculo o divertimento que era descobrir as 'pesquisas' que ele fazia.
Uma coisa é certa, não se pode dizer que o jovem fosse um 'acomodado': se tinha uma dúvida, ia, pelo método activo, contemplativo e de observação, procurar resolvê-la.
Falta saber se das observações a chegava concluia que o "alfero" estava enganado ou se o estava a enganar...
Abraço, "mê alfero"
Hélder S.
Grande história, que merece MAIOR ABRAÇO
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