Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) > 14 de Abril de 1973 > Spínola, de visita ao aquartelamento de Cumbijã > Aqui, de costas, acompanhado pelo Cap Mil Vasco da Gama.
Foto: © Vasco da Gama (2008). Direitos reservados.
1. Mensagem enviada pelo Vasco da Gama:
BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO (I)
[Negritos, a cor, do editor L.G.]
Comandante Luís Graça, meu amigo e camarada da Guiné
Li, como o faço diariamente, o nosso blogue, debruçando-me várias vezes sobre o poste 3925 que recorda o lançamento do livro Portugal e o Futuro, da autoria do Gen António de Spínola (*).
Por falar em recordações, quero também lembrar que passa hoje mais um ano sobre o desaparecimento do Zeca Afonso, vulto grande das canções e que eu me habituei a ouvir desde sempre. Ainda estudante no Porto, havia um conjunto de malta a que eu pertencia, fiel às músicas do Zeca e do Adriano. Nas excursões que então fazíamos aqui e acolá, em grupo entoávamos as cantigas cujas letras eram cuidadosamente policopiadas na secção de texto das Associações Académicas. A malta de Lisboa andava muito à frente mas as novidades chegavam ao Norte num abrir e fechar de olhos. Guardo alguns desses textos religiosamente, assim como uma fotografia do Zeca e de um primo meu que o acompanhou na gravação em Londres de um dos álbuns.
Ao abrir a nossa Tabanca, fiquei admirado ao ver uma fotografia minha com o Gen Spínola, que aliás é o único que segue com o olhar o meu gesto, uma vez que já há algum tempo não escrevo nada para o blogue.
Chatices, desilusões, desenganos, problemas de saúde com familiares próximos, eu sei lá, uma sucessão ininterrupta de aborrecimentos, tudo ao mesmo tempo, remeteram-me ao silêncio, que espero venha a ser quebrado em breve com a continuação de Nhacobá (**).
A que propósito o nosso Comandante publica esta fotografia? Imediatamente descobri a razão, razão essa, que me leva a escrever meia dúzia de palavras, com algum receio, tanto mais que não li a Visão, e ao ler nas várias citações que aparecem no artigo, bem como no resumo do jornal, palavras como “cientista político”, ”intelectuais”, “os media”, sociólogo ”disse para os meus botões:
- Está quieto, rapaz! Bate a bola baixo, pois não tens arcaboiço para isto.
Ao ler os comentários ao poste, logo nas palavras do nosso camarada Torcato encontrei a chave para perder o medo: «concorde-se ou não com o conteúdo, o livro foi uma 'janela de esperança', um 'marco', uma 'bandeira', uma 'pedrada no charco', o problema era 'político e não militar' ...". Isto é honestidade intelectual! Posso não concordar, mas tenho de reconhecer que…
Acrescentar mais o quê? Já agora…
Já falei por diversas vezes no General António de Spínola, que visitou várias vezes a minha CCav 8351. Basta ler esses escritos. O Luís Graça refere-se a dois deles no poste. Fá-lo-ei, pelo menos mais uma vez, quando descrever a sua visita a Nhacobá.
Quero apenas dizer, julgo que já o referi, que foi o primeiro e único oficial, do quadro permanente que conversava com a malta que chegava à Guiné sobre “guerra colonial”, “federalismo” e aceitava respostas onde se falava de independência. Onde estavam todos os outros?
Direi mais, onde estavam oficiais que mais tarde vieram a pertencer ao M.F.A., que foram meus instrutores no curso de capitães em Mafra, éramos então graduados em tenente, que apenas e só debitavam de uma forma extensa, monótona e fastidiosa o saber militar? Algum deles ensinou o que quer que fosse sobre as “províncias ultramarinas”? Algum deles permitia argumentação ao que quer que fosse?....Finais de 1971, princípios de 1972, convento de Mafra….
O sr. dr. Medeiros Ferreira afirma que o livro do Spínola dizia coisas banais e até evidentes. Disse ainda que do seu exílio em Genebra havia enviado um texto para o III Congresso da Oposição Democrática, onde afirmava que “ a questão colonial não tinha solução militar e era necessária a independência das colónias”. É preciso grande visão e grande coragem para tal afirmar!
Vou procurar entre os livros do meu pai as Teses da Oposição e recordar o texto do sr dr. Medeiros Ferreira, bem como a porrada que os presentes apanharam em Aveiro após carga policial. Eu também li o livro do Gen Spínola no exílio. Não em Genebra , mas na Guiné, no Cumbijã.
Ri-me com aquela frase onde se dizia que o Gen Spínola tinha “uma corte de admiradores de camuflado que bebiam as suas palavras”. [Visão, nº 833, de 19-25 de Fevereiro de 2009].
Usei camuflado na Guiné, falei algumas vezes com o homem mas nunca bebi as palavras de ninguém! Whisky e cerveja era quanto me apetecesse. Já agora perguntem aos soldados que combateram na Guiné qual a opinião que têm do homem do pingalim e do monóculo. A resposta é capaz de ser bem diferente da dada pelos intelectuais.
Antes que me chamem de Spinolista, pois em Portugal os rótulos interessam mais do que o conteúdo, termino com um abraço respeitoso a todos os meus camaradas da Guiné que sofreram a bem sofrer. Para todos eles um poema da grande Sophia de Mello Breyner Andresen:
«Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo»
Um abraço do Vasco da Gama
_______________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3925: Efemérides (16): Portugal e o Futuro, de António Spínola, um best-seller há 35 anos
(**) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3898: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (8): Maio de 1973 na vida da CCAV 8351 - (Parte I)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Pois é, a malta conhecia o homem apenas pelo Caquinhos Baldé, o Psico. Ninguem acreditava nele, mesmo quando acabou com alguns destacamentos, mas juntou aldeamentos, a coisa piorou, o que também era natural que acontecesse.
O Livro foi e é um grande bluf. O falecido senhor Mário Figueirinhas, da Livraria Figueirinhas no Porto, fez o favor de o reservar para mim - os pedidos eram mais que as mães -.
Sobre a preparação militar, social, psiquica que nos davam para enfrentar África e uma guerra de guerrilha, era (foi)zero. Mas pior que tudo, é que tantos de nós andamos por lá a ver navios, sem uma informação, sem orientação, e só o tempo ajudou a compreender situações. E nessa altura - falo por mim - mais que nunca foi o desenfianço, o medo e a responsabilidade de ter de conseguir trazer a "família" inteira e o mais "direita" possível.
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