1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 8 de Março de 2009:
Carlos Vinhal
Para desanuviar um pouco dos Jornalistas e do Ninos, segue uma estória que talvez o consiga
Um abraço a todos
Luis Faria
Bula - Foguetões
A 28 de Janeiro de 1971 o IN resolveu agradecer e retribuir as nossas visitas a Ponta Matar ofertando-nos simpaticamente com uma espécie de fogo de artifício, festa a que o pessoal da Artilharia se juntou e respondeu educadamente com os seus obuses, conseguindo-se uma chinfrineira das antigas com cantares à desgarrada!!
O quartel de Bula situava-se num dos extremos da Vila, mais propriamente no extremo Oeste, início da estrada Bula - Teixeira Pinto. Daí que, julgo por não quererem que a população que lhes seria próxima entrasse nos festejos, o IN não facilitou e os foguetões 122 ultrapassaram em pouco o quartel e caíram próximo! Valeu o susto.
Como referi no Post anterior, nesse dia o Urbano, Fur Enf concedeu-me o tal único dia de balda prometido pelo que, desenfiado aos patrulhamentos e emboscadas, fiquei pelo quartel e Vila procurando fugir da vista do Cap Mamede e do Ten Cor Andrade, Comandante do Batalhão.
Estava no bar a tomar uma bebida, fazendo horas para a janta, quando um rebentamento estranho me faz correr para o quarto, apanhar a G3 e cinturão com os carregadores e arrancar sem objectivo, já que o meu GComb assim como os outros dois estavam fora do quartel. A rapaziada do Batalhão parecia coelhos a correrem para posições de defesa e abrigo.
Saído do bloco dos quartos e ao entrar na parte cimentada por detrás do palco de espectáculos, parece-me ouvir uma espécie de assobio forte, vejo o Cap Mamede a correr em direcção ao abrigo dos oficias e a olhar para o ar empunhando a sua pequena pistola Walter civil, como que tentando avistar o projéctil para calcular a trajectória e o ponto de impacto. Achei curiosa esta cena.
Ao ouvir aquele som, penso que o projéctil que julguei ser de morteiro 120 ia cair perto e... atiro-me em voo para a frente procurando a protecção de uma árvore existente e de um murete, local onde o barbeiro por vezes exercia a profissão.
O estrondo do rebentamento dá-se e então reparo que aterrei exactamente no meio da cabelagem que o barbeiro, sem tempo para a apanhar, tinha deixado em monte.
Cuspidos e sacudidos os cabelos, há que levantar e dirigir-me para o abrigo. Chegado lá constato que está superlotado e coisa estranha, um magote de militares aglomera-se em jeito de formação raguebiana parecendo forçar a entrada. Coisa esquisita!!! Até porque de pouca ou nenhuma protecção usufruíam. Procuro outro poiso.
Acabada a flagelação vejo que da entrada do abrigo saem também... duas mulheres brancas! Afinal, aquele magote estaria altruisticamente a tentar protegê-las, digo eu!
Fotos e legendas: © Luís Faria (2009). Direitos reservados
Um abraço a todos
Luís Faria
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Nota de CV
Vd. último poste da série de 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3918: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (10): Bula-Janeiro de 1971
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
Caro Luis Faria, vamos lá pôr um pouco mais de condimentos a essa célebre noitada dos foguetões cuja descrição que fazes na azáfama no quartel é excelente !
Eu estava "lá fora".
Comecemos pelo princípio.
Fruto do "downsizing" operado no meu pelotão após o desaire da emboscada em S.Vicente, fui reforçado com a malta dos serviços ( cozinheiros, barbeiros e afins !) o que, pese embora o empenho, não era confortável pela falta de traquejo operacional dos mesmos.
Vai daí, estabeleci nesse dia uma "parceria" com o alferes Barros da tua companhia.
Eu iria passar 24 horas nas imediações do km 12 da estrada Bula-S.Vicente e ele nas do km 3-6.
Logo pela manhã, quando fomos transportados para os referidos locais, combinámos que, ao fim do dia, eu viria pernoitar à zona dele uma vez que era demasiado arriscado fazê-lo lá em cima por via da tropa fandanga de que eu dispunha.
Para quem não conhecer do que estamos a falar, esclareço que a zona nas imediações do km 12 era extremamente permeável à passagem de elementos inimigos ( Nino inclusivé ) pois, entre outras particularidades ( mais longe de Bula e dos eventuais reforços em caso de necessidade ) estava para além do limite do campo de minas lá instalado tornando-se um típico trajecto de passagem Ponta Matar-Choquemone.
Pois bem, ao fim da tarde, começo, então a aproximar-me da zona do Barros.
Escusado será dizer que não comunicávamos via rádio sob pena de sermos interceptados pelo quartel e isso dava origem a porrada !
Porém, a progressão foi demasiado lenta o que não evitou que anoitecesse sem chegarmos ao encontro do outro grupo de combate.
Perante isso, resolvi não avançar mais para evitar um encontro em plena noite com possibilidades de nos começarmos a guerrear mutuamente.
Estava eu no km 6 quando dei por terminado o "desenfianço" à minha zona de acção.
Por via das dúvidas, a noite seria passada mesmo na curva do km 6 em plena valeta da estrada.
A noite era de luar e o Barros não teria dificuldade em me identificar caso por ali andasse.
Acontece que o Barros, por idêntico raciocínio de segurança, optou por descer o suficiente de modo a evitar qualquer hipótese de encontro comigo.
Foi para o km 3.
Até aqui tudo bem mas eis senão quando o assobio do primeiro "charuto" silvou como um míssel mesmo por cima de nós !
C'um caraças, aquilo ia com uma pirisca !
CATRAPUM ! Arre porra que aquela merda tinha caído em Bula !
Depois foi mais uma série deles ( não recordo quantos ) e aquela noite foi para esquecer pois as comunicações via rádio de Bula eram mais que muitas e nós com panos em cima do bocal do AVP1 para simularmos más condições !
De madrugada havia que retomar as posições iniciais o que foi feito sem sobressaltos nem incidentes.
Chegados a Bula lá nos mostraram restos daqueles "ovnis" e a coisa era séria se caísse, por exemplo, dentro do quartel.
António Matos
Quer dizer que afinal de contas não fui só eu que me "baldei"!!!!
Tu viste-os passar (6) e eu vi um chegar.Os outros 5, com tal pelame barbeiral na cara,só deu para senti-los
Um abraço
Luis Faria
Agora sim, estou voltando a gostar de vos ler.Voltaram as Estórias, tragicas ou mais ou menos ligeiras,
mas as nossas verdadeiras e por nós vividas.Essa já não a vivi pessoalmente pois o meu Grupo já se encontrava em Teixeira Pinto.A minha proxima está no prelo.
Ao Faria, aquele abraço.
Ao Matos, bom regresso ás Estórias.
Para ambos bem hajam.
JORGE FONTINHA
Eh pá, fala baixinho senão ainda levamos uma porrada !
Aquela situação serviu-me de emenda ! Quando me mandavam a um buraco, comecei até a descer nele !!!
Abraços
António Matos
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