1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 4 de Julho de 2009:
Carlos Vinhal
Aos Homens da Ponte da Tabanca Grande - Paquete das Recordações - e a todos os embarcados, não enjoados ou enjoados, mando o meu abraço e um bem-haja.
Mando também esta bagagem de “ Viagem…” na esperança que sirva para atenuar algum enjoo ou que pelo menos não o provoque ou agrave!
Até breve
Luís Faria
Dias em Binar – 2
Um a um os dias iam passando, por norma em batalhas com a mosquitada, com a canícula e com a falta de abastecimentos. Não recordo porque havia esta falta. Talvez por a estrada para Bula ser perigosa e tivesse que ser picada quase na sua totalidade, o que obrigava à respectiva segurança nas orlas das matas de entrada para o Choquemone? Por sermos só um grupo meio desfalcado, não sendo suficiente para as tarefas exigidas?? Não recordo, é uma branca!!
Na verdade a minha passagem por Binar está envolvida por um denso nevoeiro com algumas abertas. Espero bem que alguém que por lá tivesse andado dê uma ajuda na dispersão desta nevoeirada. Tenho esperança!
O Primata voador
Nessas abertas, para além do já narrado em poste anterior vejo a nossa camarata, num dos pavilhões, com as camas encimadas pelos omnipresentes dosséis aramados com pendentes anti-mosquito e cirandando por cima deles um pequeno e refilão macaco sagui (?) , pertença e companheiro do Fur Mil Madaleno, que muito o estimava. O bicho era um tanto agressivo mas ao mesmo tempo dado e não desdenhava uma boa brincadeira, se para aí estivesse virado!
A brincar a brincar, um a certa ocasião mandou-me uma dentada, o que provocou uma reacção rápida: uma punhada forte no dossel onde ele estava sentado, pela lei física da acção/reacção, fez com que o bichano não tivesse tido tempo de se agarrar e fosse catapultado, qual homem-bala para o espaço, conseguindo por sorte (?) ficar pendurado no travejamento de sustentação do telhado, que ainda ficava a uma considerável altura!
Como o primata voador de lá saiu não recordo, mas teve ajuda com certeza! Recordo sim a fúria do meu amigo Madaleno perante a situação. Quanto ao atleta voador, durante algum tempo, sempre que me via os seus olhos faiscavam, guinchava e dava às pernas e braços para longe.
Claro que a situação acabou por ter certa piada, e passou a ser normalíssimo vermo-nos, Madaleno incluído, a fazer do mosquiteiro catapulta, se bem que de modo mais suave. De início o bicho não descolava da rede, tal a força com que se agarrava com as patitas, mas quando se apercebeu que ninguém lhe queria fazer mal, começou a alinhar… e era um gozo apreciar a técnica elevatória equilibrista do artista e a sua aterragem, sempre uma incógnita!!
Afinal ele, a vedeta, também gostava de dar espectáculo e dos mimos que ganhava de seguida, desde que a catapulta não fosse accionada por alguém que aparentasse estar chateado!! Podia não conseguir agarrar o travejamento…!!!
Picagem automática
Um dia, creio que pelo final da manhã, fomos surpreendidos por disparos de G3 vindos da direcção da estrada de Bissorã e cada vez mais próximos. Ficados à defesa, depara-se-nos uma nuvem de pó cada vez mais próxima, até que avistámos duas viaturas que a antecediam: da primeira, com a pica G3 na mão, apeia-se o Cap Gaspar (Gasparinho) que era por demais falado pelas estórias que dele se contavam e contam (já referenciadas neste Blogue**) e que, veio de Nhamate ao nosso burgo, se bem recordo, em missão de cortesia apresentar os cumprimentos de boas-vindas ao Cap Mil Mamede e dar uma de conversa com o pessoal e uns copos à mistura bem bebidos!!
Apesar do pouco tempo em presença, recordo-o como um homem educado e alegre, simpático e bonacheirão, terra-a-terra sem papas na língua e valente, que me pareceu gozar com a guerra e com o sistema, em especial com a hierarquia dominante, (seria curioso ver a resposta que daria ao nosso AB, o Almeida Bruno!!) o que julgo, contribuía em parte para a estima que a sua rapaziada lhe tinha e demonstrava. Podiam dizer que ele funcionava assim por estar bem encostado!? Que fosse? Não me pareceu nada dar-se ares de importante e muito menos egocêntrico, como outros!
Acabada a visita, lá se montaram ele e a sua rapaziada nas viaturas, qual vedeta cinéfila aos olhos do pessoal sorridente que presenciava a sua partida, na esperança de um regresso para breve, mas que não mais aconteceu. Foram na verdade umas horas diferentes e marcantes, pela positiva.
Pena não ter havido muitos como o Gasparinho, que com todos os seus defeitos e virtudes era ao que parece, um raio de sol para a sua Rapaziada e por aquelas terras de sofrimento. Que esteja em Paz!
Com um abraço
Luís Faria
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4619: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (16): Dias em Binar - 1
(**) Vd. poste de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4628: Estórias avulsas (38): Histórias passadas na Guiné (José Borrego)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
CARO LUIS,
O VOSSO SAGUI VOADOR FEZ-ME LEMBRAR DUAS SITUAÇÕES DE CERTA FORMA PARECIDAS.
EM BISSUM,JUNTO À "FERRUGEM" HAVIA UM GRANDE SÍMIO PRESO POR UM CADEADO, NUM ARAME BASTANTE COMPRIDO O QUE LHE DAVA ALGUMA AUTONOMIA,E QUE HAVIA SIDO ENSINADO POR UMA DAS COMPANHIAS QUE NOS ANTECEDERAM,A ROUBAR NHEC NA TABANCA,QUE DEPOIS TROCAVA POR CERVEJA...
ERA O "EUSÉBIO", JÁ PERFEITAMENTE ALCOOLIZADO,QUE MAL SE LHE MOSTRAVA A GARRAFA E SE DIZIA:"EUSÉBIO NHEC,SOLTANDO-O ELE SAÍA COMO UM TIRO EM DIRECÇÃO À TABANCA PARA LÁ APANHAR A SUA PRESA.
CHEGAVA COM O NHEC BEM AGARRADO E SÓ O LARGAVA QUANDO VIA A CERVEJA.
ERA UM "MACACO CÃO" DE RAZOÁVEL PORTE...
AO OUTRO CASO FOI O DO CÃO A MEIAS COM O MOURA FUR.MIL.
A CADELA QUARTELEIRA TEVE TRÊS CRIAS,FICANDO UMA PARA O ALFERES ,OUTRA PARA O FUR BRITO E O RESTANTE FOI ADOPTADO A MEIAS POR MIM E PELO MOURA.
BEBIA WHISKY COMO UM DESALMADO...
ERA O "COMANDANTE" SALTADOR A QUEM A TROCO DE UM POUCO DE LEITE COM WHISKY ÍAMOS OBRIGANDO A DAR UM SALTO EM COMPRIMENTO CADA VEZ MAIOR.
COITADO DO "COMANDANTE" HAVERIA DE TER DE SER ABATIDO POIS ARRANJOU UMA DOENÇA QUE SE CARACTERIZAVA POR FERIDAS NO FOCINHO E O ANTUNES FUR MIL ENFº ACONSELHOU O MOURA A ABATÊ-LO,O QUE ESTE FARIA COM UM TIRO MISERICORDIOSO DE WALTER.
TAL COMO DISSE AO BORREGO TIVE PENA DE NÃO TER CONHECIDO ESSE PERSONAGEM FASCINANTE,MAJOR GASPAR.
PELO QUE LI DO BORREGO E AGORA DE TI,PENA FOI NÃO TER HAVIDO MAIS MAJORES GASPAR QUE PROVAVELMENTE O DESFECHO DA GUERRA PODERIA TER SIDO OUTRO...
UMA ABRAÇO
MANUEL MAIA
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