1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alferes Miliciano de Operações Especiais da CART 1689 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 8 de Novembro de 2009:
A propósito do POST 5222 do José Câmara – “O Dia dos Veteranos” em Stoughton – Estados Unidos da América.
Creio que a cidade de Stoughton, onde o José da Câmara vive e trabalha, é Stougton, Massachussetts.
No final deste texto vou colocar umas questões ao próprio José da Câmara para meu esclarecimento e, também, de quem tiver a pachorra de ler isto tudo.
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Em (Novembro?) de 1985 (tempo do segundo consulado Reagan) eu estava a viajar pelos EUA ao serviço da empresa em que trabalhava. Durante esses quase quinze dias aconteceu estarmos em Washington durante um Domingo – free time, porque as empresas e os serviços públicos estão fechados.
Passeando nas imediações da Casa Branca, nos jardins públicos das traseiras, vimos, ao longe, um grande ajuntamento de pessoas, de onde provinham gritos e vozes alteadas por megafones. Aproximámo-nos e constatámos que era a Vietnam Parade, que desfilava ao longo da Lincoln Avenue(?). Desfilava lentamente, lentamente.
No momento e no lugar em que estávamos, a cena era a seguinte:
Uma multidão, que aplaudia, enquadrava a Avenida de um lado e do outro. Nela passavam, no momento em que nos aproximámos, muitos homens vestindo partes de farda camuflada, alguns amparados em bengalas, outros empurrando cadeiras-de-rodas, alguns conduzindo as suas próprias cadeiras-de-rodas eléctricas ou manuais, outros como que bêbados ou gaseados cirandavam de um lado para o outro da Avenida, berrando para as pessoas que assistiam, seguindo em frente e voltando atrás; tentavam segurá-los para evitar confronto; havia quem estivesse sentado, absorto, no chão; outros, deitados de barriga, faziam fogo com armas imaginárias contra inimigos inexistentes, levantavam-se e agachados berravam ordens e deitavam-se de novo, a fazer fogo; muitos dos que desfilavam trajavam roupas civis, usando somente boinas de diferentes cores, bivaques verdes ou castanhos, seguindo o seu caminho ordeiramente; havia, também, quem vestisse camuflados puídos e calçasse botas militares quase desfeitas; seguiam, também, variadíssimos grupos trajando roupas idênticas (associações? familiares de falecidos em combate? grupos de ex-militares?), que desfilavam, também, de forma ordeira; alguns seguravam faixas escritas com: “WE NEED JOBS”, “WE ARE ALIVE”, “ASSISTANCE”, etc..
Eram centenas e centenas.
Por de trás da multidão, na zona dos relvados, estavam marines, que observavam em redor.
Ao ver o aspecto sofrido daqueles ex-militares como atrás descrevi, senti uma comoção muito grande e, por mais que tentasse conter-me, desatei a chorar em convulsões. Um dos meus dois colegas (que estivera em Moçambique, embora em guerra santa) compreendeu a situação e afastou-se um pouco, levando o outro consigo. Escondi-me atrás de uma árvore, tentando controlar-me, mas não conseguia. Aproximou-se um marine e agarrou-me pelo braço:
- Come on, man. Come on…. Afastei-o com rispidez.
O choro passou a ser mais suave. Fixei mais uma vez a cena e afastei-me lentamente, continuando a ouvir os megafones: “We need jobs! We need jobs! We are alive! We are alive!”.
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Ora, ao ler o POST 5222 do José da Câmara, recordei tudo isto.
As imagens da “Vietnam Parade” de Washington, na Capital Federal dos EUA (talvez organizada a nível nacional) nada têm a ver com a “Veterans Day Parade” da cidade de Stoughton, Mass., uma cidade com cerca de 30.000 habitantes.
A gente sabe que cidades desta dimensão, mesmo nos EUA, são província bem provinciana, onde as pessoas estão mais próximas umas das outras, física e sentimentalmente. E isto apesar da grande densidade populacional, pois que, voando de Boston (Massachussetts, também) para Nova York (cerca de uma hora) o casario é contínuo, nunca acaba.
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Ao lermos o texto da imagem publicada com o POST 5222, da “Town of Stoughton – Department of Veterans Service” / “Veterans Day Parade – Wednesday November 11, 2009”, vemos que dele consta (entre outros aspectos):
- Apelo à ajuda pública a um soldado (lá identificado), que foi gravemente ferido no Iraque;
- Que raparigas irão desfilar vendendo “baked goods” para ajudar esse soldado e a sua família.
Cada um terá a sua própria leitura destes aspectos (ou de outros idênticos), mas terão que ser entendidos à luz da mentalidade local. Alguns, vestindo a nossa própria mentalidade, chamarão a isso esmolas.
O impresso contém, também, informações sobre ajuda e assistência a veteranos e seus familiares, segundo os seus rendimentos e, também, no caso de problemas resultantes do serviço militar.
Sabemos que a perspectiva que as populações das pequenas cidades dos EUA têm do mundo e das coisas é diferente da que encontramos numa grande metrópole e, também na nossa terra, MAS, o que eu quero realçar é a FORÇA DO ASSOCIATIVISMO existente nos EUA. É desse associativismo que resulta a entre-ajuda no meio dos próprios associados (seja qual for a afinidade que têm ou o problema que os une) e a força para a ACÇÃO/PRESSÃO que, assim, podem exercer sobre a governação local.
É aí que está a força da sociedade civil norte-americana.
Recordo-me (já que se fala de veteranos de guerra – expressão de que não gosto por não ser nossa e porque temos a expressão ex-combatentes), recordo-me dos grandes armazéns KORVETS, na 5.ª Avenida, em Manhatan, que mais não eram que o resultado da associação de KOR(ean) VET(era)S.
Por outro lado, a força desse associativismo vai exercer pressão nas municipalities e, através destas, nos governos dos Estados. Chamem-lhe lobby ou outra coisa que queiram, o que interessa é o efeito final.
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Porque da parte final do anúncio publicado junto ao POST, da autoria do “Department of Veterans Service”, consta o apelo à ajuda dos cidadãos para a constituição de fundos de apoio aos veteranos, termino colocando ao José da Câmara algumas questões que me parecem importantes para o entendimento da realidade (pelo menos em Stoughton):
- A entidade promotora da “Veterans Day Parade” e gestora dos fundos de apoio aos veteranos, ou seja, o “Department of Veterans Service” é:
a) – Um departamento público, que gere os dinheiros públicos e os donativos privados?
b) – Um departamento público que integra representantes dos veteranos na sua gestão?
c) – Um departamento gerido exclusivamente por representantes dos veteranos, apesar de ter, também, dinheiros públicos?
d) – Um departamento gerido exclusivamente por representantes dos veteranos e sem quaisquer dinheiros públicos?
e) – Outra figura de gestão não incluída nas anteriores?
Alberto Branquinho
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 2 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5195: Histórias de heroísmo (2): O meu herói de... Bissau (Alberto Branquinho)
Vd. último poste da série de 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5229: Ser solidário (43): A Tabanca de Matosinhos constitui Associação de Apoio e Cooperação ao Desenvolvimento Africano (Editores)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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