segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5239: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (13): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas da Convalescença


1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos o 13ª fracção das suas memórias. Esta série foi iniciada em 29 de Agosto p.p., no poste P4877.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67

ROTINAS DA CONVALESCENÇA

No dia cinco de Fevereiro, à hora do almoço, chegou junto de mim o Primeiro Sargento, que me deu a notícia de que no dia catorze, ia ser submetido a exame de condução e queria saber a minha decisão, se eu ia ou não.

- Porque é que não hei-de de ir? - Perguntei-lhe.

Respondeu-me com outra pergunta:
- Então já não esta doente?
- Acha que eu vou perder esta oportunidade, por favor marque-me viagem para amanhã. – retorqui eu.

Como não foi possível no dia 6, só fui ao exame no dia sete, com o pescoço ainda “torcido”, pois não conseguia sequer olhar em frente.

Cheguei a Bissau e fui logo a Escola S. Cristóvão, onde me foram prestadas algumas lições de condução (creio que cinco), dei umas voltas por Bissau por circuitos estratégicos, que os instrutores conheciam bem. O instrutor ia-me dizendo:
-Cuidado com esse à vontade e… mais devagar que aqui não é mato e eles não perdoam.

No dia do exame, de manhã, apresentei-me no Quartel-General confiante, primeiro fiz provas de código da estrada: cores, sinais, reflexos e tabuleiros, com varias situações habituais do trânsito automóvel e tudo correu bem. No fim, mandaram-me esperar no exterior e, passados alguns minutos, fui chamado para a prova de condução. Ao volante de uma viatura estava outro furriel e, ao lado dele, o examinador (um alferes).

Eu e o instrutor sentamo-nos no banco de trás. O furriel que estava ao volante, iniciou a sua prova (segundo soube depois já era a segunda vez que a fazia), dando umas voltas pela cidade e foi acumulando asneira atrás de asneira. A certo momento, o alferes mandou-o encostar, o que ele não fez, ou porque não ouviu ou porque se distraiu. A verdade é que se o alferes não tivesse travado o carro, tínhamos ido bater num outro carro que se encontrava estacionado.

Pensei, cá para comigo, isto está mau. Mandou-o sair do carro, para o banco de trás e, disse-me que passasse eu para a frente. Em seguida, mandou-me avançar, o que fiz e, após andar uns cem ou duzentos metros, parei porque estava à minha outra viatura a efectuar uma inversão de marcha, também num exame.Disse-me o alferes:
- Eu não o mandei parar.
- Desculpe meu Alferes, não vou prejudicar a pessoa que está a fazer uma inversão de marcha, num exame. – Disse-lhe eu.

Deixei completar a manobra e segui em frente. Cruzamento para aqui, encruzilhada para ali, cheguei junto de uma rotunda com sinaleiro, contornei-o e voltei à esquerda. Já sabia para onde o alferes me ia mandar, e que teria que voltar à esquerda, subindo uma pequena lomba.

Aí mandou-me parar, mesmo a meio, dizendo:
-Usa a embraiagem, ou o travão? - Respondi-lhe:
-Como quiser.”

Parei o carro usando só a embraiagem. Mandou-me arrancar novamente, o que eu fiz sem deixar descair o carro.
- Siga em frente – disse o alferes.

Quando chegamos a uma esplanada mandou-me estacionar.
- Agora vamos beber um café! – disse o alferes.
- Eu não bebo - retorqui eu.
- Então espere aí – voltou a dizer o alferes.

As coisas estavam-me a correr bem, mas ainda faltava chegar ao Quartel-General. Felizmente tudo correu tudo bem.

À tarde fui saber o resultado do exame e, como esperava, fiquei aprovado. O outro furriel, repetiu o “chumbo” e teve que esperar mais uma semana, para ir novamente a exame.

Dia quinze, foi chamado à Secretaria do Quartel-General, onde um furriel me transmitiu que havia uma avioneta que se deslocaria para Bambadinca. Voltei-me para o furriel e disse-lhe:
-Isso é que era bom, nesse transporte não vou.
- Tens que ir, estão lá à tua espera.
- Estou com baixa - disse-lhe eu.
- As ordens são para ires, para ficares no destacamento que o pessoal da tua companhia vai sair em missão.
- Não vou – voltei a repetir - só se for de avião ou de barco.

E, assim, só no dia dezassete é que regressei à minha base, de avião.

Quando cheguei a Geba fui informado pelo meu alferes que, no dia seguinte, tinha que ir para Banjara, mas que ficaria no destacamento com o meu pelotão, para manter a segurança no local. Não me falou nada sobre a minha baixa. Fui para Banjara e estive lá dois dias. Dois dias a ver um helicóptero num vaivém doido, a chegar com feridos ligeiros e a partir para trazer outros.

No segundo dia o heli não apareceu e ainda bem, pelo que regressamos a Geba.

Continuei em Geba até fins de Fevereiro, sem mais nada ter acontecido. Felizmente que nos deixaram descansar uns dias, para recuperar a moral e as forças físicas, e para eu continuar a recuperar do meu incidente, pois ainda não conseguia olhar em frente correctamente e doía-me, fortemente, quando tentava voltar-me para trás. Mas sentia que as dores iam diminuindo e o tempo ia passando, também.

No dia um de Março, a companhia fez mais uma rotação, como vinha acontecendo de dois em dois meses e, a mim desta vez, tocou-me ir para o destacamento de Cantacunda.

Do meu pelotão apenas eu é que tive o privilégio de ser o contemplado, pois o meu pelotão ficou todo em Camamudo, quando devia ter ido metade. Nem a minha Secção me acompanhou, não sei se por castigo ou por engano. Não me foi dada qualquer explicação por parte do alferes, como já era habitual, que mantinha segredo em tudo até ao último momento.

O destacamento de Cantacunda estava a ser comandado pelo Furriel Miliciano Paio, do primeiro pelotão, que ficou com duas secções, pois era a vez de eles irem para Banjara. Por isso fui eu comandar a outra secção.

Eu, com o Régulo (Chefe máximo da região de Cantacunda)

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Foto: Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, do mesmo autor, em:

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