1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 31 de Dezembro de 2009:
Caro Carlos Vinhal,
Junto encontrarás um pequeno escrito.
Diferente, ditado do fundo do coração. Deixo à tua consideração a sua publicação ou não.
Logo, espero levantar com todos vós a minha taça de champanhe.
Que ela nunca esvazie de paz, de alegria e de boa saúde para todos e familiares.
Das terras frias dos States, um abraço muito quente para todos,
José Câmara
Como eu voltei a acreditar na existência do Pai Natal
Afinal há Pai Natal!
Não o vi, nem falei com ele. Mas sei que ele existe, pois ao longo dos últimos tempos foi-me deixando muitos presentes no sapatinho.
Na Noite da Consoada tive muitas histórias para contar à minha família.
Enquanto mamã Isabel se esmerava, para delírio dos genros e do filho, na preparação do prime rib à americana e do caldo verde à portuguesa do qual as netas são as grandes apreciadoras, lá fui contando alguns prodígios do Pai Natal.
Tudo começou com o meu primeiro encontro com o blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné.
No blogue fui lendo histórias, comentários, encontros e desencontros entre camaradas. Histórias e fotografias que me tocaram: Mata dos Madeiros, Balenguerez, Bachile, Ponte Alferes Nunes, e muito mais à volta de Teixeira Pinto.
Senti a necessidade de me abeirar do capitão Jorge Picado, meu bom padrinho por tradição na entrada para o blogue. Com ele aprendi que as papaias vinham das papaeiras, e não daquela maldita papeira que apanhei quando jovenzito. Pelo Jorge Fontinha e Luís Faria, sujos do mesmo pó que eu, senhores de uma guerra esburacada, consegui chegar ao Chaves de Santa Maria que, passados tantos anos, já não conseguiu ligar o nome à pessoa. Com tanto Inchalauzinho à volta, não me admirei que o bom do Chaves se sentisse perdido.
O Carlos Silva levou-me à antiga estrada Teixeira Pinto/Cacheu, fez-me inveja com a nova ponte Alferes Nunes, mostrou-me Bassarel, e o nicho deixado em Calequisse pelo 3.º GComb da Ccaç 3327. Saudades tamanhas! Viagem impagável.
A partir deles e aos poucos, o meu sapatinho foi enchendo-se com a camaradagem e amizade do Carlos Vinhal, do Hélder Sousa, dos meus conterrâneos açorianos Matos e Cordeiro, e desse grande plantador de minas, coração de ouro (que poucos conhecem), que é o António G. Matos. Muitas vezes aventuram-se a atravessar o Atlântico para me acompanharem na apreciação dos loirinhos cá do sítio (com coca-cola, claro).
No sapatinho encontrei uma garrafa de vinho (sim daquele que se guardava ao sol durante meses e não estragava, justiça seja feita aos vinhateiros portugueses e à àgua do Geba) que o Luís Graça me mandou. Fiquei sem saber se era para beber assim ou com água. Resolvi… juntar-lhe gelo, pois fresquinho não azeda tanto o estômago. Fiquei mesmo sem saber se estava a beber água com vinho, ou vinho com água (e eu a sonhar com o vinho de cheiro da Ilha Montanha e dos Biscoitos da Terceira).
Não posso olvidar a ajuda preciosa, a camaradagem, e o trato fino dos amigos Virgínio Briote, Jero e Gualter Pinto. Os comentários do José Dinis, do José Martins, do Manuel Maia, do Mário Fitas do Jorge Teixeira Portojo e que outros calam fundo no meu coração. As respostas prontas que recebi do Mexia Alves, sobre a sua possível passagem por São João, deixaram-me (quase) a certeza que o conheci naquelas paragens. E a alegria do encontro com o José, Tenente Fuzileiro, ali para os lados de Cambridge tem um lugarzinho especial.
E, caramba, quem havia de dizer que uma das grandes palestras que recebi em associativismo Americano, viria de Portugal, pela pena do Alberto Branquinho!?
De dentro do sapatinho também tirei alguns emails do capitão Vasco da Gama e todo o humanismo que neles encerra. E também a certeza que a coluna por ali não partirá. E a promessa do Juvenal Amado (Sacadura) em encontrar-se comigo, imaginem só (e para quem quiser acreditar), na Ilha das Flores.
Com o pira Ribeiro e outros mantive correspondência que, julgo, esteve ao nível dos melhores princípios de camaradagem e amizade, mesmo sem nos conhecermose sem alardes, entre homens da “Guiné”. E acabei por perdoar o Alfero Cabral por ter ficado com todas as ninfas do tempo, e agora ensina outras que só há ele, e os outros que se lixem. Mesmo assim, encontrei uma bisnaga, lembrança do Enfermero Teixeira, para a deixa de um dia.
Mantive um excelente diálogo com o Amílcar Ventura, e ainda me sinto sensibilizado pelas palavras amáveis e de abertura do Manuel Reis. Do Abreu (pai) vou recebendo correio electrónico que me chama a atenção para artigos escritos, muitos deles bastante pertinentes, em OCS portugueses.
E quando for passar férias aos Açores terei sextilhas à minha espera, pois que do espírito também devo tratar.
No meu sapatinho ainda estão algumas coisas que chegaram da Suécia, da China e de muitos outros pontos do Globo. Excelentes artigos e histórias escritas nas bolanhas, nos ares e nos rios de uma terra que nos tocou profundamente, a Guiné, que deliciaram os meus tempos livres, durante os últimos meses. Até porque como mandam as regras “não devemos esquecer ninguém que nos toca”, e aqui me penitencio se aconteceu.
Também foi no sapatinho que, ao fim de 35 anos, encontrei o Furriel Enfermeiro Rui Esteves e, com o qual, tive contacto. Por ele, soube dos locais possíveis onde poderia encontrar outros camaradas da nossa Companhia. O Furriel André Fernandes deu um ar da sua graça. Trocámos alguns mimos. Também encontrei o Furriel Miliciano João Fevereiro, que passou pelo Pel Caç Nat 66, que também estava sediado no Destacamento de São João.
Entretanto, copiei o que as minhas netas costumam fazer e acabam sempre por ter sorte, resolvi escrever uma cartinha ao Pai Natal delas, pedindo-lhe que me ajudasse a encontrar os meus camaradas da CCaç 3327. Escolhi o delas porque, infelizmente, há muito tempo que não acreditava no meu….
O Pai Natal das minhas netas é mesmo bom. Munido das listas de telefone de Portugal, do Canadá e dos USA, proporcionadas pela internet, lá foi encontrando os antigos oficiais da Companhia, alguns furriéis e alguns soldados. Não conseguiu encontrar todos, mas continua a trabalhar nesse sentido.
Aos poucos, o meu sapatinho foi enchendo-se com os números de telefone e endereços dos soldados da minha Secção. Na véspera de Natal falei, via telefone, com o último homem do meu grupinho de amigos, meus camaradas, meus irmãos de armas. Eles foram, durante muitos meses, a minha família, da qual muito me orgulho.
O meu sonho é um encontro com todos eles num lugar qualquer. Se possível, nesta vida terrena. Difícil será, tenho a certeza, pois estamos espalhados pela Califórnia, Massachusetts, Ontário, São Miguel, Terceira e Faial.
Ah, e o meu encontro, via telefone, com o meu grande amigo Furriel Miliciano Pinto, o único com quem mantive correspondência durante alguns anos, para tudo se esfumar, ao perder o seu endereço, numa mudança de casa. Isto até há bem pouco tempo. Mas deu para perceber que ele já aderiu ao novo acordo ortográfico ao casar com uma muita simpática senhora brasileira. Resolveu, e bem, ficar pelas praias algarvias que rivalizam com Copacabana, mais fio menos fio a encobrir aquilo a que já não ligamos patavina. Quero dizer ligamos! Mas não passamos daí.
Surpresa foi encontrar o Furriel Santos da CCaç 3326 que me confessou ainda sonhar com o Monte Brasil, na Terceira. Pudera! Aquele lindo monte alberga memórias inesquecíveis a todos os militares que por lá passaram. Foram milhares que ali se prepararam para viver, sonhando com um regresso e, para muitos, com um futuro nas américas.
Monte Brasil - Ilha Terceira - Açores
Foto Carlos Vinhal (2006)
Mas o Pai Natal das minhas netas ainda tinha mais surpresas para mim. Tinha recebido um telefonema do Furriel Pinto, procurando por um camarada, mas que o número não era da pessoa indicada. Surpresa das surpresas o número era do Furriel Cruz da nossa Companhia, que, por sua vez, conhecia o Furriel Costa da CCaç 3328 que, por sua vez, conhecia e tinha contacto directo com o nosso Cap Mil Rogério Rebocho Alves.
Emoção a rodos. O sapatinho finalmente transbordara.
Ao fim de 36 anos, e em vésperas de Natal, eu chegava à fala com um bom Comandante de Companhia, um grande homem, e um bom amigo. Para mim…um pai!
Depois de todo esse trabalho o Pai Natal ainda teve forças para me acompanhar, via telefone, às casas das minhas irmãs e cunhada, nos States, e aos rochedos perdidos no meio do Atlântico para poder estar com os meus pais e a minha irmã ali regressados. Juntos, pudemos recordar a perda do filho e nosso irmão recentemente falecido. Até nisso o Pai Natal foi bom ao ajudar-nos a suavizar a dor.
Quando, finalmente, nos sentamos à mesa, ao olhar para a minha família, senti um tremor quente, único, doce e temente. No meu ombro senti a mão do Pai Natal das minhas netas. Ao meu coração chegou, num sussurro, aquelas palavras:
- Eu também sou o teu Pai Natal. Encontrar-me-ás todos os dias ao teu lado se me quiseres ver, tocar e falar comigo.
Aos sessenta anos voltava a acreditar na existência do Pai Natal.
José Câmara
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 20 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5508: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (11): Esta água tem pouco vinho
Vd. último poste da série de31 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5570: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (26): Um novo ano bem melhor do que o que passou (Joaquim Mexia Alves)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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9 comentários:
Cruzando as "linhas de comunicacao"aqui te envio,também de bem longe do nosso querido Portugal,um grande abraco com os votos sinceros,para Ti e Família,de um BOM NOVO ANO! PS)Terras Frias?!
Fabuloso esse teu Pai Natal!
m abraço e lecicidade para as próximas 51 semanas, porque na 52ª toda a gente, mesmo a desconhecida, nos deseja felicidades.
Fraterno abraço
José Martins
Fabuloso esse teu Pai Natal!
Um abraço e felicidade para as próximas 51 semanas, porque na 52ª toda a gente, mesmo a desconhecida, nos deseja felicidades.
Fraterno abraço
José Martins
Caro Zé
Também tu foste Pai Natal ao me trazeres a prenda antecipada do contacto com um dos meus "açoreanos", ele também perdido por essas terras, cheio de saudades da sua. Infelizmente a outra prenda já não chegou a tempo. Doeu o coração, mas temos de encarar a vida. Que tenhas um bom 2010 e já agora, por extensão, a toda esta Tabanca.
Um abraço desde cá de cima do
Jorge Teixeira
Caro José Câmara,
Recuperei uma tradição que se vai perdendo, pelo menos aqui em S. Miguel. Aos amigos desejo BONS ANOS e não só bom ano.
BONS ANOS, para ti e para todos os que te são queridos, são os meus sinceros votos.
Mais uma vez nos deste prova da tua sensibilidade e humanismo.
Um abraço,
Carlos Cordeiro
A maneira como reconstróis, recuperas e reabilitas o teu Pai Natal é notável, não só pela metáfora das prendas que ele te vai deixando no sapatinho ao longo do tempo mas também pela doçura que dedicas à tua família onde a cópia da carta das tuas netas que lhe escreveste para te ajudar no encontro de velhos camaradas nas andanças africanas será o paradigma da tua nobreza de sentimentos, o que me tocou particularmente.
Daí que, pese embora a polémica entre as figuras "Pai Natal" e "Menino Jesus" no que ao simbolismo dizem respeito, não posso deixar de te tirar o chapéu pela ideia, pelo estilo e pelo bom gosto da prosa.
Eu li este teu post ainda ontem, cerca de 2 horas antes do fim de ano e desde logo fiquei interessado em te cumprimentar logo pela manhã quando os efeitos da noitada tivessem passado.
A esperança que 2010 possa ser melhor que 2009 é uma opção que se baseia no esforço que farei para contrariar o derrotismo que se instalou neste país e aproveito esta ocasião para desafiar, ao nível da Tabanca, que nos deixemos de lamentações estéreis sem, contudo, abdicarmos da força das nossas convicções na defesa dos mais elementares direitos de cidadania.
Parafraseando-te um pouco ( desculpa o aproveitamento da ideia ) ontem também tive uma prenda no sapatinho que me tocou indelevelmente e me proporcionou um bem estar imenso e congratulador.
Por volta das 23 horas, e já num ambiente festivo ( ainda que familiar e ao qual me juntei com alguns amigos ) apercebo-me dum pipipi que avisava da chegada duma mensagem ( SMS ).
Apercebo-me que esta mensagem tinha sido precedida dum telefonema que não atendi por não me ter dado conta devido à algazarra circundante.
A procedência era dum número começado por 296.
No ambiente onde me encontrava pontuavam vários açorianos que logo me informaram que esse prefixo era das suas terras.
Fui, então, ler a sms que ficara no voice mail.
Fiquei incrédulo !
Falava-me o Cabral, soldado condutor da C.Caç.2790 que tinha obtido o meu número de telefone e se prontificou a contactar-me.
Separavam-nos 37 anos desde o último contacto ...
De imediato lhe liguei e fiquei estarrecido com as suas palavras gentis à minha pessoa e não consegui evitar uma emoção sincera que aqui testemunho.
Feitas as promessas de um possível reencontro, assumi esta "aparição" como um sinal muito positivo para levar em frente o tenaz objectivo de perseguir um 2010 mais construtivo, mais solidário, mais tolerante.
Este é o meu desafio !
Aceitam-no ?
Sejam bem vindos, camaradas !
António Matos
É lindo o teu Pai Natal.Deu-te lindas prendas ao longo de vários anos.Tenho muito orgulho de ter sido uma delas e mais de ter vindo no saco dele e na tua chaminé ter sido deixado.
Aquele abraço e um Bom Ano de 2010.
Jorge Fontinha
Caro José Câmara
Foi uma forma extremamente interessante como apresentaste a tua visão do balanço que fazes relativamente aos afectos, aos ganhos, aos encontros e desencontros que foram motivados por este incontornável espaço que é nosso e que é esta Tabanca.
Realmente, sou capaz de secundarizar todos os teus sentimentos expressados.
O fundo é exactamente como dizes. A forma como o fizeste é que é original.
Um grande abraço
Hélder S.
CARO ZÉ CÂMARA,
DEVE SER BOM,RECEBER UMA PRENDA DESSAS.
EU AINDA NÃO CHEGUEI À FASE DE NETOS,MAS ESPERO UM DIA SENTIR ESSA SATISFAÇÃO PLENA QUE CONTAM OS AVÓS BABADOS COMO UM IRMÃO MEU.
UM ABRAÇO PARA TI AÍ NOS STATES.
MANUEL MAIA
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