1. Mensagem de Cassiano Reginatto, um brasileiro que do outro lado do Atlântico acompanha o nosso Blogue, com data de 16 de Julho de 2010.
Boa noite senhor Luís Graça
No Brasil, neste momento são 20h20.
Escrevo-lhes para parabenizá-lo pela iniciativa do blog.
Estava eu consultando algo na internet sobre o Continente africano em 2009 e deparei-me com o seu blog.
Sempre tive fascínio sobre a África, pois na minha infância, muito assisti a filmes passados lá.
Nasci em 1971, portanto, vocês estavam, como se diz no português de Portugal, "a fazer a guerra".
Nas escolas brasileiras nos ensinaram sobre as guerras mundiais, Coreia e Vietnã, mas nunca soubemos desta guerra travada por Portugal contra a descolonização.
Fui militar de infantaria. Aqui no Brasil, o alistamento é obrigatório para quem tem 18 anos, mas presta-se o serviço militar obrigatório somente por 1 ano, e não 2 como aí.
Pelo que leio em relatos de ex-combatentes, a vida foi muito dura para vocês. Foram privados de suas juventudes, de suas famílias, muitos voltaram estropiados e outros tiveram suas vidas abreviadas.
Gostaria de saber se houve brasileiros que combateram com o exército Português nas guerras coloniais, especialmente se houve gaúchos (Sou de Porto Alegre, Rio Grande do Sul), para poder contactá-los e ouvir mais histórias da África.
Bem, vou me despedindo de vocês e saiba, todos os dias entro neste blog (uma vez pela manhã e outra pela tarde) para entender um pouco mais sobre a África e entender um pouco mais desta guerra que destroçou famílias.
Cassiano Reginatto
2. Comentário de Carlos Vinhal
Caro Cassiano
Sou um dos co-editores que ajudam Luís Graça, o fundador deste Blogue.
A nossa missão é manter esta página viva, com postes publicados diariamente, graças à colaboração de ex-combatentes da Guiné (actual Guiné-Bissau).
Julgo que saberá que no século XX Portugal ainda mantinha vários territórios espalhados pelo mundo sob a sua administração (Cabo Verde; Guiné; S. Tomé e Príncipe; Angola; Moçambique; Macau; Timor; e Goa, Damão e Diu), mas que após a independência forçada de Goa, Damão e Diu, em 1961, se precipitaram as lutas de libertação em Angola, Guiné e Moçambique.
Portugal, mercê de uma política errada, não adaptada ao que era normal naquela época, quis pela força impedir a independência daqueles países, cuja ocupação mantinha há séculos.
O resultado foi uma guerra de 13 anos, em África, que custou milhares de vidas e estropiados, além de muitos ex-combatentes, que não têm deficiências físicas, mas apresentam actualmente graves sintomas de stress pós-traumático de guerra, bem difíceis de tratar. Este problema está-se a resolver com calma e paulatinamente, ao ritmo a que vai morrendo cada ex-combatente doente. É esta a verdade nua e crua, como por aqui se diz.
Nem quero falar muito do ex-combatentes guineenses que lutaram ao nosso lado, abandonados à sua sorte, descartados, diria eu, e que por cá vagueiam à espera que lhes façam justiça. Verdade se diga que esperam sentados, coitados.
Voltando ao nosso Blogue, ele mais não é que um testemunho, na primeira pessoa, de ex-combatentes que serviram o Exército Português na Guiné, milicianos ou profissionais, metropolitanos ou naturais, mas que querem deixar as suas memórias e fotografias publicadas para consulta futura, quiçá ajudar a escrever a história de uma época envergonhada do nosso Portugal contemporâneo. Quando digo envergonhada, não me refiro aos ex-combatentes, porque não lhes era dada alternativa, só a fuga do país.
Como saberá, a guerra acabou quando os militares profissionais, fartos de guerra e interpretando os sinais do povo, derrubaram o governo e acabaram com um regime autoritário e desajustado à época e às condições.
Voltando às nossas memórias, há imensa literatura de autoria de ex-combatentes, de que poderá consultar recensões no nosso Blogue, clicando nestas palavras: bibliografia, bibliografia de uma guerra e notas de leitura.
Tanto quanto sei, não terá havido combatentes brasileiros nas nossas fileiras, porque sendo o Brasil um país independente, nenhum cidadão brasileiro seria obrigado a lutar por Portugal. Voluntários estrangeiros não os terá havido, também.
O Serviço Militar Obrigatório terminou em Portugal, havendo actualmente nas fileiras apenas voluntários que de algum modo procuram fazer carreira como militares ou adquirirem conhecimentos técnicos que lhes permitam outro futuro como civis, um pouco mais tarde. Confesso que não sei exactamente quanto tempo têm de cumprir. No nosso tempo variava entre um mínimo de 3 anos e... os que Deus quisesse.
Agradecemos o seu contacto, esperando que nos continue a ler.
Receba um abraço dos editores e da restante tertúlia deste Blogue
CV
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 – P6745: O Nosso Livro de Visitas (94): É ele o Mexia Alves que eu conheci! (António Brandão, Alf Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 2336, Angola, 1968/70)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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8 comentários:
Amigo Cassiano,
A guerra colonial foi terrivel, e nem todos os que por lá passaram a aceitaram bem.
Tive um primo que me era muito querido, (infelizmente já faleceu) que após cumprir o servço militar, não foi capaz de perdoar ao governo português e foi viver para o Brasil.
Se tenciona saber algo sobre a guerra colonial, apenas lhe posso dizer que encontrou o sítio ideal. Acredite, não existe nada mais esclarecedor.
Filomena
Curioso que os brasileiros viviam num desconhecimento (quase) total, do que se passava em Portugal, em 1974.
Mesmo a nível de jornalismo, não havia referências a Portugal em Novembro de 1974 (meio ano após o 25A), quando fui da guerra de Luanda para o Brasil.
Embora um conterrâneo meu, no Brasil desde 1955, falou-me num naufrágio na Guiné com algum pormenor, num rio com jacarés (falava afinal de tche-tche).
Só, quando o Gen. Spinola aparece no Brasil, (uma imagem bem triste de Portugal)é que os jornais se agarraram a Portugal e às colónias, e começaram a ver que ainda havia colónias tal qual tinha sido o Brasil até 1822.
Claro que a diplomacia brasileira, evoluidíssima, já tinha o "nosso dossier" bem tratado.
Caro amigo:
É sempre agradável saber que existe alguém que, longe de nós, vai lendo as nossas estórias e os nossos traumas.
O maior amigo, que conheci na vida militar, passou quase toda a sua juventude no Rio onde esteve dos 14 aos 27 anos. Não tem e-mail.
Foi requisitado a cumprir o serviço militar quando veio visitar os seus pais já idosos.
Vive neste momento um processo depressivo a que os momentos de guerra na Guiné (Cantanhez) não são totalmente alheios.
Para terminar os meus parabéns ao Carlos Vinhal que te deu uma explicação sucinta, clara e rigorosa da nossa guerra colonial.
Um abraço.
Manuel Reis
P.S. para o comentário do amigo Manuel Reis.
..." Foi requisitado...serviço militar quando veio visitar seus pais..."
Recordo que era muito frequente nas principais estações de comboio por todo o país, haver pequenos grupos de elementos da PIDE para apanhar (para interrogatório ou detenção)mancebos nesta e em outras situações. Eu próprio no endureçer da acção deles no desespero da situação meses antes do 25 Abril passei um mau bocado em Stª Apolónia e já tinha regressado da Guiné e tido alta do Hospital Militar.
Carlos Filipe
ex CCS BCaç3872 - Guiné
Caro Cassiano
Eu fiz a guerra da guiné no periodo anos 64/65, num local de nome Bissorã. Nesse periodo e por castigo,apareceu integrado noutra companhia operacional, um soldado que ao desembarcar em Lisboa, vindo de S.Paulo foi detido pela policia.
Ele tinha ido para o Brasil uns anos antes, segundo ele dizia construiu um pequeno império de comércio, as chamadas Mercearias Nacionais de S.Paulo, quando para receber uma herança de uma tia que tinha falecido, foi "caçado".
Ele já se situava perto dos 30 anos de idade e nós nos 23, tinha uma familia constituida, salvo erro com 3 filhos, andava sempre muito nervoso e com ataques de pânico debaixo de fogo, o que todos nós compreendiamos perfeitamente.
Não era brasileiro, mas para nós era a mesma coisa, aliás era a sua alcunha.
Rogerio Cardoso
ex-Fur.Mil.Cart.643-Aguias Negras
Primeiramente gostaria de agradecer ao Sr. Carlos Vinhal por ter respondido aos meus questionamentos e para minha surpresa, tê-la incluído em vosso blog. Gostaria de agradecer também a todos que colocaram seus comentários. Senhor Antônio Rosinha, não quero colocar mais lenha na fogueira, mas com relação ao seu comentário sobre a desinformação do povo brasileiro quanto as guerras travadas por Portugal na África, gostaria de informá-lo de que no período de 1964 a 1985, vivíamos no período de ditadura militar, o que por óbvio, víviamos sob a égide da censura. Salvo erro, vocês também sofreram com a censura da imoprensa. Somente recebíamos informações que fossem do interesses do governo militar. Conversei com os meus pais (ambos tem mais de 60 anos)e familiares sobre as guerras na Africa, e os mesmos dizem desconhecê-las. A censura era muito forte na época da ditadura. No meu entendimento, deveríamos, nas escolas, aprender um pouco mais sobre a Africa e seu processo de descolonização.
Desde já, agradeço a atenção dispensada.
Cassiano,
Apreciei imenso o seu post neste blog.
Mais, o que escrevi não foi pôr nenhuma lenha na fogueira. Apenas transmiti para os bloguistas a impressão que me deixou a experiência da minha chegada ao Brasil em 1974. Que foi uma data muito marcante para todos os bloguistas e portugueses em geral.
E o Brasil para nós "portugas", é muito mais do que futebol e samba, tanto que na revolução em 1974 foi o Brasil que recebeu os exilados governantes e revolucionários, pois já em 1961 com Jânio Quadros tinha recebido Henrique Galvão e em 1958 com Kubischek recebeu Humberto Delgado portugueses históricos para nós.
Já eu, e milhares da minha geração, fui "recebido" por Ernesto Geisel e bem tratado por cariocas, paulistas, mineiros e baianos, pois trabalhei em todos esses estados em 5 anos.
Tambem não considero lenha para a fogueira a sua resposta ao meu comentário, antes considero uma análise lógica.
Cassiano, conheci muito Brasil que foi sempre um sonho meu conhecer, mas não deu para conhecer o sul do Brasil, nem a norte de Salvador, mas o Brasil nem em duas vidas.
Cassiano, as guerras coloniais em África da parte dos portugueses, já veem do tempo do brasil colonial, veja a história de um descendente de Estácio de Sá, chamado Salvador Corrêa de Sá e Benevides em 1640.
Cassiano, apareça sempre,
um abraço
Senhor Antônio Rosinha, novamente agradeço a atenção. Caso queira conhecer o sul do Brasil, coloco-me a sua disposiação.
Um forte abraço.
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