Queridos amigos,
Agora que me estou a separar das obras do Couto Viana, depois de o ter relido com muita saudade, encontrei um poema do mais elevado recorte lírico, considero que tem total cabimento fixá-lo no blogue, ele que se considerava um acérrimo combatente na retaguarda.
Um abraço do
Mário
Um grande poema em defesa do Ultramar, de Couto Viana
Beja Santos
António Manuel Couto Viana (1923-2010) foi uma importante figura das letras e das artes plásticas em Portugal. Encenador, poeta, dramaturgo e ensaísta, foi director da revista infanto-juvenil Camarada, director do Teatro do Gerifalto, de um grupo cénico da Universidade de Coimbra, dirigiu várias revistas literárias como Távola Redonda e Tempo Presente. Encenou e dirigiu companhias de ópera, foi docente do Instituto Cultural de Macau e a sua vasta obra poética foi publicada há alguns anos pela Imprensa Nacional. Nos últimos anos dedicou-se a estudos culturais do Minho e foi publicando na Câmara Municipal de Viana do Castelo um conjunto de livros de imprevista sátira de costumes, revelou uma faceta brejeira, ele que durante toda a sua vida castigou os versos em denso lirismo, sobretudo, mas também fazendo ressoar uma espantosa toada heróica. Monárquico, apologista da direita radical, não escondia a sua ligação ao regime e aos ideais nacionalistas. Penso que o seu poema Comício é, depois do vibrante Nambuangongo, Meu Amor, de Manuel Alegre, um dos mais poderosos poemas escritos em torno da guerra, neste caso específico exaltando a oportunidade que a defesa do Ultramar daria às jovens gerações para concretizar sonhos e realizar um império como terra prometida.
Couto Viana na Casa do Artista, onde viveu cerca de 10 anos
Comício
Diz adeus à terra
Que te viu nascer:
Deixa aqui teus filhos
E tua mulher,
Vai buscar a pátria
Onde ela estiver!
Aqui tudo exige,
Ali tudo pede:
Acharás justiça
Para a tua sede
E o peixe divino
Cairá na rede.
Haverá domingos
Por toda a semana,
Ali tudo é firme,
Aqui tudo engana,
Ali a alegria
Tem a forma humana.
Diz adeus à terra
Que te viu gerar.
A palavra imunda
Tem aqui lugar:
Perversão da rosa,
Poluição do ar.
Ali tudo habita
No seu próprio chão.
A raiz só prende
Pelo coração
Aqueles que enlaçam
Pecado e perdão.
Aqui quem procura
Encontra o espelho:
Ali gira um jovem,
Aqui dorme um velho.
Ali todo o sangue
Azul é vermelho.
Diz adeus à terra
Onde o amor não basta.
Vai buscar a pátria
Primitiva e casta
Que o terror repele
E o orgulho afasta.
Aqui todo o espaço
Cabe num só medo.
Aqui há denúncia,
Ali há segredo.
Aqui já é tarde,
Ali muito cedo.
Aqui tens um signo,
Ali tens um nome,
Sem voz que divida,
Diminua ou some.
Ali tens a esperança
Para a tua fome.
Diz adeus à terra
Onde a vida passa
Como um rio de água
Morna, lenta e baça,
Onde o vento é brisa
E o clarim desgraça.
Vai buscar a pátria
De bandeiras vivas,
Busca os gestos livres,
Foge às mãos cativas,
Abandona as sombras
E as fontes esquivas.
Busca o teu futuro,
Nega o teu passado,
Vai erguer teu sonho
Solene e sagrado:
Vai morrer na pátria
Que te faz soldado!
Este poema foi publicado no livro Pátria Exausta pela Editorial Verbo, em 1971. Tive o privilégio de receber todos os seus livros autografados, estão agora depositados no fundo que criei à memória da minha filha Glória na Biblioteca Municipal de Pedrógão Grande. Era de elementar justiça convocá-lo para esta tribuna, basta este poema para se avaliar o seu estro heróico, o seu lirismo visionário, o seu modo de erguer uma bandeira em que ele tão convictamente acreditou.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7952: Notas de leitura (219): A PIDE/DGS na Guerra Colonial 1961-1974 (2) (Mário Beja Santos)
2 comentários:
Obrigada Dr. Beja Santos!
Gostei de ler o poema de Couto Viana.
O sentimento de engrandecimento das ex-colónias, é total, notoriamente diferenciado da Pátria mãe.
Já o guardei nos meus arquivos.
Cordial e atenta
Felismina Costa
Caros combatentes:
É com surpresa que vejo Beja Santos elogiar o António Manuel Couto Viana, falecido e enterrado no Dia de Portugal do ano passado.
Tive a honra de ser seu amigo, sendo através de mim que conheceu um poeta algarvio, que muito considerou: José Caniné.
No início do prefácio ao segundo livro deste autor ("Inquietando"; Ed Prefácio 2005), que exigiu prefaciar à semelhança do que fizera com o primeiro ("À Moda da Vida"/2000) escreveu:
"Há precisamente seis anos, o meu ilustre amigo coronel Manuel Bernardo quis apresentar-me um amigo seu, também algarvio, também coronel, que, à maneira do seu conterrâneo António Aleixo, compunha quadras facetas, quer de proveito e exemplo, quer de escárnio e maldizer.
"O meu amor à poesia iria, decerto, admirar a inspiração do amigo, de seu nome José Caniné.
"Fomos os três almoçar juntos. (...)"
Refiro apenas duas das quadras de J. Caniné, destacadas nesse prefácio de Couto Viana:
Se se diz que Deus não dorme
Como é que Ele deixa, então,
Que além morra gente à fome
E aqui deitem fora o pão?
Quase sempre os "sem valor"
Provam aos que valem bem
Que quem tem valor maior
Não liga ao valor que tem!
E já agora uma dedicada ao Algarve:
Que é feito do meu Algarve,
Mal o reconheço agora,
Pois pla mão de muito alarve
Foi-se o meu Algarve embora.
Carnaxide 18-3-2011
Manuel Bernardo/ensaísta
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