Niassa, um dos navios que transportou no seu bojo milhares de militares para e de regresso da guerra colonial.
Navios Mercantes Portugueses , com a devida vénia.
Porto de Lisboa > NTT Niassa > Estação Marítima de Alcântara > 09/Abr/70 > Momento da tentativa de acostagem na Gare, com a emoção para visualização dos seus.
Foto e legenda: © Américo Estorninho (2010). Direitos reservados
CANSADOS DE GUERRA
Comentário do nosso camarada Jorge Narciso*, ex-1.º Cabo Especialista de MMA, Guiné, 1969/70, deixado no Poste 7962**:
Caros Luís, Humberto, Levezinho e restantes "regressados" desse dia 17 de Março.
Cansados da guerra.
Belo plágio evocativo de Jorge Amado e da sua Tereza Batista.
Acredito (não passei pela experiência pois regressei de avião) que independentemente da "area/classe" do barco em que cada um fez essa viagem:
- Comendo lombo, bifanas, carapaus, massa, feijão ou meras rações de combate.
- Jogando king, canasta, sueca, lerpa, bisca lambida ou montinho.
- Bebendo uisque velho, cognac, brandy ou bagaço baptizado.
- Gozando a brisa marítima, cuja temperatura se ia "normalizando" à medida que o barco "subia", mesmo que vomitando de enjoo.
Acredito, repito, que tal viagem soubesse a cada um como um grande cruzeiro, qual ponte para o outro lado da vida.
Cansados da guerra:
"Herois" e "cobardes" (com todo o subjectivismo inerente a tais designações) e os que não foram, nem pretenderam ser, nem uma coisa nem outra (seguramente a esmagadora maioria).
Cansados da guerra:
Independentemente do tempo nela passado e, em tantos casos, cansaço atingido logo nos primeiros dias ou, noutros ainda, antes mesmo de para ela partir.
Cansados da guerra:
Para a qual e na generalidade não foram devidamente preparados, sequer consciencializados do que os esperava.
Cansados da guerra:
De ver morrer, matar, estropiar e rebaixar a condição humana ao seu patamar mais subterrâneo e hediondo.
Antes que além da guerra, os camaradas fiquem cansados de mim, vou terminar, já agora com uma pequena efeméride:
No dia 17 de Março de 1971, perfaziam-se 15 dias que tinha começado a trabalhar, exactamente 3 meses depois do meu regresso da Guiné, período de "convalescença" pós-cansaço.
Abraço
Jorge Narciso
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 3 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5756: FAP (46): Recordando o inferno do HM 241, as heli-evacuações, o cubano Cap Peralta, os Alouettes III, celebrando a camaradagem e a amizade... (Jorge Narciso)
(**) Vd. poste de 18 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7962: Efemérides (62): 17 de Março de 1971, o regresso casa, no T/T Uíge, cansados da guerra: foi há 40 anos! (Tony Levezinho / Humberto Reis / Luís Graça)
Vd. último poste da série de 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5225: Comentários que merecem ser postes (10): Jorge Cabral, Essa Alma Peregrina Mor (Petrouska Ribeiro)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
Obrigado Jorge Narciso pela parte que me toca. Foi por acaso no Niassa, cujas fotos anexas, que embarquei em Lisboa a 24 Maio de 69, juntamente com o Luís Graça, meu vizinho de Alfragide, o Tony Levezinho, da Amadora, bem como mais um milhar deles de carne para canhão. Regressei a 17 de Março de 71, mas desta vez no Uíge, que, em minha opinião era melhor que o Niassa.
Mais uma vez obrigado e um Grande Abraço
Humberto Reis
Pois é Jorge Narciso,
esse Niassa fazia o vai vem de Lisboa Bissau Luanda e Lourenço Marques e vice versa, e quando me levou para a Guiné ao desembarcar lhe pedi para me ir buscar no fim de minha comissão, e o Niassa passado 23 Meses lá estava para me trazer de volta.
Hoje não existe a não ser em nossas memórias, e ainda me sinto dentro dele a baloiçar.
Um Abraço,
Albino Silva
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