1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 15 de Maio de 2011:
Caro Carlos
Este 8º. Acto, que aqui segue, está, afinal, na sequência do anterior ("Prótese), mas, nestes casos, não houve (ou, infelizmente, não pôde haver prótese?).
Recebe um abraço do
Alberto Branquinho
CONTRAPONTO (33)
TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)
8º. Acto – Foi outra guerra qualquer
Cenário
Primavera de 1990.
Uma janela grande, com luz intensa exterior.
A janela situa-se sobre a Avenida Rainha D. Leonor, no Lumiar, em Lisboa, quase em frente às instalações da Associação de Deficientes das Forças Armadas.
Personagens
Duas mulheres, conversando junto da referida janela.
Acção
- Pois, Eunice, gosto muito da tua casa nova. Estas janelas… Este sol, esta luz.
- Foi por isso que a comprámos. Mas tivemos que fazer obras.
- Tenho estado a olhar lá para fora, enquanto estava à tua espera. Quem são esses homens em cadeiras de rodas que vão ali no passeio… Sem as pernas e… alguns são pretos?
- Acho que são mutilados da Segunda Grande Guerra.
- Credo, filha! Os homens têm lá idade para ter andado na Segunda Grande Guerra. E Portugal nem sequer entrou nessa guerra.
- Então, não sei. Foi outra guerra qualquer.
(CAI O PANO)
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 10 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8254: Contraponto (Alberto Branquinho) (32): Teatro do Regresso - 7.º Acto - Prótese
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
22 comentários:
Branquinho, só um resumido comentário : EXCELENTE !
Caro António Matos
Se me permites, faço minhas a tua PALAVRA.
Já agora podiam lá ir almoçar um dia. Não só estas "personagens", mas toda a gente.
Passariam a olhar-nos com outros olhos e, notariam por certo, que a pele não tem côr.
Sei que o termo "genial" tem algo de...."demasiado". Mas este teu texto que tudo diz,anda lá perto.
Caro Alberto Branquinho,espero que continues com o Teatro do Regresso.Bravo!Reparo nas fotografias de António Matos e do J.Belo.Duas maneiras de se estar na Europa? Rui Ataíde.
Alberto, o teu Teatro do Regresso tem o grande mérito de nos obrigar a meter o dedo na ferida... E tua ironia é como ácido sulfúrico. Um abração. Luís
Caro Branquinho:
Assim sim. Com meia dúzia de palavras e um simples diálogo, dizes quase tudo: da ignorância à ingratidão e desta ao desprezo.Perfeito.
Um grande abraço
Carvalho de Mampatá
Que idade tinham as Senhoras?30,40,50?Então não podiam ignorar
a guerra de África,que pertenceu
à rotina de todos os Portugueses.
Ainda se fosse hoje?Teatro do Absurdo?Óptimo!Também gosto.
Abraço.
Jorge Cabral
Branquinho, viva!
De facto, houve um período, correspondente aos anos finais, que a Metrópole parecia outra Pátria, onde se viviam os prazeres do novo-riquismo, e se exibiam as conquistas que o mercado proporcionava com facilidades: o automóvel, a frequência de espectáculos, os passeios em magote à praia, e menos ao campo (o Algarve e Vilar de Mouros), enfim, o ambiente era aligeirado, daí, nada me estranhar sobre a memória das intérpretes.
O choque, sentia-o os milicianos.
Um abraço
JD
A. Branquinho
Tá tudo aí!
Indiferença, ostracismo, ingratidão, esquecimento.
E o diálogo, ainda que inventado, é intemporal. Podia (pode) ter acontecido ontem, hoje ou amanhã!
Inteligente, lúcido, corrosivo (qb)
Alberto, parabéns, e não deixes o Teatro do Regresso, morrer.
Francisco Godinho
Não seriam antes dois políticos no café da esquina?
Um abraço
cumprim/jteix
Caro ABranquinho
Já não é novidade para nós este teu 'teatro do absurdo', como se interrogou o nosso "alfero" Cabral.
Infelizmente não tão absurdo assim, é duma colagem à realidade impressionante.
Foram produzidos elogios vários pelos comentadores antecedentes, dum modo geral utilizando idéias e palavras curtas, ficando assim provado como este 8º Acto calou tão fundo nos nossos sentimentos e entendimentos que mais palavras só podiam prejudicar.
Há no entanto um aspecto que gostaria de salientar. A cena imaginada (será assim tão imaginada?, não terá sido auditada ao vivo?) é colocada nos anos 90.
Nessa altura já tinham passado mais de 15 anos sobre o fim dessa era.
Recordo contudo uma passagem dum poema escrito por um autor cujo nome agora não me ocorre, em tempos em que a guerra ainda estava para durar, que retratava, mais ou menos, o registo da perplexidade com que um militar em férias na então 'Metrópole' ou a correspondência de alguém que de lá enviava notícias, que dizia: "em Lisboa, na mesma, isto é, a vida corre!", ou seja, estavam em territórios de África uns quantos jovens que 'viviam' como podiam, mas 'cá' os seus contemporâneos iam vivendo como que ignorando esse facto.
Continua, Branquinho, queremos tomar conhecimento de mais 'cenas' porque da realidade temos às vezes imagens nubladas...
Abraço
Hélder S.
Em tempo, e sem querer "tirar" a ignorância aos figurantes.
Há famílias que nunca souberam da existência da guerra. Quais?
1. A dos que foram "estudar" para a estrangeiro;
2. A dos que tinham apenas "filhas" e os namorados eram LIXO, gente estranha.
3. A doa actuais políticos, desde a estrema direita à estrema esquerda:
a) Porque nunca dizem que foram combatentes, apesar de nós sabermos quem são;
b) Os que eram muito novos para lá terem ido;
c) Os que são muito novos, para os pais lá terem estado.
Guerra qual guerra?
É natural que elas não soubessem que guerra era.
Quando para lá fomos era simplesmente para acções policiais e as ordens seriam para liquidar um bando de malfeitores, qual bando do multibanco daquele tempo.
Depois quando se provou que afinal sempre era uma guerra, acabou-se com ela e ignorou-se os seus actores.
Nesta tua peça de teatro a ignorância e esquecimento, está definitivamente instalado.
«Gosto» à laia de FaceBook
Um abraço
Alberto meu Caro
O Antº Matos tirou-me a palavra:
Excelente.
Continua.
Quanto ás senhoras uma era nova e burra e a outra velha e...
Abraços do T.
Helder:
Já agora,
Helder: Deves querer referir-te ao poeta Manuel Alegre:
(...)
Em Nambuangongo a gente pensa que não volta
cada carta é um adeus em cada carta se morre
cada carta é um silêncio e uma revolta.
Em Lisboa na mesma isto é a vida corre.
E em Nambuangongo a gente pensa que não volta. (...)
Excerto do poema Nambuangongo meu amor, do livro de poesia "Praça da Canção" (1965).
http://www.manuelalegre.com/301000/1/000297,000014/index.htm
Caro Branquinho,
Gostei. Gosto sempre. Pela forma simples, despretenciosa e ao mesmo tempo, ousada, até com algum risco de ser entendida como... anti qualquer coisa.
Continua.
Um Abraço
Manuel Amaro
Alberto:
Continuas igual a ti mesmo. E eu continuo a gostar do que escreves.
Fernando Gouveia
Sem palavras!!!
Um abraço
Caro Luís, obrigado por me ajudares a recuperar a memória do poeta MAlegre. Já me tinha esquecido...
Na verdade, tinha retido essa 'imagem', essa idéia, transmitida nesse verso do poema em que se evidencia a contradição da vivência de 'dois mundos'.
Um, o dos militares nas frentes ou zonas de conflito (chamemos-lhe assim) para quem aquela vida era fruto de interrogação e que lhe parecia que o deveria ser também pelos 'outros', e o 'outro mundo', o da rectaguarda ou da Metrópole, que parecia viver em crescente e permanente frenesim, em certa medida (pelo menos aparente) alheio de modo colectivo aos problemas individuais que se passagem 'lá longe, onde o sol aperta mais'.
Mas esse tipo de contradição não é ou não foi exclusivo nosso,
Se bem que me vá socorrer de recordações de imagens de filmes, lembro-me de ver como na América também se vivia uma vida pouco compatível com o sofrimento das frentes de combate na Europa e Pacífico, como a vida corria alegre e despreocupada nas cidades do interior, durante a guerra do Vietnam, como o caso retratado no filme "O Caçador", e por aí além.
Para quem, como nós, esteve em "Teatros de Operações", afligia bastante o aparente alheamento (excepto, obviamente, para quem tinha familiares directamente implicados) dos que por cá estavam e esse choque ocorria quase sempre quando se vinha de férias e principalmente de vez. Daí, talvez, muitas das inadaptações.
Abraço
Hélder S.
Pois é, Helder e camaradas.
A guerra só é guerra, quando se passa na nossa casa, rua ou cidade. Para além disto já não é guerra.
A última com estas características foi no inicio do século XIX, com a invasão francesa e lutas liberais.
A de França, muito "aplaudida" e as de África, eram lá longe, tão longe que nem era para trás do sol posto, porque não eram para poente, for para nascente, a primeira, e as outras para o sul, além do Equador, excepto a da Guiné, mas ... era muito la para baixo.
Só agora tive oportunidade de reler os 20 comentários.Näo me tinha apercebido da preocupacäo de um dos comentadores quanto ás fotos de António Matos e à minha.Gostaria de lhe responder:O António Matos teria frio na Lapónia,e eu teria calor em Portugal.Chegará como esclarecimento para uma pergunta de tal modo "existencial"? Um abraco...grandioso!
Neste mundo do absurdo, é bom ler o Mestre Branquinho que poupa nas palavras e "esbanja" nas mensagens.
Um abraço do Silva
Enviar um comentário