quarta-feira, 18 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8295: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (8): As nossas correspondentes e o nosso volume de correio semanal... (Luís Graça)





1. Aproveitando a onda provocada pelo documentário de Marta Pessoa, Quem Vai à Guerra,  podemos perguntar aos camaradas que nos lêem: 

(i) Quantas cartas e aerogramas se terão escrito de e para a Guiné, no período entre 1961 e 1974 ?  E sobretudo, qual era o volume (médio) da nossa correspondência semanal ? Além disso, com quem nos correspondíamos, e nomeadamente com que mulheres ? (*) 


(ii) Para além das nossas mães, irmãs, amigas, esposas, namoradas, etc., qual foi a presença (e o papel) das madrinhas de guerra ? (**)... 


(iii) Por outro lado, qual era o conteúdo das missivas enviadas e recebidas pelos nossos militares ?  De que falavam as cartas e aerogramas em tempo de guerra ? 


Enfim, questões a que interessaria responder para melhor se conhecer o nosso quotidiano. Questões que um dia poderão interessar os nossos historiógrafos. Questões que, para já, suscitam a nossa própria curiosidade... Daí termos realizado estas duas singelas "sondagens", tirando partido das funcionalidades disponibilizadas pelo nosso servidor, o Blogger.


Segundo a biografia de Cecílio Supico Pinto, fundadora, ideóloga e líder do Movimento Nacional Feminino (MNF), criado em 1961,  a  campanha das Madrinhas de Guerra data de 1963, e foi uma das mais bem sucedidas iniciativas do MNF (Vd. Sílvia Espírito Santo - Cecília Supico Pinto: O rosto do Movimento Nacional Feminino.  Lisboa, Esfera dos Livros, 2008).

Qual era o papel socialmente desejado da madrinha de guerra ?


"A madrinha de guerra escreve ao seu afilhado pelo menos todas as semanas. E, ao passo que as cartas de casa são tanta vez deprimentes e lamentosas (a queixarem-se das saudades que têm, das dificuldades que passam, do receio que sentem pela segurança do rapaz), as cartas da madrinha de guerra procuram ser sempre agradáveis, versando os assuntos que mais possam interessá-los. A madrinha de guerra sabe que é importante distrair o seu afilhado.

"E sabe que não basta distraí-lo: que é tanbém necessário fortificar-lhe a coragem, transmitir-lhe confiança, torná-lo psicologicamente mais apto para bem cumprir - e cumprir com satisfação"
(Presença, revista do MNF, nº 1, 1963, pp. 36-37, citado por Espírito Santos, 2008, pp. 78).


Segundo a biógrafa da Cilinha, o MFN terá mobilizado o esforço de cerca de 82 mil voluntárias (número que é difícil de confirmar na ausência do arquivo do movimento, que terá desaparecido em 1974). Já quanto ao número de raparigas e mulheres que terão respondido ao apelo do MNF para dar apoio moral, material e psicossocial aos combatentes da guerra do ultramar, Sílvia Espírito Santo escreve que a estimativa feita - cerca de 300 mil - parece ser verosímil.

Um outro dado interessante era o número de areogramas ou "bate-estradas" (32 milhões) disponibilizados anualmente pelo MNF aos nossos soldados e suas famílias... Era, pelo menos, este o número que constava, como dotação anual, no orçamento ordinário previsional do MNF para o ano de 1974, ascendendo então as receitas (e as despesas) aos 10 mil contos (op. cit., p. 87).

2. Num total de 101 respondentes à nossa sondagem nº 1/2011, apenas um em cada três de nós teria madrinha de guerra... Quatro em cada cinco correspondia-se regularmente com a mãezinha. E sete em cada dez, com a "esposa, noiva ou namorada com quem veio a casar"...  

Fica-se também a saber, apesar de se tratar de uma amostra de conveniência (e seguramente "enviesada", já que a maior parte dos ex-combatentes não têm acesso regular à Internet e não são, portanto, leitores de blogues de ex-combatentes, como este...), que um em cada quatro de nós também se correspondia, regularmente, na Guiné, com "amigas, vizinhas e colegas"... (Vd, Gráfico acima - Sondagem 1/2011).

Uma pequeníssima minoria (como eu...) não escrevia a ninguém (ou a quase ninguém)...Um terço recebia, em média,  por semana, "uma a duas cartas e/ou aerogramas"... Os campeões do correio (os que recebiam mais de dez cartas por semana) não passariam de uma minoria (cerca de 6%), a ter confiança nesta amostra dos nossos leitores (n=95) (Vd. Gráfico acima - Sondagem nº 2/2011)... 

Claro que ficamos sem saber muita coisa: Afinal, quem escrevia mais ? O corneteiro ? O escriturário ? O soldado ? O furriel ? O alferes ? O miliciano ? O operacional ? ... E em que altura da comissão: no princípio, no meio ou no fim ?... Quem estava no mato ou em Bissau ?

Enfim, estes dados valem o que valem, dão pelo menos algumas pistas para "refrescar" as nossas memórias, e sobretudo - espero - são um incentivo para se valorizar os famosos bate-estradas que ainda guardamos no sótão das nossas velharias e que um belo dia destes, quando batermos a bota, correm o risco de ir parar ao cesto dos papéis, ao contentor do lixo, ao fogo da lareira (se for inverno)... quando o seu lugar deveria ou deverá ser o Arquivo Histórico Militar.

O meu/nosso Oscar Bravo (OBrigado) a quem teve a gentileza de responder a estas duas pequenas sondagens... L.G.

____________

 Notas do editor

(*) Último poste da série > 18 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8289: As mulheres que, afinal, foram à guerra (4): Mais fotos da rodagem do filme "Quem vai à guerra"...

(**) Vd. por exemplo postes como este:

27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3803: As nossas mulheres (8): As minhas correspondentes e a minha mulher (José Colaço)


(...) Recebia as cartas da namorada, das duas madrinhas de guerra, duma correspondente espanhola e mais o correio da família que por motivo de vida e saúde estava um pouco dispersa, pois no Hospital do Rego, hoje Curry Cabral,  tinha deixado o meu irmão agarrado aos ferros de uma cama, devido a acidente de moto do qual ficou paraplégico.

(...) Primeiro, a da madrinha de guerra residente em Lisboa que nunca cheguei a conhecer por culpa minha, pois quando faltavam duas semanas para o meu regresso, deixei de lhe dar resposta. Razão nenhuma. Só o que ainda existe aqui em casa, que pode confirmar o que digo, esta foto [, à esquerda,] que tem a dedicatória ao afilhado da madrinha amiga Helena, que envio para embelezar a mensagem [, vd. imagema a seguir].

Da namorada e a outra madrinha que sabiam da existência uma da outra, com as visitas a ambas tudo se desmoronou.

Com a correspondente, também houve um interregno entre 1966 e 1969, mas,  como 1969 estive na Alemanha e sabendo que ela lá se encontrava, resolvi recomeçar a troca de correspondência no que fui bem recebido. Encontrei-me com a Paquita algumas vezes na cidade de Mainz, onde a visitava aos fins de semana, já que eu estava em Dusseldorf. Se já éramos amigos, mais amigos ficámos.

Após o meu regresso a Portugal, ainda esteve combinado um encontro, que devido a um acidente quando a Paquita se dirigia ao nosso País, [não se chegou a realizar]. Desfez o coche e assim se desfez o encontro, possivelmente também por culpa minha,  por se aproximar a data do meu casamento, os contactos tiveram fim. (...)


Outros postes sobne este tema, a título meramente exemplificativo:


2 comentários:

Anónimo disse...

Boa-noite Prof. Luís Graça!

Escusado será dizer, que o assunto me toca profundamente, ao ponto de me sentir emocionada.

Vivi intensamente aquele tempo.
Fui madrinha de guerra desde os meus 15 aos 19 anos, muito jovem, muito preocupada, muito sincera.
Era meu apanágio o incentivar a força, a coragem, com o amor à Pátria, com o dever de "defender o que era nosso", com o agradecimento pelo vosso esforço em nome de todos nós.
Ignorante de tantas realidades, mas acreditando na vossa coragem, na vossa valentia, orgulhosa de todos vós.
Hoje, tenho comigo, as cartas que escrevi ao meu afilhado Joaquim, entre 66/68 e que comprovam isso mesmo, que acabo de dizer.
É um prazer ouvi-lo dizer que as minhas cartas foram uma ajuda preciosa naquele tempo difícil, tão preciosa, que as decorou, que fixou datas e o texto, que fala delas de uma forma, como que realmente, tenham sido uma ajuda importante, para a superação de dias difíceis.
Tão ingénuas e tão sinceras as minhas cartas de madrinha de guerra, compenetrada no seu papel, que ignorava saber cumprir.
Contudo, reconheço a minha profunda ligação a esse tempo , a esse acontecimento, que marcou a nossa Juventude de uma forma drástica, matando e mutilando tantos dos nossos Jovens, apesar dos testemunhos de muitos de vós, serem de amor àquelas terras e aquelas gentes, "vitimas igualmente da mesma tragédia" e que me apraz registar.
Foi realmente um tempo de esperar ansiosa a chegada do correio, um tempo de acreditar, de ter esperança, de saber que chegaram bem.
Continuo como então, agradecendo a Deus os que voltaram sãos e salvos e triste, muito triste, pelos que não conseguiram voltar como partiram.
Sei, que nenhum voltou como foi...moralmente...era impossível ser assim, mas, os que regressaram bem, tiveram uma experiência, que os tornou "maiores, mais fortes, mais homens".
Reafirmo o que sempre disse: sinto por todos um carinho especial, como se todos fossem meus irmãos.
Acompanhei o sofrimento das mães e pais, que ficaram esperando os seus meninos voltarem, longe ainda de saber quão profundo é o sofrimento de uma mãe perante tal situação.
Escreveram-se e cantaram-se no tempo, canções de amor e valentia, como por exemplo uma que começava assim, mas que não recordo autor e interprete:

(...Vais para longe meu amor
deixas de estar a meu lado
Partes com fé e ardor
Sabes lá o que é temor
És Português e soldado...

Enquanto os mais letrados se manifestavam com as suas músicas de intervenção, rebelando-se contra os referidos acontecimentos e não só.

Cada geração tem as suas recordações, cada um o seu caminho a percorrer.
Os grandes feitos não são intemporais, e regra geral, são conseguidos à custa de grandes sofrimentos.

Para todos o meu abraço fraterno.

Felismina Costa

Anónimo disse...

Luís,
Só uma curiosidade: para além do MNF, a única instituição autorizada a editar aerogramas foi a CASA - Comissão de Assistência ao Soldado Açoriano - com sede em Lisboa e delegações nos Açores (os aerogramas da CASA são raridade filatélica, muito apreciada pelos coleccionadores). Foi constituída ainda em 1961 por açorianos - sobretudo senhoras - residentes em Lisboa. Ali tinha por missão acolher os militares açorianos que por lá passavam (nos embarques e desembarques, na IAO, etc.), mas, sobretudo, na visita aos militares açorianos que se encontravam hospitalizados no continente. As delegações dos Açores tiveram um meritório papel de apoio social às famílias dos que se encontravam em campanha, incluindo até a concessão de casas. É uma história que está por fazer, pois as senhoras ou já faleceram ou estão numa idade muito avançada e doentes. Uma colega e amiga minha é filha de uma senhora que teve importante papel na CASA aqui em S. Miguel, mas disse-me que a situação da mãe não permite colher muitas informações.
Uma investigação nos jornais diários e semanários da época é uma via que, muito lenta e espaçadamente, estou a explorar. Mas ao ritmo a que levo a "exploração"...
Um abraço,
Carlos Cordeiro