terça-feira, 21 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8452: (Ex)citações (142): Nos 50 anos do início da guerra colonial (para uns), guerra de África ou do ultramar (para outros)... Mediatização das efemérides, moda ? Ou dever de memória e de reconciliação ?




Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) >Álbum fotográfico do nosso saudoso camarada Victor Condeço  (1943-2010)> Catió - Quartel > Foto 03 > "Foto tirada de cima do depósito da água do quartel [Julho de 1967]. Vista parcial da zona antiga do quartel, o primeiro edifício eram quartos, o do meio era o dos quartos do 7,5 e ao fundo a Central Eléctrica Geradora Civil do lado de lá da rua das Palmeiras que ligava à estrada de Priame. Era também a zona da capela/escola, posto de socorros/enfermaria, arrecadação de material de guerra, arrecadação de material de sapadores, oficina de rádio, etc". 

Foto (e legenda): © Victor Condeço (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



1. Perdemos, o ano passado,  o nosso Victor Condeço (Entroncamento), em contrapartida encontrámos o capelão militar do seu batalhão, o BART 1913, o Horácio Neto Fernandes, pela mão do nosso camarada Alberto Branquinho... Dizem que a guerra (colonial) começou em 1961, comemora-se este ano o 50º aniversário, sem pompa nem circunstância... Como em todas as efemérides, há alguma mediatização e com ela, segundo uns,  o risco de exaberção do debate político-ideológico e a inevitável saturação das memórias e das representações... Para outros, há sobretudo do dever de memória e de reconciliação (connosco e com os outros)...

Para o Alf Mil Capelão Fernandes, natural de Ribamar, Lourinhã [, foto à esquerda], Catió no sul da Guiné terá sido um ponto de viragem na sua vida, de homem e de padre... O Alberto Branquinho tem a delicada e difícil missão de o trazer até nós, comunidade virtual e eral da Tabanca Grande.


2. Do nosso leitor Salvador Nogueira [, antigo oficial pára-quedista, com passagem pelos três 3 TO da "guerra de África"; não faz parte da nossa Tabanca Grande, e por essa razão não publicitamos o seu endereço de e-mail]:

O que me parece interessante é o facto de muitos dos actuais protagonistas de movimentos de solidariedade com os combatentes (coitadinhos!) e com a guerra 'como facto histórico e social', serem os mesmos que há poucos anos os abominavam.

Além de 'interessante', parece 'vivacidade de alpinista' uma vez que só agora, tarde, cada vez mais escribas e cineastas (com alargamento aos incontornáveis 'televisivos'), muitos deles nem sabendo do que falam, embora abordando a questão de perto, se dedicam em reptidos 'encontros' de mundanice volúvel e a loas e panegíricos que nós, ex-combatentes das Forças Armadas Portuguesas, dispensaríamos - muit'obrigado!- pois bem se vê que o intuito não é louvar nem promover mas sim louvar-se e promover-se, cada um, a si, fazendo pela vidinha curta e pequenina.
SNogueira
Domingo, Junho 12, 2011 8:33:00 PM (*)






 







3.  Do nosso camarada José Câmara, membro da nossa Tabanca Grande, a viver no EUA [, foto à direita]:





Caro SNogueira,

Julgo compreender o seu sentir sobre esta matéria. 
Na verdade os antigos combatentes foram esquecidos e muitas vezes ultrajados na sua honra pessoal e militar por dois pecados que, para alguns, talvez demasiados, cometeram na vida: amar e defender Portugal, independentemente do seu sentir sobre a guerra. Pelos sacrifícios prestados enquanto pecadores,  os antigos combatentes apenas pediram e pedem o respeito da Nação. É justo!

Hoje é melhor que alguns falem de nós, bem, mesmo que os seus sentimentos nem sempre sejam tão altruístas como gostaríamos que o fossem. Um dia, tenho a certeza, esses nobres sentimentos humanos virão ao de cima em toda a sua plenitude.

Hoje são cada vez mais as flores depositadas nos monumentos aos combatentes do ultramar, que aos poucos se vão espalhando pelo país. Portugal está a mudar.

São visíveis,  bem visíveis,  alguns sinais da reconciliação. Deixemos a todos os portugueses esse dever.

Cumprimentos,
José Câmara


Domingo, Junho 12, 2011 10:29:00 PM  (*)


4. Excerto de um recente poste do José Brás (**):


(...) Com referência na intervenção de Marta Pessoa e da sua recolha de depoimentos junto de mulheres que viveram a guerra, ou ficando aqui sofrendo as ausências e aguardando a volta, ou aceitaram fazê-la directamente no campo da luta, e na sua afirmação de que é muito importante por ainda hoje a falar a vozes que teimam em se calar, dei uma pequena nota de um episódio real vivido por mim duas horas antes, a partir de conversa com uma mulher, culta, social e culturalmente de esquerda (ainda que resguardando tal significado), que, respondendo a pergunta sua eu tinha informado que estaria num Colóquio sobre a Guerra Colonial, de imediato tinha recebido dessa mulher uma declaração azeda "ainda andam a falar disso?", "mas não chega já de conversa sobre tal cansativo assunto?" . 


Tal resposta tinha-me surpreendido como emboscada e deixara-me com pouca reacção, perguntando apenas se ela não achava que tal guerra que tinha matado mais de oito mil jovens, danificado de corpo mais de quinze mil, ferido mais de trinta mil, envolvido directamente mais de oitocentos mil e respectivas famílias e, ao fim de contas, determinado fortemente o fim do antigo regime, a actual situação da democracia e o desenvolvimento das situações vividas nas ex-colónias, se tal guerra, achava ela, que teria já acabado, ou que teria sido já debatida em excesso. (...) 


Último poste desta série (Ex)citações > P8321 (***)

_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 12 de Junho de 2011 >  Guiné 63/74 - P8409: As mulheres que, afinal, foram à guerra (15): Filme do dia: Quem Vai à Guerra (Diana Andringa)


(**) Vd. poste de 18 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8443: Agenda cultural (136): Colóquio/Debate OS FILHOS DA GUERRA COLONIAL - Pós-memória e Representações, ocorrido nos dias 14 e 15 de Junho de 2011 no Auditório do CIUL; CES - Lisboa (José Brás)

(***) Último poste da série > 25 de Maio de 2011 >Guiné 63/74 - P8321: (Ex)citações (139): Comentário ao Post 8318 - Notas de Leitura - Porque Perdemos a Guerra, de Manuel Pereira Crespo (José Manuel M. Dinis)



5 comentários:

Anónimo disse...

Apesar de procurarmos "o ideal",talvez,humildemente,nos tenhamos que contentar com simples..."melhorias". Um abraco.

Antº Rosinha disse...

Os 50 anos de guerra, ou 500 conforme o ponto de vista de cada geração, só deixa de ser tão traumatizante, se em vida, cada soldado tenha chegado a compreender, e aceitar porque andou de arma na mão.

Se aqueles que fizeram a sua guerra com Spínola, ou Teixeira Pinto, ou Pereira DÉça, ou Paiva Couceiro, e porque não falar em Afonso de Albuquerque, etc., se os soldados que acompanharam esses comandantes não compreenderem a guerra que fizeram, viverão com trauma cada tipo de ferimento que viram ou que sofreram.

Claro que para a família, o trauma não será menor, antes pelo contrário.

Anónimo disse...

Pois é, camarada Rosinha, pois será pelo que dizes que tanta dor tem atravessado os anos desses soldados e das suas famílias.
E há os que acompanhando tais chefes o fizeram por convicção firme porque acharam, e muitos ainda acham, que era a Pátria que estava em perigo e não lhes cabia recusar a luta. Não sei se não há no seio desses, também, muita gente vivendo com trauma, ainda que não ponham em causa a validade do seu sacrifício.
E há ainda os que compreendiam muito bem tal guerra (e aqui refiro apenas a última) mas ao contrário. Quer dizer, entendendo-a como uma inutilidade, como um acto fora da lógica do tempo e da história, como um gesto de resistência extrema contra o progresso dos povos e mesmo contra as conveniências do País, e, apesar da terem entendido assim, aceitaram o combate, cada um com seus motivos e razões. Traumas, camarada, acho que é o que mais fica em toda a gente que faz uma guerra, seja ela qual for. Viver com tais traumas atenuando-lhes os efeitos, às vezes quase até uma visibilidade zero, depende também da forma como se vive na volta. Creio que a entrega sincera e empenhada a actividades colectivas de carácter cultural, social, religioso, etc., ajudará, sem dúvida a atravessar tais traumas como se de facto não existissem.
Também acho é que não se pode decidir de modo radical, fingindo que não existiu e que não existe ainda, uma realidade dinâmica que tanta influência teve, pela positiva e pela negativa, na construção desta democracia em que vivemos.
É sempre um gosto falar contigo, assumindo-te a honestidade reconhecida e a enorme bagagem de conhecimentos e de experiências que formataram o visível amor que tens por aquela terras e gentes.
Abraço grande
José Brás

Antº Rosinha disse...

Amigo José Brás, Quantos milhares de jovens do nosso mundo rural foram e regressaram, sem nunca terem compreendio o que se passou nos 24 meses coloniais, e provavelmente nem nunca souberam apontar no mapa por onde passaram aquele tempo?

As defezas desses homens são nulas.

E quando ouvem constantemente que aqueles anos foi tempo perdido, imaginamos como fica a cabeça desse homem e da família.

Como lidei com muita gente que viveu lá e regressou, e eu tambem sou retornado, e andei sempre num vai e vem, conheço casos de pessoas que ainda hoje escondem que estiveram lá, mesmo os que só estiveram os 24 meses.

Sentem-se como que autênticas vítimas de "homofobia".

Claro que cada caso é um caso.

Mas há tantos casos!

Um abraço

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Eu já atingi a fase de reconciliação.
50 anos não nos faz esquecer todavia dá para expurgar alguns fantasmas.

Abraço.

Jorge Fontinha