domingo, 18 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8790: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (11): A primeira missão - parte II

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 16 de Setembro de 2011:

Caros camaradas Editor e Co-Editores
Em anexo envio em conjunto os vários comentários (com alguma pequena revisão) que enviei a propósito de questões que foram colocadas no post* com o relato da minha "primeira missão", que pretendia servisse para provocar algum sorriso de boa disposição mas que acabou por suscitar vários esclarecimentos, dos quais aqui estou a tentar dar resposta a parte deles, sendo que acabei por completar com mais informação.

Podem proceder conforme melhor for considerado.

Um abraço para todos
Hélder Sousa


HISTÓRIAS EM TEMPOS DE GUERRA (11)

Caros camarigos
Motivado por várias questões que foram colocadas no artigo anterior relativo ao tema a que chamei “A primeira missão”, vou tentar adiantar alguns esclarecimentos, os que puder e souber, relativamente ao que me solicitaram, chamando agora

“A primeira missão – parte II”

Nesta parte vou procurar responder e corresponder às questões ‘técnicas e práticas’ deixando para uma “parte III” as que envolvem outro tipo de sensibilidades, com as que se prendem com a opinião manifestada pelo nosso camarada C. Martins quanto às "irresponsabilidades confrangedoras", de acordo com a sua visão do que apresentei, a qual, sendo dele, tem o meu total respeito, embora com parcial desacordo.

Vou então começar pelas questões do Luís Graça, relativas ao percurso efectuado e ao "perímetro de segurança", sendo que alguns esclarecimentos podem também servir para outros amigos.

O percurso
Sobre isso gostava que fizessem um esforço par se procurarem colocar-se um pouco na minha pele, ou seja, na minha situação. Muitas vezes encontro aqui no Blogue, mas não só (isso é comum a muitas situações), casos em que as pessoas colocam objecções, questionam, opõem-se, etc., ao que é descrito mas não fazem um esforço para enquadrar a situação de que estão a "mandar bitaites" no tempo e no espaço.

Reparem, eu cheguei à Guiné a 9 de Novembro, a partir de 10 entrei em estágio no STM e o meu percurso era das instalações do alojamento dos sargentos para o STM, para a messe e uma ou outra noite para ir ao centro de Bissau conhecer a "Meta", o "Pelicano", o "Chez Toi", o "Solmar", a "5ª Rep.", etc.
Foram estes nomes que começaram a ser familiares, mais "Amura", "QG", "Palácio do Governador", "Cupilão", e alguns outros mais.

Também comecei a ouvir outros nomes: "Tite", "Morés", "Óio", "Cantanhez", "Pirada" "Aldeia Formosa", "Teixeira Pinto", "Buba", "Bula", "K3", "Mansoa", "Guileje", "Guidaje", e mais alguns outros sendo que nessa altura eram só nomes, não sabia graduar as dificuldades, as perigosidades, de cada um desses locais.

Havia outros nomes que já conhecia, pelo estudo da geografia e das notícias dos jornais, tais como "Bolama", "Bafatá", "Madina do Boé", "Bijagós", "Como", etc.

Deste modo podem perceber que, para mim, "Prabis", "Quinhamel" e outras coisas semelhantes, não tinham nenhuma carga valorativa, quanto a ser favorável ou perigosa.

Julgo que com esta explicação, e se fizerem um esforço de acompanhamento do que poderia pensar na ocasião, poderão concordar comigo que, ao fim de talvez nem sequer uma semana, não tinha nenhuma noção sobre esses locais.

Pergunta então o Luís se não teria feito um esboço do percurso dos ensaios. Não, não fiz, nem estava preparado mentalmente para o fazer, não fazia ideia do que iria suceder.

Eu não era mau de todo na grafia e tinha jeito para "afinar" as sintonias, "tirar o bigode", como o pessoal que trabalhou com a ANGR-C9 costumava dizer. Por isso, e por estar "disponível", já que estava em estágio, tal como mais três dos outros Furriéis que chegaram comigo, fui indicado para a missão, mas não sabia muito bem o que é que era pretendido com a experiência.

E de facto quando saímos do edifício das Transmissões é que fomos recebendo as indicações para onde pretendiam que fossemos. Disseram "até Antula", que era onde situavam os emissores, mas para mim isso era apenas um nome, não sabia para onde ficava, só depois é que fiquei a saber que ficava a leste da Santa Luzia. Mas eu não saber era obviamente irrelevante, só tinha que receber a indicação, transmiti-la ao condutor que, naturalmente, sabia.

Depois disseram, "até Quinhamel". Outro nome sem significado geográfico, sem outro tipo de referências, mas do conhecimento do condutor.

Em abono da verdade devo dizer que nessa viagem, feita de dia, à tarde, não cheguei a ver o caminho, ia na parte de trás da viatura, que era fechada, junto ao rádio, do operador de grafia e do Oficial sul-africano. Não me apercebi da envolvência exterior, se era em descampado, se no meio de arvoredo, se no meio de casas.

Já no percurso de noite aconteceu o mesmo. Ia na parte operacional e o outro Furriel na cabina junto ao condutor. Por isso sei que fomos até Prábis (foi o que se falou) e aí andou-se um bocado para a frente e para trás, como relatei. Na volta de regresso fomos até à "Missão Católica".

Essa “Missão” acho que sim, que são as instalações de Cumura que ficam a cerca de 2,5 km de Prabis, no lado norte da estrada, já no sentido de Bissau, a cerca de 10km desta. Julgo que com estas indicações será possível localizar aproximadamente. Sai-se de Bissau para oeste, para Prábis, e cerca de 10km do lado direito da estrada, ou seja, lado norte, está a "Missão Católica" de Cumura.


Perímetro de segurança

Bem, quanto a isto, e mais uma vez, as coisas são relativas...
Posso dizer que em 1971, depois de ter estado em Piche e ser requisitado no final de Maio para a "Escuta", nos meses de Agosto, Setembro, Outubro e talvez ainda Novembro (aqui já não me lembro bem), fui algumas vezes, de motorizada, conduzindo uma, ou como pendura, até Nhacra, visitar um Furriel meu amigo e antigo colega da escola em Vila Franca, numa Companhia de Cavalaria que estava lá colocada depois de ter estado antes na zona de Farim e que na altura era comandada pelo Cap. Cav. Mário Tomé que foi tomar conta dessa Companhia depois da morte do anterior e titular comandante.

Tenho ideia que das duas primeiras vezes não houve qualquer problema, impedimento ou condicionalismo. Mas depois passou a haver controlo em Safim e só podíamos seguir quando houvesse viaturas militares em circulação, acompanhando-as.

Depois da partida (regresso a Portugal) desse meu amigo não voltei mais a Nhacra. No entanto posso dizer que já no ano de 72, não sei precisar o mês, o controlo passou a ser junto ao aeroporto. Nessa ocasião o destino das viagens que fazia de moto passou a ser a estrada para Quinhamel, que se tomava a sul do aeroporto e depois virava para oeste.

Nessas viagens ia à civil e, obviamente, desarmado, aliás, não tive arma atribuída. Na "Escuta" estava um armeiro com várias G3 e se necessário eram essas as usadas.

Não sei dizer se era seguro ou inseguro, mas que se notou uma retracção do perímetro de segurança isso foi para mim inquestionável. Também se era psicológico ou "profilático", é coisa que não posso nem sei determinar.

Interiormente, nos bairros populares, nomeadamente no Cupilão, já na altura que lá cheguei corria o boato que "cortavam cabeças" a quem por lá se aventurava sozinho, à noite. Mas confesso que nunca tomei conhecimento de qualquer confirmação nesse sentido. Agora que era aventureirismo, isso sim.


Agora, os rádios

O que o Belarmino diz, está correcto. O Racal TR28 B2 equipava as unidades móveis, quando substituiu gradualmente os ANGR-C9.
No entanto, para os postos do STM, normalmente colocados nas sedes de Batalhão, que trabalhavam, ia a dizer "exclusivamente", em grafia (morse), eram usados os "marconi".

Era para proceder à modernização destas comunicações, portanto do STM, que se procurou equipamento melhorado e os Racal TR15 vieram à experiência. Na altura dos testes eram 3 os aparelhos. Um estava no posto director, outro na viatura móvel e o outro de reserva.

No imediato sei que um ficou em Bissau, um foi para Catió (porque o Furriel Batalha que tinha estado comigo nos testes trabalhou com um deles até ser ferido e evacuado) e não sei o destino do restante. Depois da encomenda vieram mais uns quantos mas não sei para onde foram, até porque depois ingressei na "Escuta" e fiquei aí dedicado, acabando por não acompanhar o que se passou noutras áreas.

Pergunta também o Belarmino se era para trabalhar em grafia, fonia ou ambas as vertentes.

Honestamente, agora, não sei afirmar de forma peremptória, mas acho que seriam então para trabalhar "preferencialmente" com chave de morse, embora tenha ideia que podiam ser também utilizados em fonia. Digo isto porque a disposição do aparelho, tipo caixote em cima da mesa de trabalho e a ideia que tenho de ter havido comunicação verbal entre o posto director e a viatura durante os testes (podia ter sido para outro aparelho...) fazem agora ter essa opinião.


Interferências nas comunicações

A "paisagem" da Guiné, com imensos espelhos de água, provocava como que uma espécie de reflecção das ondas rádio das comunicações. Mais do que os obstáculos florestais eram esses, os cursos de água, rios e bolanhas, que mais prejudicavam as transmissões.
Por outro lado, durante a noite, havia interferências de carácter magnético que também eram bastante prejudiciais, daí os tais estalidos, quase constantes, que se ouviam nos auscultadores e que deram cabo de bastantes aparelhos auditivos.

Caro amigo José Câmara, isto que acima escrevi serve, reconheço que com pouca profundidade de esclarecimentos, para dar uma aproximação de resposta à tua questão. Era mesmo assim, com trovoadas, alterações de condições climatéricas e das próprias alterações magnéticas, as interferências aumentavam e era necessário introduzir mais filtragens e melhores antenas, o que no mato não era fácil.

No “Centro de Escuta”, durante a noite, havia períodos em que a recepção era muito difícil e tínhamos boas antenas. Também para os exercícios de radiolocalização a tal situação dos planos de água era bastante prejudicial, já que se tornava quase aleatório determinar a direcção de um emissor pois o tal efeito de "espalhar" as ondas induzia a erros grosseiros. Mesmo com as triangulações, havia grandes desvios.

Um abraço
Hélder Sousa
Fur Mil TRMS TSF
____________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8774: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (10): A primeira missão

4 comentários:

Luís Graça disse...

Hélder, obrigado pela tua paciência e sapiência... Como infante de armas pesadas (, especialidade completamente inútil, nunca fui solicitado a usar, no TO da Guiné, as competências aprendidas em Tavira, como apontador de armas pesadas de infantaria...), funcionava como qualquer infante no teatro de guerra: para mim, as transmissões só se dava conta delas, no mato, quanto a malta estava "à rasca"... e elas não funcionavam (Às vezes a gente não queria mesmo que elas funcionassem, com o PCV, por cima de nós, a "assinalar" aos camaradas do PAIGC a nossa posição)...

É assim, como tudo na vida... Alguém se lembra do cangalheiro em vida ? Alguém se lembra do médico quando tem saúde ?

Um xicoração. Luis

Anónimo disse...

Caro Hélder

Já respondi ao meu comentário "irresponsabilidade confrangedora" no teus comentários , mas como estes passaram a "poste", e para que não restem dúvidas, fiquei esclarecido com os teus comentários posteriores.
Não foi minha intenção, mas se te ofendi, peço-te aqui, publicamente, desculpa.

Um grande alfa bravo

C.Martins

Hélder Valério disse...

Caro camarigo C. Martins

Sim, eu já vi os comentários que depois colocaste, bastante interessantes, por sinal (na minha opinião), relativamente ao que eu entendi ser uma homenagem (justa) ao pessoal das transmissões, relativamente a um episódio de 'insegurança' que te fizeram passar em 'local mal afamado' e também um outro em que disseste que tinhas entendido a situação e que portanto estava tudo esclarecido.

Tudo bem, amigo.
Não fiquei ofendido, não senhor, fiquei admirado pela 'leitura' do relatado, isso sim, mas estava à espera de comentários mais do género de um sorriso maroto, de alguma cumplicidade, como a do primeiro comentário.

Devo-te também dizer que, não tendo ficado ofendido, nem aborrecido, não senti necessidade desse teu pedido de desculpas mas deixa-me que te diga que esse teu gesto é de uma grande nobreza, de grande honestidade intelectual, coisa que vai rareando...

Portanto, mesmo sem necessidade, desculpas aceites e sem qualquer reserva.

Como entretanto prometi aos Editores uma "parte III" irei fazê-lo aproveitando o teu comentário, se não vires inconveniente, mas sem que isso signifique necessariamente que te esteja a rebater. Aceitas?

Um forte abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

OH Camarada Hélder

Claro que aceito.
Não era preciso exagerares sobre o meu carácter.
Levo a vida com uma certa bonomia, só sou intransigente comigo e com os outros quando estão em causa valores fundamentais, daí a minha reacção visceral ao teu primeiro comentário.
Continuo a pautar o meu comportamento baseado naquela velhinha frase aprendida na tropa.."serviço é serviço..conhaque é conhaque".

Um grande alfa bravo..

romio-- e nova linha..etc.. e tal

C.Martins