1. O nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) reencaminhou-nos esta mensagem do seu filho Tiago, médico, que está na Guiné-Bissau em missão humanitária a trabalhar no Hospital de Cumura:
"Eras meu camarada, que é uma palavra que só quem esteve na guerra compreende inteiramente o sentido: não é bem irmão, não é bem amigo, não é bem companheiro, não é bem cúmplice, é uma mistura de tudo isto com raiva e esperança e desespero e medo e alegria e revolta e coragem e indignação e espanto, é uma mistura de tudo isto com lágrimas escondidas"
in “Quarto Livro de Crónicas” de António Lobo Antunes
Hoje de tarde fui ao cemitério de Bissau, onde estão sepultados camaradas de armas do meu pai, do tempo da guerra colonial...
Da mesma maneira que muitos dos ex-combatentes sentem aquela pulsão de regressar, eu também a sinto. E talvez seja por isso que vim. Cresci a ouvir falar de tabancas, bajudas, fulas, balantas, bolanhas, bijagós, cajus, poilões, febres quartãs...
Sabia onde era Bissau, Empada, Mampatá, Bolama, Aldeia Formosa. Desde pequenino que sei distinguir um papel de um manjaco. Conheço todas as histórias das granadas que rebentaram com a vida daqueles jovens, e dos estilhaços que ainda hoje continuam nos seus corações... tudo isto a preto e branco, num álbum de memorias que em família desfolhávamos amiúde...
Não sei bem explicar porque sinto que isto é um regresso... Na verdade, nunca cá estive. Acho que é um regresso em nome do meu pai, da sua fidelidade a esta terra e a esta gente, que o marcaram para a vida, que me marcaram para a vida... Como se um linha filial marcasse estes quarenta anos de tempo, e que o meu regresso fosse o cumprir de uma tal promessa de fidelidade...
O cemitério de Bissau é triste como qualquer outro cemitério, mas é sujo, descuidado, com cabras a comer as flores apodrecidas... A campas dos militares portugueses estão ao abandono. No fundo, uma metáfora sobre a forma como o país cuida daqueles que por cá ou por lá, continuam perdidos no capim.
Tiago Teixeira
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9818: Ser solidário (125): Jardim Infantil de Ingoré - Flor de Arroz - inaugurado no passado dia 6 de Abril (José Teixeira)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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6 comentários:
Caro Tiago:
Fico feliz por te ver por aí, sorridente, no meio da meninada, numa reedição de uma outra estadia, de um outro Teixeira, quarenta e tal anos para trás...esta, com muito sofrimento.
Fazes muito bem, dando o teu melhor pela saúde e bem estar dessa boa gente que não tem culpa do que lhe vem acontecendo.
Um grande abraço.
Carvalho de Mampatá
Caro Tiago:
Fico feliz por te ver por aí, sorridente, no meio da meninada, numa reedição de uma outra estadia, de um outro Teixeira, quarenta e tal anos para trás...esta, com muito sofrimento.
Fazes muito bem, dando o teu melhor pela saúde e bem estar dessa boa gente que não tem culpa do que lhe vem acontecendo.
Um grande abraço.
Carvalho de Mampatá
Caro JOVEM COLEGA Tiago
Foi com emoção que li o teu artigo.
Bendito seja o teu Pai que te incutiu esse espírito de pulsão e de solidariedade.
Também eu fui por pulsão em 98.
Só que eu estive lá anteriormente como combatente.
A minha admiração é verificar que ainda há jovens médicos ( o teu caso) com este voluntarismo.
Sabes a que me refiro.
Como "lampião" desculpo-te a tentativa de pores o "puto" a fazer o V..
Um grande abraço
C.Martins
Caro Tiago,também passei por Cumura no tempo dos Padres italianos,quando eles tinham a seu cargo os leprosos,estiva aí a fazer uma carpintaria escola para o Padre ensinar aos jovens carpintaria,isto no ano de 1968,ainda esxiste o campanário nas palmeiras?-Bons momentos aí vivi.
Grande Tiago!... Ainda não tinha passado pela tua morança... És uma pessoa de grande sensibilidade humana e sócio-cultural, duas qualidades essenciais a um bom médico que não queira saber apenas de medicina...
Sou muito distraído, ainda não deu conta de teres entrado pela "porta grande" da Tabanca Grande... (Passe a metáfora, já que a TG não tem portas, nem janelas, nem arame farapdo, nem valas, nem cavalos de frisa, nem obuses, nem outras máquinas de guerra...).
Se não tiveres padrinho melhor do que eu (o que não acredito!), ofereço-me para te apresentar aos restantes 555 grã-tabanqueiros!...
Sê bem vindo a este projeto de liberdade, de solidariedade e de partilha (de memórias e afetos), à volta da guerra e da paz...
LG
Tiago, o teu sorriso diz tudo da tua alegria em estares aí. Antes de ir para a Guiné tive oportunidade de ver na TV um documentário sobre o hospital onde estás e gostaria de o ter visitado. Que continues feliz e com o sentimento de grande utilidade, é o que te posso desejar. Um abraço solidário. Anabela Pires
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