terça-feira, 10 de julho de 2012

Guiné-Bissau - P10138: Fauna & Flora (27): A cobra cuspideira (de seu nome científico Naja nigricollis Reinhardt)

 



A cobra cuspideira, aguarela do pintor português, naturalista, [António] Silva Lino (1911-1984), autor de "Serpentes do Ultramar Português". In: Garcia da Orta - Vol.III, nº 4 (1955), pp. 547-553.


1. Em complemento do poste P10135, da autoria do nosso camarada Augusto S. Santos, 9 de julho de 2012... E para exorcizar a nossa, dos primatas, em geral, e dos hominídeos, em particular, tradicional ofiofobia (medo patológico de serpentes)...

Aqui vão algumas características da cobra cuspideira (nome científico Naja nigricollis Reinhardt, 1843):

(i) Serpente muito robusta, alongada (comprimento: até 220 cm), de cauda comprida;  


(ii) podendo alargar o pescoço, em «capelo», sob a ação das costelas cervicais;

(iii) coloração geral variável: por cima negra, castanha ou olivácea e, por baixo, negra com ou sem faixas transversais amareladas ou róseas;

(iv) dentadura proteroglifodonte: dentes inoculadores sulcados, erécteis, mas não retroversáteis e situando-se na parte anterior do maxilar, sem outros dentes neste osso; 

(v) sinais da mordedura: dois pares de perfurações dilatadas, inoculadoras, ladeando duas filas de picadas, mais finas, dos dentes normais palatino-pterigóides;

(vi) a configuração do sulco dentário e a sua abertura permitem o lançamento do veneno a distância considerável;

(vii) veneno mortal, altamente neurotóxico; quando projetado e atingindo os olhos, produz ulcerações graves;

(viii) habita as regiões de savana,  de preferência às de floresta, manifestando maior atividade noturna;

(ix) é muito perigosa pela sua agressividade, a qual se manifesta, primeiro, pelo erguer da cabeça e parte anterior do corpo, com expansão do «capelo», seguido ou não de lançamento do veneno à distância de alguns metros e, depois, pela perseguição e ataque violento;


(x) reprodução por oviparidade.

(xi) alimentação: principalmente, batráquios.

(xii) distribuição geográfiva: África Intertropical, desde a Mauritânia ao Natal; encontra-se na Guiné-Bissau, em Angola e em Moçambique, donde foi descrita a var. mossambica.


Fonte: Cortesia do sítio Triplov > Serpentes do ultramar português: reprodução de aguarelas do pintor Silva Lino; anotações de Fernando Frade e Sara Manaças. "Garcia da Orta", Lisboa, vol.III, nº 4 (1955), pp. 547-553.  

Triplov é também o sítio da revista (digital) TriploV de Artes, Religiões e Ciências, dirigida por Maria Estela Guedes (n. 1947, Britiande, Lamego), que viveu na Guiné entre 1955 e 1966, poeta, escritora e ensaísta, sendo investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa.









Capa da separata dos Anais da Junta de Investigações Coloniais [JIC], Vol 1, Lisboa, 1946, contendo o "Relatório da missão zoológica e contribuições para o conhecimento da fauna da Guiné Portuguesa", por Fernando Frade (professor extraordinário da Faculdade de Ciências de Lisboa), com a colaboração de Amélia Bacelar (naturalista do Museu Bocage) e Bernardo Gonçalves (assistente investigador da JIC). Cortesia de Tripov > Fernando Frade > Missão zoológica da Guiné.

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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4786: Fauna & Flora (26): Make Love, Not War, ou as cobras que morreram na guerra a fazer amor (Rui Silva)

5 comentários:

Luís Graça disse...

Já aqui escrevi em tempos:

(...) "Não sei se é um problema social, se está inscrito no nosso ADN, fruto de milhões de anos de evolução e de convívio (nada pacífico) entre os primatas e os répteis...

"Também há a nossa matriz cultural: para os gregos da Antiguidade Clássica, a serpente era um animal sagrado, associado ao conhecimento e à sabedoria (veja-se o cadaceu, que é o símbolo da farmácia e da medicina)... Já para a nossa cultura judaico-cristã, a serpente é a personificação do diabo, foi ela (e a mulher...) a responsável pelo pecado original, a nossa expulsão do Paraíso, a condenação ao trabalho, o parto com dor, e todas as demais desgraças que se abateram sobre a pobre humanidade". (...)

Fonte:

11 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4501: Fauna & flora (22): A fobia das cobras (Magalhães Ribeiro)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2009/06/guine-6374-p4501-fauna-flora-22-fobia.html

Luís Graça disse...

De resto, a lista das nossas fobias (humanas...) é interminável e impressionante...

O medo das cobras diz-se ofidiofobia ou ofiofobia ou ainda herpetofobia (medo dos repteis, em geral).


http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_fobias

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ofidiofobia

Torcato Mendonca disse...

Abri e apareceu-me a cuspideira.

Safa...mas que nojo daquele monstro que, diziam os nativos, se o veneno atingisse a nuca a morte era certa.

Não falo de cobras pois é o animal que mais detesto (aranhas e osgas menos claro).

Tivemos encontros engraçados com elas. Agora ainda...bá.

Ab T.
ps: parabéns pela boa perquisa.

Luís Graça disse...

Meu caro Torcato:

Sou mais helénico do que judaico-cristão na minha atitude face às cobras... Sou a favor da sua proteção na natureza... O que não quer dizer que não lhes tenha um medo atávico, ancestral, profundamente enraizado na "nature" (o nosso polo biológico) e na "nurture" (o nosso polo cultural)...

Cobras e ratos... A nossa espécie aprendeu a lidar com eles, de acordo com um mecanismo (inteligente) de sobrevivência, que permitiu, até hoje, sermos um caso extraordinário de sucesso em termos de evolução, e que é o "fight or flight" (luta ou foge)... Digo até hoje, porque deixámos de ter predadores: o maior predador do homem (e do seu ambiente natural) é o próprio homem...

Os ratos, por sua vez, são estão associadoa ao maior desastre demográfico do Ocidente, que foi a peste negra de 1347-1352... ("Da peste, da fome e da guerra - e do bispo da nossa terra... Libera nos, Domine!")...

Em data que já não posso posso precisar, mas seguramente em finais de 1970, na estrada em construção de Bambadinca-Xime, tive um encontro do "3º grau" com uma bicha destas... Não posso garantir que era uma cuspideira, mas a aguarela do Silva Lino funcionou como um "flash" na minha memória...

Fazia parte de um grupo de combate da CCAÇ 12 em missão de proteção de homens e máquinas da TECNIL (sim, a a mesma TECNIL do nosso Rosinha...). Estávamos instalados e alinhados, na berma da nova estrada, do lado direito, no sentido Xime-Bambadinca, perto da Ponta Coli, ao longo de 200 ou 300 metros de extensão... Ou numa posição que dominava a Ponta Coli, de triste memória, já te posso dizer exatamente onde, mas foi por ali...

Exausto, deitei-me e encostei a cabeça a um troco de árvore caída, já na mata circundante... Graças aos meus, na época, apuradíssimos reflexos do "fight or flight", dou um salto, e ponho-me de pé, de arma em punho,quando a escasso meio metro, vejo, olhos nos olhos, a cabeça de uma cuspideira (?)...

Foi o maior susto que apanhei com cobras na Guiné, mas era frequente tropeçarmos com elas no mato... O outro susto foi em Contuboel, pira de um mês (!), quando vi um latagão de um mandinga que ia à minha frente, cair redondo no chão com a picada de uma cobra verde que se desprendeu de um bananal ou de uma palmeira... ou que esse pisou sem querer... Eu ia buscar bananas, lá numa ponta (horta)...

Sei que que lhe abrimos a ferida com uma faca, e pusemos um outro mandinga, com bons dentes, a chupar o veneno...

Boa continuação da tua recuperação, e não te esqueças que as serpentes fazem parte do caduceu, símbolo mitológico da medicina... e hoje do comércio farmacêutico.

augusto.d.s.santos@gmail.com disse...

De: Augusto Silva Santos

Obrigado Luís pelo teu excelente esclarecimento. Cobras verdes vi algumas, tendo inclusive visto uma passar bem perto de mim quando estava encostado a um baga-baga, mas cobras cuspideiras confesso que nunca vi e desconhecia se de facto existiam ou não na Guiné. Apesar da brincadeira, afinal havia mesmo.
Um Abraço