1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 15 de Agosto de 2012:
Caríssimo Carlos,
Na senda da última mensagem que enviei, e transcrevia uma reportagem sobre a revisão constitucional e a questão ultramarina, editada pela Vida Mundial, em 16/VII/71, encaminho hoje uma caixa da mesma edição subordinada ao título "Sobre a Guiné e Outras Ideias", que, curiosamente, parece revelar importantes desenvolvimentos sobre a política portuguesa na época: por um lado, o general Spínola que usava com mestria os meios de informação, e era praticamente visita diária dos lares portugueses onde pontificava o aparelho de televisão, não só explanava novos conceitos sobre as relações do ultramar com a metrópole, como já tinha em marcha uma base de apoio para voos mais altos na estrutura da república, um e outros a adequarem-se rapidamente à filosofia dos "novos ventos" que varriam a África, particularmente em relação aos territórios sob administração portuguesa, nalguns casos com inflexões bastante acentuadas; por outro lado, esses conceitos representavam um corte abissal relativamente à apatia política de Salazar no que toca ao ultramar, e que morrera em 27 de Julho de 1970, depois de quase dois anos de enfermidade, do que resultava um cisma na maneira de pensar a política ultramarina.
As resoluções, no entanto, nunca foram claras e rápidas, pelo que não se chegou a formatar um novo projecto de relações de Portugal com as colónias, salvo no que respeita à desejada Zona do Escudo, e ao Projecto de Sines, que, afinal, poderiam constituir mais um estertor da autonomia administrativa e financeira das então designadas Províncias Ultramarinas.
Mas a política em Portugal tem sido cheia de incongruências.
Carlos, para ti e para o Tabancal, vai...
Aquele abraço
JD
SOBRE A GUINÉ E OUTRAS IDEIAS
Vida Mundial, em 16/VII/71
No debate dos problemas ultramarinos não deixou de se citar a acção que o general Spínola tem desenvolvido na Guiné. O deputado Maximiliano Fernandes considerou de realistas e clarividentes as directrizes traçadas por aquele governador, dizendo que elas teriam uma grande oportunidade, se aplicadas com fins semelhantes em Moçambique. E exaltou o empenho do governador António de Spínola em "acelerar a formação de "élites", por forma a permitir aos guinéus um acesso cada vez maior, não só às estruturas privadas do desenvolvimento económico, como até aos quadros superiores da administração provincial, aos seus orgãos legislativos e aos seus serviços, caminhando assim para uma Guiné administrada fundamentalmente por guinéus".
Tais afirmações mereceram o inteiro aplauso de grande sector da Câmara, evidenciando-se as atitudes assumidas na sequência da intervenção do referido deputado, pelo dr. Barreto de Lara e pelo prof. Pinto Machado, declarando este: "Já que se refere ao sr. governador da Guiné, e porque tenho procurado estar a par, objectivamente, da sua acção, eu queria declarar aqui a minha profunda admiração pela extraordinária obra de autêntica unidade nacional - essa é que é obra de autêntica unidade nacional - que ele está a realizar nessa província e que, oxalá, efectivamente se realize nas restantes e até aqui nesta província lusitana".
O voto do deputado Pinto Machado foi apoiado por muitos pares, sendo de assinalar as considerações que lhe juntou o dr. Barreto Lara, que, na discussão constitucional relativa às alterações respeitantes ao Ultramar, teve papel muito destacado, em virtude do qual manteve apaixonante diálogo com alguns deputados. O dr Ulisses Cortês, que nesse debate defendeu uma posição de harmonia com os princípios que tem seguido, concordou, em princípio, com a exaltação do governo do general António de Spínola, embora vincasse que não podia deixar de tornar "extensiva a homenagem a todos os governadores do Ultramar".
Enquanto decorria o debate da Assembleia Nacional, o dr. José Pequito Rebelo, que foi destacado dirigente integralista, publicava no semanário monárquico "O Debate" uma série de artigos sobre a Constituição, a propósito da reforma, defendendo neles uma política integracionista e o total povoamento do Ultramar. Num desses artigos ("A verdadeira constituinte", saído no dia 26 de Junho), o articulista escrevia, ao justificar os pontos de vista que tem desenvolvido: "Enfraquecida a unidade nacional (referia-se às alterações dedicadas ao Ultramar), tenderia a descentralização administrativa a transformar-se em independência política, que, aliás, no seu limite, seria uma pseudo-independência, depressa caída na órbita dos imperialismos neocolonialistas".
Por outro lado, na véspera de partir para Angola e Moçambique, numa viagem que enquadraria também uma visita oficial ao Malawi, o actual Ministro do Ultramar, prof. Silva Cunha, respondia a muitas afirmações relativas à política ultramarina, produzidas na Assembleia Nacional e fora dela. Assim, depois de uma interpretação sobre os dados históricos da presença portuguesa em África, acentuava que "no momento presente tem de dar-se mais um passo para o desenvolvimento (o das províncias ultramarinas), aliás, na linha das reformas promulgadas há cerca de oito anos, pois é necessário adaptar o sistema vigente às novas situações, criadas pelo acelerar da evolução registada neste período". E proclamava: "É esta uma verdade tão evidente que nem sei como possa contestar-se quando sem preconceitos nem erros de observação, motivados pela ignorância das realidades ou pelo preconceito, pela paixão ou pela ambição políticas, se analisa a situação das províncias ultramarinas. Por isso, é difícil compreender certas atitudes de alguns poucos que atacam o Governo, esgrimindo com falsos argumentos colhidos numa especiosa e errada interpretação da História, invocando supostas ameaças à unidade nacional e facilitando assim a acção dos verdadeiros inimigos da Pátria na sua integral dimensão (...). Vivemos uma hora em que não se admitem hesitações nem dúvidas, em que não se pode contemporizar com comodismos ou interesses comodistas, nem com manobras ou doutrinas que diminuam a autoridade do Estado (...)".
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 8 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10241: Notas de leitura (389): O Ultramar e a revisão constitucional de 1971, Revista Vida Mundial de 16 de Julho de 1971 (José Manuel Matos Dinis)
Vd. último poste da série de 17 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10274: Notas de leitura (392): "África, Frente e Verso", por Urbano Bettencourt (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
"salvo no que respeita à desejada Zona do Escudo, e ao Projecto de Sines"
JD, nesta data 1971, já havia 3 anos que era o "fantasma" de Salazar a governar.
Porque se fosse com ele em vida jamais existiria aquele monstro de Sines.
Nem sei se as laranjeiras de Santiago de Cacém voltaram a ter folhas.
A Zona Escudo? existe à 500 anos e serviu de modelo (mas aperfeiçoado) à zona da libra, zona do ff, zona do florin e até da peseta.
A zona Euro é outra coisa, mergulhámos de olhos fechados, mas foi "porreiro" pá!
Um abraço
Olá Rosinha,
A designada "zona do escudo" foi um projecto de protecção à economia metropolitana, tão atrasadinha e incapaz para concorrer em mercados mais desenvolvidos, que obrigava as "provincias ultramarinas" a adquirir na metrópole certos produtos de consumo (vinho, azeite, texteis, calçado, e outros aqui produzidos), e a exportar por Lisboa uma boa parte da produção africana. E Sines? Existia a refinaria de Matosinhos e a de Luanda, ambas em plena laboração, e admitia-se a expansão da exploração petrolífera, pelo que, tornava-se necessário outra refinaria no espaço nacional. Assim, o crude seria refinado em Sines, regressaria a África tanto quanto o necessário para o aumento de consumo, e o restante seria distribuído na metrópole e exportado por via férrea (ainda no papel) para a Europa.
Daí, o natural estrangulamento da economia das provincias.
Provavelmente o método foi copiado de outras potências colonizadoras, mas não tenho conhecimento, apesarde coisas parecidas que são a commonweld e a zona do franco.
Um abraço
JD
Escreve-se Commonwealth
JD
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