terça-feira, 14 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10262: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (4): Hoje vais pagá-las todas!!!

1. Em mensagem do dia 6 de Agosto de 2012, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) enviou-nos esta estória de suspense:

Caro camarada Carlos,
Aqui vai o relato de mais uma passagem de que eu fui um dos intervenientes em Mansambo e, que faz parte das muitas que compõem a história da CART 3493.

Quando não conseguimos distinguir uma brincadeira, daquilo que é a sério, sujeitamo-nos a grandes sustos, e comigo aconteceu assim, em Mansambo.


PEDAÇOS DE UM TEMPO

4 - HOJE VAIS PAGÁ-LAS TODAS!!!

O eletricista da nossa Companhia era muito brincalhão, de estatura baixa, de vez em quando juntava-se a nós (condutores) sempre disposto a pregar partidas, depois ria-se das brincadeiras que fazia, algumas vezes calhava-lhe levar umas palmadas como moeda de troca, mas não se chateava, até porque era quase sempre ele o primeiro a pôr (lenha na fogueira). Quem passou pela Guiné sabe que todos nós tínhamos dias de algum desnorte. Aconteceram incidentes graves, por vezes sem razão aparente para que tivessem sido provocados. O certo é que aconteciam, e todos nós tínhamos conhecimento de tais atos.

O Vieira, certo dia, entrou no abrigo dos condutores, onde (por acaso) só estava eu deitado em cima da cama, que era a última do abrigo. Quando entrou, não sabia se eu estava sozinho ou não. Aparentava ir completamente descontrolado, levando na mão uma granada ofensiva. Entrou cerca de um metro dentro do abrigo e, em vós alta e com cara mau disse- me:
- Estás farto de gozar comigo, hoje vais pagá-las todas.

Nos primeiros instantes não fiz caso, mas quando ele retirou a cavilha da granada e a atirou para debaixo da minha cama, estive alguns segundos em que a respiração parou. Naqueles breves momentos pensei em quase tudo, mesmo no pior… Passados que foram alguns segundos não houve rebentamento (estava desativada). O Vieira começou a rir e fugiu, ainda hoje não faço ideia onde se terá escondido. Quando saí da cama era mesmo com vontade de lhe sacudir a roupa, mas passadas algumas horas já tudo tinha esquecido, menos o susto que apanhei.

Encontrámo-nos há três ou quatro anos num almoço da companhia que teve lugar em Viseu, (desde a nossa vinda da Guiné não mais o tinha visto), falámos acerca desse episódio o que serviu para ele se rir mais um pouco. Eu ainda lhe disse: - Hoje é que vais levar uns murros… na brincadeira, claro!

O Vieira era um bom camarada. A primeira vez que vim de férias à Metrópole fui incumbido de levar para Bissau uma mala que pertencia a um oficial da nossa companhia, que tinha sido destacado para outra, ou para um grupo de combate (não tenho a certeza) de tropa nativa e que tinha sido vítima de um incidente provocado por um subordinado seu. Talvez recordar-me da mala que levei para Bissau (por sinal bastante pesada), me fizesse pensar que o que foi uma brincadeira pudesse ser a sério.

António Eduardo Ferreira
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Nota de CV:

(*) Vd. último poste da série de 5 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10119: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira (3): Crianças de Mansambo, jamais vos esquecerei!

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